segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Mt 21.15-22 Relação Igreja x Estado



Introdução:

Qual a relação que a Igreja deve manter com o Estado?

Esta é uma pergunta historicamente complexa. Muitas igrejas radicalizam e se tornam políticas na sua essência. Muitas delas participam diretamente da indicação de seus candidatos, e isto é visível em igrejas pentecostais históricas como Assembléia de Deus e Quadrangular, e também nas neo-pentecostais como Comunidade Evangélica e Universal. Estas igrejas levantam bandeiras partidárias, formam o famoso “voto do curral”, e trabalham para eleição de seus representantes, seja por ideologia ou por fisiologismo. São igrejas que entendem que precisam participar não apenas politicamente, mas  de forma também partidária.
Por outro lado, igrejas conhecidas como originárias do “protestantismo de missão”, como metodistas, presbiterianas e batistas, eventualmente possuem candidatos, não saídos numa indicação de uma convenção ou presbitério, mas espontaneamente. Explica-se a atitude de não envolvimento porque quando os missionários fundadores aqui chegaram, por serem muito visados, temiam qualquer envolvimento nas questões locais, e esta herança chegou até nós.
Qual é a postura mais adequada? Envolvimento (até mesmo partidário), ou uma relação de observância?
Pessoalmente enfrento crises muito grandes nesta área. Às vezes me sinto culpado de não participar mais efetivamente, outras vezes, acho que esta é a postura mais correta, já que política e igreja têm uma química altamente explosiva, basta considerar os escândalos que já atingiram a “bancada evangélica” no Congresso Nacional. Futebol, religião e política tem a capacidade de gerar grandes paixões.
Os dois lados trazem riscos:
De um ponto de vista, o risco da alienação e gueto. O não envolvimento pode trazer sérias conseqüências. As coisas acontecem e são dinâmicas, muitas delas exigem um envolvimento maior. Robinson Cavalcante afirmava que por não nos envolvermos, entregamos o “filé mignon” dos recursos do Estado nas mãos de lideranças inescrupulosas. Enquanto nos calamos, decisões pesadas e grandes afrontas quanto à dignidade humana e o caráter de Deus são tomadas. A ausência profética da igreja pode trazer graves conseqüências para uma nação. O exemplo mais recente foi a ascensão do III Reich na Alemanha, quando Hitler recebeu apoio declarado da igreja e carta em branco para estabelecer as estratégias que ele queria tomar, sem perceber quão maligna eram suas estratégias e métodos.
De outro lado, o envolvimento gera também graves distorções. São pastores que em troca de benesses e recursos do Estado, transformam o púlpito de suas igrejas em palanques, levando pessoas descrentes e atéias, e até satanistas para seus púlpitos, que dissimuladamente dizem “Aleluia” e “glória a Deus”, sem nenhum recato.

Qual a visão das Escrituras sobre o assunto? Como a Reforma Protestante enfrentou estes desafios? Um olhar nas Escrituras e na história pode nos ajudar a entender isto.

Reforma
Nos séculos que antecederam a Reforma Protestante, a Igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto político e social mais amplo com o qual tinha múltiplas interações. As noções reformadas sobre a ordem política foram inicialmente articuladas por João Calvino.

