quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Ez 46 As Águas Purificadoras




Introdução:

O profeta Ezequiel se diferencia de boa parte dos profetas porque ele não apenas recebe as mensagens de Deus para comunicar ao povo, mas as vivencia. Profecia e profeta se intercambiam para que a mensagem seja clarificada e transmitida ao povo. Parece se confundir numa simbiose espiritual.
Assim é o livro do Profeta Ezequiel. Quando Deus quis trazer sua Palavra ao povo ele levou o profeta a participar da mensagem. A palavra foi dramatizada para que Ezequiel pudesse ser impactado e assim impactasse Israel. Sua mensagem foi vivida de forma visceral. Parodiando sua experiência, podemos afirmar que Ezequiel foi o precursor da Psicodramaticidade (teoria do médico romeno Jacobo Levy Moreno, 1892-1974, criador do Psicodrama e do Sociodrama), cujas técnicas terapêuticas utilizavam sonhos, sensibilização corporal, dramatizações de situações do dia-a-dia, construção de histórias familiares etc, levando o paciente a sentir e trazer suas emoções para análise e assim tomar consciência de como reagiria na situação vivenciada.

A. Deus lhe deu a tarefa de preparar comida com fogo de esterco humano, posteriormente substituída por esterco de animal, para revelar a angústia que se abateria sobre seu povo diante da guerra (Ez 4.12-15); 

B. Quando quis comunicar a dramaticidade do Exílio, Deus o fez sair com uma bagagem, durante o dia, à vista de todo povo (Ez 12.3,4), e à noitinha, foi protagonista de uma cena patética na qual abriu com as mãos um buraco na parede para que o povo entendesse o desespero de ter de sair às pressas de sua própria terra para fugir dos inimigos. 

C. Quando Deus lhe deu a visão do vale de ossos secos (Ez 37), o Espírito do Senhor o levou a este cenário putrefato e o fez caminhar por ele. 

D. Na visão do templo (Ez 40), ele é levado a um monte muito alto para que pudesse contemplar, de forma empírica, o que Deus queria lhe comunicar.

Neste texto de Ezequiel 47, Deus mais uma vez dramatiza a experiência do profeta, convidando-o a uma imersão num rio de águas purificadoras.

Este texto é uma dramatização da experiência de vida cristã. 
Deus chama o seu povo, não para tomar conhecimento de algumas informações sobre sua palavra, mas para imergir na própria essência do seu ser, de onde jorra saúde, cura, restauração e traz frutos abundantes para nossa existência. Particularmente não creio que exista algo tão necessário e urgente para a espiritualidade cristã moderna quanto uma imersão na própria natureza de Deus, e não vejo nos Evangelhos outro convite de Jesus a não ser este: De que a nossa natureza seja interpenetrada pela natureza de Deus, aqui prefigurada pela água. Este é o chamado essencial da vida cristã. Uma identificação, um mergulho, na própria natureza de Deus. Afinal, “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos” (Jo 6.53).

Nossos dias são marcados por confusão emocional, dúvidas teológicas, desesperança. Boa parte da crise teológica tem a ver com o fato de sabermos muito sobre Deus, mas experimentarmos pouco do próprio Deus. Nos perdemos em dores e aflições, mas não usamos o recurso fundamental da fé que é a identificação mística com o Filho de Deus, através da oração, meditação e busca.

Nos perdemos em formulações teóricas, sentimos a dor de estarmos sós, por isto existe uma esterilidade na alma que só poderá ser satisfeita numa identificação com o Espírito do Senhor, mas nos recusamos a imergi na natureza de Deus.

Deus não faz formulações sobre seu poder e impacto, mas convida o profeta a vivenciar seu poder, interagindo com ele, vindo para a sua intimidade. As águas começam nos tornozelos, mas na medida em que o profeta caminha, percebe que a intensidade destas profundas e abençoadoras águas vão invadindo seu ser, a ponto de não conseguir mais alcançar o fundo. Quando ele volta deste “mergulho”, ele percebe o efeito abençoador. Estas águas trazem cura por onde passam.

