segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Dn 3 O Quarto Homem



Toda pessoa, num determinado momento na vida, tem de fazer uma opção radical: ou decide andar com o quarto homem, ou fica com o rei. Nem sempre, ou quase nunca, o rei e Deus seguem na mesma direção. Sistemas políticos, estruturas humanas, que a Bíblia chama de “mundo”, facilmente se tornam inimigas de Deus.

Hananias, Misael e Azarias decidiram que não andariam com o rei. Assim fizeram centenas de homens de fé: “Outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e acoites, sem, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e cabras, necessitados, afligidos, maltratados” (Hb 11.36-37). Não lhes interessava a glória humana ou a aprovação dos palácios, mas a adoração a Deus.

Muitos querem ter a experiência de andar com “O Quarto Homem”, mas quantos querem pagar o preço de andar com ele?

Primeiro, só anda com o quarto homem, aquele que já percebeu que andar com o rei significa deixar de andar com Deus.
Andar com o rei traz muitos privilégios: honra, reconhecimento, status. Mas pode trazer a morte espiritual. No seu ministério terreno, Jesus teve muitos admiradores secretos, homens que o procuravam para ouvi-lo, ou querendo ser curado, mas que não tiveram coragem de tomar uma posição de ruptura, por temer a perda dos privilégios que possuíam. Por isto afirmou: “A luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas que a luz, porque as suas obras eram más”.

Em muitos países ao redor do mundo, seguir a Cristo significa perder privilégios financeiros, políticos e sociais, eventualmente, a própria vida.

Estes jovens decidiram romper com o rei. Eles não se curvaram. A ordem do rei era frontalmente oposta à ordem de Deus contida no segundo mandamento que ensinava o seu povo a não fazer nem se curvar diante de imagens de escultura (Ex 20.4-5). 

Segundo, só anda com o quarto homem, aqueles que entendem que a glória de Deus é mais importante que a auto-preservação. Estes rapazes judeus e exilados, não condicionaram sua fidelidade a nada, nem mesmo à sua sobrevivência. “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.17-18). A fórmula “se”, e “se não”, deixa claro que aqueles rapazes não eram fieis porque Deus ia dar livramento. A expressão “quanto a isto” (vs. 16), foi a maneira que encontraram para afirmar que qualquer decisão não os faria mudar de postura em relação a Deus, e daí para frente, o que lhes acontecesse, não era problema deles, mas de Deus. Fidelidade é deixar Deus ser Deus, sem ser preciso dizer o que, como, e quando algo deve ser feito. É deixar o Soberano exercer seu domínio como quiser, até mesmo quando o seu desejo inclui o nosso martírio.

A Bíblia relata um diferente tipo de fidelidade. Ela é condicional e perigosa. Foi o que aconteceu com Jacó.

Quando estava fugindo de sua casa, indo em direção aos parentes de sua mãe, Jacó teve uma visão que o desestabilizou. Quando acordou percebeu que tinha sido uma revelação de Deus para sua vida. Impactado, reagiu: “Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz a casa de meu pai, então, o Senhor será o meu Deus; e a pedra que erigi por coluna, será a casa de Deus; e de tudo quanto me concederes, certamente eu darei o meu dízimo”(Gn 28.20-22). Jacó condiciona sua fidelidade ao tratamento que Deus dará. Veja quantas vezes ele coloca a sua fidelidade dependendo do tratamento de Deus. Farei isto, se... Ele será o meu Deus, se ele me guardar... se me der pão para comer e roupa para vestir... eu o seguirei, se ele me proteger na estrada... e eu darei meu dizimo, se tudo der certo na vida... Esta é uma adoração condicionada ou barganhada. Isto é muito comum principalmente quando se trata de dízimos e ofertas. Eu darei o meu dízimo se Deus...

