domingo, 10 de agosto de 2014

Ap 17 e 18 A Grande Meretriz

Este sermão foi gravado e publicado. Ele pode ser ouvido por você:
Digite. www.vimeo.com e escreva o nome Samuel Vieira, e você encontrará este e vários outros sermões 







Introdução:

Os capítulos 17 e 18 de apocalipse precisam ser lidos em bloco, isto porque no capítulo 17 é feita a descrição da natureza e relata a história desta grande meretriz, ao passo que no capítulo 18 nos é mostrado seu caráter e sua queda.

Do ponto de vista literário, Apocalipse está dividido em quatro visões.

A primeira fala do Cristo glorificado e as cartas às sete igrejas;

A segunda fala da abertura dos selos e do rolo, as sete trombetas e os sete flagelos.

A terceira contém a revelação da consumação do plano de redenção divino

E a quarta fala da Jerusalém celestial.

Este conjunto faz parte da terceira visão que ora estudamos, faz parte da terceira visão.

Quem é esta meretriz?

Não é tão simples como parece entender o que significa esta cidade. João a descreve “assentada sobre muitas águas”. (18:1) Ladd declara: “Esta afirmação é muito importante, fornecendo-nos uma das chaves para identificar a meretriz, Esta descrição não cabe à Roma histórica, pois esta não estava assentada sobe muitas águas, apesar de o Rio Tibre atravessá-la”[1]. Para Ladd, esta era uma referência clara a Babilônia, conforme descreve o Profeta Jeremias: “Oh!  tu que habitas sobre muitas águas” (Jer.51:13).
Em contrapartida, veja o que afirma outro conhecido comentarista: “O dado histórico aqui é particularmente claro. Não há necessidade de nos alongarmos. Babilônia, a grande prostituta: é Roma"[2]
Percebe-se, pela flagrante diferença nos pontos de vista, como é difícil lidar com símbolos. Contudo, é importante lembrar que João, o apóstolo, faz questão de explicar o que significam estas águas, decifrando assim o seu simbolismo: “As águas que viste…são povos, multidões, nações e línguas” – (17:15).  Creio que esta resposta hermenêutica de João é mais coerente por ter sido dada pelo próprio autor, e porque nos traz novamente a idéia de que apocalipse é uma “arquitetura em movimento”.
Na sua fronte está escrito um nome, um mistério: Babilônia, a grande, a mãe das meretrizes e das abominações da terra”. (17:5) Esta prostituta obviamente é Babilônia, não necessariamente a Babilônia histórica, mas a figura que ela representa. Talvez a análise de Ellul possa ser elucidativa aqui: “Babilônia não é símbolo de Roma; é Roma, realidade histórica, que é transformada em símbolo de uma realidade mais profunda e polimorfa, de que Babilônia foi tradicionalmente expressão…Roma é o símbolo atualizado, presença histórica de um fenômeno permanente, complexo e múltiplo. Que as sete cabeças sejam as sete montanhas onde reside a mulher é o código: a mulher é Roma.” (17:5; 18:2). [3].
Temos que relembrar que João era um prisioneiro político, e precisava usar uma linguagem simbólica e de certa forma obscura, para que seus algozes não conseguissem entender a mensagem que seria decifrada pelas igrejas que a receberiam. Daí o caráter profundamente simbólico que o texto possui.

Que são as sete cabeças, os sete montes e os sete reis?

Toda tentativa de explicar o significado das sete cabeças é superficial. Se tentarmos entender a alusão aos sete reis do ponto de vista histórico teremos muitas dificuldades. (17:9).[4] O próprio autor, João, embrulha a situação dizendo que as cabeças são sete montes, mas são também sete reis (17:9). A interpretação se torna mais fácil se admitirmos que as sete cabeças são as montanhas onde a cidade está fundada, mas que a referência aos sete reis seja simbólica. O rei é uma figura de poder e autoridade, e sete é a perfeição. Estamos ainda no sexto (imperfeição) – (17:10), O sétimo rei, uma figura mais completa vai surgir, mas também durará pouco. (17:10).
Roma simboliza todo o poder político que domina o mundo,  no momento em que o apocalipse foi escrito. Roma simboliza todas as potências mundiais, de todo o tempo, com sua prostituição, seus pactos com a besta, e sua oposição ao Cordeiro.
Curiosamente ela nunca é descrita como adúltera (grego: moichalis), mas sempre como prostituta (grego: porne). Portanto ela não é uma esposa falsa, infiel, mas alguém que vende seu corpo em troca de benefícios. A prostituição é a imitação barata e diabólica do amor. É o inverso da relação de intimidade e de doação, é o oposto de Deus. Ao estudarmos as mercadorias que se encontram na Babilônia, vemos que trata-se de uma metrópole de grande poder industrial e comercial. (18:12-13,16) Um centro de bens de consumo que procura atrair as pessoas ao seu fascínio e à sua riqueza. “Simboliza a concentração do luxo, do vício e do encanto deste mundo”. [5]
Outra descrição que é feita é de que ela “os reis da terra se prostituíram com ela e com o vinho da sua devassidão”. (18:2) Babilônia é na Bíblia, a figura da mãe das fornicações e da devassidão moral. Todos se embriagam com sua luxúria, mas o que a leva a embriaguez, com aqueles que se curvam diante dela, é o “sangue dos santos”. (17:6). João afirma que quando a viu, admirou-se com grande espanto. (17:6).
O significado completo desta cidade é escatológico, Babilônia personificava a maldade humana. Trata-se portanto, de uma figura muito mais ampla que a mera descrição de uma cidade particular, seja ela Roma ou Babilônia.

