Digite. www.vimeo.com e escreva o nome Samuel Vieira, e você encontrará este e vários outros sermões
Introdução:
Os capítulos 17 e 18 de apocalipse
precisam ser lidos em bloco, isto porque no capítulo 17 é feita a descrição da
natureza e relata a história desta grande meretriz, ao passo que no capítulo 18
nos é mostrado seu caráter e sua queda.
Do ponto de vista literário, Apocalipse
está dividido em quatro visões.
A primeira
fala do Cristo glorificado e as cartas às sete igrejas;
A segunda
fala da abertura dos selos e do rolo, as sete trombetas e os sete flagelos.
A terceira
contém a revelação da consumação do plano de redenção divino
E a quarta
fala da Jerusalém celestial.
Este conjunto faz parte da terceira visão
que ora estudamos, faz parte da terceira visão.
Quem é esta meretriz?
Não é tão simples como
parece entender o que significa esta cidade. João a descreve “assentada sobre muitas águas”. (18:1)
Ladd declara: “Esta afirmação é muito importante, fornecendo-nos uma das chaves
para identificar a meretriz, Esta descrição não cabe à Roma histórica, pois
esta não estava assentada sobe muitas águas, apesar de o Rio Tibre
atravessá-la”[1]. Para Ladd, esta era uma referência
clara a Babilônia, conforme descreve o Profeta Jeremias: “Oh! tu que habitas sobre muitas
águas” (Jer.51:13).
Em contrapartida, veja o que
afirma outro conhecido comentarista: “O dado histórico aqui é particularmente
claro. Não há necessidade de nos alongarmos. Babilônia, a grande prostituta: é
Roma". [2]
Percebe-se, pela flagrante
diferença nos pontos de vista, como é difícil lidar com símbolos. Contudo, é
importante lembrar que João, o apóstolo, faz questão de explicar o que
significam estas águas, decifrando assim o seu simbolismo: “As águas que viste…são povos, multidões, nações e línguas” – (17:15). Creio que esta resposta hermenêutica de João
é mais coerente por ter sido dada pelo próprio autor, e porque nos traz
novamente a idéia de que apocalipse é uma “arquitetura em movimento”.
“Na sua fronte está escrito um nome, um mistério: Babilônia, a grande, a
mãe das meretrizes e das abominações da terra”. (17:5) Esta prostituta
obviamente é Babilônia, não necessariamente a Babilônia histórica, mas a figura
que ela representa. Talvez a análise de Ellul possa ser elucidativa aqui:
“Babilônia não é símbolo de Roma; é Roma, realidade histórica, que é
transformada em símbolo de uma realidade mais profunda e polimorfa, de que
Babilônia foi tradicionalmente expressão…Roma é o símbolo atualizado, presença
histórica de um fenômeno permanente, complexo e múltiplo. Que as sete cabeças
sejam as sete montanhas onde reside a mulher é o código: a mulher é Roma.”
(17:5; 18:2). [3].
Temos que relembrar que João
era um prisioneiro político, e precisava usar uma linguagem simbólica e de
certa forma obscura, para que seus algozes não conseguissem entender a mensagem
que seria decifrada pelas igrejas que a receberiam. Daí o caráter profundamente
simbólico que o texto possui.
Que são as sete cabeças, os sete montes e os sete reis?
Toda tentativa de explicar o
significado das sete cabeças é superficial. Se tentarmos entender a alusão aos sete
reis do ponto de vista histórico teremos muitas dificuldades. (17:9).[4]
O próprio autor, João, embrulha a situação dizendo que as cabeças são sete
montes, mas são também sete reis (17:9). A interpretação se torna mais fácil se
admitirmos que as sete cabeças são as montanhas onde a cidade está fundada, mas
que a referência aos sete reis seja simbólica. O rei é uma figura de poder e
autoridade, e sete é a perfeição. Estamos ainda no sexto (imperfeição) –
(17:10), O sétimo rei, uma figura mais completa vai surgir, mas também durará
pouco. (17:10).
Roma simboliza todo o poder
político que domina o mundo, no momento
em que o apocalipse foi escrito. Roma simboliza todas as potências mundiais, de
todo o tempo, com sua prostituição, seus pactos com a besta, e sua oposição ao
Cordeiro.
Curiosamente ela nunca é
descrita como adúltera (grego: moichalis),
mas sempre como prostituta (grego: porne).
Portanto ela não é uma esposa falsa, infiel, mas alguém que vende seu corpo em
troca de benefícios. A prostituição é a imitação barata e diabólica do amor. É
o inverso da relação de intimidade e de doação, é o oposto de Deus. Ao
estudarmos as mercadorias que se encontram na Babilônia, vemos que trata-se de
uma metrópole de grande poder industrial e comercial. (18:12-13,16) Um centro
de bens de consumo que procura atrair as pessoas ao seu fascínio e à sua
riqueza. “Simboliza a concentração do luxo, do vício e do encanto deste mundo”.