Ananias, Misael e Azarias, não condicionavam fidelidade ao que Deus faria nem faziam as coisas para Deus por causa da recompensa, mas faziam o que faziam por serem fieis, e isto era algo inerente à sua natureza. Fidelidade não condicionada. Se Deus quiser livrar, ele livrará; se ele nos quer como holocausto, seremos oferecidos como libação. Deus é livre para fazer o que quer com a vida deles, porque, eles são do Senhor.

Terceiro, só anda com o quarto homem, aqueles que ignoram as pressões e olham para Deus. Estes jovens haviam sido abusado em todos os níveis, foram trazidos como escravos, castrados, e colocados à serviço da Babilônia. Não bastasse a orfandade, a cassação dos direitos políticos, a agressão e mutilação transformando-os em eunucos, eles ainda tiveram seus nomes trocados, os babilônios tentaram mudar até suas identidades.

A Bíblia Shedd faz um comentário surpreendente sobre isto: 

“A mudança dos nomes era uma tentativa de integrar os jovens cativos à religião pagã do seu novo ambiente. 
Daniel quer dizer: “Deus é o meu juiz”, e 
Beltesazar quer dizer: “Príncipe de Bel”. Bel era equivalente a Baal e a Marduque. 
Misael quer dizer “Quem é como Deus?”e 
Mesaque é a alteração deste nome para “Quem é como aku” (Deus da lua). 
Hananias, “Jeová é misericordioso”, altera-se para Sadraque, “o amigo do rei”; 
Azarias “Jeová é o meu socorro”, para Abede-nego, ou “servo de nego”, 
o ídolo que representa Mercúrio”.

Eles tentaram mudar a identidade espiritual, dando-lhes outros nomes. Seria como se pegássemos jovens tementes a Deus, discípulos de Cristo, e o submetêssemos a um ritual de sangue na macumba ou a ritos de candomblé, atribuindo-lhes relação com entidades e ídolos, chamando-os de “servos de exu” ou “filhos de ogum. Mas a reação deles demonstra que isto não foi possível. Eles rejeitaram todos os deuses falsos ao se recusarem a curvar-se diante deles, e não se mostraram assim tão amigos do rei, quando não se curvaram diante dele nem se submeteram aos seus decretos esdrúxulos. 

Quarto, quem anda com o quarto homem experimenta o poder do quarto homem. “Viram que o fogo não teve poder algum sobre os corpos destes homens; nem foram chamuscados os cabelos de sua cabeça, nem os seus mantos se mudaram, nem cheiro de fogo passava sobre eles”. (Dn 3.27). O quarto homem neutraliza e relativiza aquilo que parecia absoluto. Nabucodonozor estava aparentemente certo ao perguntar: “Quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (Dn 3.15). Existem aqui dois poderes que dão a impressão de que nada pode detê-los: o monarca e o fogo.

O imperador tinha poder sobre a vida e a morte das pessoas. Nas mãos destes homens a vida nada valia ou valia muito pouco. Ele era soberano. O fogo também parece indestrutível, devastador, o texto diz que as labaredas queimaram os soldados que atiraram estes três jovens na fornalha. No entanto, tais poderes são agora frágeis demais, impotentes, se relativizam. “Os lugares perigosos são lindos para aquele que anda com o Filho de Deus ao seu lado”(Shedd). 

Quem é este quarto homem

O texto impõe uma pergunta hermenêutica direta: Quem é este Quarto Homem?

Para a maioria dos comentaristas, esta é mais uma manifestação teofânica de Deus, em Cristo, no Antigo Testamento. Teofania é a manifestação histórica de Deus. Muitas vezes a Bíblia usa a expressão o Anjo do Senhor, que por estar no singular é entendida como se tratando de Jesus. Na verdade, Jesus está presente em muitos relatos bíblicos, e todas as vezes que aparece esta expressão é possivelmente, uma manifestação cristológica. Então, estes homens estiveram, nada mais nada menos, com o Senhor, naquele momento de tribulação e angústia. Shedd afirma que a expressão “semelhante a um filho dos deuses” (Dn 3.15), seria melhor se fosse “Semelhante ao filho de Deus”. 

