Introdução
Uma das expressões mais usadas nos Escritos Paulinos é “em Cristo”. Ela aparece cerca de 100 vezes. Ser cristão, no conceito bíblico é estar em Cristo. Cristianismo não é um código de ética a ser seguido, mas refere-se à nossa identificação com Cristo. Nossa vida é determinada pelo que Cristo é e pelo que Ele faz. Ser cristão é estar “em cristo”. Esta é uma das verdades essenciais do Evangelho.
Lamentavelmente muitos cristãos ainda são confusos quanto a isto. Normalmente tentamos nos tornar cristãos fazendo coisas ou adotando um código de éticas quando na verdade nos tornamos cristãos quando nos identificamos com Cristo de forma espiritual. Quando sua vida passa a ser vivida em nós. Quando a natureza de Cristo se confunda com nossa natureza. Os teólogos chamam isto de união mística com Cristo.
O apóstolo Pedro afirma que “pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo.” (2 Pe 1.3-4). A vida de Cristo se confundindo (ou co-fundindo) com a nossa. Pedro diz que quando nos convertemos, nos tornamos co-participantes da natureza divina.
Ao aceitarmos a obra de Cristo e recebemos Cristo pela fé em nosso coração, quando cremos que ele de fato assumiu nosso lugar na cruz e entendemos o que ele fez por nós, a vida de Cristo nos é comunicada pelo Espírito Santo. A presença de Jesus torna-se parte da nossa natureza.
Por isto Jesus afirma:
“Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.” (Jo 6.53,54)
Seu discurso foi tão complicado para os discípulos, que a reação foi a seguinte: “Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” (Jo 6.60)
O texto prossegue:
“À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele.” (Jo 6.66). Eles não conseguiam compreender a profundidade e a visceralidade da relação que Jesus exige de seus discípulos.
Deixe-me usar aqui uma ilustração:
No filme Matrix, o mocinho (Neo), é inoculado por um vírus que passa a agir de forma imperceptível dentro dele. Sua vida parece normal, mas esse vírus vai modificando seu estilo de vida, então, seus companheiros precisam fazer uma “cirurgia” não convencional, para retirar este vírus. O processo é longo, dolorido, mas é necessário pois ele começou a coordenar a vida de Neo. O mesmo se dá quando o nosso eu é sepultado com Cristo. A vida de Cristo torna-se a nossa vida, sua mente é implantada em nós. Nova forma de julgar as coisas, novo estilo de vida, nova maneira de ser. “Aquele que está em Cristo é nova criatura, as coisas antigas se passaram, eis que tudo se fez novo.” (2 Co 5.17)
Conversão não é um mero assentimento intelectual sobre o que a Bíblia diz, ou sobre determinada denominação ensina, ou uma confissão verbal, uma fé temporal, que é usada para resolver os problemas imediatos que enfrentamos. Na vida cristã, Deus em Cristo passa a fazer parte intrínseca de quem somos. Somos identificados com Cristo, que pelo seu Espírito nos renova e nos tornamos visceralmente identificados com Jesus. “Logo, não seu eu quem vive, mas Cristo que vive, e este viver que vivo na carne, vivo pela fé em Cristo Jesus que a si mesmo morreu e se deu por nós.”
Quando recebemos a Jesus pela fé, o Espírito Santo passa a governar nossa natureza. Por isto este texto afirma:
“Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.” (Rm 8.14)
A natureza daquele que recebe a Cristo, passa a ser guiada por uma força maior. Uma pessoa só é cristã quando está em Cristo, ou, se preferir, Cristo está nela.
Vários textos das Escrituras nos mostram a necessidade de estar em Cristo. Veja esta verdade apenas em Romanos.
è Nossa redenção se dá em Cristo (Rm 3.24)
è Estamos vivos para Deus em Cristo (Rm 6.11)
è Temos vida eterna em Cristo (Rm 6.23).
è Nenhuma condenação há em Cristo (Rm 8.1)
è Em Cristo somos libertos (Rm 8.2)
è Nada pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo (Rm 8.39)
è Em Cristo, cada membro pertence ao outro (Rm 12.5)
O que acontece quando estamos em Cristo?
