sábado, 22 de março de 2014

Gn 35 Construindo Altares



  
Introdução:

Já faz algum tempo que ando intrigado com uma atitude do povo de Deus, que constantemente  no Antigo Testamento, especialmente no livro de Gênesis e de Juízes, que é a “construir altares”. Os patriarcas tinham o costume de levantar estas construções e sacrificarem animais ou trazerem oferendas de grãos desde os dias de Caim e Abel. A bíblia faz questão de registrar tais práticas.
No texto que estudamos, vemos as seguintes afirmações:

               5.1  Disse Deus a Jacó: Levanta-te, sobe a Betel e habita ali, faze ali um altr ao Deus que te apareceu quando fugias da presença de teu irmão”
               5.7 “E edificou ali um altar e ao lugar chamou El-betel; porque ali Deus se revelou quando fugia da presença de seu irmão”.
               5.14 – “Então, Jacó erigiu uma coluna de pedra no lugar onde Deus falara com ele; e derramou sobre ela uma libação e lhe deitou óleo”.

Qual seria o significado deste ato para nossos dias? Podemos encontrar aqui princípios que norteariam nossa espiritualidade ainda hoje? O livro de Hebreus afirma que o Antigo Testamento era uma tipologia, sombra das coisas que viriam, isto é, apontavam para determinados princípios de vida para os adoradores do Novo Testamento: “Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeito os ofertantes” (Hb 10.1). Precisamos entender que  AT dá pistas parciais que apontam para realidades plenas no NT. Que princípios estariam inerentes no ato de construir altares e que seriam relevantes para nós, ainda hoje? Será que o ato de construir altares apontaria para um princípio de liturgia pessoal e coletiva para o povo de Deus? Este ato requerido por Deus aos seus adoradores no AT indicaria realidades que devem ser retraduzidos hoje em dia? Qual o significado de construir  altares?
Nos dias de hoje somos muito exigidos em relação a nossa agenda e muito exigidos quanto ao trabalho intelectual. Diante da correria, podemos facilmente construir um estilo de vida pagão, onde Deus não é vivenciado ou sequer nos lembremos de sua presença. No meio das exigências e atividades diárias Deus pode facilmente ser abolido e assim não mais o percebemos, tornando-se irrelevante e periférico. Podemos saber de sua existência, entendemos que Ele é real, e até mesmo professarmos determinado tipo de fé, mas sem o evocarmos não permitindo que ele seja o centro da nossa vida. Erguer altares parece indicar gestos simbólicos, concretos e tangíveis que apontam para a realidade de Deus e evoca sua lembrança e presença entre nós.
Este texto nos traz algumas lições sobre construir altares:

1.      Deus ordena a Jacó que lhe faça um altar – “Disse Deus a Jacó: Levanta-te, sobe a Betel e habita ali, faze ali um altar ao Deus que te apareceu quando fugias da presença de teu irmão” (Gn 35.1). Portanto, trata-se de uma exigência divina. Não era uma invenção religiosa e meramente humana, mas um imperativo sagrado. Deus ordena a Jacó que lhe providencie um altar.
Altares fazem parte do culto vétero-testamentário. Antes da instituição da lei, e de todos os princípios inerentes à forma de adoração judaica, descritas nos livros da lei, vemos os adoradores erguendo-lhe altares. Esta prática está presente na vida de Abraão e de Isaque, e agora, Deus pede a Jacó que lhe erga um altar.
A ideia de levantar altares me faz pensar em alguns elementos importantes do culto ainda hoje:
ð  Altares exigem tempo – Obriga-nos a parar, a um engajamento pessoal, a interromper atividades para colocar a atenção em Deus. Em dias atarefados, em tempos nos quais a agenda é tão cheia de compromissos, é fácil esquecemos de dispor tempo para Deus. Estamos muito ocupados para orar, para ler a Palavra, para nos doarmos para o Senhor. Eventualmente somos até capazes de dar, mas encontramos muita dificuldade em nos doar. Apesar de sermos cristãos, passamos a viver como pagãos, uma vida secularizada, sem altares, sem interrupção da agenda, sem um envolvimento mais direto com a adoração.

ð      Altares são atos públicos – Em geral os altares eram construções ao ar livre. As pessoas se juntavam ao redor daquele ato. Creio que construir altares nos dias de hoje tem a ver com esta hora em que funcionários, familiares e colegas se aproximavam do que fazemos para participarem conosco. Eles observarão o que acontece, ouvirão nosso testemunho. Altar torna-se um testemunho público de convicções pessoais. Altares expõem quem você é espiritualmente aos olhos dos outros, tornando-se uma proclamação de Deus em sua vida. Altares evitam que sua fé seja privativa, particular e pessoal, tornado-se conhecida e pública. 

