segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Ne 6.3 Estou fazendo uma grande obra



Introdução:

Sempre me fascinou pessoas imbuídas de uma clara  convicção e chamada para suas vidas. A igreja Presbiteriana de Anápolis tem nos seus anais históricos, duas pessoas com esta percepção:

Dra Rettie Wilding em 1930 abandonou a Inglaterra, adotando o Brasil como sua pátria, adentrando a inóspita Ilha do Bananal, num tempo em que não existia Goiânia, Brasília ou a estrada Belém Brasília. Sua base missionária ficava na cidade de Goiás, antiga capital do Estado e ela saia dali andando no lombo de um cavalo, indo até o Rio Araguaia, onde tomava uma canoa e viajava 7 dias para chegar à Ilha do Bananal, alimentando-se de peixe, tracajá e ovo de tracajá, a ali criou seu pequeno Josiah, hoje nosso querido Dr. Joe Wilding. Seria o ovo de tracajá o segredo de sua vitalidade?

O segundo é o Dr. James Fanstone que chegou ao Brasil em 1924, e em 1927, inaugurava o Hospital Evangélico de Goiás, em Anápolis.
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Seu pai fora pastor e fundador em Recife-PE da 1ª. Igreja Congregacional em 1879. Ele tinha o mesmo nome de seu pai, e formou-se em medicina pela Universidade de Londres, em 1914, e entre quase 2000 formandos, foi o segundo melhor aluno. Convocado pelo seu país, serviu como médico na 1a.  Guerra Mundial e com o fim da guerra doutorou-se em ciências tropicais, já pensando em vir para o Brasil. Para se habilitar como médico no Brasil e ter seu curso de medicina reconhecido, submeteu-se a uma pesada banca de exames na Universidade Federal de Minas Gerais, onde finalmente recebeu seu CRM e pode clinicar.
Quando chegou a Anápolis, a cidade tinha apenas 2000 habitantes[1] e certamente o que muito o traumatizou foi o fato de que não havia nesta cidade, nenhuma padaria, porque ele registrou isto em suas memórias, não havia também açougue. Há um relato pitoresco de que, D. Dayse, sua esposa, fez uma reclamação na prefeitura da cidade, porque se compadeceu da vaca que era amarrada numa praça, onde era morta e sua carne vendida ao ar livre.
Outro detalhe interessante é que em todo Estado de Goiás, com quase 500 mil habitantes, nunca havia sido feito uma cirurgia e a primeira foi feita numa mesa de cozinha, antes mesmo do hospital ter sido construído. Era um paciente com uma obstrução intestinal conhecida como “nó na tripa”.
Em 1934 fundou a Escola de Enfermagem e foi um dos conselheiros na fundação da Associação Educativa Evangélica, a Escola Couto Magalhães e a Universidade Evangélica. Em 1951 recebeu de Sua Majestade, o Rei Jorge VI, o título de oficial de Divisão Civil do Império Britânico, e foi entrevistado pela BBC de Londres, que se interessou em relatar sua história de dedicação e fundação do Hospital Evangélico em Anápolis, numa de suas raras visitas a Londres.. Foi ainda tema de uma matéria publicada na Revista Time, à qual não tive acesso. O livro, Dossiê de Goiás, publicado em 1996, dedica 3 páginas inteiras para falar do pioneirismo do Dr. James Fanstone[2].
Dr. Fanstone, foi organista da Igreja Presbiteriana Central de Anápolis por muitos anos, e faleceu aos 97 anos de idade, depois de quebrar sua perna num acidente na porta do templo da igreja, na Rua Desembargador Jaime, 194, e ficar um longo tempo de recuperação, foi promovido para a glória.
O livro Missionários Americanos, de Mário Ribeiro Martins[3], dedica 3 páginas inteiras sobre o Dr. Fanstone. O livro Missionary Adventure in Brazil, (que lamentavelmente nunca foi traduzido para o português, traz as reminiscências do Dr. Fanstone e foi editado pela sua irmã Baird, em Londres.
Minha reflexão desta noite é sobre a razão que dá a tais pessoas um senso de missão tão claro. Neemias, no texto citado acima, abandonou todo seu prestígio trabalhando ao lado de Artaxerxes, poderoso imperador, e retornando à Israel, para construir os muros da cidade, debaixo de muita perseguição política e com uma estrutura perigosa. Quando provocado, não apenas uma vez, disse: “Estou fazendo uma grande obra”, e se recusava a abandonar o chamado e a vocação que entendia ser proveniente do próprio Deus.

Deixe-me falar de três coisas que se tornam inspiração para tais pessoas:

1.       Compreensão da grandeza da vida – Neemias era um copeiro do rei, homem de confiança, vivia no palácio, rodeado de nobreza, com remuneração à altura de seu cargo, respeito, dignidade, estabilidade financeira, mas descobre um chamado que enche seu coração de sentido. Ele percebe uma grandeza que existe na vida que tem propósitos, se sente parte de um projeto de Deus, e nada o desafia mais do que isto.
Muitas pessoas percebem que suas vidas não podem ser desperdiçadas com auto-satisfação, mas com o serviço e a glória de Deus. Sabem que possuem apenas uma vida para viver e que esta vida não pode ser desperdiçada. Paulo afirma: “Em nada considero minha vida preciosa, conquanto complete a carreira que me foi dada, por isto, de boa vontade me gastarei e me deixarei gastar”.
Dr. Fanstone sai de Londres em 1927 para se dedicar a uma vida sem reconhecimento, numa região inóspita e central do Brasil. Ele jamais poderia imaginar qualquer glória, mas entendia que sua vida deveria ser consumida neste lugar. O chamado de seu pai para ser pastor no Recife, em 1879, se deu depois que ele ouviu que um missionário havia morrido de febre amarela, e estavam precisando de outro obreiro para substituí-lo no Recife, e foi este apelo que o trouxe ao Brasil para fundar a primeira Igreja Congregacional da cidade.
Que grandeza de visão e de sonho. Que compreensão da vida!

