segunda-feira, 10 de março de 2014

Gn 31.55-32.1-32 O Poder da Reconciliação




Introdução:

Vivemos num mundo fragmentado. É tão fácil perder os amigos, se distanciar das pessoas, desenvolver ressentimentos e amarguras que eventualmente nos acompanham por anos a fio, seguindo conosco na sepultura. Ira não resolvida, ressentimentos, distanciamento...

Ultimamente assustamo-nos com a grande quantidade de divórcio, eventualmente é quase inconcebível que depois de se planejar com tanto amor, gastar verdadeiras fortunas para um casamento, relacionamentos se dissolvam em meses, depois de um encontro apoteótico e milionário. Para que um casamento se dissolva, é necessário que se construa um volume significativo de acusação, indiferença, ódio e mesquinharia. De repente, laços se dissolvem, votos são quebrados, famílias são separadas.

Como precisamos de reconciliação neste mundo tão fragmentado.

Stanley Jones, conhecido pregador metodista afirma que a palavra chave na bíblia é Vida. Rick Warren afirma que a palavra chave é Relacionamento. Seja qual for a palavra, e eventualmente os dois estão certos na perspectiva que cada um adota, mas o fato é que a Bíblia sintetiza a obra de Cristo dizendo: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo”. Cristo veio fazer a reconciliação que se rompe quando o homem resolveu viver por si mesmo, de forma autônoma e independente.

O texto lido nos fala de reconciliação. De Jacó com Labão, seu sogro; e com seu irmão Esaú. Na verdade Jacó foi um homem de rupturas e quebras: teve conflito com seu pai, enganando-o; com seu irmão, traindo-o; com seu sogro, em atitudes de espertezas, desonestidades e malandragens e com Deus. Sabemos deste último por causa do encontro necessário que se deu em sua vida no vale de Jaboque (Gn 32).

No entanto, Jacó é um homem crente! Ele é filho da promessa! Mas parece tentar viver como alguém alienado de um propósito de Deus para sua história por muitos anos, mas ele não pode viver a vida inteira assim. Neste texto está mais uma vez fugindo, mas a vida dele precisa passar por um processo de reconciliação. E o que ele tem agora é o irmão que prometeu matá-lo vinte anos atrás, e ele chegou numa trilha sem saída: Não tem mais pra onde fugir. Seus relacionamentos precisam ser tratados, é o fim da linha para este homem que sempre fugiu de enfrentamentos e lutas.

Antes de mais nada, ele precisa de reconciliação porque não pode viver uma existência eternamente fragmentada – Jacó foge, muda de país, tenta esquecer sua história e família, no entanto, continua doente da alma, tendo sempre que lidar com o fantasma do seu irmão que o persegue e com as sombras do seu coração. A verdade é que relacionamentos mal resolvidos nos deixam mancos para o resto da vida. Platão afirmou que “a alma culpada correrá inconscientemente para seu juiz”. Quando não lidamos com perdão, graça e reconciliação, fragmentamos nossa história. É como um osso quebrado e mal cicatrizado. Você tenta ignorar o problema, mas ele está presente.
Jay Adams afirma que 40% perturbações psiquiátricas são geradas por emoções mal resolvidas: culpa, rejeição, etc., e faz uma afirmação ousada. Muitas pessoas que se encontram atualmente em intensos tratamentos psiquiátricos, poderiam ser curadas se lidassem de forma mais objetiva com o seu pecado, com a culpa e restaurando relacionamentos de amargura e distanciamento afetivos.

O texto lido nos ensina também que, logo após a reconciliação com Labão, seu sogro, os céus começam a se abrir para Jacó. A afirmação bíblica surpreende dizendo que assim que ele se despediu de seu sogro, num ambiente de cura e restauração, “anjos de Deus lhe saíram a encontrá-lo. Quando os viu, disse: Este é o acampamento de Deus. E chamou aquele lugar Maanaim” (Gn 32.1-2). Eu não sei se a idéia aqui é literal, mas isto não é que mais importa. O fato marcante é que reconciliação abre as portas do céu para a alma. Existem muitas pessoas que fecharam os céus e as manifestações de Deus na sua história, por causa da sucessiva quebra de princípios e relacionamentos.
Não parece que é exatamente esta a visão do apóstolo Pedro ao afirmar: “Maridos, vivei a vida comum do lar e tratai vossas mulheres com consideração como parte mais frágil, para que vossas orações não sejam interrompidas” (1 Pe 3.7). Relacionamentos quebrados bloqueiam nossas orações. “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiramente reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mt 4.23-24).
Jacó ainda terá outro embate duríssimo com o seu irmão, de quem se evadiu cerca de 20 anos atrás, e que agora precisa também lidar com a situação, apesar do seu medo, percebe que Deus está presente ali. Aquele lugar é Maanaim (Gn 32.2). Quanta riqueza espiritual deixamos de desfrutar por causa de relacionamentos fragmentados. Reconciliação abre as portas dos céus.

