segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Mc 6.45-52 A Trilha da tempestade

Introdução: Algum tempo atrás ministrei uma série de sermões cujo titulo foi “Trilhas do Coração”. Isto aconteceu depois que percebi que vários textos das Escrituras narram a caminhada de homens de Deus, e revelam os rumos que tomaram em suas vidas. Existem a trilha do deserto, da tentação, do legalismo, do palácio ao deserto e do deserto ao palácio. Hoje estou dando a este sermão o titulo de “A trilha da tempestade”, porque fala da angustiante travessia que os discípulos tiveram que fazer.
Todos atravessam a trilha da tempestade. As pessoas ou já passaram por ela, ou vão passar, ou estão passando... Algumas são maiores, outras menores; umas longas, outras curtas; mas a tempestade é real em nossa vida. Elas podem ser de natureza financeira, espiritual, relacional ou física. Nesta hora é fundamental entendermos algumas coisas importantes sobre tempestades.

Podemos aprender algumas lições sobre estas tempestades:
1. Tempestades surgem de forma inesperada e são incontroláveis. Quem tem poder sobre o vento? Sobre o mar? Sobre fenômenos da natureza? Tsunamis, terremotos, o homem mau?

2. Tempestades podem sobrevir após grandes manifestações da glória de Deus - O texto que antecede é o da multiplicação dos pães, um grande feito de nosso Senhor, mas a narrativa deste texto afirma: “Logo a seguir” (Mc 6.45).
Elias enfrenta grande medo e depressão depois de uma grande conquista no Monte Carmelo. A rainha Jezabel lhe manda um recado, e ele, temendo a ameaça, foge desatinado no deserto, e depois de muito andar, encontrou um pequeno arbusto. Deprimido e desanimado, deitou-se debaixo dele e pediu para si a morte (1 Rs 19.1-4). É incrível como coisas assim acontecem logo depois da manifestação da gloria de Deus em nossa vida, e nos deixamos abater, desencorajados.
Neste texto, Jesus despede seus discípulos, logo após a multiplicação dos pães. Eles ainda se encontram em estado de êxtase, e saem daquela grande manifestação para se deparar com a morte que se prenuncia nesta grande tempestade.

3. Somos colocados na tempestade pelo próprio Deus – “Logo a seguir, compeliu Jesus os seus discípulos” (Mc 6.45). Compelir nos dá idéia não de “forçar” algo, mas de “induzir” a um ato.
O Sl 23 é um dos textos mais consoladores e que trazem esperança e segurança aos nossos corações. Ele afirma que o senhor é o nosso pastor, por isto nada vai nos faltar, que ele nos dará banquetes diante de pessoas que se opõem a nós, que vai trazer refrigério para nossa alma, etc., mas no meio do Salmo lemos o seguinte: “ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum”. O fato de Deus ser nosso pastor, não impede que atravessemos tempos e lugares sombrios, situações de morte, de perdas, de lutas. A presença de Deus não elimina a dor, mas ilumina a dor. O texto nos diz que Jesus “compeliu” seus discípulos.

4. Tempestades levam-nos a crer que toda esperança desapareceu – É bom lembrar que “desespero” é o contrário de “fé”. Muitas vezes vemos nosso coração passando pela masmorra da dúvida, porque a tempestade é longa, e não vemos mais a luz do sol e a claridade do dia. A tempestade que os discípulos enfrentaram foi longa, pois já era a 4ª vigília da noite (Entre 3-6 da manhã) e pesada (ventos fortes e contrários), por isto trazem muito desânimo e desesperança. Eventualmente sentimos nossas forças se esgotarem. Não encontramos mais coragem para lutar. Entregamos os pontos. Numa tempestade que Paulo enfrenta, lemos o seguinte: “E, ao terceiro dia, nós mesmos, com as próprias mãos, lançamos ao mar a armação do navio. E, não aparecendo, havia alguns dias, nem sol nem estrelas, caindo sobre nós grande tempestade, dissipou-se, afinal, toda a esperança de salvamento” (At 27.19,20).

