sábado, 2 de agosto de 2014

At 17.24 Templos e Tempos






Introdução:

No dia 31 de Agosto de 2014, a Igreja Universal do Reino de Deus, com a presença da Presidente e Vice-Presidente da República e autoridades brasileiras inaugurou o monumental “Templo de Salomão”, numa área de 100 mil metros quadrados. O templo chama a atenção pelo gigantismo, custo e beleza arquitetônica. Ele é quatro vezes maior que O Santuário de Aparecida do Norte que pertence à Igreja Católica e é o maior templo do Brasil. Seu custo total foi de 680 milhões de reais e foi construído numa área absolutamente decadente hoje em São Paulo, onde ficam grandes galpões abandonados e mal cuidados – o que deve inflacionar imóveis na região. Muitas pedras talhadas que foram utilizadas na sua construção vieram de Jerusalém. O evento teve ampla cobertura da CNN e de outras emissoras e, obviamente, a Rede Globo, em constante intriga com o Bispo Edir Macedo, não fez qualquer menção à construção.

Esta tendência de criar lugares sagrados é muito forte em quase todas as religiões ao redor do mundo. No Brasil são famosas as romarias, quando centenas de milhares de pessoas saem para celebrar e se encontrar em lugares sagrados como Cirio de Nazaré, em Belém do Pará, Aparecida do Norte em São Paulo, Juazeiro do Norte, no Ceará. No Estado de Goiás existem varias romarias, sendo que a mais conhecida de todas fica em Trindade-Go, e milhares de pessoas se dirigem para estes lugares por motivações distintas, entre elas, a possibilidade do encontro com o Sagrado.

No Islamismo também são conhecidas as peregrinações. Todo bom muçulmano deve fazer uma viagem anual a Meca, e se tiver menos recursos, pelo menos uma vez na vida, dirigir-se a até maior centro de adoração desta religião, e em outras cidades também consideradas sagradas como Medina e Jerusalém.

Qual o valor espiritual destes locais santos? Para as Escrituras Sagradas, nenhum!

Apesar do valor do “Templo de Salomão” como monumento e que eventualmente vai se tornar num polo turístico, seu valor espiritual é zero. Construções nunca foram o alvo de Deus. Templos e monumentos, pelo contrário, geralmente tornam-se uma agressão a Deus, porque passam a ter um valor maior que pessoas, e inevitavelmente se transformam em relações idolátricas e as pessoas passam a “adorar” e acreditar que tais lugares são santos. Já vemos isto em grandes peregrinações que são feitas por religiões ao redor do mundo em busca de lugares sagrados, e frequentemente vemos isto no Brasil, mas a Bíblia é categórica em afirma que “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” (At 17.24).

Para entender melhor esta realidade, leremos alguns textos da Bíblia:

1.       O Projeto de Davi – 1 Cr 17.1-6 - Quando Davi resolveu edificar um tempo para Yahweh, ele procurou o profeta Natã e falou de seu plano. Natã, como servo de Deus ficou empolgado e o encorajou realmente a empreender a tarefa, no entanto, a Palavra de Deus veio até ele ainda naquele dia com orientação completamente diferente.

Deus orientou ao profeta Natã dizer o seguinte: “Tu não edificarás casa para minha habitação; porque em casa nenhuma habitei, desde o dia que fiz subir a Israel  até o dia de hoje; mas tenho andando de tenda em tenda, de tabernáculo em tabernáculo. Em todo lugar em que andei com todo o Israel, falei, acaso, alguma palavra com algum dos seus juízes, a quem mandei apascentar o meu povo, dizendo: Por que não me edificais uma casa de cedro?” (1 Cr 17.4-6). Deus deixa claro que nunca fora sua intenção ser “aprisionado” por homens num local que eles considerariam santo.

Deus afirma diretamente que nunca havia pedido isto a ninguém. Por durante 335 anos que corresponde ao tempo dos Juízes, e mais 40 anos do reinado de Saul, Deus nunca requereu isto de seu povo. Ele sempre habitou em tendas.

A arca da Aliança trazia a marca da provisoriedade. Ela tinha quatro argolas colocadas nos cantos, para serem carregadas com duas varas. Deveria estar pronta para se locomover a qualquer momento que a nuvem se deslocasse, por isto apontava para a ideia de provisoriedade e não de permanência. Deus não tinha a intenção de se estabelecer em nenhum lugar.

Com a construção do templo de Salomão em Jerusalém, os judeus passaram a crer que Deus estava naquele lugar. Johannes Blaw[1], afirma que Israel nunca entendeu o conceito de missões, e até hoje é uma das poucas religiões não missionárias no mundo inteiro, porque tinha a visão de que Deus estava em Jerusalém, e se alguém quisesse se encontrar com ele deveria se dirigir até o templo. O povo de Israel nunca entendeu a proposta de Deus dada a Abraão: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Apesar do Sl 67.2 afirmar “....Para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação”, os judeus nunca realmente compreenderam o grande alvo de Deus de fazer conhecido “em todos os povos”, o nome glorioso de Yahweh. O Deus de Israel tornou-se um “Deus tribal”, exclusivo, posse de um grupo étnico.

