Toda pessoa, num determinado momento na vida, tem de fazer uma opção radical: ou decide andar com o quarto homem, ou fica com o rei. Nem sempre, ou quase nunca, o rei e Deus seguem na mesma direção. Sistemas políticos, estruturas humanas, que a Bíblia chama de “mundo”, facilmente se tornam inimigas de Deus.
Hananias, Misael e Azarias decidiram que não andariam com o rei. Assim fizeram centenas de homens de fé: “Outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e acoites, sem, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e cabras, necessitados, afligidos, maltratados” (Hb 11.36-37). Não lhes interessava a glória humana ou a aprovação dos palácios, mas a adoração a Deus.
Muitos querem ter a experiência de andar com “O Quarto Homem”, mas quantos querem pagar o preço de andar com ele?
Primeiro, só anda com o quarto homem, aquele que já percebeu que andar com o rei significa deixar de andar com Deus.
Andar com o rei traz muitos privilégios: honra, reconhecimento, status. Mas pode trazer a morte espiritual. No seu ministério terreno, Jesus teve muitos admiradores secretos, homens que o procuravam para ouvi-lo, ou querendo ser curado, mas que não tiveram coragem de tomar uma posição de ruptura, por temer a perda dos privilégios que possuíam. Por isto afirmou: “A luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas que a luz, porque as suas obras eram más”.
Em muitos países ao redor do mundo, seguir a Cristo significa perder privilégios financeiros, políticos e sociais, eventualmente, a própria vida.
Estes jovens decidiram romper com o rei. Eles não se curvaram. A ordem do rei era frontalmente oposta à ordem de Deus contida no segundo mandamento que ensinava o seu povo a não fazer nem se curvar diante de imagens de escultura (Ex 20.4-5).
Segundo, só anda com o quarto homem, aqueles que entendem que a glória de Deus é mais importante que a auto-preservação. Estes rapazes judeus e exilados, não condicionaram sua fidelidade a nada, nem mesmo à sua sobrevivência. “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.17-18). A fórmula “se”, e “se não”, deixa claro que aqueles rapazes não eram fieis porque Deus ia dar livramento. A expressão “quanto a isto” (vs. 16), foi a maneira que encontraram para afirmar que qualquer decisão não os faria mudar de postura em relação a Deus, e daí para frente, o que lhes acontecesse, não era problema deles, mas de Deus. Fidelidade é deixar Deus ser Deus, sem ser preciso dizer o que, como, e quando algo deve ser feito. É deixar o Soberano exercer seu domínio como quiser, até mesmo quando o seu desejo inclui o nosso martírio.
A Bíblia relata um diferente tipo de fidelidade. Ela é condicional e perigosa. Foi o que aconteceu com Jacó.
Quando estava fugindo de sua casa, indo em direção aos parentes de sua mãe, Jacó teve uma visão que o desestabilizou. Quando acordou percebeu que tinha sido uma revelação de Deus para sua vida. Impactado, reagiu: “Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz a casa de meu pai, então, o Senhor será o meu Deus; e a pedra que erigi por coluna, será a casa de Deus; e de tudo quanto me concederes, certamente eu darei o meu dízimo”(Gn 28.20-22). Jacó condiciona sua fidelidade ao tratamento que Deus dará. Veja quantas vezes ele coloca a sua fidelidade dependendo do tratamento de Deus. Farei isto, se... Ele será o meu Deus, se ele me guardar... se me der pão para comer e roupa para vestir... eu o seguirei, se ele me proteger na estrada... e eu darei meu dizimo, se tudo der certo na vida... Esta é uma adoração condicionada ou barganhada. Isto é muito comum principalmente quando se trata de dízimos e ofertas. Eu darei o meu dízimo se Deus...
Ananias, Misael e Azarias, não condicionavam fidelidade ao que Deus faria nem faziam as coisas para Deus por causa da recompensa, mas faziam o que faziam por serem fieis, e isto era algo inerente à sua natureza. Fidelidade não condicionada. Se Deus quiser livrar, ele livrará; se ele nos quer como holocausto, seremos oferecidos como libação. Deus é livre para fazer o que quer com a vida deles, porque, eles são do Senhor.
Terceiro, só anda com o quarto homem, aqueles que ignoram as pressões e olham para Deus. Estes jovens haviam sido abusado em todos os níveis, foram trazidos como escravos, castrados, e colocados à serviço da Babilônia. Não bastasse a orfandade, a cassação dos direitos políticos, a agressão e mutilação transformando-os em eunucos, eles ainda tiveram seus nomes trocados, os babilônios tentaram mudar até suas identidades.