Calvino expôs as suas idéias sobre o estado no último dos oitenta capítulos de sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã. Ele afirmou que a carreira pública era uma das mais nobres funções a que um cristão podia aspirar e deixou claro que os cidadãos tinham o dever de obedecer as leis e honrar os seus magistrados. Os governantes, por sua vez, tinham solenes e graves responsabilidades diante de Deus em relação às pessoas entregues aos seus cuidados.
Curiosamente, a Igreja Presbiteriana no Brasil possui uma tendência histórica de se manter distante das questões políticas, Calvino se opunha aos anabatistas, que desprezavam as instituições políticas e o exercício de cargos públicos como algo indigno de um cristão. Como a maior parte dos protestantes do século XVI, ele era favorável a uma estreita associação entre a igreja e o estado, cada qual respeitando a esfera de atuação do outro.
A teologia protestante e calvinista valorizou a vocação individual, convocado as pessoas a colaborarem na tarefa de governo e administração, a exercer o seu direito de voto e a fazer a sua parte quando convocado para o serviço público. “Os reformados entendem que Deus é o senhor de toda a vida e, portanto, todas as áreas da atividade humana são importantes para o cristão, inclusive a esfera política. Assim sendo, deve-se evitar toda e qualquer dicotomia entre o “sagrado” e o “secular” ou “profano”. Essa convicção tem levado muitos calvinistas a se envolveram com a atividade pública, entendida como um importante serviço prestado a Deus e à coletividade. Dois exemplos notáveis são Woodrow Wilson, presidente da Universidade de Princeton, presidente dos Estados Unidos (1913-1921) e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, e Abraham Kuyper, teólogo e líder político holandês, fundador da Universidade Livre de Amsterdã e primeiro-ministro da Holanda de 1901 a 1905. Embora a separação entre a igreja e o estado seja necessária para a democracia, os reformados entendem que não deve haver um divórcio entre suas convicções ético-religiosas e sua atuação na vida pública”[1].
A doutrina do sacerdócio universal dos crentes, trouxe alguns valores essenciais à Igreja de Cristo:

A. Todas as profissões são santas – Não há dicotomia entre clérigo e atividade “secular”. Existe um mandato cultural (ou social) e todas as atividades, possuem seu caráter sacral. “Quer comais, ou bebais, ou façais qualquer coisa, fazei-o para a glória de Deus” (1 Co 10.31).

B. A Igreja possui uma responsabilidade com a sociedade – Sendo “luz do mundo e sal da terra” é desafiada por Deus a um envolvimento solidário e responsável. A ausência de pessoas que amam a Deus numa sociedade pode ser altamente destrutiva.

Jesus e sua relação com o Estado
Nosso Senhor foi algumas vezes confrontado com esta questão. Nos seus dias as lutas sobre o assunto eram tensas, dois textos aqui de Mateus mostram esta tensão permanente: Mt 17.24-27 e 21.15-22. No mesmo colegiado Jesus chamou Mateus, que era publicano e coletor de impostos, considerado traidor dos judeus por servir a um governo invasor; e Simão, o zelote, que era assim chamado por um grupo nacionalista que estava sempre em confronto com os soldados romanos que dominavam Jerusalém.
Ao ser indagado sobre o comportamento que deveria ter, Jesus estabeleceu alguns princípios e deixou claro até onde tais limites deveriam estar presentes.

1.       A Igreja não pode se desvincular dos problemas de sua história – Neste texto vemos Jesus acossado por herodianos, fariseus e cobradores de impostos, tendo que responder aos dilemas de seus dias. Jesus viveu num vácuo histórico, mas num contexto geográfico e histórico bem específico. Eram dias tensos, nos quais o Império romano dominava a Judéia, e colocava ali governadores biônicos e centuriões para controlar qualquer tentativa de sublevação da ordem. Mesmo numa pequena cidade como Cafarnaum, havia um centurião romano destacado para exercer a função na Galiléia. Jesus e seus discípulos vivem num contexto complicado, com tramas políticas e questões sendo levantadas. Isto nos mostra que a igreja não vive num gueto, mas é provocada e instigada pela sua própria história.

