Introdução:
Vivemos num mundo
fragmentado. É tão fácil perder os amigos, se distanciar das pessoas,
desenvolver ressentimentos e amarguras que eventualmente nos acompanham por
anos a fio, seguindo conosco na sepultura. Ira não resolvida, ressentimentos,
distanciamento...
Ultimamente
assustamo-nos com a grande quantidade de divórcio, eventualmente é quase
inconcebível que depois de se planejar com tanto amor, gastar verdadeiras
fortunas para um casamento, relacionamentos se dissolvam em meses, depois de um
encontro apoteótico e milionário. Para que um casamento se dissolva, é
necessário que se construa um volume significativo de acusação, indiferença,
ódio e mesquinharia. De repente, laços se dissolvem, votos são quebrados,
famílias são separadas.
Como precisamos de
reconciliação neste mundo tão fragmentado.
Stanley Jones,
conhecido pregador metodista afirma que a palavra chave na bíblia é Vida. Rick
Warren afirma que a palavra chave é Relacionamento. Seja qual for a palavra, e
eventualmente os dois estão certos na perspectiva que cada um adota, mas o fato
é que a Bíblia sintetiza a obra de Cristo dizendo: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo”. Cristo
veio fazer a reconciliação que se rompe quando o homem resolveu viver por si
mesmo, de forma autônoma e independente.
O texto lido nos fala
de reconciliação. De Jacó com Labão, seu sogro; e com seu irmão Esaú. Na
verdade Jacó foi um homem de rupturas e quebras: teve conflito com seu pai,
enganando-o; com seu irmão, traindo-o; com seu sogro, em atitudes de
espertezas, desonestidades e malandragens e com Deus. Sabemos deste último por
causa do encontro necessário que se deu em sua vida no vale de Jaboque (Gn 32).
No entanto, Jacó é um
homem crente! Ele é filho da promessa! Mas parece tentar viver como alguém
alienado de um propósito de Deus para sua história por muitos anos, mas ele não
pode viver a vida inteira assim. Neste texto está mais uma vez fugindo, mas a
vida dele precisa passar por um processo de reconciliação. E o que ele tem
agora é o irmão que prometeu matá-lo vinte anos atrás, e ele chegou numa trilha
sem saída: Não tem mais pra onde fugir. Seus relacionamentos precisam ser
tratados, é o fim da linha para este homem que sempre fugiu de enfrentamentos e
lutas.
Antes de mais nada,
ele precisa de reconciliação porque não
pode viver uma existência eternamente fragmentada – Jacó foge, muda de
país, tenta esquecer sua história e família, no entanto, continua doente da
alma, tendo sempre que lidar com o fantasma do seu irmão que o persegue e com
as sombras do seu coração. A verdade é que relacionamentos mal resolvidos nos
deixam mancos para o resto da vida. Platão afirmou que “a alma culpada correrá
inconscientemente para seu juiz”. Quando não lidamos com perdão, graça e
reconciliação, fragmentamos nossa história. É como um osso quebrado e mal
cicatrizado. Você tenta ignorar o problema, mas ele está presente.
Jay Adams afirma que
40% perturbações psiquiátricas são geradas por emoções mal resolvidas: culpa,
rejeição, etc., e faz uma afirmação ousada. Muitas pessoas que se encontram
atualmente em intensos tratamentos psiquiátricos, poderiam ser curadas se
lidassem de forma mais objetiva com o seu pecado, com a culpa e restaurando
relacionamentos de amargura e distanciamento afetivos.
O texto lido nos
ensina também que, logo após a
reconciliação com Labão, seu sogro, os
céus começam a se abrir para Jacó. A afirmação bíblica surpreende dizendo
que assim que ele se despediu de seu sogro, num ambiente de cura e restauração,
“anjos de Deus lhe saíram a encontrá-lo.
Quando os viu, disse: Este é o acampamento de Deus. E chamou aquele lugar
Maanaim” (Gn 32.1-2). Eu não sei se a idéia aqui é literal, mas isto não é
que mais importa. O fato marcante é que reconciliação abre as portas do céu
para a alma. Existem muitas pessoas que fecharam os céus e as manifestações de
Deus na sua história, por causa da sucessiva quebra de princípios e
relacionamentos.
Não parece que é
exatamente esta a visão do apóstolo Pedro ao afirmar: “Maridos, vivei a vida comum do lar e tratai vossas mulheres com
consideração como parte mais frágil, para que vossas orações não sejam
interrompidas” (1 Pe 3.7). Relacionamentos quebrados bloqueiam nossas
orações. “Se, pois, ao trazeres ao altar
a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiramente reconciliar-te com teu
irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mt 4.23-24).
