Introdução:
Qual
a relação que a Igreja deve manter com o Estado?
Esta é uma pergunta historicamente complexa.
Muitas igrejas radicalizam e se tornam políticas na sua essência. Muitas delas
participam diretamente da indicação de seus candidatos, e isto é visível em
igrejas pentecostais históricas como Assembléia de Deus e Quadrangular, e
também nas neo-pentecostais como Comunidade Evangélica e Universal. Estas
igrejas levantam bandeiras partidárias, formam o famoso “voto do curral”, e
trabalham para eleição de seus representantes, seja por ideologia ou por
fisiologismo. São igrejas que entendem que precisam participar não apenas
politicamente, mas de forma também
partidária.
Por outro lado, igrejas conhecidas como originárias
do “protestantismo de missão”, como metodistas, presbiterianas e batistas,
eventualmente possuem candidatos, não saídos numa indicação de uma convenção ou
presbitério, mas espontaneamente. Explica-se a atitude de não envolvimento
porque quando os missionários fundadores aqui chegaram, por serem muito
visados, temiam qualquer envolvimento nas questões locais, e esta herança
chegou até nós.
Qual é a postura mais adequada? Envolvimento
(até mesmo partidário), ou uma relação de observância?
Pessoalmente enfrento crises muito grandes
nesta área. Às vezes me sinto culpado de não participar mais efetivamente,
outras vezes, acho que esta é a postura mais correta, já que política e igreja têm
uma química altamente explosiva, basta considerar os escândalos que já
atingiram a “bancada evangélica” no Congresso Nacional. Futebol, religião e
política tem a capacidade de gerar grandes paixões.
Os dois lados trazem riscos:
De um ponto de vista, o risco da alienação e
gueto. O não envolvimento pode trazer sérias conseqüências. As coisas acontecem
e são dinâmicas, muitas delas exigem um envolvimento maior. Robinson Cavalcante
afirmava que por não nos envolvermos, entregamos o “filé mignon” dos recursos
do Estado nas mãos de lideranças inescrupulosas. Enquanto nos calamos, decisões
pesadas e grandes afrontas quanto à dignidade humana e o caráter de Deus são
tomadas. A ausência profética da
igreja pode trazer graves conseqüências para uma nação. O exemplo mais recente
foi a ascensão do III Reich na Alemanha, quando Hitler recebeu apoio declarado
da igreja e carta em branco para estabelecer as estratégias que ele queria
tomar, sem perceber quão maligna eram suas estratégias e métodos.
De outro lado, o envolvimento gera também
graves distorções. São pastores que em troca de benesses e recursos do Estado,
transformam o púlpito de suas igrejas em palanques, levando pessoas descrentes
e atéias, e até satanistas para seus púlpitos, que dissimuladamente dizem
“Aleluia” e “glória a Deus”, sem nenhum recato.
Qual a visão das Escrituras sobre o assunto?
Como a Reforma Protestante enfrentou estes desafios? Um olhar nas Escrituras e
na história pode nos ajudar a entender isto.
Reforma
Nos séculos que antecederam a
Reforma Protestante, a Igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto
político e social mais amplo com o qual tinha múltiplas interações. As noções reformadas sobre a ordem política
foram inicialmente articuladas por João Calvino.
Calvino expôs as suas idéias sobre o estado no último dos oitenta capítulos de sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã. Ele afirmou que a carreira pública era uma das mais nobres funções a que um cristão podia aspirar e deixou claro que os cidadãos tinham o dever de obedecer as leis e honrar os seus magistrados. Os governantes, por sua vez, tinham solenes e graves responsabilidades diante de Deus em relação às pessoas entregues aos seus cuidados.
Curiosamente, a Igreja
Presbiteriana no Brasil possui uma tendência histórica de se manter distante
das questões políticas, Calvino se opunha aos anabatistas, que desprezavam as
instituições políticas e o exercício de cargos públicos como algo indigno de um
cristão. Como a maior parte dos protestantes do século XVI, ele era favorável a
uma estreita associação entre a igreja e o estado, cada qual respeitando a
esfera de atuação do outro.