Isto, contudo, não faz com que a mensagem do texto seja menos importante, pelo contrário, torna-a mais fascinannte e desafiadora. O texto deixa transparecer sua mensagem, no meio destes códigos aparentemente indecifráveis. Eis algumas lições extremamente significativos que nos são apontadas neste texto:

1.      A transitoriedade da besta  “A besta era, e  não é” -  Esta é uma expressão que aparece 3 vezes neste texto. 17:8 (2 x); 17:11. A grande, imbatível e segura Babilônia é transitória e passageira. “Não é mais”. Seus alicerces e seus fundamento ruiram. “era e não é”. Isto contrasta com a figura do Cordeiro, que “é, era e que há de vir”. (1:4) e que foi morto “desde a fundação da mundo” (13:8). O domínio da besta é transitório, circunstancial, é uma potência econômica e militar, mas seu brilho vai passar. Sua glória é temporal. A prostituta e seus seguidores empregam toda sua energia e se consomem por algo que é passageiro e ilusório.

2.      Os poderes políticos e terrenos estão profundamente mesclados com a filosofia da besta e do anticristo – (17:13,17) Por seguirem a besta e concentrarem todas as suas energias na promoção deste poder maligno, oferecem-lhe o poder e a autoridade (17:13) e doam-lhe o reino que possuem (17:17), são por sua natureza intrínseca, comprometidas com a besta e opostas ao Cordeiro. Por isto “pelejarão contra o Cordeiro”. (17:14). Os Poderes políticos não são descritos em apocalipse como poderes “neutros”, mas estruturas sistêmicas que promovem a besta. Babilônia está muito associada com a besta, na realidade o texto descreve a cidade  como que ‘montada numa besta”. 17:3 Isto é, sua estrutura está fundada na filosofia e no projeto da besta. Roma, com seus poderes constituídos, com os dez chifres, representa o movimento perseguidor da igreja de Cristo durante a história, personificada em sucessivos impérios mundiais.

3.      Outro aspecto relevante aqui revelado é que toda relação com o diabo é profundamente perigosa e destrutiva. Em 17:16 vemos que os dez chifres, pactuados com a besta, mesmo sendo aliados da meretriz e sendo a base de seu sustento, já que a grande meretriz está sentada sobre as sete cabeças (17:9), tornam-se na verdade oponentes e destruidores da meretriz, “esses odiarão a meretriz, e a farão devastada e despojada, e lhe comerão as carnes, e a consumirão no fogo”. 17:16

A grande lição que extraímos deste texto é que, aqueles que se apoiam em tais fundamentos, ainda que sejam glorificados por um breve tempo, serão destruídos e massacrados pelos seus próprios aliados. Isto é, o diabo não respeita pactos, e não tem parceiros, antes massacra aqueles que a ele se alia. Satanás é alguém que destrói quem nele se firma, é como uma cana de ponta aguda na qual colocamos nossa mão para encontrar apoio. Por esta razão, pessoas que são fascinadas por feitiçaria e obras de religiões animistas, envolvimento com espiritismo e religiões que pactuam com entidades sofrerão graves consequências de se envolverem nestes pactos sinistros. Aquilo que os atrai e fascina, é o que os arruinará, assim como a luz do lampião com o colorido de sua chama fascina e exerce forte poder de atração sobre os pirilampos, mas os queima assim que eles se aproximam do fogo.