Jacó ainda terá outro
embate duríssimo com o seu irmão, de quem se evadiu cerca de 20 anos atrás, e
que agora precisa também lidar com a situação, apesar do seu medo, percebe que
Deus está presente ali. Aquele lugar é Maanaim (Gn 32.2). Quanta riqueza
espiritual deixamos de desfrutar por causa de relacionamentos fragmentados.
Reconciliação abre as portas dos céus.
O texto nos revela
também que reconciliação acontece sempre
com iniciativas unilaterais – Jacó toma a iniciativa, embora ele, em muitas situações, tenha sido o
elemento desagregador, ele decide andar em direção ao seu objetivo de organizar
sua história. Quando tomamos a
iniciativa, não sabemos exatamente como o outro vai reagir. Talvez seja por
isto que a Bíblia nos ensina: “Se
possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens”(Rm 12,18). Quanto
é um advérbio de intensidade, fala-nos, portanto, de que, muitas vezes
para se obter a paz, é necessário que nos esforcemos. Nem sempre a restauração
é um processo fácil, como não foi fácil para Jacó. Ele não pode prever a reação
de Esaú, mas ele faz o que acredita ser correto para a restauração (Gn 32.3-5).
Um dos grandes
entraves nos relacionamentos quebrados é estabelecermos condicionais para que
as arestas sejam desfeitas. Em geral, condições prévias não podem ser estabelecidas
e asseguradas. Por isto, reconciliação é via de mão única. Foi isto que Deus
fez conosco por meio de Jesus. Ele morreu por nós sendo nós ainda pecadores.
Éramos rebeldes e egocêntricos e ele nos amou de forma não condicionada. Paulo
afirma que Nós amamos a Deus porque ele
nos amou primeiro”. Nenhuma condição. Ele amou, ele assumiu o ônus, e isto
se torna ainda mais impressionante quando consideramos que ele era a parte
ofendida, e não o ofensor.
Reconciliação é um
processo longo e dolorido, envolve negação de si mesmo, perdão, auto-exame. A
narrativa deste texto fala-nos destas lutas interiores em oração, reflexão,
introspecção. Jacó enfrenta as lutas do seu
próprio ser, lutando com um homem misterioso. Essa é uma
batalha mística e introspectiva. Ele tem que lutar com suas sombras e com Deus.
Neste processo, a maior guerra não está do lado de fora, como se supõe, mas
dentro da alma (Gn 32.24).
Jacó é confrontando: “Como te chamas?” (Gn 32.27) Esta
pergunta toca a questão central do seu caráter. Ele tem que lidar com a
essência enigmática do seu ser. Ele é Jacó e seu nome carrega em si a dura
realidade de um caráter enganador, embusteiro e trapaceiro. Deus o leva a entrar em contacto com sua fragilidade e
vulnerabilidade.
Talvez aqui resida uma
das maiores dificuldades em perdoar e reconciliar, porque não queremos ser
confrontados com a interioridade, nem responder às duras perguntas sobre aquilo
que somos. Num processo de restauração do casamento, o orgulho, vaidade,
reputação, precisam ser inquiridos. Perdão é o superlativo da perda. A maioria
se divorcia porque não quer passar pela compreensão da dura realidade de seu
próprio ser, sua natureza narcisista e egoísta. Então, diante de si mesmos,
preferem negar a crise fugindo dela, evitando ter que olhar para a própria
alma. Antes de resolver problemas com os outros, temos que lutar conosco mesmo,
com as sombras de nosso ser, com os lados escuros da alma, e esta experiência é
dolorida e dramática. Só se sai dela mancando, como aconteceu com Jacó.
O que nos leva a buscar reconciliação?
Diante de tantos
problemas enumerados, por que deveríamos buscar o caminho da restauração? Sendo
simplista diria que uma única razão já seria bastante: Porque vale a pena. Depois de tanta dor e ansiedade vividos por
Jacó, de temores e pesadelos, tudo isto assume uma nova roupagem quando ele se
reencontra com o irmão Esaú. Jacó imaginou o pior cenário, e agora vemos o Esaú
guerreiro, abraçado e chorando. Quanto anos de sofrimento para descobrir que
seu irmão era bem menos complicado do que parecia, que ele não era tão ruim
como imaginara. Os erros de outrora foram frutos da imaturidade e leviandade
dos dois, e as ameaças caem por terra. (Gn 33.4).