O profeta Jonas reflete bem esta missiologia deturpada. Ele não tinha problema em ser profeta para seu povo. Sua crise estava relacionada à etnicidade. O problema central de Jonas é missiológico. Ele é o paradigma invertido de toda uma nação que não conseguia entender como Deus poderia amar alguém diferente do povo judaico. Jonas é o claro exemplo deste ensimesmamento. Ele não quer ir até os ninivitas, ele briga com Deus, questiona desde o princípio: “Não foi isto que te disse estando ainda em Israel?” (Jn 4.1-5). O Plano de Deus confronta o plano do seu povo e Jonas luta contra Deus e se opõe à sua visão missionária. O etnocentrismo interfere no chamado.
Esta ideia estava tão arraigada na cosmovisão judaica, que os discípulos de Jesus também não conseguiam entender o seu plano de fazer discípulos de todas as nações e até os confins da terra”. Pedro hesita e questiona seriamente a visão que o próprio Deus lhe dera, conforme o relato de Atos 10. Seus conceitos e preconceitos o levam a confrontar até a visão de Deus. “Eu sou judeu, não como carne de animais impuros”. Sua reação etnocêntrica, seria indubitavelmente, um grande impedimento para a obra missionária da igreja, porque ela refletia a concepção de todo grupo. Deus deu a visão dos lençóis repletos de animais, quadrúpedes e repteis, não porque Pedro era espiritual, mas porque ele, como todos os demais, eram duros de entendimento.

Deus se tornou limitado. Para se encontrar com Deus era necessário vir ao templo, o lugar sagrado. Quando Antíoco Epifâneo invadiu Jerusalém e profanou estas estruturas reverenciadas e idolatrizadas pelos judeus, sacrificando uma porca no altar, os judeus acreditavam que Deus exterminaria aqueles pagãos, mas para sua frustração e surpresa, nada aconteceu. Deus não estava lá, retido numa estrutura e limitado por paredes, afinal, aprisionado na arca da aliança. “Deus habita no meio da tempestade e da tormenta, e as nuvens são o pó de seus pés”  (Hb 1.3)  e não num espaço delimitado pelos homens. O perigo de um equivocado conceito sobre o templo era o de identificarem a presença de Deus com o lugar edificado para Ele, como se Deus estivesse circunscrito, e isto foi o povo judeu foi a primeira vitima desta equivocada teologia – depois vieram os católicos, os protestantes espalhados nas diversas denominações espalhadas pelo mundo. 

2.        A visão de Jesus – Mc 13.1-2 - Antes de proferir o conhecido sermão escatológico, Jesus estava andando com seus discípulos e olhando suas grandes construções, quando os discípulos encantados com a estrutura do templo afirmaram: “Mestre, que pedras, que construções!”(Mc 13.1). Quando os discípulos ficaram empolgados com o edifício, Jesus lhes frustra: “Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada” (Mc 13.2).

Jesus destrói o implícito e equivocado conceito judaico da sacralidade do templo. Ele demonstra a fragilidade das pedras e das estruturas. Ele revela que estas coisas tão reverenciadas seriam destruídas, como de fato aconteceu 40 anos depois, quando Tito Vespasiano, general romano, que posteriormente se tornaria César, destruiu toda a suntuosidade do templo de Herodes. Não ficou pedra sobre pedra. Estruturas são passageiras e frágeis. Vidas é que não preciosas. Deus não está interessado em monumentos, mas em movimentos.

Outra consideração que devemos fazer se encontra no relato da crucificação. Quando Jesus estava expirando, “o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo” (Mt 27.51; Lc 23.45). Qual é o significado disto?

No templo de Jerusalém havia uma grossa cortina que separava o “santo dos santos”, um local reservado para o sumo sacerdote entrar e oferecer sacrifícios uma vez por ano, e neste lugar absolutamente misterioso e sagrado, os judeus acreditavam que era a residência de Deus. Do lado de fora, as pessoas ficavam esperando até que este dignatário sacerdote, chefe de todos os demais, saísse daquele local assustador. Durante muitos séculos, os judeus mantiverem Deus distante, criando separação entre o Eterno e as pessoas. Entrar naquele lugar seria a maior blasfêmia possível. Na hora de sua morte, o véu se rasgar. Simbolicamente o caminho para Deus estava aberto para todas as pessoas, em todos os tempos, em todos os lugares. Onde está Deus agora? Nos lugares sagrados? Não! Em todos os lugares. Deus deu um fim ao templo feito por mãos humanas e seu sistema religioso de adoração. Uma nova aliança estava sendo estabelecida por meio do seu sangue (Hb 8.13). Os discípulos estavam empolgados com o templo, Jesus estava interessado em pessoas e queria que seus olhos fossem colocados onde ele também os colocava.

