O Livro de Jó é um desafio a todo intérprete da Bíblia:
i. Como entender o silêncio de Deus no
meio da dor?
ii. Como decodificar o mistério dos
soberanos planos de Deus?
iii. Como lidar com a questão de um Deus
bom que permite o mal?
iv. Deus é injusto?
v. “Jó vive uma crise de relacionamento
mais do que uma crise de questionamento intelectual “(Yancey), afinal, seria
ainda possível confiar em Deus?
A mulher de Jó diz o óbvio, ela emite uma resposta existencial de
“bom senso”, ela expressa “lucidez intelectual”, não parece? “Por que
conservas ainda a tua integridade. Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.8-10).
Não é difícil fazer esta afirmação nas horas de dor e desespero.
A sugestão da mulher de Jó segue duas direções:
è Renuncie a Deus – “Amaldiçoa a Deus”.
Não apenas uma renúncia neutra, mas carregada de ódio e amargura. Ela sugere
que Deus seja desprezado por Jó, e oficialmente deportado de sua existência.
Ela não sugere que ele deixe de crer em Deus, mas que ele hostilize a Deus. Não
raramente tenho visto que as pessoas geralmente não apenas descreem de Deus,
mas odeiam a Deus. A indiferença é a expressão mais sutil do ódio, mas a mulher
de Jó sugere uma resposta verbalizada de oposição e resistência ao Senhor. Não
apenas descrer, mas amaldiçoar.
èDesista de viver - “Amaldiçoa a Deus e
morre”. Subliminarmente ela sugere uma espécie de suicídio a Jó. Que valor
tem a vida, se a realidade diante dele é tão cruel e dura? Para que viver?
Albert Camus, no livro “O Mito de Sísifo”, nas sua primeiras páginas sugere que
“a hipótese filosófica mais razoável para o ser humano é a do suicídio”. Sem
esperança, doente, pobre e enlutado, num mundo caótico, o que esperar? Morrer
parece uma saída plausível. Esta é a sugestão que ela faz ao seu marido.
Rubem Alves escreveu um livro com instigante tema: “Pensamentos que
tenho quando não estou pensando nada”. Neste sermão gostaria de parafrasear sua
ideia numa outra direção: “O que fazer quando não há o que fazer?” e “que
direção tomar quando não há saída”. Em inglês há uma expressão: “No way out!”,
que significa exatamente. Sem saída!
Algumas lições surgem em minha mente ao ler este texto:
1. Precisamos entender que “sem
saída” é uma falso pressuposto. Na vida sempre há saída!
No trilogia “Senhor dos Anéis” de J. R. R. Tolkien, os personagens estão
sempre em apuro, vivendo no limite da falta de opções. A morte é iminente e não
existe escapatória. A expressão recorrente do livro é “Não há esperança!”
Apesar do mal ser tão concreto na ficção de Tolkien, tão permeado por elfos,
hobbits, místicos e magos, e não existir a ideia de Deus, mesmo assim, há
sempre soluções e alternativas. Há sempre saída!
Tenho encontrado muitos crendo que não há saída!
Um amigo meu, enfrentou um doloroso divórcio. Ele se sentiu ultrajado,
envergonhado e apunhalado em todas as direções. Poderia simplesmente esquecer
aquela mulher, mas ele não conseguia. Certo dia, no meio de muitas lágrimas, eu
falei que ainda iriamos rir de toda aquela situação. Com um sorriso dolorido
ele me olhou e disse para não brincar com sua dor. Pois bem, hoje ele
encontra-se absolutamente restaurado, a dor passou, e ele está curtindo um novo
amor. Há sempre saída!
Dr. Edmundo Haggai afirma que você pode perder tudo, mas se você não
perder sua reputação, tudo poderá ser restaurado. Lendo o evangelho, e vendo
pessoas que fracassaram tanto na vida, chego à conclusão de que você pode
perder até mesmo a reputação, e serem restaurados. Afinal de contas, “O que
confessa e deixa alcança misericórdia!” e “o sangue de Jesus, seu Filho, nos
purifica de todo pecado”. Sempre há saída! Principalmente se considerarmos a
vida na perspectiva da misericórdia e da graça divina.
2. Ter esperança não tem a ver com
situações favoráveis ou não, mas com perspectiva.
A mulher de Jó desiste da vida. Seus olhos estão colocados na tragédia –
e não eram poucas.
O livro de Jó traz grandes problemas ao intérprete da Bíblia. Suas
questões são teologicamente graves. Deus é um dos personagens do texto, mas que
decide silenciar-se diante da dor. Jó está sempre perguntando o porquê das
coisas, mas Deus permanece silencioso e distante. Num dado momento, sua esposa
se cansa da sua resignação e explode: “Por que conservas ainda a tua
integridade. Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.8-10).
Como Jó responde quando não há esperança concreta? Focando nas
perspectivas.