5. Tempestades atrapalham a leitura correta dos fatos – “eles, porém, vendo-o andar sobre o mar, pensaram tratar-se de um fantasma e gritaram” (Mc 6.49). Passamos a fazer leituras equivocadas, a julgar erroneamente as coisas, a ver “assombrações” no meio do caminho, a ficarmos assustados com o farfalhar das folhas ou o movimento das árvores. Perdemos a capacidade de julgamento. Em meio a dores, aconselho sempre que as pessoas encontrem um conselheiro sábio, porque nossa capacidade de julgamento torna-se limitada.
Como reagiríamos se estivéssemos no lugar dos discípulos? Jesus os impele a entrar no barco e fazer a travessia, tendo consciência do risco. O barco perde contacto com terra firme e o vento é contrário. Enquanto isto, Jesus vai orar... Nestas horas de enfrentamento podemos achar Deus estranho e distante, indiferente e demorado, já que se manifesta apenas na quarta vigília da noite, entre as 3 e 6hs da madrugada. O pior horário de uma noite atribulada, enfrentando lutas e ameaças.
Tribulações e tempestades podem causar confusão mental e nos levar a interpretar erroneamente o que está acontecendo.
O Sl 77 é um texto de crise. O Salmista indaga várias vezes sobre coisas difíceis em relação àquilo que Deus está fazendo. “Cessou perpetuamente a sua graça? Deus deixou de ter misericórdia? Caducou a sua promessa?”. No vs. 10, porém, ele afirma: “Então disse eu: Isto é a minha aflição. Mudou-se a destra do Altíssimo”. Ele percebe que a crise dele com a existência e a fé, está relacionada à intensa aflição, que o leva a julgar as circunstâncias, e até mesmo Deus, de forma equivocada.
Por isto no meio da dor podemos julgar os outros e a Deus. Perdemos a capacidade de julgar corretamente os eventos da história no qual estamos inseridos. Começamos a nos assustar com os “fantasmas” e “assombrações”. Nestas horas é muito bom termos alguém que, fora do problema, nos ajude a analisar melhor as circunstâncias, já que nos tornamos pessimistas e com dificuldade de fazermos as leituras corretamente.

6. Antes de acalmar o vento, ele acalma os corações. Jesus poderia ter dado ordem ao mar, antes de subir no barco, mas o texto afirma que ele, antes de mais nada, dirigiu-se aos discípulos, para que pudessem vencer seu próprio medo. “tende bom ânimo. Sou eu. Não temais!”. Muitas vezes, o grande desafio não é vencer as tempestades e ameaças, mas vencer nossa insegurança e falta de fé. Jesus desafia seus discípulos a entrarem em contacto com ele mesmo. “Sou eu”. Ao dizer isto, é como se estivesse afirmando que o mais importante não é saber o tamanho da tempestade a enfrentar, mas o tamanho do Deus que anda no meio da tempestade.
Este texto faz ainda outra afirmação interessante: “E subiu ao barco para estar com eles”. O objetivo de Jesus, mais que acalmar a tempestade, que faz parte dos seus propósitos eternos, é estar conosco. Ele deseja nos transmitir a idéia de que, sua comunhão é melhor e mais importante que a suspensão da tempestade.
O livro do profeta Naum afirma “O Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó de seus pés”(Nm 1.3). Deus transita no meio da nossa dor, e visita-nos nas noites angustiantes da alma. O grande problema não é a tempestade em si, mas nossa incapacidade de lembrar quem está por detrás da tempestade e quem manda na tempestade. Jesus tenta revelar sua divindade aos discípulos, mostrar que nunca esteve ausente, mas que estava por perto. Ele passeia sobre as águas tumultuadas da nossa existência, e sobre os fantasmas que nos amedrontam. “Sou eu. Não temais!”. É como se ele dissesse: Na tempestade vocês precisam sempre se lembrar disto! Deus sempre providencia ajuda inesperada em meio às nossas tempestades e entra no barco para estar conosco. Por isto, sempre nas tempestades, sempre descobrimos mais a natureza do Deus a quem servimos e entendemos mais sobre sua natureza.