[5]
Outra descrição que é feita
é de que ela “os reis da terra se
prostituíram com ela e com o vinho da sua devassidão”. (18:2) Babilônia é
na Bíblia, a figura da mãe das fornicações e da devassidão moral. Todos se
embriagam com sua luxúria, mas o que a leva a embriaguez, com aqueles que se
curvam diante dela, é o “sangue dos
santos”. (17:6). João afirma que quando a viu, admirou-se com grande espanto. (17:6).
O significado completo desta
cidade é escatológico, Babilônia personificava a maldade humana. Trata-se
portanto, de uma figura muito mais ampla que a mera descrição de uma cidade
particular, seja ela Roma ou Babilônia.
Isto, contudo, não faz com
que a mensagem do texto seja menos importante, pelo contrário, torna-a mais
fascinannte e desafiadora. O texto deixa transparecer sua mensagem, no meio
destes códigos aparentemente indecifráveis. Eis algumas lições extremamente
significativos que nos são apontadas neste texto:
1. A transitoriedade da besta “A besta era,
e não é” - Esta é uma expressão que aparece 3 vezes neste
texto. 17:8 (2 x); 17:11. A grande, imbatível e segura Babilônia é transitória
e passageira. “Não é mais”. Seus alicerces e seus fundamento ruiram. “era e não é”. Isto contrasta com a
figura do Cordeiro, que “é, era e que há de vir”. (1:4) e que foi morto
“desde a fundação da mundo” (13:8). O domínio da besta é transitório,
circunstancial, é uma potência econômica e militar, mas seu brilho vai passar.
Sua glória é temporal. A prostituta e seus seguidores empregam toda sua energia
e se consomem por algo que é passageiro e ilusório.
2. Os poderes políticos e
terrenos estão profundamente mesclados com a filosofia da besta e do anticristo – (17:13,17) Por seguirem a
besta e concentrarem todas as suas energias na promoção deste poder maligno,
oferecem-lhe o poder e a autoridade (17:13) e doam-lhe o reino que possuem
(17:17), são por sua natureza intrínseca, comprometidas com a besta e opostas
ao Cordeiro. Por isto “pelejarão contra o
Cordeiro”. (17:14). Os Poderes políticos não são descritos em apocalipse
como poderes “neutros”, mas estruturas sistêmicas que promovem a besta.
Babilônia está muito associada com a besta, na realidade o texto descreve a
cidade como que ‘montada numa besta”. 17:3 Isto é, sua estrutura está fundada na
filosofia e no projeto da besta. Roma, com seus poderes constituídos, com os
dez chifres, representa o movimento perseguidor da igreja de Cristo durante a
história, personificada em sucessivos impérios mundiais.
3. Outro aspecto relevante aqui
revelado é que toda relação com o diabo é profundamente perigosa e destrutiva. Em 17:16 vemos que os dez
chifres, pactuados com a besta, mesmo sendo aliados da meretriz e sendo a base
de seu sustento, já que a grande meretriz está sentada sobre as sete cabeças
(17:9), tornam-se na verdade oponentes e destruidores da meretriz, “esses odiarão a meretriz, e a farão
devastada e despojada, e lhe comerão as carnes, e a consumirão no fogo”. 17:16
A grande lição que extraímos
deste texto é que, aqueles que se apoiam em tais fundamentos, ainda que sejam
glorificados por um breve tempo, serão destruídos e massacrados pelos seus
próprios aliados. Isto é, o diabo não respeita pactos, e não tem parceiros,
antes massacra aqueles que a ele se alia. Satanás é alguém que destrói quem
nele se firma, é como uma cana de ponta aguda na qual colocamos nossa mão para
encontrar apoio. Por esta razão, pessoas que são fascinadas por feitiçaria e
obras de religiões animistas, envolvimento com espiritismo e religiões que
pactuam com entidades sofrerão graves consequências de se envolverem nestes
pactos sinistros. Aquilo que os atrai e fascina, é o que os arruinará, assim
como a luz do lampião com o colorido de sua chama fascina e exerce forte poder
de atração sobre os pirilampos, mas os queima assim que eles se aproximam do
fogo.
Ellul chama a atenção para o
fato de que Babilônia vem da palavra babilani:
(a porta dos deuses), isto é, o lugar onde os “deuses que não são deuses”,
os fictícios, os opostos, os sedutores, penetram no mundo humano e procuram
perverter o homem, desviá-lo do Deus verdadeiro.[6]
Por esta razão, ela simboliza a concentração do luxo, da vaidade, do prazer,
entendendo prostituição também, não apenas como algo de ordem sexual, mas
também do envolvimento com os amantes que podem ser os poderes políticos e a
glória sobre os quais ela se fundamenta (17:9).