Deus o convida a penetrar na sua própria natureza. Quando o profeta anda mil côvados (cerca de 400 metros), caminhando na água que sai do templo, percebe a beleza e graça que tais águas geram por onde passam. Depois Deus o convida a penetrar um pouco mais, e ele vai sendo inundado por estas águas maravilhosas. Quando ele retorna de onde veio, percebe que as águas geravam vida por onde passava. O percurso era o mesmo de antes, com o diferencial de que agora havia árvores e peixes em abundância, e as folhas das árvores eram remédio, e seus frutos, alimento. A vida brotava por onde a água passava.

Você quer cura? Caminhe em direção às águas.

Estas águas trazem abundância de vida. O profeta diz: “tendo eu voltado” (Ez 47.7). Todo aquele que caminhar nas correntezas destas águas purificadoras, vai se deparar com o cenário de vida que elas produzem. Este é o resultado concreto e visível de se mergulhar na natureza de Deus. Sua natureza traz profundo impacto, por onde o Senhor passar a vida se torna inteiramente diferente.

A esterilidade da vida tem a ver com o distanciamento da experiência com a sacralidade e a distância que estamos deste poder que emana do trono de Deus. Estas águas saem do trono, fluem da presença de Deus. Quando nos aproximamos delas e vamos até a sua presença, somos tratados. A secura de alma, a ausência de vida e de entusiasmo, reside no fato de que não estamos imergindo nossa natureza em direção a Deus.

Considere sua vida de oração. Como tem sido?

Oramos de forma superficial, mecânica, meramente funcional e administrativa. Oramos para o gasto, apenas para dizermos que não somos pagãos. Mas quanto tempo faz que a experiência das águas que saem do trono de Deus não lhe atingem, quanto tempo faz que as nossas orações não são capazes de mergulhar neste oceano de vida e de poder que flui do trono de sua graça?

Além da abundância de vida, que se vê por onde estas águas passam, o texto diz também que ela nos traz cura (Ez 47.8). Precisamos perguntar se nossas doenças de alma, conflitos familiares, luta pelo poder, ausência de sentido, não estão intimamente conectados à superficialidade com que temos vivido e experimentado do próprio Deus...

O profeta Jeremias afirma que o povo de Deus havia deixado as fontes de águas vivas e estava cavando cisternas rotas, que não conseguem reter as águas, fontes substitutas da vida que existe em Deus (Jr 2.12-13). Onde achamos que podemos encontrar a vida?

Em quais fontes temos buscado sentido para nossa existência?

Temos tentado saciar nossa alma, nossa sede do infinito e do eterno, criando artifícios, preenchendo com coisas, status, dinheiro e bens. A Bíblia afirma que cisternas rotas não retém água.
O profeta percebe que as águas que saem do trono transformam até as águas do mar morto, tornando-as saudáveis (Ez 47.8). Ela é capaz de dar vida por onde passa.

Duas lições se tornam claras neste texto:

1. Precisamos fazer de Deus a nossa fonte primária - Só Deus sacia a sede humana. Por que vivemos tão sedentos? Por não bebemos na fonte de água viva, estamos tentando saciar nossa sede em outros lugares. Alguns, porém, se aproximam de Deus como o profeta. Experimentam água nos tornozelos, joelhos e lombos. Poucos caminham um pouco mais até que sejam absorvidos pela experiência da plenitude desta água de vida.

2. Estas águas nascem de uma mesma fonte: Deus - Jesus várias vezes vai falar desta realidade de vida:

i. Quando ele se encontra com a mulher samaritana, à beira do poço de Jacó ele afirma. “Quem beber da água desta fonte tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.13-14).


ii. No último dia da festa, Jesus se levantou no meio da congregação do templo e exclamou: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem” (Jo 7.37-38). Jesus afirma que o seu rio vai fluir em nós, jorrando para a vida eterna:

A fonte de água viva é o Senhor Jesus. Quem crê nele, deve esperar esta promessa.
Esta fonte alimenta, gera frutos. Sacia a fome interior. Esta fonte traz cura, é remédio para nossas feridas.

Conclusão:

Precisamos desta água. Precisamos caminhar em direção à esta fonte de terapêuticas águas. Um antigo hino afirma: “gotas benditas já temos, chuvas rogamos a Deus”. Este rio que sai do trono de Deus gera movimento, traz abundância. Deus nos convida a caminhar por esta água, até que não mais possamos atravessá-la. É um convite a penetrarmos na insondável esfera do sobrenatural, uma ruptura com a superficialidade de nosso coração em tantas áreas da vida.

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