Todas as bênçãos espirituais são recebidas por nós porque estamos nEle. Recebemos assim a vida de Cristo e toda sua perfeição, santidade, poder. Todas estas bênçãos são nossas porque estamos em Cristo.
O resultado de vivermos baseados em nossa justiça própria, nossa moral, no cumprimento da lei, é que, ao invés de confiarmos na justiça de Cristo confiamos na nossa capacidade. Paulo afirma: “nós não somos devedores à carne, como se constrangidos a viver segundo a carne.” (Rm 8.12) Nós somos galardoados com a presença do Espírito Santo em nós pela graça, não por causa de obras religiosas ou espirituais que façamos. Quando Jesus entra em nossa vida, passamos a viver pelo Espírito de Deus (Rm 8.14) e somos guiados por ele.
Isto é bem diferente de vivermos guiados por nós mesmos.
Nossa vitalidade espiritual vem dele, nossos méritos são os méritos de Cristo, nossa vida é a vida de Cristo. Se vivemos segundo a carne, caminhamos para a morte (Rm 8.13). Carne aqui não deve ser entendida como pecados grosseiros que cometemos, mas como a força ativa que dirige nossa vida que é o nosso próprio eu.
Este texto nos mostra que existem duas forcas que podem reger nossa vida:
Ø A carne: nossa índole, natureza, tendências, desejos e emoções.
Ø Espírito: A presença de Cristo, a obra de Cristo.
Estas são duas forças ativas em nós. O que muda é quem está no controle. Quem domina nossa natureza. Quem somos?
Paulo indaga:”
“Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (Gl 3.2,3)
O grave problema
Um dos problemas mais sérios dos cristãos é que facilmente se esquecem de sua identidade em Cristo. Não temos idéia muito clara de nossa identificação com ele, nem como viver uma vida baseada nesta verdade do Evangelho. Muitos sequer têm certeza de que foram unidos espiritualmente em Cristo, por isto, quando fazemos apelos para que as pessoas se entreguem a Jesus, vemos muitos crentes velhos, que já aceitaram este mesmo apelo várias vezes, fazendo a mesma coisa. Elas não estão certas de que já receberam a Cristo e todas as vezes que houver um apelo para salvação, levantarão suas mãos porque ainda estão em dúvida se são ou não de Jesus.
Quando aceitamos Jesus em nossa vida, não precisamos aceitá-lo novamente, apenas tomar posse desta verdade.
Gosto de afirmar que precisamos tomar uma posição em relação a Cristo, por quatro razões:
A. Eu preciso saber de que lá me encontro
Três jovens receberam um convite durante o carnaval para participar de uma festa num baile de máscara na casa de um amigo. Eles ficaram muito animados com o convite e se prepararam e o tema seria a festa do demônio azul. Todos deveriam se vestir de azul, usando chifres e rabos. O problema é que nenhum deles de fato sabia onde era esta casa, ninguém teve a preocupação de anotar o endereço. Um deles tinha uma ideia vaga de onde seria o encontro e foram procurar este endereço chegando a um determinado lugar onde eles supunham que seria a reunião e desceram, fantasiados de demônios azuis. A porta estava aberta, muitos carros na porta e entraram sem avisar, mas naquele lugar não estava acontecendo a festa do demônio azul, na verdade estava acontecendo uma reunião de oração.
Por estarem nos dias do carnaval, naquela noite, particularmente, o pastor tinha trazido uma palavra muito dura, falando contra a festa da carne, o poder do pecado, a influência dos espíritos malignos, e que Satanás estava pronto para nos destruir a igreja de Cristo e nem mesmo respeitava os lugares sagrados. Quando aqueles rapazes entraram fantasiados, porta adentro, todo mundo bateu os olhos e viu aqueles três demônios e desesperados saíram correndo, e o pastor na frente, todos correndo com medo dos demônios. Os rapazes esqueceram que estavam fantasiados e não estavam entendendo o motivo de toda aquela correria, e então viram uma pessoa numa situação bem complicada porque ela era obesa e não conseguia sair do lugar para escapar, porque havia um banco muito pesado na frente e toda vez que ela ia ela batia sua barriga naquele banco e se sentava de novo. Todo mundo foi embora e ela ficou sozinha gritando desesperada, olhando apavorada para aqueles demônios que vieram na sua direção para socorrê-la. Eles não se lembraram que estavam fantasiados de demônios. Quando foram na direção dela mulher, ela gritou bem forte: “Pare, pare, pare! Não se aproximem de mim.” E aí a continuou dizendo: “Eu quero dizer algo a vocês... Faz 25 anos que eu participo dessa reunião aqui, mas quero dizer que não estou do lado desse povo, estou do lado de vocês!”