A Bíblia Shedd faz um comentário surpreendente sobre isto:
“A mudança dos nomes era uma tentativa de integrar os jovens cativos à religião pagã do seu novo ambiente.
Daniel quer dizer: “Deus é o meu juiz”, e
Beltesazar quer dizer: “Príncipe de Bel”. Bel era equivalente a Baal e a Marduque.
Misael quer dizer “Quem é como Deus?”e
Mesaque é a alteração deste nome para “Quem é como aku” (Deus da lua).
Hananias, “Jeová é misericordioso”, altera-se para Sadraque, “o amigo do rei”;
Azarias “Jeová é o meu socorro”, para Abede-nego, ou “servo de nego”,
o ídolo que representa Mercúrio”.
Eles tentaram mudar a identidade espiritual, dando-lhes outros nomes. Seria como se pegássemos jovens tementes a Deus, discípulos de Cristo, e o submetêssemos a um ritual de sangue na macumba ou a ritos de candomblé, atribuindo-lhes relação com entidades e ídolos, chamando-os de “servos de exu” ou “filhos de ogum. Mas a reação deles demonstra que isto não foi possível. Eles rejeitaram todos os deuses falsos ao se recusarem a curvar-se diante deles, e não se mostraram assim tão amigos do rei, quando não se curvaram diante dele nem se submeteram aos seus decretos esdrúxulos.
Quarto, quem anda com o quarto homem experimenta o poder do quarto homem. “Viram que o fogo não teve poder algum sobre os corpos destes homens; nem foram chamuscados os cabelos de sua cabeça, nem os seus mantos se mudaram, nem cheiro de fogo passava sobre eles”. (Dn 3.27). O quarto homem neutraliza e relativiza aquilo que parecia absoluto. Nabucodonozor estava aparentemente certo ao perguntar: “Quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (Dn 3.15). Existem aqui dois poderes que dão a impressão de que nada pode detê-los: o monarca e o fogo.
O imperador tinha poder sobre a vida e a morte das pessoas. Nas mãos destes homens a vida nada valia ou valia muito pouco. Ele era soberano. O fogo também parece indestrutível, devastador, o texto diz que as labaredas queimaram os soldados que atiraram estes três jovens na fornalha. No entanto, tais poderes são agora frágeis demais, impotentes, se relativizam. “Os lugares perigosos são lindos para aquele que anda com o Filho de Deus ao seu lado”(Shedd).
Quem é este quarto homem
O texto impõe uma pergunta hermenêutica direta: Quem é este Quarto Homem?
Para a maioria dos comentaristas, esta é mais uma manifestação teofânica de Deus, em Cristo, no Antigo Testamento. Teofania é a manifestação histórica de Deus. Muitas vezes a Bíblia usa a expressão o Anjo do Senhor, que por estar no singular é entendida como se tratando de Jesus. Na verdade, Jesus está presente em muitos relatos bíblicos, e todas as vezes que aparece esta expressão é possivelmente, uma manifestação cristológica. Então, estes homens estiveram, nada mais nada menos, com o Senhor, naquele momento de tribulação e angústia. Shedd afirma que a expressão “semelhante a um filho dos deuses” (Dn 3.15), seria melhor se fosse “Semelhante ao filho de Deus”.
Estes jovens tiveram uma experiência fora da época, com o Cristo de Nazaré. A segunda pessoa da Trindade se revelou a eles, andou com eles e os protegeu. Assim é ainda hoje. Pessoas submetidas a martírio, e que sobreviveram miraculosamente, atestam a doçura e graça que experimentaram no meio da tortura e do escárnio. Andar com Jesus nos capacita a resistir à fornalha mais quente, às acusações mais absurdas, e ao martírio. Quando Estevao, o primeiro mártir do cristianismo estava sendo apedrejado, ele declarou: “Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do Homem, em pé, à destra de Deus” (At 7.56).
Quem anda com o Quarto Homem, menospreza a morte, zomba dos algozes, porque o gozo antecipado da eternidade já está presente em seus corações: “Mas Estevão, cheio do Espirito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus, e Jesus, que estava à sua direita” (At 7.55). Assim foi com estes fieis adoradores. Eles não precisavam ter medo de nada, porque experimentaram o gozo de andar com o Filho de Deus, no meio da tempestade.
“Os lugares perigosos são lindos para aquele que anda com o
Filho de Deus ao seu lado” (Shedd).
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