A teologia protestante
e calvinista valorizou a vocação individual, convocado as pessoas a colaborarem
na tarefa de governo e administração, a exercer o seu direito de voto e a fazer
a sua parte quando convocado para o serviço público. “Os reformados entendem
que Deus é o senhor de toda a vida e, portanto, todas as áreas da atividade
humana são importantes para o cristão, inclusive a esfera política. Assim
sendo, deve-se evitar toda e qualquer dicotomia entre o “sagrado” e o “secular”
ou “profano”. Essa convicção tem levado muitos calvinistas a se envolveram com
a atividade pública, entendida como um importante serviço prestado a Deus e à
coletividade. Dois exemplos notáveis são Woodrow Wilson, presidente da Universidade
de Princeton, presidente dos Estados Unidos (1913-1921) e ganhador do Prêmio
Nobel da Paz, e Abraham Kuyper, teólogo e líder político holandês, fundador da
Universidade Livre de Amsterdã e primeiro-ministro da Holanda de 1901 a 1905. Embora a separação
entre a igreja e o estado seja necessária para a democracia, os reformados
entendem que não deve haver um divórcio entre suas convicções ético-religiosas
e sua atuação na vida pública”[1].
A doutrina do
sacerdócio universal dos crentes, trouxe alguns valores essenciais à Igreja de
Cristo:
A. Todas as profissões são santas – Não há
dicotomia entre clérigo e atividade “secular”. Existe um mandato cultural (ou
social) e todas as atividades, possuem seu caráter sacral. “Quer comais, ou bebais, ou façais qualquer
coisa, fazei-o para a glória de Deus” (1 Co 10.31).
B. A Igreja possui uma responsabilidade com a
sociedade – Sendo “luz do mundo e sal da terra” é desafiada por Deus a um
envolvimento solidário e responsável. A ausência de pessoas que amam a Deus
numa sociedade pode ser altamente destrutiva.
Jesus e sua relação com o Estado
Nosso Senhor foi
algumas vezes confrontado com esta questão. Nos seus dias as lutas sobre o
assunto eram tensas, dois textos aqui de Mateus mostram esta tensão permanente:
Mt 17.24-27 e 21.15-22. No mesmo colegiado Jesus chamou Mateus, que era
publicano e coletor de impostos, considerado traidor dos judeus por servir a um
governo invasor; e Simão, o zelote, que era assim chamado por um grupo
nacionalista que estava sempre em confronto com os soldados romanos que
dominavam Jerusalém.
Ao ser indagado sobre
o comportamento que deveria ter, Jesus estabeleceu alguns princípios e deixou
claro até onde tais limites deveriam estar presentes.
1.
A Igreja não pode se
desvincular dos problemas de sua história – Neste texto vemos Jesus acossado por
herodianos, fariseus e cobradores de impostos, tendo que responder aos dilemas
de seus dias. Jesus viveu num vácuo histórico, mas num contexto geográfico e
histórico bem específico. Eram dias tensos, nos quais o Império romano dominava
a Judéia, e colocava ali governadores biônicos e centuriões para controlar
qualquer tentativa de sublevação da ordem. Mesmo numa pequena cidade como
Cafarnaum, havia um centurião romano destacado para exercer a função na
Galiléia. Jesus e seus discípulos vivem num contexto complicado, com tramas
políticas e questões sendo levantadas. Isto nos mostra que a igreja não vive
num gueto, mas é provocada e instigada pela sua própria história.
Jesus deixou claro que
os seus discípulos deveriam estar participando desta polis. Na sua oração sacerdotal ora ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal”. (Jo
17.15). o distanciamento histórico da igreja pode ser trágico, como na
Alemanha. Quando Hitler decidiu lançar seu plano político, convocou a liderança
religiosa do seu país, de diferentes denominações, e pediu apoio, recebendo
aplausos e sendo apoiado pela igreja, que naturalmente não percebia a armadilha
em que foi envolvida. No seu discurso, Hitler afirmou: “Cuidem do céu, que eu
cuido da terra”, e sabemos o que aconteceu. A igreja não conseguiu reagir,
exceto um pequeno segmento conhecido como igreja confessante, liderada por
Bonhoeffer e Niemuller. O restante permaneceu apática e paralisada diante de um
poder satânico e dominador.