Estes jovens tiveram uma experiência fora da época, com o Cristo de Nazaré. A segunda pessoa da Trindade se revelou a eles, andou com eles e os protegeu. Assim é ainda hoje. Pessoas submetidas a martírio, e que sobreviveram miraculosamente, atestam a doçura e graça que experimentaram no meio da tortura e do escárnio. Andar com Jesus nos capacita a resistir à fornalha mais quente, às acusações mais absurdas, e ao martírio. Quando Estevao, o primeiro mártir do cristianismo estava sendo apedrejado, ele declarou: “Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do Homem, em pé, à destra de Deus” (At 7.56). 

Quem anda com o Quarto Homem, menospreza a morte, zomba dos algozes, porque o gozo antecipado da eternidade já está presente em seus corações: “Mas Estevão, cheio do Espirito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus, e Jesus, que estava à sua direita” (At 7.55). Assim foi com estes fieis adoradores. Eles não precisavam ter medo de nada, porque experimentaram o gozo de andar com o Filho de Deus, no meio da tempestade. 

“Os lugares perigosos são lindos para aquele que anda com o 
Filho de Deus ao seu lado” (Shedd).

domingo, 20 de setembro de 2015

Jr 31.17 O que podemos esperar do futuro?




Introdução:

Muitas pessoas vivem angustiadas com relação ao futuro. Quando se transforma em doença, chamamos isto de “ansiedade”, que é derivativo de um sugestivo termo: preocupação. Na verdade, preocupação é uma antecipação do problema, que nos mantém pré-ocupados. A mente e as emoções tornam-se absorvidas por esta angustiante sensação de que algo pode dar errado.
                   ð  O que acontecerá com meus filhos?
                   ð  Terei condições financeiras de sustentá-los?
                   ð  E se vier a doença, ou a falência?
                   ð  E quando eu envelhecer...

Por ser um tema recorrente da alma, Jesus advertia seus discípulos: “Não andeis ansiosos por coisa alguma”.
Podemos ter dois sentimentos em relação ao futuro, um positivo, outro negativo.
O positivo considera com expectativa o que virá. O que acontecerá? Que surpresas nos aguardam? Como Deus vai “articular” e se mover no “tabuleiro da história”? Pessoas assim antecipam coisas boas e vê o futuro com expectativa.
O negativo, vê o futuro com medo. Ele sabe que a realidade é dura, muitas vezes brutal, e vive imaginando o pior.
A situação é a mesma. Mas as respostas quanto a isto são diametralmente opostas.
Neste texto de Jeremias, o profeta fala muito sobre o futuro, mas certamente o que mais nos impressiona é esta afirmação maravilhosa: “Há esperança para o teu futuro”. Como é bom ouvir uma afirmação como esta. O que nos espera não é o caos, a falta de sentido, a desordem, mas direção, amparo e benção. Algumas lições preciosas podem ser extraídas desta afirmação:

1.       Deus convida seu povo a olhar o futuro com fé.  O que é interessante é que o ambiente é de caos, mas as promessas são de esperança e sonhos.