Ellul chama a atenção para o fato de que Babilônia vem da palavra babilani: (a porta dos deuses), isto é, o lugar onde os “deuses que não são deuses”, os fictícios, os opostos, os sedutores, penetram no mundo humano e procuram perverter o homem, desviá-lo do Deus verdadeiro.[6] Por esta razão, ela simboliza a concentração do luxo, da vaidade, do prazer, entendendo prostituição também, não apenas como algo de ordem sexual, mas também do envolvimento com os amantes que podem ser os poderes políticos e a glória sobre os quais ela se fundamenta (17:9).
Este é o outro aspecto que desta prostituição que o texto aponta, o desvio espiritual.  Babilônia “se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável”. (18:2) Por esta razão ela se “embriaga com o sangue das testemunhas de Jesus” (17:6), ela se banqueteia com suas feitiçarias “todas as nações da terra foram seduzidas pela sua feitiçaria”. (18:23). Era uma cidade mesclada com bruxarias e envolvimentos demoníacos. Não era uma cidade secularizada, antes com uma forte presença de elementos espirituais. Só que esta espiritualidade era esotérica, mágica, satânica, ao mesmo tempo que se opunha fortemente à verdade do evangelho e eliminava à força, todos os genuínos profetas e santos que proclamavam a verdade. (18:24)
A besta detesta a mulher e isto significa que a Babilônia será destruída por aquilo mesmo que a fizera vitoriosa: ela se fundamenta sobre o poder político, mas é o poder político que a destruirá.

4.      A ordem ao povo de Deus é clara: “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos”. 18:4 A igreja de Cristo precisa recuperar sua capacidade de ser diferente. Tem que aprender que é “sal e luz da terra”, e por isto não pode se confundir com a devassidão espiritual e moral que assola esta geração. Qualquer cumplicidade com seu domínio e fascínio pode ser um cálice atordoador que embriaga e tira o senso crítico daquele que bebe dele. Jeffrey afirma que “a chave da adoração do culto Babilônico é a exaltação do indivíduo para que se torne como Deus pelos meios de iniciação, rituais secretos e conhecimento gnóstico dos deuses. Este sistema demoníaco tem sido o fator motivador de toda antiga falsa religião e do moderno culto da Nova Era que se opõe ao verdadeiro culto a Deus”[7].

Primasius, um velho comentarista Latino afirmava que “Roma deixara o criador e se prostituíra com os demônios”.
Deus está sempre chamando seu povo para romper os vínculos com estruturas pecaminosas, pecados, feitiçarias e cultos que são contrários a sua forma de adoração. Uma das palavras mais usadas para expressar a santidade do povo de Deus no NT é a palavra hagios, que significa literalmente,  “Cortar fora”, isto é, separar, ser diferente do mundo. O cristão não se conforma com o mundo, mas transforma-se saindo do mundo. Rm. 12:2.

Conclusão:

“Caiu! Caiu a grande Babilônia!” (18:2)  A afirmação desta potente voz, vem carregada de um grande surpresa. A grande Babilônia, carregada de luxúria, que se considerava indestrutível, que dizia consigo mesma “Estou sentada como rainha. Viúva não sou. Pranto nunca hei de ver!” (18:7) atônita, vê chegar o seu fim.
Da mesma forma, cairão ainda grandes impérios construídos em cima da arrogância, e que igualmente imaginam serem indestrutíveis. São “cidades”que se jactam de que nada pode ameaçá-las, pensam que são imbatíveis, e que nunca enfrentarão reveses.
Titanic, símbolo da opulência e orgulho de uma nação, talvez revele de forma profunda como os fundamentos econômicos e políticos são frágeis. Quando colocaram este navio no mar, ele era tão bem construído, o material e tecnologia que usaram eram tão reconhecidamente importantes que sua maior propaganda foi: “Este é um navio que nem mesmo Deus pode afundar!”. Durante o seu trajeto, o capitão ainda foi informado pelo rádio que era melhor mudar a rota, porque havia muito perigo de geleira por onde ele passava. O capitão ignorou todas as advertências, afinal, este navio era o navio mais seguro do mundo.Na sua viagem inaugural, um iceberg bate no seu casco, e mais de mil pessoas morreram no mar gelado do Atlântico.
Todos nós sabemos do resultado desta arrogância. Assim também cairão todos os poderosos, todos as grandes nações e cidades, cheias de luxúria e que tem se tornado “morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável”. (18:2). O dia chegará em que a voz potente de outro anjo vai exclamar: “Caiu! Caiu a grande Babilônia”.

Samuel Vieira

Boston, Outono 2000




[1] . Ladd, 163, 164
[2] . Ellul, 209
[3]   Ellul, 211
[4] . Dado ao propósito prático e pastoral que damos ao texto, teríamos que nos alongar quase indefinidamente nesta análise, por isto sugerimos que façam a leitura de alguns textos que poderiam ajudá-los, ao invés de expormos aqui as possíveis variáveis. Ellul, (1980), pgs. 209-211; Hendriksen, (1965), pgs. 205-206; Ladd, (1980), pgs. 166-171
[5] . Hendriksen, pg. 202
[6] . Ellul, 215
[7] Jeffrey, Grant R., -  The coming judgment of the nations – New York, Bantam Books, 1992.  Pg. 202.

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