ð      Altares trazem ônus financeiro – No Antigo Testamento e em toda bíblia, adoração implica em envolvimento financeiro. Antes da lei, vemos os sacrifícios de Abel e Caim, com suas ofertas e oferendas. Quando Abraão quer expressar a Deus sua gratidão pela vitória conquistada, traz seus dízimos e o entrega a Melquizedeque, muito antes da instituição da lei. O culto judaico conclama seus adoradores a trazerem dízimos e ofertas. Deus ensina ao povo: “Ninguém aparecerá diante de mim de mãos vazias”(Ex 34.20; 23.15). Os salmos estão cheios de convocações para que as pessoas tragam suas ofertas a Deus: “Tributai ao Senhor a glória devida ao seu nome; trazei oferendas e entrai nos seus átrios” (Sl 96.8).  No Novo Testamento, os discípulos tinham tal prática nos seus cultos. “No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade”(1 Co 16.2).
Todo princípio de adoração na Bíblia, envolve doação. Se você pensa que é possível adorar a Deus sem contribuição e generosidade, precisa ler mais atentamente a Palavra de Deus. E se ainda assim, continua tendo dificuldade, lembre-se que está correndo sério perigo espiritual, já que dinheiro não é um principio neutro, e Jesus afirmou que onde estiver o seu tesouro, ali estará o seu coração. Dinheiro não é uma questão de finanças, mas de coração. Quando você se recusa a contribuir, e não investe na sua adoração, um perigo muito grande está rondando seu coração. Dinheiro revela o coração. Fé que não custa nada, não vale nada.

2.      Construir altares nos obriga a abandonar outros Deuses – O texto afirma que, assim que recebeu a ordem de Deus para construir altares, Jacó tomou atos concretos. “Então, disse Jacó à sua família e a todos os que com ele estavam: Lançai fora os deuses estranhos que há no vosso meio, purificai-vos e mudai as vossas vestes” (Gn 35.2)
Esta afirmação é incisiva e direta. A maioria dos seus servos vinha de culturas politeístas e pagãs. O sincretismo religioso estava presente por todos os lados. Dentro de sua casa, Raquel furtou os ídolos de seu pai, trazendo-os consigo. Ela não conseguira se desvencilhar dos ídolos paternos. Ao construir altar ao Senhor, Jacó centraliza e orienta a espiritualidade de sua família, e agregados. Yahweh, e não outros deuses deveria ser adorado. Os deuses falsos deveriam ser abandonados. “Lançai fora os Deuses estranhos que há no vosso meio, purificai-vos e mudai as vossas vestes”.
Ao construir o altar, ele estabeleceu a centralidade da adoração e norteou sua vida e sua casa. Ele aponta o caminho que iriam andar. Existe muito paganismo e idolatria em nossos lares e os homens cristãos deveriam tomar posição firme, edificar altares em sua casa e reafirmar sua convicção e valores espirituais. Jacó está assumindo a liderança espiritual de sua casa e apontando o rumo que sua família deveria seguir.
Atitudes simples e diretas podem demonstrar quem está no centro de nossa casa: Faça um culto, chame amigos, faça churrasco, bacalhoada ou macarronada mas erga altares em sua casa. Cante louvores, ore, leia a Palavra de Deus. Seus filhos, amigos e companheiros de jornada vão entender quem é o Deus que ocupa o centro de sua vida e de sua casa.