O povo de Deus estava exilado. Apesar das reiteradas mensagens enviadas por Deus ele continuava vivendo na rebeldia. Agora, o mal já viera de forma definitiva. Abriu-se a brecha e a  cidade foi invadida. Aqueles que não morreram na guerra, foram levados cativos. Na cidade destrocada ficaram apenas os pobres e os velhos, que não apresentavam nenhuma resistência ao império babilônico.
No meio dos destroços, com a terra saqueada e arrasada, ficaram as perguntas: Por que isto aconteceu conosco? Quanto tempo durará este exilio? O povo voltará algum dia?
No meio do lamento, Deus diz ao povo restante: “Reprime a tua voz de choro e as lagrimas de teus olhos; porque há recompensa para as tuas obras, diz o Senhor, pois os teus filhos voltarão da terra do inimigo” (Jr 31.16), para em seguida afirmar: “Há esperança para teu futuro”. O quadro não era definitivo, mas longo. Jeremias afirmou que setenta anos seria o tempo do cativeiro, e assim o foi. Mas lá na frente a luz da restauração estava acesa, não para aquela  geração rebelde, mas para um novo povo que Deus estava levantando. Mas a promessa mais maravilhosa deste texto encontra-se no vs. 33: “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.33). A grande promessa tinha a ver com a aliança de Deus com seu povo, quando ele enviarei o seu Espirito Santo, para aplicar as verdades do Evangelho no coração do seu povo escolhido.

2.       Deus promete uma vida permeada pela esperança – (Jr 31.16,17)

Outra promessa maravilhosa estava ligada à esperança que o povo podia ter. Esperança tem sempre ligação com o futuro. Deus convida seu povo a tirar a veste de medo e de dor, e confiar na sua providencia. Ele afirma que saciaria o seu povo de gordura (Jr 31.13,16). Gordura naqueles dias não tinha a conotação que hoje temos, de que é algo ruim. A Bíblia afirma que quem ama o Senhor é prospero, mas uma tradução mais literal seria: “Quem ama o Senhor é gordo!”. Parece chocante esta linguagem, mas a verdade é que na cultura oriental, o magro não tinha muita admiração, o gordo sim. Sinal da fartura e benção de Deus.
Deus afirma ainda que naquela cidade haverá dança e celebração (Jr 31.13). O povo protestante, por causa de sua herança missionaria dos puritanos americanos, perdeu muito esta dimensão da dança na sua liturgia, mas os judeus eram ruidosos em dias de festa e celebração. Haviam muita dança. Provavelmente a festa da qual Jesus participou em Caná da Galileia era marcada por danças típicas da região. Você consegue imaginar Jesus dançando? Provavelmente não!
É muito importante ter uma vida marcada pela esperança, e não pela desesperança. Ler textos como o Salmo 23, me enche de alegria. “Certamente que a bondade e a misericórdia do Senhor me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor para todo sempre” (Sl 23.8). Não uma expectativa do pior, mas do melhor. A Bondade de Deus estará comigo, na minha velhice, quando me faltarem as forças, nos dias maus. Talvez seja esta a razão de tamanha exultação do salmista no Salmo 27.13,14: “Eu creio que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes. Espera pelo Senhor, tem bom animo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo Senhor”. Certo pastor disse que este texto deveria ser colocado no espelho do banheiro de nossa casa, pra que sempre olhássemos para ele. Afirmou também que deveríamos terminar nossos cultos fazendo esta afirmação recheada de confiança. “Eu verei a bondade do ser na terra dos viventes”. Não apenas na eternidade, mas nos dias de nossa história.

3.       Deus convida seu povo a colocar marcos – (Jr 31.21). Qual fora o problema de Israel? Aquele povo retirou as referências deixadas por Deus, passaram a viver sem orientação divina, ignoraram os pontos que marcavam sua vida.

