Falar da cruz é impopular.
Isto surpreendeu o Dr. John Stott quando foi convidado para escrever um tratado sobre a Cruz de Cristo, lançado pela IVP em 1986: “Nenhum livro sobre este tópico tem sido escrito por um autor evangélico, por quase meio século. É de impressionar que isto aconteça, principalmente se considerarmos que a cruz é a mensagem central das Escrituras Sagradas”. O último livro significativo que fora escrito, é um corajoso trabalho do Dr. Guillebaud’s, cujo título era: “Por que a cruz?” no qual ele faz três perguntas apologéticas importantes:
1. A cruz realmente traduz o pensamento cristão? Ela é compatível com o ensinamento de Jesus e de seus discípulos?
2. Ela é moralmente correta? Isto é, ela é compatível com a justiça?
3. Ela tem credibilidade? (Seria realmente compatível com problemas como a transferência da culpa nossa para Jesus?)
John Stott levanta afirma que existem cinco objeções à cruz:
1. Intelectual - Os filósofos de Atenas chamaram Paulo de tagarela (no grego, a palavra spermologos). Eles zombaram de Paulo quando ele falou da cruz e da ressurreição. Os judeus entendiam que era amaldiçoado por Deus todo aquele que fosse pendurado no madeiro. Ainda hoje, os homens afirmam que a cruz é primitiva, agressiva e imoral.
2. Religiosa: Em Corinto, os deuses Apolo e Afrodite, mão exigiam exclusividade na adoração. Ainda hoje as pessoas céticas apreciam a ideia do sincretismo.
3. Pessoal - A cruz mexe com orgulho humano. Afinal, ela afirma que você não é salvo por você mesmo, mas pela obra de Cristo. Isto incomoda nosso senso de justiça própria. Por isto, Jesus mexe com o nosso ego orgulhoso e torna-se a rocha de escândalo e pedra de tropeço. O evangelho diz que dependemos de Deus, e não de nós mesmos para a nossa salvação.
4. Moral – A cruz apela ao arrependimento e a santidade. O verbo korintiazomai, que vem do grego, significa “praticar imoralidade”. Os sacrifícios à deusa Afrodite incluiam prostitutas cultuais, que estimulavam seus adoradores a praticarem orgia com os devotos. O mundo de hoje diz que o cristianismo é inimigo da liberdade pessoal.
5. Política – A cruz aponta para o senhorio de Jesus. Na época apostólica, os seguidores de Jesus questionavam a adoração a César e se recusavam a chamá-lo de Senhor, afinal, “Só Jesus é Senhor” (At 16.21, 17.7) e isto soava como subversão à ordem pública e aos poderes constituídos. Ameaça a César.
Neste texto vemos como a morte de Cristo perturbou os discípulos.
Quando Jesus decide falar abertamente sobre sua morte, “É necessário que o Filho do homem morra, e seja entregue as autoridades” (Mt 16.21), os discípulos reagiram. A ideia da morte contrariava todos os projetos que haviam construído em torno da pessoa de Cristo, o Messias. Pedro o chama à parte e veementemente afirma: “Tem compaixão de ti mesmo, isto de modo algum te acontecerá” (Mt 16.22)
É interessante a afirmação bíblica. “Era necessário morrer”. A cruz não era opcional, ou uma das alternativas, mas uma necessidade. A despeito de Schilebeeckxz afirmar que a cruz nunca foi propósito de Jesus, e que esta era sua segunda opção e que os discípulos só teriam entendido isto numa leitura pós-pascal, os Evangelhos sempre demonstram que a cruz era imperativa. Jesus disse: “Tenho um Batismo…e quanto me angustio até que ele aconteça” (Lc 12.50).
Jesus surpreende Pedro ao afirmar: “Arreda de mim Satanás, tu não cogitas das coisas de Deus e sim das dos homens”. Por que Jesus é tão veemente neste episódio?