2.       Percepção da dor humana – Neemias é profundamente desafiado quando percebe a calamitosa situação do seu povo em Jerusalém. Depois de receber o relatório de Hanani, alguém que estivera em Jerusalém, ele descobriu que as pessoas estavam em grande miséria e desprezo, e por isto ele se assenta solitário e em oração muitos dias. Ele fica em choque ao perceber a grande necessidade e sofrimento daquele povo.
Uma das coisas que encantava o Dr. Fanstone, era servir num local onde as pessoas morriam por causa de uma simples crise de apendicite. O mesmo sentimento percebemos na Dra Rettie. Ela relata sua convivência com os índios que chegavam à base da missão na Ilha do Bananal da seguinte forma: “Centenas de pessoas acometidas por malária”. Seu próprio esposo morreria pouco tempo depois por causa da insalubridade da região. Sua vida também poderia ter sido ceifada, bem como a de seu pequeno filho, mas em última instância, tais ameaças não eram capazes de inibir o desejo de servir e amar.
Centenas de vida foram salvas aqui neste hospital, por causa de um chamado que Deus deu a este homem. Pessoas que são capazes de sair de si mesmas, do seu narcisismo e egoísmo, tornam-se livres, generosas, doadoras e resolvidas. Boa parte de nossa depressão atual reside no fato de que estamos muito auto-enamorados, e não somos capazes de perceber ninguém além de nós mesmos, e este movimento egóico nos neurotiza e adoece.

3.       Compreensão da grandeza de Deus  – Vemos em Neemias, uma profunda relação de amor com o seu Deus. Para o judeu, o templo estava identificado com a glória do Senhor. O magnífico templo havia sido profanado, destruído, o Santo dos Santos saqueado. Todas as promessas anteriores que foram dadas em relação à Jerusalém agora pareciam esquecidas. A glória de Deus precisava ser novamente exaltada.
No livro, sowing in tears, A Dra Rettie[4] fala do grande prazer que ela trazia em seu coração em fazer a obra de Deus. Sua alma era invadida por uma presença sobrenatural, e a alegria que ela encontrava em Deus perpassa todo o relato de seu chamado e ministério. Podemos perceber isto em cada uma das páginas de seu livro. Ela graduou-se em Medicina em 1923 e após três anos de experiência num hospital em Londres, onde trabalhou de 1926-1929, tinha sua própria casa e carro e uma grande possibilidade de crescimento na carreira na cidade mais prestigiada do mundo e num país que era, literalmente, dono de metade do mundo – Inglaterra.
Seu chamado se deu numa manhã de domingo, no início de 1929, quando ouviu a voz do Senhor através do Mr. Emery of Bristol, um pregador convidado, que leu o texto sobre a chamada de Abraão: “Sai da tua terra e da tua parentela, e da casa de seu pai, e vai para uma terra que eu lhe mostrarei”. Ela relata que seu corpo tremia da cabeça aos pés, ela sabia que Deus estava falando com ela. Naquela noite, enquanto orava consagrando sua vida, uma paz que ela nunca havia experimentado inundou seu coração.
Quando entendemos quem é o Deus a quem servimos, e a grandeza de seu propósito para nossa vida, todas as demais coisas são relativizadas. Como estamos precisando deste mesmo mover de Deus sobre as novas gerações, tão preocupadas com auto satisfação, entretenimento, conforto, mas tão vazias de inspiração.
Nas suas memórias, Dra Rettie escreve: “Meu alvo é Deus em si mesmo, não alegria, nem paz, nem mesmo benção, mas apenas Deus, o meu Senhor. Que ele possa me conduzir então, a qualquer custo, em a qualquer estrada, amado Senhor!” quando conhecemos a Deus desta maneira, todas as demais riquezas e tesouros são pequenas demais, diante da grandeza de Deus.

Conclusão:
O livro “sowing in tears”, inicia com um desafio: “Para que a igreja brasileira possa aumentar o compromisso com as tribos e suas fronteiras, enviando outros jovens homens e mulheres para ganha-los para Cristo, pois ainda há muita terra para ser alcançada”.
No livro “Missionary Adventure in Brazil”, a irmã do Dr. James Fanstone escreve: “Este pequeno volume tem sido publicado em louvor de uma pessoa mas acima de tudo, como um tributo aos dedicados obreiros e inumeráveis missionários que vivem que vivem suas vidas, anonimamente, sem honra, em inóspitas terras estrangeiras.  Suas contribuições e o valor de suas vidas, excedem a dos embaixadores e diplomatas”.
São pessoas que decidiram dizer:
“Estou fazendo uma grande obra!”.





[1] Baird, Missionary Adventure in Brazil, Sussex, England, Errey’s Printers, 1952, pg 71
[2] Silva, Antonio Moreira. Dossiê de Goiás – Um perfil do estado e seus municípios. Goiânia, Máster Publicidade, 1996, pgs. 413-415
[3] Martins, Mário Ribeiro - Missionários Americanos e algumas figuras do Brasil Evangélico, Goiânia, Ed. Kelps, 2007
[4] Rettie, Wilding sowing in tears, London, Ed. The Evangelical Union of South America.(não encontramos a data).

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