B. As pessoas precisam saber de que lado eu estou. Quando meu compromisso com Cristo não é claro, as pessoas ficam confusas. Elas não sabem se sou discípulo de Cristo, porque as vezes tenho um discurso cristão, outras vezes tenho uma ética do capeta. E elas tenta entender, quem de fato somos.ficam confusas sobre nossa identidade.
C. Deus precisa saber de que lado estou – Muitas vezes, nossa identidade é tão confusa, que não sabemos se somos da luz ou das trevas, de Deus ou dos demônios; se da carne ou do Espírito. Deus exige que seu povo tome uma decisão. Elias disse ao povo de Israel: “Até quando coxeareis entre dois pensamentos: Se Yahweh é o Senhor, segui-o; Se Ball é o Deus, segui-o!” De que lado estamos?
D. O diabo precisa saber de que lado estamos – O livro de Atos relata o episódio com os filhos de um sacerdote chamado Ceva, que resolveram expulsar o demônio em nome de Cristo, a quem Paulo pregava, e o demônio zombou deles: “conheço a Jesus, e sei quem é Paulo, mas vós, quem sois?” Satanás tem grande vantagem sobre nós quando não existe em nós um convencimento claro de que somos filhos de Deus.
Como acontece este processo do encontro de nossa natureza com a natureza de Cristo?
Ef 1.13 nos diz que este processo se dá de três passos:
“Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa.”
OUVIR: depois que ouvistes a palavra da verdade,
CRER: tendo nele também crido
SER SELADO: fostes selados com o Santo Espírito da promessa
- Ouvindo a Palavra – A fé vem pelo ouvir. A palavra de Deus tem poder em si mesma. Como pregadores sempre achamos que as pessoas precisam de alguma coisa a mais além da pregação da Palavra. A Bíblia, por si mesmo, frutifica. Assim como a semente, por si só frutifica (Mc 4) Quando ouvimos profundamente a palavra de Deus, ela nos transforma.
- Crer – Este é o segundo passo neste nosso processo de identificação. Além de ouvirmos, precisamos aceitar esta Palavra como Palavra de Deus. Ela precisa fazer sentido em nosso coração. Precisamos crer. Muitas pessoas ouvem o Evangelho, mas as suas verdades não as impactam, não geram fé. Crer é o segundo passo para que nossa identificação aconteça. Você crê que você é pecador e que precisa de salvação? Você crê realmente nisto? Você crê que Jesus morreu na cruz em seu lugar? Você realmente crê nisto?
- Fomos selados – Curiosamente Paulo coloca o selo aqui no passado. Este ato do Espírito Santo em nós, já se deu. Quando? Quando ouvimos a pregação do Evangelho, e nos abrimos a este Evangelho, o Espírito vem morar em nós. Somos batizados pelo Espírito de Deus.
A grande tragédia
Por nos esquecermos quem somos em Cristo, não desfrutamos do status que temos e continuamos vivendo com outra identidade confusa. Eis algumas destas identidades que podem começar a fazer parte de nossa vida:
=Órfão – Ao invés de nos vermos como filhos, vivemos como pessoas abandonadas, ameaçadas por medo, rejeição e sensação de fracasso ou punição. O resultado é sentimento de orfandade que nos transforma em vítima (todo mundo me deve) ou tirano (alguém precisa pagar pelo que me fizeram, quero cobrar e punir todos, pela vida de fracasso ou rejeição.)
Problema básico: mentalidade de órfão. Esquecemos que em Cristo fomos adotados.