Jesus deixou claro que os seus discípulos deveriam estar participando desta polis. Na sua oração sacerdotal ora ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal”. (Jo 17.15). o distanciamento histórico da igreja pode ser trágico, como na Alemanha. Quando Hitler decidiu lançar seu plano político, convocou a liderança religiosa do seu país, de diferentes denominações, e pediu apoio, recebendo aplausos e sendo apoiado pela igreja, que naturalmente não percebia a armadilha em que foi envolvida. No seu discurso, Hitler afirmou: “Cuidem do céu, que eu cuido da terra”, e sabemos o que aconteceu. A igreja não conseguiu reagir, exceto um pequeno segmento conhecido como igreja confessante, liderada por Bonhoeffer e Niemuller. O restante permaneceu apática e paralisada diante de um poder satânico e dominador.
Pode ser que nos silenciemos muitas vezes por medo, covardia ou indiferença.
No Brasil de hoje, muitas discussões políticas são feitas: Lei da mordaça, discussão sobre aborto, união civil, conceito de família. A igreja precisa entender que é “sal da terra e luz do mundo”, e que deve responder às discussão com conceitos e valores do reino de Deus. M. L. King Jr afirmou que “Deus vai julgar não apenas a maldade dos ímpios, mas o silêncio dos maus”. O silêncio, dizia ele: “legitima a injustiça”.
Jesus não propôs aos seus discípulos um afastamento social e político. Naqueles dias, grupos radicais como os essênios se afastavam da sociedade, mas Jesus nunca deu indicação de que seus discípulos deveriam se afastar e viver no deserto, mas insiste que eles respondam aos desafios humanos e políticos com lucidez, ousadia e temor a Deus.

2.       A Igreja precisa estabelecer os limites de ação de “César”.  Existe uma sutileza retórica na afirmação de Jesus que nunca pode ser esquecida. Ao afirmar “Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, ele estava demonstrando que César não pode receber aquilo que Deus pode receber. Na verdade, esta frase seria melhor traduzida assim: “Daí a César – apenas -o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Muitas vezes, imperadores, reis, governadores, “césares”, exigiram da igreja aquilo que só pode ser dado a Deus, porque são prerrogativas de adoração.

Surge então, uma discussão importante: A Igreja pode resistir às autoridades?
Francis Shaeffer afirma no seu livro Manifesto Cristão, que a igreja não apenas pode, mas deve, resistir as autoridades, quando estas exigem aquilo que só pertence a Deus.
Isto é claro, quando os discípulos são convocados pelo sinédrio e proibidos de falar de Jesus. A ordem era clara. O que eles fizeram? Continuaram anunciando a Cristo, com ousadia e destemor. Vemos aqui uma clara realidade de resistência a um poder que exige algo que vai contra a vontade de Deus. Quando tentaram inibi-los, responderam ousadamente: “Julgai se é justo, entre nós e vós, ouvir-vos antes que a Deus”. (At 4.19)
Shaeffer trabalha o conceito de bottom-line, ou linha de divisão. Quando o Estado assume prerrogativas sagradas, proibindo aquilo que Deus ordena e ordenando aquilo que Deus proíbe, estabelece-se a linha de divisão. Neste caso, a igreja precisa se tornar desobediente e resistente. Temos no Brasil um estado laico, que não pode dizer à igreja o que ela crê, quem serão seus membros, nem definir o que é certo e errado. Quando o Estado insiste nesta direção, a igreja precisa dizer não.
Shaeffer vai ainda além. Em alguns casos a igreja precisa fazer uso da força (não da violência). Ela precisa manifestar seu repúdio e se preciso, levantar bandeiras e fazer manifestações. A lógica é simples: governantes temem opiniões públicas. Hoje, no Brasil somos cerca de 60 milhões de evangélicos, e ainda um enorme contingente de católicos, que possuem a mesma visão sobre certos assuntos éticos que pairam sobre o nosso congresso nacional e que precisam ser votados. Precisamos dizer não à tudo aquilo que conspira contra a vida, a família, e à ética cristã-judaica.
Num sistema democrático, minorias não podem decidir e determinar o que deve ou não ser aceito. A maioria decide (por isto é democrático). Sistemas seculares e poderes públicos podem pressionar a igreja, mas ela precisa dizer não, e demonstrar sua força e capacidade de articulação. “importa obedecer a Deus, antes que a vós”.