O texto nos revela também que reconciliação acontece sempre com iniciativas unilaterais – Jacó toma a iniciativa, embora  ele, em muitas situações, tenha sido o elemento desagregador, ele decide andar em direção ao seu objetivo de organizar sua história.  Quando tomamos a iniciativa, não sabemos exatamente como o outro vai reagir. Talvez seja por isto que a Bíblia nos ensina: “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens”(Rm 12,18). Quanto é um advérbio de intensidade, fala-nos, portanto, de que, muitas vezes para se obter a paz, é necessário que nos esforcemos. Nem sempre a restauração é um processo fácil, como não foi fácil para Jacó. Ele não pode prever a reação de Esaú, mas ele faz o que acredita ser correto para a restauração (Gn 32.3-5).
Um dos grandes entraves nos relacionamentos quebrados é estabelecermos condicionais para que as arestas sejam desfeitas. Em geral, condições prévias não podem ser estabelecidas e asseguradas. Por isto, reconciliação é via de mão única. Foi isto que Deus fez conosco por meio de Jesus. Ele morreu por nós sendo nós ainda pecadores. Éramos rebeldes e egocêntricos e ele nos amou de forma não condicionada. Paulo afirma que Nós amamos a Deus porque ele nos amou primeiro”. Nenhuma condição. Ele amou, ele assumiu o ônus, e isto se torna ainda mais impressionante quando consideramos que ele era a parte ofendida, e não o ofensor.

Reconciliação é um processo longo e dolorido, envolve negação de si mesmo, perdão, auto-exame. A narrativa deste texto fala-nos destas lutas interiores em oração, reflexão, introspecção. Jacó enfrenta as lutas do seu próprio ser,  lutando com um homem misterioso. Essa é uma batalha mística e introspectiva. Ele tem que lutar com suas sombras e com Deus. Neste processo, a maior guerra não está do lado de fora, como se supõe, mas dentro da alma (Gn 32.24).
Jacó é confrontando: “Como te chamas?” (Gn 32.27) Esta pergunta toca a questão central do seu caráter. Ele tem que lidar com a essência enigmática do seu ser. Ele é Jacó e seu nome carrega em si a dura realidade de um caráter enganador, embusteiro e trapaceiro. Deus o leva a entrar em contacto com sua fragilidade e vulnerabilidade.
Talvez aqui resida uma das maiores dificuldades em perdoar e reconciliar, porque não queremos ser confrontados com a interioridade, nem responder às duras perguntas sobre aquilo que somos. Num processo de restauração do casamento, o orgulho, vaidade, reputação, precisam ser inquiridos. Perdão é o superlativo da perda. A maioria se divorcia porque não quer passar pela compreensão da dura realidade de seu próprio ser, sua natureza narcisista e egoísta. Então, diante de si mesmos, preferem negar a crise fugindo dela, evitando ter que olhar para a própria alma. Antes de resolver problemas com os outros, temos que lutar conosco mesmo, com as sombras de nosso ser, com os lados escuros da alma, e esta experiência é dolorida e dramática. Só se sai dela mancando, como aconteceu com Jacó.

O que nos leva a buscar reconciliação?