Este é o outro aspecto que
desta prostituição que o texto aponta, o desvio espiritual. Babilônia “se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo
e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável”. (18:2) Por esta
razão ela se “embriaga com o sangue das testemunhas de Jesus” (17:6),
ela se banqueteia com suas feitiçarias “todas
as nações da terra foram seduzidas pela sua feitiçaria”. (18:23). Era uma
cidade mesclada com bruxarias e envolvimentos demoníacos. Não era uma cidade
secularizada, antes com uma forte presença de elementos espirituais. Só que
esta espiritualidade era esotérica, mágica, satânica, ao mesmo tempo que se
opunha fortemente à verdade do evangelho e eliminava à força, todos os genuínos
profetas e santos que proclamavam a verdade. (18:24)
A besta detesta a mulher e
isto significa que a Babilônia será destruída por aquilo mesmo que a fizera
vitoriosa: ela se fundamenta sobre o poder político, mas é o poder político que
a destruirá.
4. A ordem ao povo de Deus é
clara: “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes
cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos”. 18:4
A igreja de Cristo precisa recuperar sua capacidade de ser diferente. Tem que
aprender que é “sal e luz da terra”, e por isto não pode se confundir com a
devassidão espiritual e moral que assola esta geração. Qualquer cumplicidade
com seu domínio e fascínio pode ser um cálice atordoador que embriaga e tira o
senso crítico daquele que bebe dele. Jeffrey afirma que “a chave da adoração do
culto Babilônico é a exaltação do indivíduo para que se torne como Deus pelos
meios de iniciação, rituais secretos e conhecimento gnóstico dos deuses. Este
sistema demoníaco tem sido o fator motivador de toda antiga falsa religião e do
moderno culto da Nova Era que se opõe ao verdadeiro culto a Deus”[7].
Primasius, um velho
comentarista Latino afirmava que “Roma deixara o criador e se prostituíra com
os demônios”.
Deus está sempre chamando
seu povo para romper os vínculos com estruturas pecaminosas, pecados,
feitiçarias e cultos que são contrários a sua forma de adoração. Uma das
palavras mais usadas para expressar a santidade do povo de Deus no NT é a
palavra hagios, que significa
literalmente, “Cortar fora”, isto é,
separar, ser diferente do mundo. O cristão não se conforma com o mundo, mas
transforma-se saindo do mundo. Rm. 12:2.
Conclusão:
“Caiu! Caiu a grande
Babilônia!” (18:2) A afirmação desta potente voz, vem carregada
de um grande surpresa. A grande Babilônia, carregada de luxúria, que se
considerava indestrutível, que dizia consigo mesma “Estou sentada como
rainha. Viúva não sou. Pranto nunca hei de ver!” (18:7) atônita, vê chegar
o seu fim.
Da mesma forma, cairão ainda
grandes impérios construídos em cima da arrogância, e que igualmente imaginam
serem indestrutíveis. São “cidades”que se jactam de que nada pode ameaçá-las,
pensam que são imbatíveis, e que nunca enfrentarão reveses.
Titanic, símbolo da
opulência e orgulho de uma nação, talvez revele de forma profunda como os
fundamentos econômicos e políticos são frágeis. Quando colocaram este navio no
mar, ele era tão bem construído, o material e tecnologia que usaram eram tão
reconhecidamente importantes que sua maior propaganda foi: “Este é um navio que
nem mesmo Deus pode afundar!”. Durante o seu trajeto, o capitão ainda foi informado
pelo rádio que era melhor mudar a rota, porque havia muito perigo de geleira
por onde ele passava. O capitão ignorou todas as advertências, afinal, este
navio era o navio mais seguro do mundo.Na sua viagem inaugural, um iceberg bate
no seu casco, e mais de mil pessoas morreram no mar gelado do Atlântico.
Todos nós sabemos do
resultado desta arrogância. Assim também cairão todos os poderosos, todos as
grandes nações e cidades, cheias de luxúria e que tem se tornado “morada de
demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero
de ave imunda e detestável”. (18:2). O dia chegará em que a voz potente de
outro anjo vai exclamar: “Caiu! Caiu a grande Babilônia”.
Samuel
Vieira
Boston, Outono 2000
[1] . Ladd, 163, 164
[2] . Ellul, 209
[3] Ellul, 211
[4] .
Dado ao propósito prático e pastoral que damos ao texto, teríamos que nos
alongar quase indefinidamente nesta análise, por isto sugerimos que façam a
leitura de alguns textos que poderiam ajudá-los, ao invés de expormos aqui as
possíveis variáveis. Ellul, (1980), pgs. 209-211; Hendriksen, (1965), pgs.
205-206; Ladd, (1980), pgs. 166-171
[5] . Hendriksen, pg. 202
[6] . Ellul, 215
[7] Jeffrey, Grant R., - The coming judgment of the nations – New York, Bantam Books, 1992.
Pg. 202.
Nenhum comentário:
Postar um comentário