Introdução
Como reagimos ao Natal?
Na medida em que chega a época do natal, é possível observar duas respostas completamente distintas:
- De um lado, grande empolgação – encontro de famílias, celebrações, presentes, programações natalinas, cantatas nas igrejas.
- De outro, profunda tristeza – As celebrações do Natal, tantas vezes esvaziado com a perda do seu maravilhoso sentido, torna evidente o vazio dos corações, revela o aumento de conflito familiares e faz disparar a depressão e doenças psiquiátricas. As taxas de suicídio aumentam significativamente durante as festas de final de ano. Por detrás das luzes do natal surgem grandes sombras.
Quando lemos os episódios do Nascimento de Cristo, registrados no Evangelho, também veremos reações distintas. Para alguns, o natal é recebido com muita alegria, mas para outras com perplexidade e ameaças.
Estudar os personagens bíblicos nos ajuda a identificar a nós mesmos. Esta é a melhor forma de lermos a Bíblia, deixando que nosso coração seja atingido, e que isto gere transformação e mudanças em nossas almas.
O nascimento de Jesus causou impacto por várias razões:
1. O momento político do povo - Israel vinha de sucessivas opressões sociais e políticas. O povo andava cabisbaixo, grupos de guerrilheiros radicais se formavam ao longo de todo Israel, como os zelotes e os sicários, e sempre havia conflito entre as forças imperialistas de Roma, implacáveis e duros, com grupos opositores que se levantavam causando motins e conflitos nas cercanias de Jerusalém;
2. A esperança do Messias era algo remota, mas ao mesmo tempo aguardada - Afinal, quanto tempo que Deus já havia prometido, mas a profecia não se cumpria? A mensagem do libertador de Israel repercutia em diferentes grupos de forma diferente. Em todos eles, trouxe reações distintas.
3. O vazio das religiões daquela época, desde o ritualismo judaico (longas e vazias preces e sacrifícios), até o misticismo das religiões-mistério (pessoas que eram sustentadas por manifestações espiritualistas, contacto com anjos, etc.) até o panteão greco-romano (com os deuses fanfarrões e desatinados que eles mesmos criaram nas suas imagens).
Então, ler os textos do Evangelho nos ajuda a entender a dinâmica destas relações, mas ao mesmo tempo nos ajuda a entender o nosso próprio coração. Como eles reagiram à notícia da chegada do Messias, e como nós, reagimos ao Natal.
- Natal Impacta o universo místico da religiosidade vazia. Os magos.
Este grupo pode ser percebido na figura dos magos, registrado em Mateus 2:1-12
Esta estranha caravana de homens ilustres veio do Oriente. O quer faziam eles? Quem são os magos? Como viviam?
O termo “magos”, vem do grego “magoi”. Ao contrário do pensamento popular contemporâneo, A Bíblia não diz que eram “três” e nem afirma que eram reis. Apenas diz que eles eram “magos do Oriente.”
Estes homens eram místicos, gostavam de estudar as fórmulas esotéricas e mágicas, adivinhavam pelas estrelas, queriam conhecer os dialetos de magia, alquimia, manuais de bruxaria. Magos e bruxas são pessoas que acreditam que podem encontrar uma fórmula de controlar as forças espirituais e energias cósmicas que pairam na esfera do sobrenatural. Os magos viviam atrás das pedras filosofais, das energias místicas, eram alquimistas e buscavam esta fonte da eterna juventude. Eles estavam mais para Paulo Coelho, que para um pregador evangélico.
É neste clima de autêntica New Age que Deus vai ao encontro destes homens “espiritualizados e místicos”, para revelar verdades eternas, desfazer pistas erradas e convicções erradas e e apontar na direção certa. Eles precisavam de uma nova compreensão espiritual, pois tudo que é verdadeiro e importante começa em Belém.
A manifestação de um fenômeno celestial, de uma estrela, exerce sobre eles um tropismo fortíssimo. Nada do que até então pesquisaram, nenhum estudo, nenhuma conclusão depois de anos de pesquisa foi tão importante que esta misteriosa luz que aponta para Belém. Então, eles abandonam seus livros de magia, deixam suas pesquisas, suas reflexões e seguem um dado novo, numa longa viagem de cerca de 16oo Kms, numa travessia perigosa pelo deserto. O nascimento e o encontro com Jesus estabelecem um ponto final nas nossas tolas elocubrações, põe ponto final ao caos e confusão espiritual. Os anos de pesquisa mágicas, nada valem diante da manifestação plena de Deus.