Que caminho bendito o
caminho da reconciliação! Através dele Jacó vai restabelecendo a alma e
ganhando novo nome diante de Deus. Não mais Jacó, o trapaceiro, mas Israel,
príncipe com Deus. Passa a ter uma nova identidade. Restabelece o conflito com
o sogro. Estava ameaçado, agora é abençoado! (Gn 31.55). Reencontra-se com Esaú:
tinha um inimigo, agora um parceiro (33.12). Esaú não quer deixá-lo sozinho, mas
quer protegê-lo, ele é seu irmão. As coisas antigas e os anos de pesadelo
tornam-se apenas páginas viradas da história.
Quanta revolução a
reconciliação pode trazer: paz com Deus, harmonia familiar, perdão entre
irmãos, casamentos refeitos, uma nova linha de comunicação entre pais e filhos.
Reconciliação capacita-nos sepultar o passado, zerar a conta e virar a página. Reconciliação
desmonta resistências. Antes o Esaú armado, o Jacó defensivo, agora o homem
liberto. Todo o aparato se desfaz com um sincero abraço, um beijo de
reconciliação e lágrimas de perdão.
Famílias facilmente
escondem ódios profundos e atitudes insanas. A reconciliação de Jacó amplia suas
relações, ele descobre um universo bem maior, não é mais um ser solitário. Tem
gente ao redor, a quem pode apelar, não está mais desprotegido. Perda de laços
sanguíneos é terrível. Perda de amigos, irreparável.
Reconciliação espanta
temores íntimos da alma e fantasmas que caminhavam nas madrugadas. Jacó, o
homem atormentado pela possibilidade da vingança do irmão, que o ameaçara agora
é descobre um aliado (Gn. 27:41). Jacó vivia sob o estigma da morte, mas a
reconciliação põe fim aos anos de angústia e expectativa de que o pior pudesse
acontecer. Quem esteve sob ameaça entende o que estou dizendo.
Conclusão:
Reconciliação aponta
para a obra da cruz.
A Bíblia diz que “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo
mesmo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a
palavra da reconciliação” (2 Co 5.19). Ele não apenas desfez a barreira que
meu pecado criara, mas nos habilitou com a palavra da reconciliação para
encorajar.
Como na parábola do
Filho pródigo, traímos a Deus, ferimos o seu amor, no entanto, o pai perdoa,
nos aceita de volta, nos dá dignidade. Ele, o ofendido; eu, o ofensor. Ele
reconciliou “consigo mesmo o mundo”. A iniciativa foi dele e ele pagou o preço
da minha reconciliação.
Um velho pregador
estava viajando de trem para sua casa depois de uma série de conferências,
quando percebeu no seu vagão um rapaz muito nervoso. Vendo-lhe a angústia de
alma, se aproxima e pergunta se poderia ajudá-lo, pois o via muito nervoso. E o
rapaz lhe explicou o que estava acontecendo.
Muitos anos atrás ele
havia saído de sua casa, por causa de uma briga que ele havia provocado pela
sua atitude intempestiva, e depois de ter ferido seus pais, a família e os
irmãos, decidira desaparecer no mundo e por muitos anos, não enviou qualquer
noticia aos seus. No entanto, passou a sentir-se cada vez mais oprimido e
resolveu retornar para. Contudo, não sabia como o Pai reagiria à sua atitude, e
resolveu mandar um telegrama dizendo: “Em tal dia, estarei viajando de trem
para reencontrá-los, como o trem passa perto da casa de vocês, quero que
coloquem um sinal no pé de manga, um lençol branco, como sinal de paz, em
frente de casa, para que eu saiba que vocês me perdoaram e me aceitam de volta.
Se vocês não colocarem nada, vou passar direto, e nunca mais volto”. Ele estava
nervoso porque não sabia qual seria a resposta de sua família.
O velho pregador lhe
disse: Então, deixe que eu olho para você, se estiver positivo, eu te falo.
Quando chegaram perto do local indicado, o velho pastor chamou o moço e lhe
disse, “Não estou vendo apenas um lençol, mas vejo a árvore coberta de lençóis,
eles estão por toda parte. Em cima do telhado, cobrindo toda a árvore, nas
cercas, na grama, em todos os lugares há lençóis brancos”.
Esta é uma boa
analogia da obra de Deus por nós. Deus foi ferido pelos nossos pecados, mas de
sua parte, moveu-se para nos amar, perdoar, restaurar e reconciliar. Esta é a
mensagem da cruz, a mensagem da reconciliação.
Muito bom, gostei.
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