Cresci cercado por um forte ambiente rural. As fazendas antigamente tinham suas divisas marcadas não por satélites e GPS, mas por pequenos tocos de madeira, fincados no chão, que eram chamados de marcos. Ali estava a divisa da terra. O vizinho respeitava a divisa por causa das referências que ela possuía. Deus ordena seu povo que volte a considerar os marcos. “Põe-te marcos, finca postes que te guiem, presta atenção na vereda, no caminho por onde passaste; regressa, ó virgem de Israel, regressa às tuas cidades” (Jr 31.21).
A falta de referências éticas, espirituais, de valores, destrói uma cultura, uma civilização e uma nação. Israel se auto destruiu. Seu pecado, a quebra de princípios, o abandono de Deus o levou à destruição. Deus agora exorta seu povo a começar tendo novos paradigmas, retornando aqueles marcos abandonados e esquecidos, voltando aos princípios deixados por Deus. “Presta atenção nas veredas”. Atitudes e decisões de hoje são sinais apontando para o futuro. É hora de voltar ao princípio de tudo, refazer a história com arrependimento e contrição, voltar para Deus, resgatar a identidade de povo eleito e amado de Deus.
Alguém afirmou que: “A nós cumpre dar profundidade; a Deus, largueza”. Não é nossa tarefa dizer que tamanho será nosso ministério, ou que direção tomará a vida. “Eu sei, ó Senhor, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem o que caminha, o dirigir o seu passo” (Jr 10.23). Mas podemos firmar os valores, construir as bases, edificar os alicerces em lugares seguros, construir a partir de Deus.

4.       Não sabemos o que nos aguarda no futuro, mas sabemos quem nos espera no futuro. A questão não é O que, mas Quem.

O futuro é incerto, não temos capacidade de antecipá-lo, e esta falta de controle sobre os acontecimentos eventualmente nos distraem e perturbam, mas quando consideramos que Deus não é pego de surpresa, e que está conduzindo inexoravelmente a história para o fim que ele mesmo escreveu, ficamos tranquilos. Estamos nas mãos de um Deus sábio e amoroso, e não do acaso e da coincidência. Jesus é “O Pai da Eternidade, o Príncipe da paz”. Ele conhece o fim deste o começo, ele é o Alfa e o Ômega, o principio e o fim.
No livro de Apocalipse, quando Joao é introduzido à presença de Deus, entrando nas esferas celestiais, a sua primeira visão é de um Ancião de Dias, assentado no trono. Isto demonstra que o trono não está vago, nem livre para qualquer candidato, mas ele já possui alguém e domina a partir do trono. Deus está assentado no trono. Nem o acaso, nem o maktub, mas Deus.
A base de nossa segurança quanto ao futuro está em Deus. “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, pensamentos de bem, e não de mal, para vos dar o fim que desejais” (Jr 29.11).
Nossa segurança está na aliança que Deus fez com seu povo (Jr 33.33). Não podemos ter suspeitas de Deus. Por que temer o futuro? Deus está lá na frente. Continue fiel, mesmo quando não entender os eventos relacionados à sua vida particular ou a história da humanidade. No meio da aflição, sem ter absolutamente nada em que se agarrar, Jó faz uma maravilhosa confissão de fé: “Porque eu sei que o meu redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim” (Jó 19.25-27). Esta é uma surpreendente declaração de fé.

Conclusão:
O que lhe aguarda no futuro?
Que desdobramentos teremos na história?
O que nos acontecerá?

Não sabemos! Mas existe uma promessa maravilhosa demais neste texto: “Há esperança para teu futuro”. Portanto, me firmarei nesta promessa. O meu coração vai descansar nestas verdades. Quem fez a promessa é fiel. Não preciso duvidar. 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Ez 46 As Águas Purificadoras




Introdução:

O profeta Ezequiel se diferencia de boa parte dos profetas porque ele não apenas recebe as mensagens de Deus para comunicar ao povo, mas as vivencia. Profecia e profeta se intercambiam para que a mensagem seja clarificada e transmitida ao povo. Parece se confundir numa simbiose espiritual.
Assim é o livro do Profeta Ezequiel. Quando Deus quis trazer sua Palavra ao povo ele levou o profeta a participar da mensagem. A palavra foi dramatizada para que Ezequiel pudesse ser impactado e assim impactasse Israel. Sua mensagem foi vivida de forma visceral. Parodiando sua experiência, podemos afirmar que Ezequiel foi o precursor da Psicodramaticidade (teoria do médico romeno Jacobo Levy Moreno, 1892-1974, criador do Psicodrama e do Sociodrama), cujas técnicas terapêuticas utilizavam sonhos, sensibilização corporal, dramatizações de situações do dia-a-dia, construção de histórias familiares etc, levando o paciente a sentir e trazer suas emoções para análise e assim tomar consciência de como reagiria na situação vivenciada.