Na verdade, Satanás tenta manipular Pedro, um dos seus melhores amigos, para desestimulá-lo à cruz. Esta havia sido sua sugestão na tentação do deserto, quando ele ofereceu a Jesus outros caminhos, como a glória e o reconhecimento público como substitutos da cruz. É de se imaginar que Pedro tenha levado um susto enorme quando Jesus fez esta repreensão, mas ele não repreendia a Pedro, antes a Satanás, que estava colocando na mente de Pedro pensamentos contrários ao proposito eterno de Deus. Certamente eu não gostaria de estar na pele de Pedro quando Jesus falou deste forma. Pedro havia sido advertido que Satanás estava de olho nele, e o havia requerido para peneirá-lo (Lc 22.31), então, quando Jesus fez tal afirmação, ele deve ter ficado chocado e considerado que as coisas não estavam fáceis para seu lado. Entretanto, Jesus expulsa Satanás que tentava manipular Pedro e ficou com Pedro. Na vida da igreja, muitas vezes quando alguém expressa uma opinião contrária, nós expulsamos a pessoa e ficamos com Satanás.
Jesus tenta demonstrar que a cruz era uma necessidade, mas os discípulos não estavam entendendo os motivos de sua morte.
O evangelista Lucas afirma que Jesus tenta demonstrar isto aos discípulos desencorajados no caminho de Emaús: "convinha que o Filho do Homem fosse entregue às autoridades" (Lc 24.26,27). João afirma a mesma coisa: “Agora, está angustia a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este proposito vim para esta hora” (Jo 12.27).
Era necessário...
Por que era necessário?
1. A cruz era o cumprimento das profecias
As Escrituras fala do Antigo Testamento apontam para este sacrifício. Foi exatamente isto que Jesus tentou demonstrar aos discípulos, após a sua ressurreição, ao expor a Palavra: “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? E começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc. 24:25-27). Quando os discípulos creram, a Bíblia afirma que “Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras: e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” (Lc 24.44,45).
Os discípulos não queriam considerar esta verdade. Havia uma estrutura de pensamento acerca da figura do Messias, que os impedia a ver o propósito real de Deus na história. Para eles, o Messias seria político, libertador. Haveria de quebrar o jugo da opressão romana sobre eles, e seriam uma nação livre e poderosa. Mesmo quando Jesus já está retornando para o Pai, vemos esta concepção presente: “Será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6). O foco do olhar dos discípulos se voltava para a história, para uma dimensão política. Não conseguiam apreender o sentido espiritual de todos os acontecimentos.
2. A morte foi necessária para expiação de pecados. Jesus cumpria de uma vez por todas as exigências da lei mosaica.
Todos os sacrifícios eram feitos com sangue, e em todos os atos de culto prestado ao Deus de Israel, havia exigências de sacrifício (Hb 9.22). Jesus assume esta dimensão tipológica e simbólica de todo pensamento bíblico, tornando-se o Cordeiro Pascal, de uma vez por todas, para que nunca mais houvesse necessidade de qualquer outra forma de sacrifício. Paulo afirma: “...Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (1 Co 5.7). Era necessário que um sacrifício fosse substitutivo e expiatório fosse feito a favor dos pecadores. E um animal deveria ser morto para assumir o lugar do pecador.
O que vemos na Bíblia: Cristo morreu em nosso lugar. O sacrifício era expiatório, vicário: “Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido” (Is 53.4). Ele assumiu o nosso lugar.
Não há outra forma de sermos justificados diante do Pai. Nossos atos são insuficientes, nossa justiça própria é insuficiente. Somente o sangue do Cordeiro é suficiente para nos apresentar puros diante do Pai. “Um dos anciãos tomou a palavra, dizendo” Estes, que se vestem de vestiduras brancas, quem são e donde vieram? Respondi-lhe: meu Senhor, tu o sabes. Ele então, me disse: São estes os que vem da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Razão porque se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuário” (Ap 7.13-15).