=Fariseu – Vive de aparência, se acha espiritualmente acima dos outros, vive uma vida de falsidade e torna-se crítico de tudo e todos. O fariseu sempre se julga superior moral e espiritualmente, e por esta razão, este grupo foi o mais criticado por Jesus.
Problema básico: Esquecemos que fomos justificados em Cristo.
=Individualista – egoísta, egocêntrico, interessado apenas em si mesmo. Até mesmo a sua fé ele tende a ser vivida de forma privativa e particular, do jeito que ele acha que tem de viver. Ele não tem senso de corpo ou de comunidade, não se subordina a ninguém e não se sente responsável em cuidar dos outros ou até mesmo sustentar sua igreja.
Problema básico: Esqueceram que foram chamados para viver em família, não para viver solitariamente.
=Avarento – Obcecado por posses materiais, boa vida. Pensam em acumular, não em usar seus recursos para o reino e glória de Deus. Não contribuem financeiramente com sua igreja, nem com a obra missionária.
Problema básico: Esqueceram de sua herança em Cristo.
=Religioso – Trabalha duro para ser aceito por Deus, para ter um bom karma, ou para que, de alguma forma Deus os aprove. Sua relação com Deus está fundamentada em performance espiritual: (obras da lei), e não nos méritos de Cristo (aceitação pela graça).
Problema básico: Esqueceram da justiça que foi conquistada por Cristo.
=Tirano – Manipulador, iracundo, sempre lutando pelo poder. Ele é sempre autoritário, e tem pouca disposição para servir. Ele precisa ter o controle de todas as coisas, ele não pode depender e descansar em Deus.
Problema básico: Esqueceram de se submeter a Cristo.
A maioria continua pensando que é aceita pelo que faz, e isto se torna um instrumento de opressão. Paulo afirma que alguns irmãos gostavam de vigiar a liberdade de outros em Cristo. “E isto por causa dos falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão.” (Gl 2.4) Paulo chama este grupo de “falsos irmãos”, eles não são verdadeiramente de Cristo, apesar de terem aparência de serem criteriosos e religiosos. Eles querem controlar atitude, comportamentos e obras dos outros. Paulo reclama destes irmãos, porque o resultado da transformar o relacionamento em um jugo pesado, que Paulo chama de escravidão.
Existe uma maravilhosa liberdade em Cristo. Somos advertidos a não usarmos desta liberdade para dar ocasião à carne (Gl 5.13), nem para escandalizar outros irmãos de consciência mais fraca (Rm 14.20). Mas nossa identidade em Cristo nos livra do senso de orfandade, tirania ou vitimização.
Conclusão
No filme, o Rei Leão, surge um macaco que é uma espécie de xamã, um ser místico e esotérico. E quando o pequeno Leão se encontra com ele, se assusta com aquela figura exótica e lhe pergunta: “Quem é você?”
O macaco xamã responde: “A questão não é quem eu sou, mas quem você é”.
Esta é um ponto crucial no Evangelho.
Quem é você em Cristo?
A Bíblia diz que em Cristo, somos filhos de Deus, herdeiros com Cristo, perdoados, justificados, recebemos espírito de liberdade (2 Co 3.17), fomos aprovados por Deus, fomos selados com o Santo Espírito da promessa, somos coparticipantes da natureza de Deus por meio do sangue de Cristo.
A implicação prática da compreensão da unidade vital que temos em Jesus é que esta compreensão nos livra da mentalidade de escravo e órfãos. Qual é a sua identidade? Você já entendeu quem você é em Cristo? Gostaria de fazê-lo agora se ainda não o fez?
Precisamos crer naquilo que Cristo fez e pela fé tomarmos posse destas promessas. Você gostaria de entregar sua vida a Cristo, desistindo de fazer as coisas por você mesmo e deixando que o seu Espírito guie sua vida? Jesus te convida para um relacionamento de amor, para caminhar com ele. Ele quer dirigir sua vida por meio do seu Espírito, dar uma nova identidade, nova compreensão de sua identidade. É isto que o evangelho gera em nós: liberdade, perdão, redenção, identidade.
Que Deus nos abençoe.
Glórias a Deus. Deus continue te abençoando Pastor Samuel
ResponderExcluir