A. Deus lhe deu a tarefa de preparar comida com fogo de esterco humano, posteriormente substituída por esterco de animal, para revelar a angústia que se abateria sobre seu povo diante da guerra (Ez 4.12-15); 

B. Quando quis comunicar a dramaticidade do Exílio, Deus o fez sair com uma bagagem, durante o dia, à vista de todo povo (Ez 12.3,4), e à noitinha, foi protagonista de uma cena patética na qual abriu com as mãos um buraco na parede para que o povo entendesse o desespero de ter de sair às pressas de sua própria terra para fugir dos inimigos. 

C. Quando Deus lhe deu a visão do vale de ossos secos (Ez 37), o Espírito do Senhor o levou a este cenário putrefato e o fez caminhar por ele. 

D. Na visão do templo (Ez 40), ele é levado a um monte muito alto para que pudesse contemplar, de forma empírica, o que Deus queria lhe comunicar.

Neste texto de Ezequiel 47, Deus mais uma vez dramatiza a experiência do profeta, convidando-o a uma imersão num rio de águas purificadoras.

Este texto é uma dramatização da experiência de vida cristã. 
Deus chama o seu povo, não para tomar conhecimento de algumas informações sobre sua palavra, mas para imergir na própria essência do seu ser, de onde jorra saúde, cura, restauração e traz frutos abundantes para nossa existência. Particularmente não creio que exista algo tão necessário e urgente para a espiritualidade cristã moderna quanto uma imersão na própria natureza de Deus, e não vejo nos Evangelhos outro convite de Jesus a não ser este: De que a nossa natureza seja interpenetrada pela natureza de Deus, aqui prefigurada pela água. Este é o chamado essencial da vida cristã. Uma identificação, um mergulho, na própria natureza de Deus. Afinal, “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos” (Jo 6.53).

Nossos dias são marcados por confusão emocional, dúvidas teológicas, desesperança. Boa parte da crise teológica tem a ver com o fato de sabermos muito sobre Deus, mas experimentarmos pouco do próprio Deus. Nos perdemos em dores e aflições, mas não usamos o recurso fundamental da fé que é a identificação mística com o Filho de Deus, através da oração, meditação e busca.

Nos perdemos em formulações teóricas, sentimos a dor de estarmos sós, por isto existe uma esterilidade na alma que só poderá ser satisfeita numa identificação com o Espírito do Senhor, mas nos recusamos a imergi na natureza de Deus.

Deus não faz formulações sobre seu poder e impacto, mas convida o profeta a vivenciar seu poder, interagindo com ele, vindo para a sua intimidade. As águas começam nos tornozelos, mas na medida em que o profeta caminha, percebe que a intensidade destas profundas e abençoadoras águas vão invadindo seu ser, a ponto de não conseguir mais alcançar o fundo. Quando ele volta deste “mergulho”, ele percebe o efeito abençoador. Estas águas trazem cura por onde passam.

Deus o convida a penetrar na sua própria natureza. Quando o profeta anda mil côvados (cerca de 400 metros), caminhando na água que sai do templo, percebe a beleza e graça que tais águas geram por onde passam. Depois Deus o convida a penetrar um pouco mais, e ele vai sendo inundado por estas águas maravilhosas. Quando ele retorna de onde veio, percebe que as águas geravam vida por onde passava. O percurso era o mesmo de antes, com o diferencial de que agora havia árvores e peixes em abundância, e as folhas das árvores eram remédio, e seus frutos, alimento. A vida brotava por onde a água passava.

Você quer cura? Caminhe em direção às águas.