Diante de tantos problemas enumerados, por que deveríamos buscar o caminho da restauração? Sendo simplista diria que uma única razão já seria bastante: Porque vale a pena.  Depois de tanta dor e ansiedade vividos por Jacó, de temores e pesadelos, tudo isto assume uma nova roupagem quando ele se reencontra com o irmão Esaú. Jacó imaginou o pior cenário, e agora vemos o Esaú guerreiro, abraçado e chorando. Quanto anos de sofrimento para descobrir que seu irmão era bem menos complicado do que parecia, que ele não era tão ruim como imaginara. Os erros de outrora foram frutos da imaturidade e leviandade dos dois, e as ameaças caem por terra. (Gn 33.4).
Que caminho bendito o caminho da reconciliação! Através dele Jacó vai restabelecendo a alma e ganhando novo nome diante de Deus. Não mais Jacó, o trapaceiro, mas Israel, príncipe com Deus. Passa a ter uma nova identidade. Restabelece o conflito com o sogro. Estava ameaçado, agora é abençoado! (Gn 31.55). Reencontra-se com Esaú: tinha um inimigo, agora um parceiro (33.12). Esaú não quer deixá-lo sozinho, mas quer protegê-lo, ele é seu irmão. As coisas antigas e os anos de pesadelo tornam-se apenas páginas viradas da história.
Quanta revolução a reconciliação pode trazer: paz com Deus, harmonia familiar, perdão entre irmãos, casamentos refeitos, uma nova linha de comunicação entre pais e filhos. Reconciliação capacita-nos sepultar o passado, zerar a conta e virar a página. Reconciliação desmonta resistências. Antes o Esaú armado, o Jacó defensivo, agora o homem liberto. Todo o aparato se desfaz com um sincero abraço, um beijo de reconciliação e lágrimas de perdão.
Famílias facilmente escondem ódios profundos e atitudes insanas. A reconciliação de Jacó amplia suas relações, ele descobre um universo bem maior, não é mais um ser solitário. Tem gente ao redor, a quem pode apelar, não está mais desprotegido. Perda de laços sanguíneos é terrível. Perda de amigos, irreparável.
Reconciliação espanta temores íntimos da alma e fantasmas que caminhavam nas madrugadas. Jacó, o homem atormentado pela possibilidade da vingança do irmão, que o ameaçara agora é descobre um aliado (Gn. 27:41). Jacó vivia sob o estigma da morte, mas a reconciliação põe fim aos anos de angústia e expectativa de que o pior pudesse acontecer. Quem esteve sob ameaça entende o que estou dizendo.

Conclusão:

Reconciliação aponta para a obra da cruz.

A Bíblia diz que “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação” (2 Co 5.19). Ele não apenas desfez a barreira que meu pecado criara, mas nos habilitou com a palavra da reconciliação para encorajar.

Como na parábola do Filho pródigo, traímos a Deus, ferimos o seu amor, no entanto, o pai perdoa, nos aceita de volta, nos dá dignidade. Ele, o ofendido; eu, o ofensor. Ele reconciliou “consigo mesmo o mundo”. A iniciativa foi dele e ele pagou o preço da minha reconciliação.

Um velho pregador estava viajando de trem para sua casa depois de uma série de conferências, quando percebeu no seu vagão um rapaz muito nervoso. Vendo-lhe a angústia de alma, se aproxima e pergunta se poderia ajudá-lo, pois o via muito nervoso. E o rapaz lhe explicou o que estava acontecendo.
Muitos anos atrás ele havia saído de sua casa, por causa de uma briga que ele havia provocado pela sua atitude intempestiva, e depois de ter ferido seus pais, a família e os irmãos, decidira desaparecer no mundo e por muitos anos, não enviou qualquer noticia aos seus. No entanto, passou a sentir-se cada vez mais oprimido e resolveu retornar para. Contudo, não sabia como o Pai reagiria à sua atitude, e resolveu mandar um telegrama dizendo: “Em tal dia, estarei viajando de trem para reencontrá-los, como o trem passa perto da casa de vocês, quero que coloquem um sinal no pé de manga, um lençol branco, como sinal de paz, em frente de casa, para que eu saiba que vocês me perdoaram e me aceitam de volta. Se vocês não colocarem nada, vou passar direto, e nunca mais volto”. Ele estava nervoso porque não sabia qual seria a resposta de sua família.
O velho pregador lhe disse: Então, deixe que eu olho para você, se estiver positivo, eu te falo. Quando chegaram perto do local indicado, o velho pastor chamou o moço e lhe disse, “Não estou vendo apenas um lençol, mas vejo a árvore coberta de lençóis, eles estão por toda parte. Em cima do telhado, cobrindo toda a árvore, nas cercas, na grama, em todos os lugares há lençóis brancos”.

Esta é uma boa analogia da obra de Deus por nós. Deus foi ferido pelos nossos pecados, mas de sua parte, moveu-se para nos amar, perdoar, restaurar e reconciliar. Esta é a mensagem da cruz, a mensagem da reconciliação.

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