Atualmente há um grande número de pessoas fascinadas com manifestações esotéricas e com o clima espiritualista da virada do milênio. Em nossa igreja em Brasília, havia uma pessoa, que conversava com ETs, via discos voadores, visitava todas as seitas e religiões exóticas, participava do vale do amanhecer, rezava para tudo que era santo, até que um dia teve um encontro com Jesus, e todas as tolices esotéricas desapareceram. Ela afirma que de ETs nada mais são que uma forma de distração. Quem se prende a estas coisas se esquece de Deus. Ela foi “evangelizada” por um monge budista, quando ele faz uma citação de Jesus, dentro de um templo budista: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao pai senão por mim”. Nesta hora, ela entende que de fato, Jesus era o único caminho. Suas buscas cessaram ali.
Os magos apontam para pessoas de alma vazia, ansiosas por alguma forma de espiritualidade, que crê em coisas sem sentido e gasta sua vida buscando sem nunca encontrar resposta às suas perguntas. Gente sincera e desejosa, mas com a alma vazia. Mas um dia o inusitado lhe acontece:
2. Natal impacta vidas monótonas e rotineiras. Os pastores
Apenas Lucas registra o episódio dos pastores nas redondezas de Belém. “Estavam ali pastores.” (Lc 2.8). As atividades de um pastor eram marcadas por uma série interminável de noites monótonas e frias. Os dias se arrastavam num rito de repetitividade, a vida do campo, grilos, animais balindo, sempre sob a ameaça de animais selvagens. Durante o dia, a busca por pastagens na terra seca e árida do deserto, com longos e sufocantes dias de calor. O tempo se arrastava lentamente, uma vida sem muita novidade! O que poderia acontecer na esquecida e remota Belém, terra dos efrateus? naquele mundo marcado pelo silêncio do deserto, na periferia de uma pequena cidade, num pequeno país, numa região rural?
Naquela noite o novo se deu, de uma forma deslumbrante. De repente, sem aviso, um clarão, os céus se abrem e eles ouvem um coro angelical: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens a quem ele quer bem.” Uma enorme luz brilha na escura noite e projeta-se sobre eles. Nada poderia ser tão especial: fascínio e temor mesclados, corações acelerados. O que seria isto? Deus rompe o silêncio. Os céus se intrometem na vida de pessoas anônimas e esquecidas e traz realidades novas, percepções diferentes. Há um novo movimento na terra que atinge a vida daqueles homens.
Da mesma forma, o natal ainda hoje tem o poder de se manifestar nas nossas noites escuras, de solidão e esquecimento, de vidas monótonas e dar novo sentido à existência, tirar-nos do vazio de uma vida na qual trabalhamos para sobreviver, estudamos sem saber por que, comemos, mas até a comida parece ser o prato de ontem...sem gosto! A vinda de Cristo pode destruir o ciclo repetitivo de uma existência sem começo-meio-fim. A presença de Cristo traz novo significado.
São assim os testemunhos que ainda hoje ouvimos de pessoas são tocadas por Cristo, A obra de Deus em nossas vidas, traz novo sentido à existência, paz interior prazer de viver.
Os pastores experimentam a maravilhosa graça da revelação que Deus faz de si mesmo na história. Esta é a coisa mais sublime que a alma pode experimentar: Deus se manifestando em nossa história, se revelando na noite escura. Os pastores respondem ao evento de Deus. “Vamos até Belém!” (Lc 2.15). Como ficar impassível a uma experiência tão sublime? Como não responder a Deus?
3. Natal Impacta orações não respondidas. Zacarias
Vemos isto na vida de Zacarias. Um homem consagrado, fiel e de oração. Muitas vezes orou para Deus lhes desse um filho, mas na medida que envelhecem a possibilidade de ter filhos não existe mais. Ele é um pastor (sacerdote), mas depois de orar tanto e não ver o milagre que espera, ele perde um pouco da fé. Não é assim conosco? Não parece ter sido assim com Zacarias?
Zacarias pode ter sido vítima da “familiarização com o sagrado”, e a partir de então, caminha na periferia das coisas sagradas por força da profissão, mas não sabe exatamente como lidar com sua fé frágil, ele vai ao templo, por “costume”, segundo o “turno de seus dias”, atendendo ao sorteio que era feito na escala sacerdotal. O sagrado se tornara mera rotina.