Pode ser que nos
silenciemos muitas vezes por medo, covardia ou indiferença.
No Brasil de hoje,
muitas discussões políticas são feitas: Lei da mordaça, discussão sobre aborto,
união civil, conceito de família. A igreja precisa entender que é “sal da terra
e luz do mundo”, e que deve responder às discussão com conceitos e valores do
reino de Deus. M. L. King Jr afirmou que “Deus vai julgar não apenas a maldade
dos ímpios, mas o silêncio dos maus”. O silêncio, dizia ele: “legitima a
injustiça”.
Jesus não propôs aos
seus discípulos um afastamento social e político. Naqueles dias, grupos
radicais como os essênios se afastavam da sociedade, mas Jesus nunca deu
indicação de que seus discípulos deveriam se afastar e viver no deserto, mas
insiste que eles respondam aos desafios humanos e políticos com lucidez,
ousadia e temor a Deus.
2.
A Igreja precisa
estabelecer os limites de ação de “César”.
Existe
uma sutileza retórica na afirmação de Jesus que nunca pode ser esquecida. Ao
afirmar “Daí a César o que é de César, e
a Deus o que é de Deus”, ele estava demonstrando que César não pode receber
aquilo que Deus pode receber. Na verdade, esta frase seria melhor traduzida
assim: “Daí a César – apenas -o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Muitas vezes, imperadores, reis, governadores, “césares”, exigiram da
igreja aquilo que só pode ser dado a Deus, porque são prerrogativas de
adoração.
Surge então, uma
discussão importante: A Igreja pode resistir às autoridades?
Francis Shaeffer afirma
no seu livro Manifesto Cristão, que a
igreja não apenas pode, mas deve, resistir as autoridades, quando
estas exigem aquilo que só pertence a Deus.
Isto é claro, quando
os discípulos são convocados pelo sinédrio e proibidos de falar de Jesus. A
ordem era clara. O que eles fizeram? Continuaram anunciando a Cristo, com
ousadia e destemor. Vemos aqui uma clara realidade de resistência a um poder
que exige algo que vai contra a vontade de Deus. Quando tentaram inibi-los,
responderam ousadamente: “Julgai se é
justo, entre nós e vós, ouvir-vos antes que a Deus”. (At 4.19)
Shaeffer trabalha o
conceito de bottom-line, ou linha de divisão. Quando o Estado assume
prerrogativas sagradas, proibindo aquilo que Deus ordena e ordenando aquilo que
Deus proíbe, estabelece-se a linha de divisão. Neste caso, a igreja precisa se
tornar desobediente e resistente. Temos no Brasil um estado laico, que não pode
dizer à igreja o que ela crê, quem serão seus membros, nem definir o que é
certo e errado. Quando o Estado insiste nesta direção, a igreja precisa dizer
não.
Shaeffer vai ainda
além. Em alguns casos a igreja precisa fazer uso da força (não da violência).
Ela precisa manifestar seu repúdio e se preciso, levantar bandeiras e fazer
manifestações. A lógica é simples: governantes temem opiniões públicas. Hoje,
no Brasil somos cerca de 60 milhões de evangélicos, e ainda um enorme
contingente de católicos, que possuem a mesma visão sobre certos assuntos
éticos que pairam sobre o nosso congresso nacional e que precisam ser votados. Precisamos
dizer não à tudo aquilo que conspira contra a vida, a família, e à ética
cristã-judaica.
Num sistema
democrático, minorias não podem decidir e determinar o que deve ou não ser
aceito. A maioria decide (por isto é democrático). Sistemas seculares e poderes
públicos podem pressionar a igreja, mas ela precisa dizer não, e demonstrar sua
força e capacidade de articulação. “importa
obedecer a Deus, antes que a vós”.
3.
O cristão precisa ser
modelo de cidadão – Nosso
chamado é para sermos melhores cidadãos, mais comprometidos, lutando pela paz,
justiça social, direitos sociais, correta aplicação dos impostos.
