Introdução
Para quase todas as áreas da vida há sempre duas interpretações. Sem querer com isto defender a linha de pensamento hegeliana, que nega os absolutos e tenta, através da síntese, fazer com que A, mesmo quando oposto e antagônico a B, sejam ambos verdadeiros. Este é o princípio da relativização de todas as coisas que tenta negar a beleza das verdades divinas. Para a Bíblia, a verdade é o que é. Cremos sim, em princípios, valores e verdades absolutas e as verdades do Evangelho são absolutas. Jesus é o único caminho, a única verdade, e a única vida... Não existem muitas verdades sobre isto, apenas uma. Jesus é o único Senhor e único salvador.
Quando falo de diferentes visões, quero me referir àquilo que costumeiramente ouvimos, principalmente de casais em tempos de conflitos. Muitas vezes quando você ouve apenas um lado, você pode transformar o outro em um monstro, mas quando você ouve, avalia, pondera, reflete, você acaba percebendo que as versões dependem do ponto de vista de cada um. Por isto é fundamental não ser precipitado nos julgamentos, aprender a ler nas entrelinhas, avançando pela cortina de fumaça que tenta encobrir a verdade.
Uma música da banda The Carpenters “two sides” diz o seguinte:
Bem... há dois lados, para cada situação
Bem, há dois lados, duas interpretações
Uma risada é um choro, olá quer dizer adeus
(...) Há escuridão em nossa luz, e há e há erro em nosso certo
(...) Há dois lados, há outro lado de mim
Há aquele que você acha que conhece e o outro que você nunca vê
Este texto fala de dois lados da vida em muitas situações, e isto nos obriga a olhar a vida com perspectivas mais amplas, considerando o lado de cada uma das situações com as quais devemos lutar.
1. Precisamos ter uma visão mais abrangente do pecado. “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.” (2 Co 7.1)
A Bíblia nos ensina que existem pecados da carne e do espírito.
A impureza da carne tem a ver com os pecados que praticamos contra o corpo, que incluem a gula, a bebedice, o vicio, sedentarismo, e os pecados sexuais como adultério, formicação, lascívia e sexo fora do padrão aprovado por Deus. Estes são os pecados visíveis e explícitos. A moral cristã, erroneamente, tem facilidade para identificar e julgar alguns destes pecados porque são mais visíveis e perceptíveis, transformando o corpo num bode expiatório, e quase assumindo uma visão platônica de que o mal está na corporeidade.
Mas e quanto aos pecados do espírito? Pecados como avareza, luxúria, narcisismo, vaidade, orgulho, arrogância? Você já viu algum membro ou líder de igreja sendo julgado por causa de um “pecado do espírito?” Não! Porque tais pecados não são objetivos, nem mensuráveis, embora sejam tão danosos como os primeiros.
Por esta razão a Bíblia fala da impureza da carne e do espírito. O problema não é apenas o que você faz com seu corpo, mas com sua mente e emoções. Afinal, “do coração procedem todas as fontes da vida.”
Por isto, com o poder do Evangelho e a operação do Espírito Santo em nossas vidas, precisamos nos purificar de toda impureza, tanto da carne como do espírito. Somos exortados a aperfeiçoar nossa santidade no temor do Senhor. O temor do Senhor nos impulsionará a uma vida de santidade.
2. Precisamos de uma compreensão mais ampla das lutas que enfrentamos. “Porque, chegando nós à Macedônia, nenhum alívio tivemos; pelo contrário, em tudo fomos atribulados: lutas por fora, temores por dentro.” (2 Co 7.5)
Nossas lutas não são apenas externas, mas também internas. Paulo afirma que ao chegar à Macedônia a situação se tornou muito pesada, porque foram atribulados com lutas externas e angústias interiores. Esta é a natureza de nossas lutas.
Muitas vezes sofremos por batalhas e pressões externas. Perseguições, ameaças, concorrência, acusações, injustiça. Elas surgem das circunstâncias ou das pessoas que andam ao nosso redor. Paulo teve muitas lutas com poderes políticos, perseguições de religiosos e até mesmo oposição dentro da igreja. Não é assim que vivemos também num mundo de negócios competitivos como o nosso que “precisamos devorar no almoço para não sermos engolidos no jantar?” As pressões sociais, as cobranças que recebemos, a insegurança no mercado do trabalho. Hoje estamos empregados e amanhã desempregados. É assim a vida, não temos segurança e nem estabilidade.
Muitas vezes, entretanto, as batalhas surgem dentro de nós. Não é apenas o que nos fazem, mas a forma como reagimos à vida. Nossas neuroses, dislexias, insegurança, medo, ansiedade. Como somos frágeis, dependemos do aplauso e da aprovação dos outros. Qualquer comentário negativo ou critica nos desmonta, vivemos à beira de um ataque de nervos. Nossas emoções são frágeis.