3.      Construir altares é expressão de gratidão – “E edificou ali um altar e ao lugar chamou El-Betel; porque ali Deus se lhe revelou quando fugia da presença de seu irmão”(Gn 35.7). Existe uma nítida relação entre a frase “edificou um altar” e a conjunção explicativa “porque”.  Altar está relacionado a gratidão, que numa declaração poética “é o amor contemplando o passado” (Moacir Bastos), ou, como dizem os franceses, “gratidão é a memória do coração”.
Jacó expressa a gratidão que trazia no coração. Ele também transforma sua gratidão em testemunho, porque as pessoas ouvem o relato da surpreendente visitação de Deus em sua vida 20 anos atrás. Ele edifica um altar porque ali Deus se revelou. Precisamos construir altares que sirvam como sinais da revelação de Deus em nossa história.
Das boas lembranças que trago da infância encontram-se os “altares” erguidos por meus pais. Pessoas simples, de herança italiana e mineira, tinham sempre a casa cheia de gente, com amigos ao redor da mesa comendo quiabo com frango e angu, macarronada, ou costelinha com tutu. Muitas vezes recebíamos famílias inteiras e meu pai, antes do almoço, de forma solene dizia a todos: “Antes de comer, vamos agradecer a Deus”.  E assim lembrávamos que Deus deveria ser glorificado pelo alimento, pela vida e pelos amigos. Muitas pessoas foram impactadas com este gesto. Era uma forma simples de construir altares!
Paulo Solonca, pastor em Florianópolis, relata que estava sobre uma pedra, observando o por do sol que se punha no mar, quando uma onda inesperada o atingiu, arrastando-o para o oceano. Por mais que tentasse sair seu esforço era inútil, e aos poucos a exaustão e a sensação de morte veio sobre ele. Um pescador, vendo-o desesperado, veio correndo em sua direção e fez a única coisa que pode fazer, jogando seu anzol. A linha era forte, mas não o suficiente para o arrastar, mas aos poucos, enroscado nela e aproveitando o impulso das ondas foi conseguindo se agarrar às pedras e sair. Exausto, agradeceu o livramento e ainda pediu ao pescador aquele anzol. O homem brincou com ele dizendo que além de livrá-lo ainda teria o prejuízo, mas o deu e Solonca foi para casa e construiu um memorial, colocando o anzol num primeiro plano. Todas as pessoas, ao entrarem em sua casa viam aquele objeto e queriam saber seu significado e ele então dava testemunho do livramento que Deus realizara em sua vida. Era uma forma de manter-se grato e dar testemunho. Aquele anzol se tornara um altar, um símbolo da presença de Deus na sua história.

4.   Construir altares é uma forma de renovar votos – “Vindo Jacó de Padã-Arã, outra vez lhe apareceu Deus e o abençoou. Disse-lhe Deus: o teu nome é Jacó. Já não te chamarás Jacó, porém Israel será o teu nome. E lhe chamou Israel” (Gn 35.9-10). As promessas que Deus faz a Jacó já haviam sido ditas anteriormente, não há nada novo. No entanto, ficamos com a impressão de que foi uma reafirmação de votos, como se Deus quisesse lembrá-lo de que o que ele lhe dissera era fundamental para sua vida, e que não deveria se esquecer.
 Quando construímos altares,  renovamos votos e reafirmamos o Deus que temos. Evocamos a memória do Deus que nos tem acompanhado deste a nossa juventude. Não permitimos que a vida agitada roube de nós a percepção de que existe um Deus que transita em nossa história.

Conclusão:

A bíblia afirma em forma de censura que Saul demorou em erguer um altar para Deus, mesmo ocupando a função de líder sobre a teocracia judaica. “Edificou Saul um altar ao Senhor; este foi o primeiro altar que lhe edificou” (1 Sm 14.35). Curiosamente Saul era muito preocupado com a auto-promoção, porque em 1 Sm 15.12 vemos que logo após a vitória sobre os Amalequitas ele não hesitou em fazer um monumento que promoveria sua memória às futuras gerações. Saul usa a vitória não para cultuar a Deus, mas para exaltar seu nome. Era ágil em levantar monumentos para si, mas lento para erigir altares para Deus. Ele era auto-centrado, desejoso de reconhecimento público. Será que temos sido diferentes?
Quanto tempo ele levou para edificar este primeiro altar a Deus? Pelo menos 7 anos. Até então, não havia feito nenhuma demonstração pública colocando Deus no centro da nação judaica. Saul não se preocupava com Deus, nem sentia necessidade de glorificá-lo. Seu coração era secularizado e as coisas espirituais não ocupavam sua mente. Muitos eram os desafios políticos, a necessidade de consolidar a monarquia e as exigências sociais. Seus compromissos envolveram sua vida e ele, que já não era propenso a questões espirituais, não se preocupou com Deus. Fazer altares era uma forma de trazer Deus para o centro, de relacionar sua liderança a Deus, mas Saul tinha preocupações maiores que o de agradá-lo.

O que você tem feito na sua vida para expressar gratidão? Seus amigos e familiares já viram em sua vida alguma manifestação da centralidade de Deus ou você vive de forma secularizada e distante? Você não acha que é necessário começar a construir sinais e símbolos em sua história que relacionem sua identidade e missão ao Deus de sua vida?

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