3.       O Testemunho de Estevão – At 7.47-50. Estevão foi eleito diácono na Igreja primitiva, de acordo com Atos 6, e sua intrepidez como evangelista se tornou tão forte que foi levado perante o Sinédrio, a Suprema Corte Judaica para se explicar, e depois de sua palavra foi apedrejado, acusado de blasfêmia, porque minimizou o poder do templo, e se tornou o primeiro mártir da historia da igreja cristã.
No seu discurso perante estes homens, o primeiro mártir do cristianismo, afirma: “...Mas o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés. Que casa me edificareis? Diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso? Porventura não fez a minha mão todas estas coisas?” (At 7.47-50).
Estas palavras causaram furor na liderança judaica, mas estava claro para os discípulos de Cristo, que Deus não pode ser limitado por nenhuma de suas criações ou obras humanas. Deus não estava aprisionado no templo. A nuvem era o pó de seus pés. Deus não habita em templos feitos por mãos humanas.

  1. A Visão de Paulo – At 17.24 – Neste texto, vemos o apóstolo Paulo lidando com a visão pagão do mundo grego. Ele encontrava-se em Atenas, berço da filosofia e do pensamento dominante naqueles dias. Apesar de terem desenvolvido uma compreensão bem distante da cosmovisão bíblica, este povo não era “secularizado”, antes “muito espiritualizado”. Pelo sim pelo não, resolveram criar um panteão de deuses, colocando altares para cada um deles, e, pelo sim pelo não, resolveram construir um altar para outro Deus, que por alguma razão involuntária, pudessem ter omitido. E construíram um altar para O DEUS DESCONHECIDO.

Paulo afirma que era exatamente sobre este Deus que ele gostaria de falar. Este Deus, que era também o Deus em quem ele cria, é assim descrito: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais” (At 17.24-25). Podem grifar a frase: “não habita em santuários feitos por mãos humanas”. Mais uma vez vemos a idéia de que Deus, não está restrito a um lugar, não se deixa domesticar, nem ser aprisionado por uma estrutura. Ele é livre e transcende a tudo, “O vento sopra onde quer, não sabes de onde vem, nem para onde vai, assim é todo o que é nascido do Espírito”. O Espírito de Deus é Ruah (hebraico), cujo significado é vento, que por sua natureza é livre para girar e se movimento como quiser, e não pode ser detido ou retido por ninguém. Assim é o Deus que não habita em nichos e santuários feitos por mãos. 
Conclusão: Que lições podemos tirar destas verdades para nossas vidas?

A.      Deus não tem interesse em construções, prédios e paredes, mas vidas- Por isto é que não construímos prédios para provocar crescimento, mas para acomodar crescimento. Deus não é glorificado por causa de uma estrutura, mas por causa de um povo.
Ele é grandioso demais para habitar em templos feitos por homens. O Senhor está interessado em vidas, e não em monumentos.  Deus escolheu habitar em cada um de nós, pelo seu Espírito. Construções são apenas meios, nunca podem se tornar um fim.

B.      Um templo é um local para adequar nossas conveniências e necessidades – Deus não está mais presente num templo que numa rua, num local aberto, num hospital ou em nossa casa.
Templos são espaços de convivência e adoração. Na verdade servem muito mais para o nosso conforto do que para Deus. Estes espaços podem ser adequados e convenientes, ajudar na adoração e no silêncio, mas quando assumem a prerrogativa de que Deus se encontra ali, isto faz com que as pessoas não apenas criem uma relação idolátrica com o local, como quebra frontalmente os princípios básicos de Deus sobre a adoração que ele mesmo requer.

C.      O templo onde Deus habita é o nosso corpo. No Novo Testamento, o templo onde Deus habita, deixa de ser um local de pedras, para residir na vida das pessoas. “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Co 3.16. Ler ainda 1 Co 6.15-20). Esta é a razão pela qual, devemos viver em santidade. Nosso corpo é sagrado.
Por que fugir dos vícios e imoralidades sexuais? Porque em nós habita o Espírito Santo. Paulo é bem explicito: “Fugi da impureza!” Por que? Por sermos o templo do Espírito. Quando cuidamos de nosso corpo, nos recusando a viver uma vida com indulgência, dormindo mal, comendo muito, praticando imoralidade, vícios e hábitos que destroem nossa saúde, estamos ferindo a glória do Deus Santo que reside em nós.
Precisamos construir uma clara teologia do corpo, porque o Espírito mora em nós. Ele não habita em templos, mas em nós. Este é o local sagrado e santo que Deus desejou criar.





[1] Blaw, Johannes – A natureza missionária da igreja. São Paulo, Ed. Aste, 1977

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