Paulo fala dos “temores por dentro.” Quais são os medos que nos atormentam? Precisamos de uma compreensão mais ampla da natureza dos problemas que enfrentamos: internos e externos. Mas precisamos ainda mais, enfrentar as lutas externas e internas com o olhar de Cristo. Muitas vezes nos esquecemos de que temos um pastor que caminha conosco, luta as nossas lutas e alivia a nossa carga.
3. Precisamos de uma compreensão do que causa nossa dor. “A tristeza segundo Deus produz um arrependimento que leva à salvação e não remorso, mas a tristeza segundo o mundo produz morte. (2 Co 7.9)
O texto bíblico nos ensina que existem duas fontes da tristeza: Uma pode brotar
do mundo, outra pode ser gerada pelo Espírito Santo. Desta forma entendemos que
existem duas formas de sofrimento: Uma positiva e outra negativa.
Se sofrermos por causa do nome de Cristo, e por causa de nosso estilo de vida somos abençoados porque o Espírito repousa sobre nós. Biblicamente Deus pode causar o sofrimento a fim de nos corrigir, educar, advertir. Ele pode usar o sofrimento para nos provar e para efetuar seu proposito em nós, que é sempre de amor e paz (Jr 29.11). Entretanto, o sofrimento geralmente é causado pelos nossos pecados, pela ação do mundo e do diabo, que usa o mal para nos desestabilizar e gerar angústia. Mas, nas Escrituras Sagradas, ainda que Deus permita que o mal nos sobrevenha, ele sempre em bem para nosso benefício.
Então temos dois tipos de tristeza, a tristeza segundo Deus e a tristeza
segundo o mundo. Pedro afirma: “Por isso, também os que sofrem segundo a
vontade de Deus encomendem a sua alma ao fiel Criador, na prática do bem.”
(1 Pe 4.19). Portanto podemos sofrer segundo a vontade de Deus, mas também
podemos sofrer não segundo a vontade de Deus. Se sofremos por causa do
testemunho cristão ou porque defendemos a justiça, não há motivo para ficarmos
envergonhados, pois sofremos de acordo com a vontade de Deus.
Qual é a fonte de seu sofrimento?
No texto lido Paulo fala da “tristeza segundo o mundo que produz morte.” Esta é uma tristeza gerada pelos pecados. Fazemos escolhas erradas, agimos com motivos errados, estabelecemos alvos e propósitos errados e sofremos por isto. Sofremos por causa de nós mesmos, por causa de nossa ira, ressentimento, amargura, culpa e medo. Esta tristeza tem um fim terrível: ela produz morte. Ela não nos ajuda em nada, pelo contrário, nos faz afundar cada vez mais nas trevas e na dor. Não podemos esquecer que muito da nossa tristeza está associada ao nosso pecado. O salmista fala abertamente: “Suporto tristeza por causa do meu pecado” (Sl 38.18). O pecado rouba a alegria, gera culpa, fracasso, retira a autoridade moral e espiritual de nossa vida, como fez com Davi. Pecado gera tristeza.
Mas existe uma santa tristeza. Esta é gerada pelo Espírito de Deus. Ela acontece quando pecamos, e nos sentimos devastados e corremos para Deus. Ficamos tristes porque entendemos que ferimos o coração amoroso de Deus. Esta tristeza gera vida, traz arrependimento. Deus precisa gerar em nós tristeza pelo pecado. Arrependimento é obra do Espírito Santo. Feliz é o homem que se entristece pelo mal praticado e não fica endurecido pelo engano do pecado. Sua tristeza é benéfica porque ele percebe que sua vida não está alinhada à vontade de Deus e se volta para receber cura e ser restaurado. A tristeza segundo Deus pode ser muito dura, mas é restauradora. Gera transformação.
Temos dificuldade de reconhecer nossos erros e estamos sempre dispostos a explicá-los e justificá-los. Arrependimento não é remorso, que surge por causa do medo das consequências, mas é uma experiencia de humilhação, ao compreendermos o pecado e como ferimos a Deus. Arrependimento não é o um simples pesar ou rancor. A tristeza de acordo com o mundo se preocupa com as consequências resultantes do pecado, não com o fato de que o pecado tem nos separado do coração de Deus. O pecado é uma ofensa a Deus. Infelizmente, a tristeza que muitos sentem é a do mundo.
Quando sofremos segundo o mundo, perdemos a alegria da salvação, por isto o salmista ora: “Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que exultem os ossos que esmagaste” (Sl 51.8). Pedro chorou amargamente por ter negado a Jesus (Lc 22.62). Davi teve tristeza pelo seu pecado.: “Contra ti, somente eu pequei.” (Sl 2.4) Há muita tristeza devida exclusivamente ao pecado.
A tristeza segundo Deus é saudável, necessária, provocada por Deus, com finalidades terapêuticas. É a tristeza que leva o pecador ao arrependimento. A tristeza genuína pelo pecado é obra do Espírito de Deus. Todo arrependimento genuíno brota por entendermos que nosso pecado foi cometido contra Deus.
A diferença é simples: a tristeza do mundo focaliza você, enquanto a tristeza piedosa focaliza Cristo. Quando uma pessoa está preocupada porque seu pecado pode afetar seu status, seu bem-estar, sua posição ou reputação, não é uma tristeza piedosa, porque o enfoque é egoístico, e leva a pessoa, cada vez mais, a um estado de endurecimento do coração!
Até aqui temos visto que sempre há dois lados:
A. Existem dois tipos de pecados: Aqueles que são da carne, e outros que são do espírito.
B. Existem dois tipos de lutas: De natureza externa: pressões e circunstâncias, e internas: temores e ansiedade que enfrentamos
C. Temos dois tipos de tristeza: Segundo Deus que produz arrependimento e salvação, e a tristeza segundo o mundo, que produz morte.
Mas precisamos entender que existem situações em que a verdade é inquestionável e única. Aqui neste texto vemos dois destes aspectos.
1. Existem amigos de valor inestimável.
Paulo faz aqui referência a um amigo especial e companheiro do ministério. No meio de suas tribulações Tito tornou-se sua referência de consolo e alegria (2 Co 7.6). A presença de Tito também lhe trazia contentamento. (2 Co 7.13) Gosto de refletir sobre a afirmação deste texto que diz que o coração de Tito foi “recreado”. Existem pessoas que trazem contentamento e alegria ao nosso coração. Chegam trazendo graça. São amigos mais chegados que irmãos. Gente de bom humor. É difícil andar com pessoas que parecem o zangado, um dos sete anões, sempre mau humorado.
A Nova Versão internacional diz:
“Ficamos mais contentes ainda ao ver como Tito estava alegre, porque seu espírito recebeu refrigério de todos vocês.” ( 2 Co 7.13)
O segredo para que a amizade de Tito fosse assim tão significativa pode ser explicado na frase: “e o seu entranhável afeto cresce mais e mais.” (2 Co 7.15). Tito era um cristão amoroso, e seu carinho vinha das entranhas, de dentro do coração, do lado esquerdo do peito, algo profundo e sensível. A presença de Tito trazia contentamento para a comunidade de Corinto e para a vida de Paulo.
Esta é uma verdade maravilhosa. A benção de termos irmãos queridos, que trazem alegria ao nosso coração e enriquecem a nossa vida.
2. A presença de Deus é fundamental. A presença de Deus consolo e nos livra da morte espiritual.
a. A presença de Deus traz consolo. “Porém, Deus, que conforta os abatidos nos consolou com a chegada de Tito.” (2 Co 7.6).
Ele sabe o que precisamos e nos envia consolo no meio das tribulações. Paulo relata como ele estava sofrendo com as lutas que enfrentava, mas ao mesmo tempo relata como ele foi consolado por Deus. O que Deus fez para trazer conforto ao coração do apóstolo? Deus enviou Tito, seu amigo. É assim que Deus faz. Ele nos dá presentes inesperados. Ele envia gente querida para andar conosco e nos abençoar. A presença de Deus traz conforto, nos revigora para enfrentar as duras batalhas.
b. A presença de Deus nos livra da morte espiritual. Gera arrependimento, desejo de transformação, tristeza pelo pecado.
Enxergar nosso pecado não é algo fácil, muitas vezes é duro e triste, mas ao mesmo tempo é transformador e terapêutico. Este texto fala de “arrependimento segundo Deus” e de sermos “contristados segundo Deus.” (2 Co 7.9). O Arrependimento é algo essencial para nossa vida. Precisamos entender a gravidade de nosso pecado.
Tim Keller gosta de falar da “dança do Evangelho”. O Evangelho precisa gerar em nós tristeza, dor e desespero, porque denuncia nossa condição espiritual, nosso fracasso enquanto seres humanos, da nossa arrogância e vaidade. Isto deve nos assustar e nos fazer aproximar de Deus. Por outro lado, o evangelho traz deleite. Sabermos que fomos amados, justificados e perdoados. Somos chamados para uma relação de amor e amizade com o Deus santo por meio do sangue de Cristo. Isto traz paz, segurança, alegria ao nosso coração.
Então a dança do evangelho vai do desespero ao deleite. Muitas vezes só vivemos no lado negro. Ficamos desesperados pela nossa condição de pecador, mas não experimentamos alegria por nossa condição de filhos amados, salvos pela graça de Cristo. Se você apenas sofre pelo seu pecado, você ainda não entendeu a beleza de Cristo em sua vida. O evangelho ainda está mal compreendido em sua história.
Conclusão
Desta forma, além dos dois lados presentes na nossa história, temos duas outras grandes bençãos, verdades fundamentais nas quais precisamos nos apegar. Estas são: Os amigos que Deus nos concede e a presença consoladora e transformadora do Espírito de Deus em nossa vida.
Temos dois lados em algumas situações, mas temos apenas uma direção: A obra de Deus em nossas vidas.
Esta é a realidade do povo de Deus!
Texto maravilhoso. Glórias a Deus pela sua vida Pastor Samuel.
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