Um dia, ao exercer seu turno no templo, e o texto diz que “coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal”. Ele não entra no templo com expectativas, mas por causa de sua escala, entretanto, Deus envia seu anjo, para não apenas dar resposta às suas orações pessoais, mas esta intervenção angelical tem um impacto muito grande na revelação profética, pois interrompe de Deus um silêncio dos céus que durou cerca de 400 anos. Lucas registra que este Zacarias, um tanto incrédulo, recebe de Deus uma mensagem que retoma as profecias do Antigo Testamento. É a primeira pessoa a receber a mensagem que finalmente interrompe o “silêncio de Deus” (Período Intertestamentário. De Malaquias até Mateus são 400 anos. Deus agora se revela a um homem simples, desconhecido, sacerdote, repleto de dúvidas e crises, e com ele se inicia novo período de profundas manifestações sobrenaturais e atos prodigiosos de Deus na terra, com a vinda do Messias, o Filho de Deus.
Quando Deus lhe diz que aquilo que ele sempre pediu iria acontecer, ele não se torna confiante e seguro como Maria ao receber o anúncio. Na verdade, ele duvidou. O relato é irônico, porque ele havia orado a vida inteira para que sua esposa tivesse um filho, mas quando Deus responde ele não acredita. Não é assim que também acontece conosco? A resposta de Deus lhe causou dúvida e temor, não certeza e alegria.
Quantos líderes e pastores vivem nesta dimensão, orando para Deus curar e ao mesmo tempo incapazes de crer na cura. Orando, mas não sabendo ao certo porque oram, buscando sem saber ao certo o que está buscando. Deus é real, mas parece distante. Creem, mas abrigam certa expressão de dúvida, vivem uma espécie de agnosticismo cristão.
Quantos hoje enfrentam esta dramática realidade. O natal se manifesta a pessoas como você e eu, que oramos sem crer, que vivemos margeando a incredulidade sutil, que sabe que pode crer, que há um Deus real, mas ainda assim preso a dúvidas. Temos o grande desafio de orar crendo que Deus é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós.
Se as vezes você ora e Deus parece não responder, não se desespere. Continue firme! Zacarias e Izabel oraram muito, e Deus não os respondeu no tempo que queriam. Eles até acreditavam que estava no plano de Deus o silêncio às suas orações, afinal tinham pedido um filho e Deus não lhes dera…Agora estavam velhos demais…
Natal vem nos lembrar que há um Deus que ouve orações honestas e sinceras. De um Deus que presente e agindo entre nós.
4. Impacta pessoas de vida profunda e piedosa
Natal impacta gente piedosa e disponível para Deus como Maria que diz: “Aqui está tua serva, cumpra-se em mim conforme a tua vontade.” (Lc 1.38). De um servo fiel como Simeão. “Agora despedes em paz o teu servo, porque meus olhos já viram a salvação.” (Lc 2.25-26), e de pessoas como Ana, cuja vida é vivida inteiramente consagrada a Deus, como Ana (Lc 2.36-38)
Maria é mulher simples, de oração. Ao receber a incumbência não cria obstáculos, não considera as críticas e suspeitas que terá que enfrentar. Maria é uma mulher cuja virtude acha graça diante de Deus.
Maria é agraciada. Era uma mulher piedosa e aprouve a Deus abençoá-la com a maior benção que uma mulher poderia ter: Ser instrumento na mão de Deus para que sua vontade pudesse se expressar entre os homens, por meio de sua encarnação.
Maria se alegra em Deus, a quem ela chama de "meu salvador." (Lc 1.47) Ela é uma mulher piedosa, mas que também necessita da salvação e da redenção por meio do sangue daquele que era gerado em seu ventre. Que grandes mistérios nos traz o Evangelho. Maria reconhece que ela também precisa de salvador. Apesar de ser piedosa, precisava da graça de Deus para sua salvação, Maria mesma admite a necessidade da misericórdia e da compaixão de Deus. Ela não se coloca como intercessora nem mediadora da humanidade. Paradoxalmente, o filho que nasce no seu ventre será o seu salvador. Maria é "bem-aventurada". Ela tem o privilégio de dispor o seu corpo para que a manifestação de Deus se tornasse real entre os homens. Que grande bem aventurança tem Maria, a mãe de Jesus.
Simeão é um homem de vida devotada a Deus. Carregado de expectativa nas promessas de Deus. Que ora por Israel, que ora a Deus por transformações históricas. Certa vez estava numa reunião de presbitério, local onde normalmente decisões se tornam pesadas e um presbítero piedoso do meu lado chorava enquanto orava conosco. Gente que espera avivamento, que se enche de esperança e aguarda um novo tempo de Deus. Simeão toma o menino nos braços e louva ao Senhor, Eu o imagino, com lágrimas nos olhos, cheio de uma alegria indizível, mostrando aos outros aquele menino e as pessoas ao seu lado que não conseguiam entender o que ele estava dizendo.