7. Apesar da tempestade, com Cristo chegamos a um porto seguro (Mc 6.53). “E subiu para o barco para estar com eles, e o vento cessou”. A presença de Deus é a única forma manter-se acima das tempestades. Deus nunca perde o controle dos fatos. Quando o texto afirma que Jesus os compeliu, isto demonstra que aquele fato não o pegou de surpresa.

8. Por último, O texto ainda nos ensina que, apesar da manifestação anterior da multiplicação dos pães, os discípulos não estavam entendendo bem o que estava acontecendo e continuavam com os corações endurecidos.
Endurecidos em relação a quê? A única coisa que me vem a mente era que eles ainda não haviam entendido a messianidade e a própria divindade de Cristo. Não sabiam quem de fato era Jesus. Eles talvez encontrassem justificativas racionais para explicar o que havia acontecido antes, mas não chegavam no cerne da questão: A Multiplicação dos pães revelavam a majestade de Cristo. Eles estavam diante do logo de Deus, que se tornara carne e habitara entre eles. Eles estavam “endurecidos”e “não haviam compreendido”.
Manifestações de Deus nos ensinam muito sobre o Deus que amamos e adoramos. Nesta hora é exatamente isto que eles experimentaram. A graça maravilhosa de Deus sobre suas vidas, e a compreensão da natureza divina de Jesus. Parece que Jesus, inclusive, teria permitido que eles passassem por esta dura experiência, para aprender coisas sobre as quais eles não podiam se equivocar, e isto era sobre sua natureza e obra.
O Evangelho de João é bem explicito sobre isto. Os milagres sempre eram acompanhados por discursos nos quais ele demonstrava quem ele era. Por exemplo, logo após a multiplicação dos pães, Jesus ensina que ele era “O Pão da vida”. O milagre apontava para uma didática celestial. Jesus ensinava por meio de sua obra aquilo que ele era. Neste texto, Jesus se manifesta dizendo: “Tende bom ânimo, sou eu, não temais!”. O termo “Sou Eu” (Ego eimi), é a tradução mais próxima da forma como Deus se revelou no Antigo Testamento ao afirmar: “Eu sou o que sou”. Jesus está dizendo aos discípulos. Não temam porque o “Eu Sou”, está aqui ao lado de vocês. A tempestade é grande, mas o Deus que controla a tempestade, está aqui.
o texto revela Tempestades são o melhor meio para que Deus nos comunique a sua natureza - Deus pode demorar, mas o socorro de Deus sempre aparece. Jesus lhes falou: “Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais!” (Mc 6.50). O que os discípulos estão vendo agora? A revelação na natureza de Cristo. Se antes eles não haviam entendido sobre a natureza de Cristo, agora isto se torna claro. Os discípulos ficaram “atônitos” (MC 6.51), e isto mostra que eles ainda não haviam entendido quem realmente era Jesus.
Na verdade, não deve ter sido muito fácil entender que naquele amigo pessoal, habitava “toda a plenitude da divindade”. Agora, os discípulos são confrontados com a natureza divina de Cristo, que é capaz de controlar as forças da natureza. Sua presença multiplicava pães, curava enfermos, mas também dominava a natureza, os mares, o vento. Por isto os discípulos se encontram atônitos, era como se mais uma vez, se surpreendessem com quem ele era. Jesus demonstrava agora sua autoridade e poder, acima dos mares. No texto de Mateus eles afirmam: “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem”.


Conclusão:
Milagres apontam para algo maior. Intervenções históricas de Deus, possuem uma pedagogia muito especial. Muitas vezes podemos ver milagres e ainda assim estarmos endurecidos sobre quem é Jesus. Este era o objetivo de Jesus.
Muitas vezes nos impressionamos com as intervenções de Deus, mas não com o Deus que intervém. Nos contentamos com os milagres de Deus, e não com o Deus dos milagres. Esta parábola encerra dizendo que os discípulos foram compelidos a atravessar o mar, para aprender sobre a natureza de Cristo, a glória e o poder que estava sobre ele, transcendia a humanidade, sendo expressões do próprio Deus.

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