Introdução:
Questões espirituais e filosóficas sempre surgem em nossos corações. Algumas vezes de forma branda, em outras, podem se transformar verdadeiros turbilhões de idéias que nos perturbam e atormentam. O mais complicado, é que “"Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas" (Luis Fernando Veríssimo). Vários homens da Bíblia passaram por grandes crises: Davi, Asafe, Jeremias, Habacuque, Jó. Este texto fala das questões relevantes e significativa que Pilatos levantou no seu encontro com Cristo.
1.
Uma Questão Política – “És tu o rei dos
Judeus?” (Jo 18.33). Considerando as acusações que faziam contra Jesus,
os riscos envolvidos nesta questão, e seu ambiente de trabalho, não é de se estranhar
que a primeira coisa que surge tenha a ver com um tema público; alem do mais,
esta foi a acusação inicial que os judeus trouxeram, pois sabiam que se ela
prevalecesse Jesus seria condenado. Esta pergunta é repetida de outra forma em
18.37:
“Logo, tu és rei?”.
2.
Uma Questão Pragmática – “Que fizeste?” (Jo 18.35) Além de governador daquela província,
Pilatos tinha ainda a obrigação de julgar as coisas que lhe eram trazidas. O
direito de defesa foi instituído pelas leis romanas. Pilatos tenta arrancar
alguma confissão e defesa, mas na verdade não estava interessado neste
inquérito, pois já parecia ter o veredito se tratava de uma questão da
intransigência religiosa judaica, e isto de fato não lhe interessava muito.
3.
Uma Questão filosófica – “Que é a verdade?” (Jo 18.38). Talvez a mais importante questão aqui
levantada. Esta pergunta tem inquietado todo universo filosófico, desde
Sócrates que afirmava que “a verdade é o que é”, até o pensamento dialético
hegeliano que relativiza a verdade, afirmando que a verdade é subjetiva e que
depende da perspectiva da pessoa que vê. Portanto, a verdade para um, pode não
ser verdade para outro. “A” pode estar pensando de forma diferente de “B”, e
mesmo que suas respostas sejam contraditórias, é possível que ambos estejam dizendo
a verdade. Pessoalmente, gostaria muito de ouvir a resposta de Jesus, mas
Pilatos, simplesmente levantou a questão e ignorou a resposta, dando de costas
a Cristo.
4.
Uma Questão Ontológica – “Donde és tu?” (Jo 19.9). Ontologia é um ramo da filosofia que
trata da questão do ser humano. Esta pergunta que Pilatos faz a Cristo, está
ligada à sua identidade, origem e natureza. Muitas pessoas da época de Cristo e
depois de Cristo, especialmente na patrística, especularam sobre sua origem. Jesus
é de fato humano? É de fato divino? As grandes questões teológicas logo após a
era apostólica, giravam em torno da discussão da pessoa de Cristo. Dois grandes
concílios (Nicéia – 325 e Calcedônia, 491, giraram em torno da pessoa de Jesus).
O gnosticismo afirmava que Jesus era apenas Deus, mas não humano; o Arianismo
dizia que ele era humano, mas não Deus; O docetismo afirmava que Jesus parecia ser homem, mas era apenas aparência. Ele nunca
deixara de ser inteiramente divino, apesar de ter aparência humana. Sua
humanidade era aparente.
Diante
das questões levantadas por Pilatos, podemos chegar às seguintes conclusões:
A. Fazer
perguntas certas não é suficiente para mudar nossa postura em relação a Cristo As pessoas podem indagar, perguntar, filosofar,
conjecturar, estudar, refletir – mas tudo isto não ser suficiente para mexer
com a alma humana. Alguns dos grandes tratados sobre Cristo foram feitos por
homens eruditos, mas isto não os transformou espiritualmente.