Primeiro, ele tenta balancear suas experiências: “falas como qualquer
doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?” (Jó
2.10). Ele coloca o foco em Deus e na sua liberdade de exercer sua soberania
como quiser. Deus faz o bem e permite o mal. Não conseguimos entender este
exercício de sua soberania, mas Jó se submete a ela: “E disse: Nu saí do
ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito
seja o nome do Senhor! Em tudo isto Jó não pecou nem atribuiu a Deus falta
alguma” (Jó 1.21).
Jó foca em Deus, não nas tragédias.
Em segundo lugar, e ainda mais incisivo, ele foca no caráter e na
existência de Deus:
“Por eu sei que o meu redentor vive por fim se levantará sobre a
terra. Depois, revestido este meu corpo de minha pele, em minha carne verei a
Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade
me desfalece o coração dentro de mim” (Jó 19.25-26).
Os estudiosos da Bíblia afirmam que este é um dos textos mais citados
quando se estuda escatologia do Antigo Testamento. Jó está falando de
ressurreição. Se lermos atentamente ele sequer está se referindo à
possibilidade de continuar vivo, ele está falando da esperança depois da morte.
Ele está falando do céu, de uma realidade que ele ainda não experimentou, mas
que tem certeza dela. Ele fala dialeticamente “de saudade me desfalece o
coração dentro de mim”. Ele afirma que tem saudade da eternidade,
mas como ter saudade de algo que ainda não se experimentou? Sua fé é tão
concreta, que ele sente saudade do gozo celestial.
Dr. Russel Shedd, perto de sua morte, passando pelo tratamento de um
câncer, enfrentando as dores normais nestes procedimentos, afirmou o seguinte:
“Eu nunca tinha sofrido este sofrimento até estes últimos meses, é uma
experiência muito boa. Sinto-me desmamando do mundo. O sofrimento daqui é muito
pouco em comparação com aquela alegria que nós sentiremos na presença de Deus.
É normal o crente sofrer, estou muito feliz com esta experiência”.
Jó estabelece perspectiva.
Dr. Shedd também fala da vida com perspectiva.
Isto muda todas as coisas.
3. É sempre possível ter esperança
quando estamos diante do Deus de milagres.
A verdade é que existem centenas de situações na Bíblia nas quais as
pessoas parecem não ter saída alguma, mas Deus age sobrenaturalmente.
Jó não parece centrado na questão da restauração e dos milagres. Seu
coração parece ter um problema maior que é tentar entender os movimentos
misteriosos de Deus. A temática em Jó não é sobre cura, mas sobre confiança em
Deus a despeito das circunstâncias.
Apesar de tudo isto, Deus intervém de forma miraculosa e transforma sua
vida, restaurando sua história.
Considere a situação do povo de Deus nos dias do rei Ezequias.
Senaqueribe, rei da Assíria montou um cerco em Jerusalém, e as condições
de guerra eram tão distintas que não havia possibilidade alguma de pensar numa
saída.
Veja a narrativa do texto de 2 Rs 18.19-23:
O comandante de campo lhes disse: "Digam isto
a Ezequias: Assim diz o grande rei, o rei da Assíria: Em que você baseia sua
confiança?
Você pensa que meras palavras já são estratégia e poderio militar. Em quem você está confiando para se rebelar contra mim?
Você está confiando no Egito, aquele caniço quebrado, que espeta e perfura a mão do homem que nele se apoia! Assim o faraó, rei do Egito, retribui a quem confia nele.
Mas, se vocês me disserem: "Estamos confiando no Senhor nosso Deus"; não é ele aquele cujos santuários e altares Ezequias removeu, dizendo a Judá e Jerusalém: "Vocês devem adorar diante deste altar em Jerusalém? "
Aceite, pois, agora, o desafio do meu senhor, o rei da Assíria: Eu lhe darei dois mil cavalos; se você tiver cavaleiros para eles!
Você pensa que meras palavras já são estratégia e poderio militar. Em quem você está confiando para se rebelar contra mim?
Você está confiando no Egito, aquele caniço quebrado, que espeta e perfura a mão do homem que nele se apoia! Assim o faraó, rei do Egito, retribui a quem confia nele.
Mas, se vocês me disserem: "Estamos confiando no Senhor nosso Deus"; não é ele aquele cujos santuários e altares Ezequias removeu, dizendo a Judá e Jerusalém: "Vocês devem adorar diante deste altar em Jerusalém? "
Aceite, pois, agora, o desafio do meu senhor, o rei da Assíria: Eu lhe darei dois mil cavalos; se você tiver cavaleiros para eles!
Os assírios estavam tão confiantes, e o povo judeu estava tão certo de
sua limitação. Entretanto, Deus interviu de forma sobrenatural e milhares de
soldados inimigos morreram numa só noite, feridos pelo Anjo do Senhor, o rei
invasor retornou destruído para seu país e quando chegou à sua terra, entrou no
templo pagão do deus Nisroque e dois de seus filhos, Adrameleque e Sarezer, o
mataram ainda no templo.