Estas águas trazem abundância de vida. O profeta diz: “tendo eu voltado” (Ez 47.7). Todo aquele que caminhar nas correntezas destas águas purificadoras, vai se deparar com o cenário de vida que elas produzem. Este é o resultado concreto e visível de se mergulhar na natureza de Deus. Sua natureza traz profundo impacto, por onde o Senhor passar a vida se torna inteiramente diferente.

A esterilidade da vida tem a ver com o distanciamento da experiência com a sacralidade e a distância que estamos deste poder que emana do trono de Deus. Estas águas saem do trono, fluem da presença de Deus. Quando nos aproximamos delas e vamos até a sua presença, somos tratados. A secura de alma, a ausência de vida e de entusiasmo, reside no fato de que não estamos imergindo nossa natureza em direção a Deus.

Considere sua vida de oração. Como tem sido?

Oramos de forma superficial, mecânica, meramente funcional e administrativa. Oramos para o gasto, apenas para dizermos que não somos pagãos. Mas quanto tempo faz que a experiência das águas que saem do trono de Deus não lhe atingem, quanto tempo faz que as nossas orações não são capazes de mergulhar neste oceano de vida e de poder que flui do trono de sua graça?

Além da abundância de vida, que se vê por onde estas águas passam, o texto diz também que ela nos traz cura (Ez 47.8). Precisamos perguntar se nossas doenças de alma, conflitos familiares, luta pelo poder, ausência de sentido, não estão intimamente conectados à superficialidade com que temos vivido e experimentado do próprio Deus...

O profeta Jeremias afirma que o povo de Deus havia deixado as fontes de águas vivas e estava cavando cisternas rotas, que não conseguem reter as águas, fontes substitutas da vida que existe em Deus (Jr 2.12-13). Onde achamos que podemos encontrar a vida?

Em quais fontes temos buscado sentido para nossa existência?

Temos tentado saciar nossa alma, nossa sede do infinito e do eterno, criando artifícios, preenchendo com coisas, status, dinheiro e bens. A Bíblia afirma que cisternas rotas não retém água.
O profeta percebe que as águas que saem do trono transformam até as águas do mar morto, tornando-as saudáveis (Ez 47.8). Ela é capaz de dar vida por onde passa.

Duas lições se tornam claras neste texto:

1. Precisamos fazer de Deus a nossa fonte primária - Só Deus sacia a sede humana. Por que vivemos tão sedentos? Por não bebemos na fonte de água viva, estamos tentando saciar nossa sede em outros lugares. Alguns, porém, se aproximam de Deus como o profeta. Experimentam água nos tornozelos, joelhos e lombos. Poucos caminham um pouco mais até que sejam absorvidos pela experiência da plenitude desta água de vida.

2. Estas águas nascem de uma mesma fonte: Deus - Jesus várias vezes vai falar desta realidade de vida:

i. Quando ele se encontra com a mulher samaritana, à beira do poço de Jacó ele afirma. “Quem beber da água desta fonte tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.13-14).


ii. No último dia da festa, Jesus se levantou no meio da congregação do templo e exclamou: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem” (Jo 7.37-38). Jesus afirma que o seu rio vai fluir em nós, jorrando para a vida eterna:

A fonte de água viva é o Senhor Jesus. Quem crê nele, deve esperar esta promessa.
Esta fonte alimenta, gera frutos. Sacia a fome interior. Esta fonte traz cura, é remédio para nossas feridas.

Conclusão:

Precisamos desta água. Precisamos caminhar em direção à esta fonte de terapêuticas águas. Um antigo hino afirma: “gotas benditas já temos, chuvas rogamos a Deus”. Este rio que sai do trono de Deus gera movimento, traz abundância. Deus nos convida a caminhar por esta água, até que não mais possamos atravessá-la. É um convite a penetrarmos na insondável esfera do sobrenatural, uma ruptura com a superficialidade de nosso coração em tantas áreas da vida.