Aqui
vemos Pilatos. Indagando e inquirindo. Que resultados isto trouxe para sua
alma? Nada! Era mero diletantismo filosófico. Depois de ouvir todas as coisas
do próprio Cristo, seu coração ainda era tomado por uma atitude cética e
distante. Nem mesmo o recado de sua esposa na hora do tribunal pedindo para que
ele não se envolvesse com aquele homem justo, foi capaz de mudar a sentença e o
coração de Pilatos. Sua esposa teve uma experiência carismática, ele soube
disto, mas desconsiderou.
B. Podemos
questionar com intenções corretas e ainda assim fazer tudo errado – Depois de conversar com Jesus, Pilatos dá o seu
veredito: “Não
vejo nele crime algum” (Jo.19.4,6). Por duas vezes ele
diz a mesma coisa. Que tribunal estranho! Imagine alguém sendo julgado, e o
juiz o absolve mas ainda assim o sentencia a ir para a cadeia o resto de sua
vida. Não seria estranho? Pilatos não apenas o condena à prisão perpétua, mas para
a morte, sabendo de sua inocência.
A Bíblia chega até mesmo a
afirmar que “Pilatos procurava soltá-lo” (Jo
19.12). Por que não o fez?
Ele o via como inocente,
tinha o poder de libertá-lo, mas mandou açoitá-lo (Jo 19.1); permitiu que fosse
ridicularizado (Jo 19.5) e o crucificou (Jo 19.16). Se não considerarmos aqui o
propósito de Deus em tudo isto, certamente chegaremos à conclusão de que isto
não faz qualquer sentido.
Por que Pilatos tomou (ou não
tomou) as decisões necessárias?
i.
Medo de perder a
popularidade – Não é muito comum pessoas
perderem os céus por causa do desejo de ser aceito e de ser popular. Reputação
social, reconhecimento, podem se tornar uma armadilha para a nossa vida.
A Bíblia mostra que José de
Arimatéia, o homem importante que solicitou o corpo de Jesus a Pilatos para que
pudesse sepultá-lo, era um “discípulo oculto”(Jo 19.38); Jesus afirmou que os
homens amaram mais as trevas que a luz, e por isto rejeitaram sua palavra (Jo
3.19). O inferno está cheio de pessoas desejosas de popularidade, cheias de
boas intenções, carentes de aceitação pública, que nunca se tornam discípulos
de Cristo por medo da rejeição.
Bons sentimentos sem atitudes
corretas e decisões corajosas não são suficientes para transformar a vida e
salvar a alma. Boas intenções não nos levam a atitudes corretas.
ii.
Medo de perder vantagens
– Lembra da lei de Gérson: “Leve
vantagem em tudo?” Pilatos barganha sua ética e consciência, sua função e
caráter, por medo dos homens. A opinião pública a nosso respeito muitas vezes
se torna um peso. Os judeus disseram a Pilatos: “Se soltas a este, não és amigo de
César. Todo aquele que se faz rei é contra César (Jo 19.12). Pilatos tinha argumento e autoridade jurídica. Ele sabia
que os motivos das acusações eram religiosas. Quando lhe perguntou se era rei,
ele afirmou: “O
meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus
ministros se empenhariam por mim, para que eu não fosse entregue aos judeus,
mas agora, o meu reino não é daqui”(Jo
18.36). Se Pilatos buscava uma resposta adequada para defendê-lo de sedição,
esta resposta era mais que suficiente.
iii.
Medo de tomar posição
– Talvez a característica mais marcante da
personalidade de Pilatos seja sua tentativa de neutralidade. O problema é que não existe neutralidade com Jesus.
“Quem comigo não ajunta, espalha”. Este é um risco muito comum das pessoas. Na
época do nazismo, pequenos gestos de comprometimento salvaram milhares de vida,
mas a maioria da população queria ser neutra em relação à SS. Uma belíssima
exceção foi o Rei da Dinamarca, que quando soube que os judeus deveriam ter a
marca judaica em suas roupas, ele fez uma marca nas suas vestes reais identificando-se
com os judeus e saiu às ruas andando a cavalo. Importante notar que Hitler não
conseguiu matar nenhum judeu naquele país.