3. A cruz satisfaz a ira divina
Deus é justo, e o pecado merece a ira divina, julgamento e punição. O pecado traz condenação e morte. “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). O mesmo princípio é afirmado em Ezequiel 2 "A alma que pecar, esta morrerá" (Ez 18.4). “Ao senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar” (Is 53.10). Toda a ira de Deus contra a transgressão e injúria do pecado humano foi colocado em Cristo. Por isto, na cruz, Jesus sofre "o desamparo de Deus” “Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46). O maior sofrimento que ele sentiu não foi físico, mas espiritual. Na cruz, ele assumiu nossa culpa. Nós deveríamos estar lá, mas ele tomou sobre si nossas iniquidades.
Portanto, a cruz tinha o objetivo de satisfazer a justiça divina e a lei de Deus. O Deus justo não poderia deixar de cumprir a sua palavra, afinal, o pecado merece a morte. A alma que pecar essa morrerá”. Vemos aí a gravidade do pecado. Lutero afirma: “A lei de Deus foi satisfeita pela perfeita obediência de Cristo em sua vida, assumindo nossa culpa”.
Jesus nos substitui. Assume nosso lugar.ele. Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ao invés de jogar sua ira sobre nós, ele a colocou em seu filho. Como lemos: “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fossemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). E ainda: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens a sua transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação” (2 Co 5.19).
Com sua morte Jesus assume nosso lugar e manifesta sua justiça, julgando nossos pecados. Na cruz, Jesus "cancela o escrito da dívida que estava contra nós, despojando principados e potestades". Deus estava demonstrando o profundo ódio que ele tem pelo pecado, e o profundo amor que devota ao pecador.
Vamos tentar ilustrar.
Havia numa cidade um justo juiz. Seu filho, porém, era rebelde e transgressor. Um dia, o filho foi finalmente apanhado num grave delito, preso e levado a julgamento. Diante do seu pai recebeu a sentença que constava de uma fiança que o filho não poderia pagar, e por isto, deveria ir para a cadeia. Nesta hora, depois de dar a sentença, desceu da tribuna e falou a todos. Ele deve pagar, porque apesar de ser meu filho, ele é culpado perante a lei. Ele não tem condições de pagar sua dívida, mas eu a quitarei para que ele tenha liberdade.
Foi isto que Deus fez por nós. Nossa dívida era impagável. Ele a colocou sobre o seu filho que a pagou por nós. A expressão, “tudo está consumado”, significa literalmente: “Tudo está pago!” Ele me absolveu do meu débito e me declarou livre.
Conclusão:
A cruz faz parte do grande plano de Deus para a humanidade. No seu discurso no dia do Pentecoste, Pedro afirma que Jesus morrera determinado conselho e presciência de Deus (At 2.23). esta era a vontade do Pai. (Jo 18.11). A cruz era uma opção de amor de Deus, não uma imposição dos homens -Em Mt 26.53 Jesus afirma que poderia ter se livrado disto, se quisesse. Não foi impotência nem falta de poder de Deus? Se necessário ele poderia requerer uma legião de anjos (Mt 26.53). Uma legião romana era composta de 6.000 homens. A Bíblia relata em 2 Rs 19.35, que apenas um anjo exterminou em uma guerra de 185.000 assírios. Os evangelhos fazem questão de acentuar que a cruz de Cristo era um fato inegociável. Ele precisava morrer. Isto pode parecer estranho aos nossos olhos, afinal, o homem mais perfeito, o melhor Filho que a humanidade produziu, termina seus dias sendo julgado num processo altamente questionável, e numa morte desumana.
A história de Jesus, porém, nunca termina na cruz. A cruz é veredito de contradição: Morte/vida. A cruz é lugar de sofrimento e dor. Jesus nos convida a ir além. Ir ao túmulo vazio, enxergar a vida plena de Deus.
Na ressurreição, aqueles que voltaram às redes, redirecionam suas vidas. Aqueles que voltaram para casa, retornam a Jerusalém. A tristeza desaparece porque este Cristo morto, ressurgiu dos mortos. Cumpriu sua missão e voltou para o Pai!