3.       O cristão precisa ser modelo de cidadão – Nosso chamado é para sermos melhores cidadãos, mais comprometidos, lutando pela paz, justiça social, direitos sociais, correta aplicação dos impostos.
A bancada evangélica cresceu 14% nas eleições de Outubro 2014. Questões complicadas serão votadas pelo Congresso. Nossa esperança é que os representantes sejam exemplos morais e de valores cristãos, lúcidos e engajados, para responder a estas questões. Precisamos dar respostas honestas às perguntas honestas que estão sendo levantadas.
Como cristão precisamos lutar por melhor saúde, segurança e educação, melhor uso dos recursos públicos. Se os atuais representantes não exercem bem sua função, daqui quatro anos teremos novas eleições, e a alternância de poder torna-se uma questão importante nestas áreas. Voto é uma responsabilidade e um direito. Não devemos deixar de votar, de forma consciente e madura. Em muitos países os cidadãos dariam tudo para poder expressar o que querem, e não podem.
No campo particular, precisamos ser sal e luz do mundo. Num contexto de corrupção generalizada, criou-se uma estrutura de corruptos e corruptores, bastante atraente. Muitos se deixam levar pelo lucro fácil, pelo trafico de influência, e vendem sua alma por uma viagem, um carro, alguns dólares. Trocam seu direito de primogenitura por um mero prato de sopa de lentilha. Perdem sua consciência, negociam sua fé, desonram sua família, empobrecem seu país e desprezam o seu Deus.

4.       O cristão deve orar por sua nação – Uma das armas mais poderosas tem sido esquecida pela igreja de Cristo: A Importância da oração.
Pergunte a você mesmo se você tem sido um intercessor.
Ray Bakke, numa pesquisa feita sobre missão urbana, em diferentes países, descobriu que não havia na igreja, pessoas que estavam intencionalmente intercedendo pela sua cidade. Oramos por nossos problemas pessoais, mas não oramos pela nossa pátria. Nossas orações perderam foco e objetividade, tornando-se cada vez mais intimistas, subjetivistas, pessoais e superficiais. Falta clamor a favor do povo.
A recomendação bíblica não pode ser esquecida:
Antes de tudo, pois, exorto que se usa a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador” (1 Tm 2.1-3).
Em Apocalipse vemos como os poderes políticos e terrenos estão profundamente mesclados com a filosofia da besta e do anticristo (Ap 17.13,17) Por seguirem a besta e concentrarem todas as suas energias na promoção deste poder maligno, oferecem-lhe o poder e a autoridade (17:13) e doam-lhe o reino que possuem (17:17), são por sua natureza intrínseca, comprometidas com a besta e opostas ao Cordeiro. Por isto “pelejarão contra o Cordeiro” (17.14). Os poderes políticos não são descritos em apocalipse como “neutros”, mas estruturas sistêmicas que promovem a besta. Babilônia está muito associada à besta, a cidade está “montada numa besta” (Ap 17.3).  Isto é, sua estrutura está fundada na filosofia e no projeto da besta. Roma, com seus poderes constituídos, com os dez chifres, representa o movimento perseguidor da igreja de Cristo durante a história, personificada em sucessivos impérios mundiais.
Em Ezequiel há um profundo lamento de Deus em relação ao seu povo: “Busquei entre eles, um homem, que se pusesse na brecha, a favor deste povo, e não achei” (Ez 22.30). Deus afirma que falta ao seu povo clamor, súplicas e intercessões a favor das nações e sistemas corrompidos. Falta alguém na brecha, alguém intercedendo. Quem quer ocupar esta função?

Conclusão:

Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Cuidado para não dar a César aquilo que é Deus a César, apenas o que é de César. Culto, adoração, glória pertencem a Deus. “Só ao Senhor adorarás e só a Ele darás culto”. Os reinos deste mundo passarão, mas a glória de Deus, e do seu Cristo, subsistirão de Eternidade a Eternidade. Ele é o Alfa e o Ômega, princípio e o fim. Cidadãos engajados, conscientes e íntegros, glorificam a Deus com seus atos e promovem sua nação.






[1] Matos, Aldery – Calvinismo e Política –  http://www.mackenzie.com.br/7075.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário