sexta-feira, 8 de setembro de 2023

1 Cr 12.32 A Igreja do Futuro : Interpretando corretamente o seu tempo




 

“Esses líderes sabiam o que o povo de Israel devia fazer, e a melhor ocasião para fazê-lo” (NTLH)

“Dos filhos de Issacar, conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer” (RA)

 

 

 

Introdução

 

Deram-me o tema “A igreja necessária”, para pregar no aniversário da Igreja Presbiteriana do Setor Bueno, em Goiânia. Resolvi refletir sobre o contrário desta temática, antes de falar do tema específico.

 

Será que podemos falar de “igrejas desnecessárias” também?

Fiquei pensando sobre igrejas “desnecessárias”, isto é, que não fazem falta a ninguém, que se deixarem de existir, ninguém perde nada.

 

Eis o que pensei:

§  Uma igreja perdeu a capacidade de ser sal. Se tornou insipida, irrelevante.

§  Uma igreja que perdeu a capacidade de ser luz. Por alguma razão decidiu se colocar debaixo da cama, não ilumina, não agride as trevas, não aquece.

§  Uma igreja vivendo um estilo novelesco. Gasta tanta energia administrando conflitos que não tem tempo para sonhar projetos, planejar a visão, sua percepção é “visão de túnel”, incapaz de olhar para os lados e ver as oportunidades que Deus tem colocado diante de si.

§  Uma igreja desnecessária, perde seu valor. Jesus mesmo afirmou que se a Igreja de Éfeso não se autoexaminasse, se arrependesse, e voltasse à prática das primeiras obras, ele a moveria do seu lugar o seu candeeiro. (Ap 2.5)

§  Uma igreja desnecessária, perdeu a capacidade de glorificar a Deus. Ela é irrelevante espiritualmente, portanto, sua presença é insignificante.

 

Dita estas coisas, gostaria de refletir sobre uma igreja que é necessária.

A igreja necessária é aquela que sabe interpretar o seu tempo. É fácil virar monumento e viver de história, que apenas olha para o passado e adora museu, ao invés de se tornar um movimento, com perspectiva no futuro.

 

  1. Conhecendo o tempo, não corremos o risco de nos perder no passado –Quando Davi estava formando o seu segundo escalão e descobriu uma turma interessante dentro de Israel. “Dos filhos de Issacar, conhecedores da época.” (1 Cr 12.32)

 

Davi descobriu um grupo de jovens de uma tribo esquecida de Israel, que se tornou conhecida por serem jovens lúcidos e conectados com seu tempo. Você já ouviu falar desta tribo? Quase não há menção das pessoas desta tribo no Antigo Testamento. O que estes jovens tinham de especial: o texto afirma que eles eram “conhecedores do seu tempo”. Você realmente entende o que está acontecendo ao seu redor?

 

Tenho encontrado muitas pessoas que se perdem na memória de um tempo bom, vivem agarradas a este passado, e não conseguem mais projetar sua vida em relação às novas oportunidades que estão surgindo.

 

Que geração é esta?

            Mística

            Experiencialista

            Relativista

            Pluralista

            Subjetivista

            Relacionamentos descartáveis: Amor líquido.

            Mundo virtual

 

Precisamos de pessoas que saibam traduzir a igreja no seu contexto histórico. Jovens que amam a Deus, que possuam formação sólida e compromisso sério, mas que ao mesmo tempo consigam fazer uma leitura correta da sociedade e dos desafios atuais.

 

Uma igreja necessária é culturalmente relevante. Cultura é perigosa? Sim. Mas somos convidados a nos engajar na cultura por causa de Cristo.

Quando se trata de engajamento e contextualização, a igreja enfrenta dois riscos:

 

A.    Obscurantismo e Isolamento – Carlito Paes afirma que “se o Século XX voltar, muitas igrejas estão preparadas para recebê-lo.” Igrejas historicamente se acomodam. Igrejas que vivem no modelo de 50 anos atrás podem se tornar irrelevantes e desnecessárias no Século XXI. A verdade de Deus é eterna para todas as culturas. O grande desafio é que a igreja precisa se tornar relevante. A Bíblia é relevante, mas talvez não sejamos.

 

Santidade não é separação do mundo.

Sem contextualização a igreja enfrenta o obscurantismo. Não precisamos tornar o evangelho relevante, ee já é.

 

B.     Sincretismo – O outro risco que a igreja enfrenta é do sincretismo. Neste caso o evangelho se perde, tornando-se parecido em excesso com a cultura. Quando o evangelho se “confunde”, torna-se irrelevante e desnecessário: sal no saleiro e luz debaixo da cama.

 

Por que precisamos conhecer a época que vivemos?

 

Muitas pessoas costumam dizer: “Aquele tempo é que era bom” ... ou, “Não é necessário mudar. O tempo bom é hoje!”. Alguns chegam ao absurdo de querer reviver “movimentos” históricos. Temos acompanhado dentro de igrejas evangélicas, pessoas que querem reviver experiência dos homens do passado, sem entender seu contexto e os motivos que levaram Deus a levantar uma geração que foi tão significativa para seu tempo.

 

Pessoas tradicionais tendem a confundir essência com acidente, temporal com eterno, histórico com revelado; sem considerar que o velho, quando surgiu, também era novo.

 

Certa vez participei ativamente da programação de um grupo que queria celebrar uma data histórica. No saudosismo começaram a dizer como era bom o tempo passado, e perceber que o saudosismo florescia. Então, cuidadosamente, comecei a dizer que não era importante saber apenas de onde vínhamos, mas projetar a visão do lugar aonde queremos chegar.

 

  1. Quem conhece o seu tempo, não possui visão romântica nem pessimista da história, mas interpreta a vida considerando a realidade – Sabe fazer a hermenêutica certa e investir seu tempo apropriadamente.

 

Uma conhecida canção de final de ano diz: “every generation, blames the one before”. Como, sem precisar culpar a a geração antiga, podemos ter igrejas e pastorados relevantes? Como ser contemporâneos nesta geração plural, superficial, com grande mobilidade, individual, subjetivista e experiencialista?

 

Stott afirma que os liberais têm relevância sem conteúdo, mas que os conservadores tem conteúdo sem relevância. Será que a realidade precisa ser esta?

 

Precisamos pedir a Deus para que nos dê a graça de ser um homem deste tempo, servindo a própria geração. A palavra de Deus nos afirma que um dos reis de Israel conseguiu efetivamente fazer isto. “Tendo Davi servido à sua própria geração conforme o desígnio de Deus, adormeceu” (At 13.36). Esta é a geração que Deus nos colocou para servir. Como vamos respondê-la, sem comprometer o conteúdo do Evangelho? Como alcançar esta geração virtual que parece já nascer com um chip na cabeça?

 

  1. Quem conhece o tempo, é capaz de projetar o futuro – “Dos filhos de Issacar, conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer” (1 Cr 12.32)

 

Por conhecerem seu tempo, eram capazes de criar estratégias corretas. Eram “conhecedores de seu tempo para saberem o que Israel devia fazer.”

 

Muitas pessoas querem fazer. Mas sem reflexão. Sem inteligência. Às vezes, fazer menos é fazer mais. Já ouviram falar do ócio produtivo? Nem sempre ação significa eficiência. Se você não conhece as demandas do seu tempo, você vai viver como Margarida, descrita por Chico Buarque: “O tempo passou na janela, só Carolina não viu.”

 

Lá fora, amor
Uma rosa nasceu
Todo mundo sambou
Uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo
Pela janela, ói que lindo
Mas Carolina não viu

 

O lema de Steve Jobs e da Apple é “Think different!”. Esta capacidade de pensar com novas estratégias e ver perspectivas com novas lentes, faz toda diferença na vida. Certa vez, Jobs afirmou que nunca faziam pesquisa de mercado, porque as pessoas não sabiam o que queriam, até ver o que eles estavam oferecendo.

 

Então, para ilustrar, fazia o seguinte comentário. Se Henry Ford perguntasse às pessoas como elas gostariam que fossem os veículos do futuro, certamente eles diriam que queriam mais conforto, e cavalos mais potentes. Eles não conheciam o motor a diesel, então não conseguiam fazer comparações. Para Jobs, portanto, quando as pessoas viam as novas invenções, elas então diziam: “Era exatamente isto que nós queríamos ter”.

 

Visão é a antecipação do futuro. A capacidade de ver e colocar os olhos onde ninguém está vendo. No entanto, as projeções para 2020/2040, surgem agora, daqui a 10 ou 20 anos, você pode estar no mesmo lugar, ou construir perspectivas.  Basta fazer uma leitura da história para que a gente perceba isto. Aqueles que conseguiram dar grandes saltos de qualidade, foram homens com capacidade de ver onde oportunidades onde pessoas viam problemas.

 

Gary L. McIntosh & Glen Martin escreveram interessante livro chamado “The Issachar Factor”, com o seguinte subtítulo:” Compreendendo tendências que confrontam sua igreja e desenham uma estratégia para o sucesso”.  Eles começam o livro falando da revolução que foi a mudança do relógio antigo, manual, em relação ao relógio de quartzo, digital. Contam a história do inventor deste relógio e como ele e ofereceu seu produto aos suíços, tradicionais fabricantes de relógio, mas eles rejeitaram a proposta uma vez que eram detentores de quase todos os relógios fabricados no mundo. Se eles eram donos do mercado, por que mudar?

 

O inventor então, foi procurado pelos japoneses, que revolucionaram a indústria de relógio no mundo. Qual foi o ponto: Os suíços não entenderam as mudanças que estavam ocorrendo, não quiseram ver e perderam o tempo, e ficaram para trás. A história mostra os resultados: atualmente 98% da população do mundo usa relógios de quartzo.

 

Tantos nos dias de Davi, como homem, precisamos de pessoas que saibam retraduzir o contexto histórico em que vivem. A igreja precisa de gente assim: Que amam a Deus, que possuem formação sólida e compromisso sério, e que façam uma leitura correta da vida e dos desafios diante de si.

 

  1. Quem conhece o seu tempo, faz de tudo para viver na dimensão da eternidade – Parece contraditório, mas Brennan Manning afirma que ““todos os cristãos deveriam estar sempre conscientes de sua morte”. Ao entender sua transitoriedade consegue ser relevante, sabe que é mortal e passa. Davi serviu à sua própria geração e adormeceu.

 

Os homens são mortais e passam... A vida passa como vento ligeiro, breve pensamento, flor da erva. O que fazemos agora, ecoa na eternidade.

 

Certo homem estava de forma monótona lendo as genealogias da bíblia, quando observou que todas as pessoas tinham que encontrar a morte no final, já que a Bíblia diz que as pessoas haviam vivido tantos anos, gerado filhos... e morrera! Diante disto, refez sua vida nesta dimensão. Ele compreendeu o seu fim. Sua história vai ser fechada num determinado momento, e ele precisa construir sua vida em relação à estas verdades.

 

Conclusão

 

É impossível conhecer o seu tempo sem a perspectiva do “Cristo de todas as culturas, e do Cristo acima da cultura.” Em Jesus aprendemos a usar de forma sábia o tempo que Deus nos deu.

 

Jesus era encarnado sem perder a dimensão do mistério. Viveu intensamente sua humanidade, soube chorar, soube amar, soube partilhar, soube viver e soube morrer. No meio de toda esta experiência profundamente humana afirmou e ensinou os homens a vivenciar uma sacralidade encarnada. Recusou as tentações do conforto, as ofertas do poder, experimentou o sentido da saudade, do luto e do amor. Descobriu o sentido da afetividade e da traição. Penetrou nos temores dos seres humanos e experimentou fome e sede. Aprendeu o segredo da oração, soube vivenciar Deus no encontro com homens carregados de sensibilidade para com Deus, e na oposição e confronto tantas vezes de homens que eram incapazes de experimentar Deus apesar de serem supostamente representando a Deus. Soube experimentar a Deus no silêncio das montanhas e nas noites que passou na presença de Deus. Conseguiu manter uma relação de integração-inclusão de coisas tão distintas como oração e ação.

 

. Viveu e compartilhou a experiência da sacramentalidade das coisas

Pão e Vinho são dados aos seus discípulos. Mas pão e vinho apontam para algo maior, não são meros objetos. Falam de coisas estranhas. Jesus usa palavras mágicas, mas ao mesmo tempo entendidas e apreciadas pelos seus discípulos. As coisas tinham o poder de aproximá-lo dos seus discípulos, por meio delas uma nova dimensão da vida era ampliada: Descobriam que as coisas tinham sentidos, valores, signos e sinais que apontavam para além. O pão não é mero pão, é verdadeira comida, é carne. Quem come o pão come seu corpo. O vinho não é apenas a uva esmagada; vinho é carregado de gestos e intencionalidades, vinho é sangue, verdadeira bebida, sustento para a alma. As coisas são maiores e têm sentidos mais profundos que os conceitos não podem extrair, e que a razão não pode absorver; é necessário ir além.

 

. Articulou corretamente o natural e o espiritual, o humano e o divino

Na espiritualidade cristã, História de Deus e história dos homens são tangenciais, interrelacionais; realidades que se completam, encontrando-se numa mesma perspectiva, posto que Deus não é alguém longe e distante, mas é um ser pessoal; nem é um poder frio e silencioso, mas é um ser moral que se relaciona com o ser humano, se comunica com ele pelos seus profetas e deseja tornar conhecida sua mensagem a tal ponto que o próprio Filho de Deus resolve penetrar a história.

 

Porque o natural e o sobrenatural se confundem, nenhuma espiritualidade pode ser apenas vertical. A criação é obra de Deus e não do demiurgo mau. Jesus desfruta desta natureza e interage com ela, glorifica ao criador por ela. Assume responsabilidade  com o homem todo e todo homem.

 

A Bíblia nos ensina que Jesus é a chave hermenêutica da história. “Vindo, porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4.4). Jesus vem nos ensinar existe um tempo específico para nascer, viver, servir e morrer. Este é o nosso tempo... Esta é a nossa geração. Não fomos chamados para servir outro temp. Jesus se identificou com a cultura, geografia, costumes e realidades de seu tempo, e ministrava a palavra, “conforme permitia a capacidade de seus ouvintes” (MC 4.33).

 

Precisamos aprender a imitar o nosso Mestre.

 

  

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