C.
Podemos ter evidências internas suficientes, mas
ainda assim continuarmos insensíveis – Além
das evidências externas, Pilatos enfrenta sua própria consciência e as
estranhas convicções subjetivas. No meio do julgamento, sua esposa lhe envia um
recado perturbador. “Estando
ele no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas com esse justo;
porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito” (Mt 27.19).
Curiosamente é a única vez em
toda bíblia, que Deus se revela em sonhos a uma mulher. Não sabemos muita coisa
a respeito da mulher de Pilatos. A literatura apócrifa, não considerada oficial
pela igreja, escrita por Nicodemos, a apresenta com o nome de Cláudia Prócula,
neta do imperador César Augusto, convertida ao judaísmo e pertencente à elite
das mulheres de Jerusalém, e que, por ser temente a Deus, recebeu a revelação neste
sonho.
Pilatos, portanto, precisa lidar
com as questões internas, interiores, pertencente ao universal sobrenatural da
alma. Ele teve temor ao ouvir a declaração de Jesus de que era Filho de Deus
(Jo 19.7). Certamente ouvira falar do seu ministério, atitude, ensino e
coerência. Ouvir uma declaração de um homem assim tem peso. Ele sabia dos
milagres, estava informado sobre este Jesus de Nazaré. Pilatos possuía evidências
exteriores suficientes, mas agora, precisa lidar com os segredos da alma, com a
estranha experiência da sua esposa.
Pilatos ficou abalado ao
ouvir Jesus explicar a fonte de sua autoridade. “A partir deste momento, Pilatos procurava soltá-lo” (Jo 19.12). O
que Jesus lhe falara causou grande impacto. Ele estava convencido da sua inocência
e de que não era um louco. Ficou “admirado”, quando Jesus se recusou a
defender-se (Mc 15.5). A palavra admiração é forte, traz a ideia de surpresa e
comoção, ou, se preferirmos, “assombro”, como a definiu Brennan Manning.
É fácil admitir que o sonho
de sua esposa o inquietou, pois isto está registrado no Evangelho de Mateus.
Certamente o próprio Pilatos teria comentado com alguém sobre sua perplexidade,
e Mateus, que era coletor de impostos, servindo também ao império romano e tinha
acesso aos corredores do palácio, foi informado sobre este incidente. Spurgeon
afirma: ”Se Pilatos tivesse sonhado ele mesmo esse sonho, não teria sido tão
eficaz... enviar uma advertência por meio de sua mulher foi a forma que Deus
usou para alcançar sua consciência... O infinitamente sábio está certo. Ele
converte uma pessoa de determinada família para que seja missionária para os
demais membros...” (Charles Spurgeon, Sermão 1647, O sonho da mulher de Pilatos, Pregado em Newington, Londres, no
Tabernáculo Metropolitano, em 26 de fevereiro de 1882).
Conclusão:
E quanto à sua vida, quais
são as perguntas da sua alma?
Nicodemos trouxe uma questão
a Jesus, mas Jesus afirmou que sua necessidade era de algo muito maior: Novo
Nascimento. Tentou enrolar a Jesus, mas foi pego na força de seu próprio
argumento;
A Mulher Samaritana suscitou
uma questão teológica: Onde se deve adorar a Deus – em Sião ou Gerizim? Jesus
demonstra que seu problema era uma sede infinita de Deus, de saciar a alma. Sua
procura por vários homens demonstrava a fragilidade do seu coração e a
necessidade de um encontro com Deus em espírito e em verdade.
Quantas questões de hoje não
estarão ocultando também uma necessidade irrestrita de rendição a Deus? Até
quando vamos continuar levantando questões, mas nunca assumindo uma posição de
servo e sem nos submetermos a Deus?
Hoje pode ser a hora de uma
decisão profunda e séria. Suas questões não serão capazes de transformá-lo se a
glória e a reputação humanas ainda forem para você, mas importante que a glória
de Deus.
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