Ele estava tão seguro, o povo de Deus tão frágil, contudo, a mão de Deus
se moveu e uma realidade inteiramente transformadora se deu, pelo mover de
Deus.
Conclusão:
O livro de Jó não termina de forma desoladora, mas repleto de esperança!
“Mudou o Senhor a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e
o Senhor deu-lhes o dobro de tudo o que antes possuíra” (Jó 42.10).
Tudo é tão trágico, intenso, profundo, no início do livro, mas tudo é
tão poderosamente transformador quando se anda com Deus.
Não é disto que fala também o Evangelho?
Consideremos a morte de Cristo. A cruz parece o fim da vida. Não há esperança
para a humanidade, que sentenciou injustamente o homem mais justo que pisou
sobre a face da terra. A cruz é o veredito do fracasso humano. Os homens
rejeitaram a luz e a encarnação do próprio Deus. Jesus é aparentemente um
fracassado, cheio de utopias, que aos 33 anos é sentenciado e colocado numa
cruz por causa de seus sonhos megalomaníacos. Ali está a cruz para dizer: “Não há
esperança!”. Não há saída.
Os discípulos entenderam bem o recado.
Pedro disse: “Vamos pescar!” O projeto de salvar o mundo, de dar esperança
aos pobres, de impactar a história acaba na cruz.
Dois discípulos decidem retornar à sua antiga vida da aldeia de Emaús. “Nós
esperávamos que ele fosse o Messias”. Nada mais existe. O sonho acabou.
Temos ali um cenário de morte, frustração e desolação. Uma comunidade,
com cerca de 120 pessoas sendo zombada do “falso messianismo” do Jesus de
Nazaré, que acabou em desgraça, como tantos outros da história. Jesus é levado
para um túmulo, sentença final de uma vida sem propósito.
Mas o cenário muda ao terceiro dia.
A morte dá lugar à vida. A desesperança desaparece, e o sonho renasce.
“Ele ressuscitou!” dizem as mulheres. Mas isto lhes parece mais um delírio.
Dídimo reage: “É alucinação!” Não crerei se não colocar minhas mãos nas
suas feridas. Logo em seguida reencontra-se com o seu senhor ressurreto e
declara: “Senhor meu e Deus meu!”
O Evangelho nos fala de esperança viva!
Sempre há esperança quando estamos diante de um Deus vivo!
O Evangelho não termina com uma nota de desânimo, mas com uma declaração
de júbilo ao Cordeiro, que foi morto, mas vive!
É possível que alguém que esteja lendo este texto até agora esteja numa
situação limite. E são aparentemente tantas. Tantos desfiladeiros e estradas
sem saída, sem retorno. A noite pesada, a dor intensa, a esperança nula, o medo
dominando e invadindo a alma. Tudo sem esperança. Parece o fim.
Alguns anos atrás estava viajando de carro numa estrada no Sudoeste
Goiano, e caiu uma tempestade fortíssima. Era quase impossível dirigir, Os
carros iam parando no acostamento, com as luzes piscando, e outros corajosos,
iam com cuidado estrada fora. Parecia não ter fim aquela escuridão e névoa. Eu
jamais poderia esperar que algo tão surpreendente ainda aconteceria. Já era
final da tarde e parecia que a noite já havia chegado, mas de repente, o céu se
tornou claro, as nuvens desapareceram, a chuva acabou, e o sol brilhou
fortemente ainda naquele dia.
Lembro do pensamento que tive naquele dia.
Pessoa à beira do suicídio, envergonhadas, cansadas, zangadas,
frustradas, irritadas com a vida, com Deus. Se elas soubessem como a vida tem o
poder da mudança. Atletas fracassados hoje, podem ser heróis amanhã. Quem hoje
está humilhado, com ou sem razão, com justiça ou injustamente, amanhã poderão
ser colocados em lugares de honra.
Nelson Mandela foi opositor político do Governo que defendia o apartheid
na África do Sul, e por causa de sua luta contra a discriminação, ficou preso
por cerca de 30 anos. Provavelmente ele deve ter ficado desanimado muitas
vezes, talvez considerando que este seria sua condição para sempre. As coisas
porém mudaram, uma novo capitulo foi escrito na sua história de vergonha e
abandono, e ele terminou seus dias como um presidente respeitado, e morreu
reverenciado por nações do mundo inteiro como referência histórica e chefe de
Estado.
Colecionei algumas afirmações sobre mudança de vida que são verdadeiras
pérolas:
Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa,
morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se
nega, se furta à vida.
A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou
para o presente irão com certeza perder o futuro.
A vida de uma pessoa consiste num conjunto de acontecimentos, dos quais
o último também poderia mudar o sentido de todo o conjunto.
Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas
as perguntas.