Simeão traz convicções secretas, revelações pessoais que Deus fizera para si e das quais não abre mão: “Não vou morrer antes disto acontecer”. As pessoas olhavam para ele e diziam: Simeão está na hora de morrer. Ele olhava para si e dizia: Ainda não! Esta promessa para sua vida, esta profecia, desenvolve sensibilidade espiritual profunda para sua alma. O texto afirma “movido pelo Espírito Santo foi ao templo.” (Lc 2.27). É idoso, mas não perdeu a sensibilidade do Espírito Santo, e quando aquele ancião vê Jesus ele diz: agora posso morrer. “Despedes em paz o teu servo porque os meus olhos já viram a tua salvação!”
Pessoas assim são fundamentais na dinâmica da igreja de Cristo. Baluartes de santidade, de piedade, oração e jejum. Parece que em nossos dias de agitação, a vida criou um esquema no qual não se pode ter mais tempo para consagração e piedade: só para o trabalho. Mesmo quando a pessoa está idosa, parece que perdemos a capacidade de contemplação e vida em profundidade.
Ana é a terceira pessoa de vida profunda e piedosa que é impactada pelo Natal. A vida não foi fácil. Tinha perdido seu marido quando ainda era nova. Muitas dificuldades, solidão, tristeza. Mas ao invés de se introjetar e viver em lamúria e sofrimento, ela desenvolveu profunda consagração. Transforma a tragédia num motivo para estar próximo a Deus, para buscar a Deus. Ana simboliza gente que diante da dor e do sofrimento, não cria ressentimentos contra Deus, contra a vida, mas transforma esta dor numa obra de Deus.
Natal impacta pessoas piedosas e tementes a Deus. Todos os que buscam a Jesus de forma profunda e sincera, encontrá-lo-ão e serão marcados por Ele.
Conclusão
Natal não impacta religiosos profissionais - Os escribas de Jerusalém. Ao serem indagados com relação ao menino Jesus, sabiam de cor o que iria acontecer, mas isto não mexia com a alma deles.
Natal não impacta os palácios. Eles ouvem o Natal como uma ameaça, não como uma benção. Este menino incomoda o Palácio do Planalto, o Palácio das Esmeraldas, os Tribunais superiores e ministérios de Brasília. Um novo rei chegou! Para que serve o natal àqueles cuja indiferença para a vida humana e para Deus tornou-se esvaziada?
Há pessoas a quem o Natal comunica apenas indiferença ou desprezo. Quem quer visitar a manjedoura onde se encontra um recém-nascido que de tão pobre não teve nem mesmo uma pousada que o acolhesse.
Onde estou? Com qual grupo mais me identifico?
Talvez minha existência se pareça com a dos pastores, nas suas atividades monótonas, vendo a vida passar de forma entediante, com dias de intenso calor no deserto e noites geladas ao redor de animais.
Talvez pareça com Zacarias, cuja coração e esperança já se esfriou. Já orou tanto e pedi tanto a Deus e as orações não foram respondidas! Talvez esteja com meu coração oscilando entre a fé a descrença. Talvez minha religiosidade esteja esvaziada e tenha se transformado em algo formal e litúrgico.
Talvez me pareça com os magos. Buscando respostas em muitos lugares, em soluções místicas e esotéricas, saindo de uma religião para outra, fazendo opções religiosas numa busca desenfreada pelo sobrenatural. Talvez eu seja alguém que precisa ser impactado por uma nova compreensão que me faça desistir de buscar em lugares errados e me desafie a caminhar pelo deserto, até me deparar com este menino que acabou de nascer e ter minha história inteiramente transformada.
Talvez me pareça com Maria, Simeão e Ana. Perseverando todos estes anos em meio a expectativa de promessas ainda não se cumpriram, mas com a certeza inabalável de que preciso continuar na presença de Deus e dispor minha vida a Deus, como fez Maria, ou perseverar na oração incessante como fez Ana, apesar da sua viuvez, ou manter o coração aquecido por promessas internas do Espírito, como fez Simeão.
Para cada um destes, o natal tem o poder de fazer milagres. O Natal que na sua essência é o nascimento de Jesus, sempre impactará aqueles que andam em derredor. É impossível participar do natal, sem ser por ele impactado.
Igreja Presbiteriana da Gávea
Dez. 1991
Medford. 10.12.98
Cuiabá, 01.12.23
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