A bancada evangélica
cresceu 14% nas eleições de Outubro 2014. Questões complicadas serão votadas
pelo Congresso. Nossa esperança é que os representantes sejam exemplos morais e
de valores cristãos, lúcidos e engajados, para responder a estas questões.
Precisamos dar respostas honestas às perguntas honestas que estão sendo
levantadas.
Como cristão
precisamos lutar por melhor saúde, segurança e educação, melhor uso dos
recursos públicos. Se os atuais representantes não exercem bem sua função,
daqui quatro anos teremos novas eleições, e a alternância de poder torna-se uma
questão importante nestas áreas. Voto é uma responsabilidade e um direito. Não devemos
deixar de votar, de forma consciente e madura. Em muitos países os cidadãos
dariam tudo para poder expressar o que querem, e não podem.
No campo particular,
precisamos ser sal e luz do mundo. Num contexto de corrupção generalizada,
criou-se uma estrutura de corruptos e corruptores, bastante atraente. Muitos se
deixam levar pelo lucro fácil, pelo trafico de influência, e vendem sua alma
por uma viagem, um carro, alguns dólares. Trocam seu direito de primogenitura
por um mero prato de sopa de lentilha. Perdem sua consciência, negociam sua fé,
desonram sua família, empobrecem seu país e desprezam o seu Deus.
4.
O cristão deve orar
por sua nação – Uma
das armas mais poderosas tem sido esquecida pela igreja de Cristo: A
Importância da oração.
Pergunte a você mesmo
se você tem sido um intercessor.
Ray Bakke, numa
pesquisa feita sobre missão urbana, em diferentes países, descobriu que não
havia na igreja, pessoas que estavam intencionalmente intercedendo pela sua
cidade. Oramos por nossos problemas pessoais, mas não oramos pela nossa pátria.
Nossas orações perderam foco e objetividade, tornando-se cada vez mais
intimistas, subjetivistas, pessoais e superficiais. Falta clamor a favor do
povo.
A recomendação bíblica
não pode ser esquecida:
“Antes de tudo, pois, exorto que se usa a prática de súplicas, orações,
intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e
de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida
tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante
de Deus, nosso Salvador” (1 Tm 2.1-3).
Em Apocalipse vemos
como os poderes políticos e terrenos estão profundamente mesclados com a
filosofia da besta e do anticristo (Ap 17.13,17) Por seguirem a besta e
concentrarem todas as suas energias na promoção deste poder maligno,
oferecem-lhe o poder e a autoridade (17:13) e doam-lhe o reino que possuem
(17:17), são por sua natureza intrínseca, comprometidas com a besta e opostas
ao Cordeiro. Por isto “pelejarão contra o Cordeiro” (17.14). Os poderes
políticos não são descritos em apocalipse como “neutros”, mas estruturas
sistêmicas que promovem a besta. Babilônia está muito associada à besta, a
cidade está “montada numa besta” (Ap
17.3). Isto é, sua estrutura está
fundada na filosofia e no projeto da besta. Roma, com seus poderes
constituídos, com os dez chifres, representa o movimento perseguidor da igreja
de Cristo durante a história, personificada em sucessivos impérios mundiais.
Em Ezequiel há um
profundo lamento de Deus em relação ao seu povo: “Busquei entre eles, um homem, que se pusesse na brecha, a favor deste
povo, e não achei” (Ez 22.30). Deus afirma que falta ao seu povo clamor,
súplicas e intercessões a favor das nações e sistemas corrompidos. Falta alguém
na brecha, alguém intercedendo. Quem quer ocupar esta função?
Conclusão:
“Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Cuidado
para não dar a César aquilo que é Deus a César, apenas o que é de César. Culto,
adoração, glória pertencem a Deus. “Só ao Senhor adorarás e só a Ele darás
culto”. Os reinos deste mundo passarão, mas a glória de Deus, e do seu Cristo,
subsistirão de Eternidade a Eternidade. Ele é o Alfa e o Ômega, princípio e o
fim. Cidadãos engajados, conscientes e íntegros, glorificam a Deus com seus atos
e promovem sua nação.
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