sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Jó 2.8-10 Sem saída!

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O Livro de Jó é um desafio a todo intérprete da Bíblia:
i.                Como entender o silêncio de Deus no meio da dor?
ii.              Como decodificar o mistério dos soberanos planos de Deus?
iii.             Como lidar com a questão de um Deus bom que permite o mal?
iv.             Deus é injusto?
v.              “Jó vive uma crise de relacionamento mais do que uma crise de questionamento intelectual “(Yancey), afinal, seria ainda possível confiar em Deus?

 A mulher de Jó diz o óbvio, ela emite uma resposta existencial de “bom senso”, ela expressa “lucidez intelectual”, não parece? “Por que conservas ainda a tua integridade. Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.8-10). Não é difícil fazer esta afirmação nas horas de dor e desespero.

A sugestão da mulher de Jó segue duas direções:

è Renuncie a Deus – “Amaldiçoa a Deus”. Não apenas uma renúncia neutra, mas carregada de ódio e amargura. Ela sugere que Deus seja desprezado por Jó, e oficialmente deportado de sua existência. Ela não sugere que ele deixe de crer em Deus, mas que ele hostilize a Deus. Não raramente tenho visto que as pessoas geralmente não apenas descreem de Deus, mas odeiam a Deus. A indiferença é a expressão mais sutil do ódio, mas a mulher de Jó sugere uma resposta verbalizada de oposição e resistência ao Senhor. Não apenas descrer, mas amaldiçoar. 

èDesista de viver - “Amaldiçoa a Deus e morre”. Subliminarmente ela sugere uma espécie de suicídio a Jó. Que valor tem a vida, se a realidade diante dele é tão cruel e dura? Para que viver? Albert Camus, no livro “O Mito de Sísifo”, nas sua primeiras páginas sugere que “a hipótese filosófica mais razoável para o ser humano é a do suicídio”. Sem esperança, doente, pobre e enlutado, num mundo caótico, o que esperar? Morrer parece uma saída plausível. Esta é a sugestão que ela faz ao seu marido.

Rubem Alves escreveu um livro com instigante tema: “Pensamentos que tenho quando não estou pensando nada”. Neste sermão gostaria de parafrasear sua ideia numa outra direção: “O que fazer quando não há o que fazer?” e “que direção tomar quando não há saída”. Em inglês há uma expressão: “No way out!”, que significa exatamente. Sem saída! 

Algumas lições surgem em minha mente ao ler este texto:

1.    Precisamos entender que “sem saída” é uma falso pressuposto. Na vida sempre há saída!

No trilogia “Senhor dos Anéis” de J. R. R. Tolkien, os personagens estão sempre em apuro, vivendo no limite da falta de opções. A morte é iminente e não existe escapatória. A expressão recorrente do livro é “Não há esperança!” Apesar do mal ser tão concreto na ficção de Tolkien, tão permeado por elfos, hobbits, místicos e magos, e não existir a ideia de Deus, mesmo assim, há sempre soluções e alternativas. Há sempre saída!

Tenho encontrado muitos crendo que não há saída!

Um amigo meu, enfrentou um doloroso divórcio. Ele se sentiu ultrajado, envergonhado e apunhalado em todas as direções. Poderia simplesmente esquecer aquela mulher, mas ele não conseguia. Certo dia, no meio de muitas lágrimas, eu falei que ainda iriamos rir de toda aquela situação. Com um sorriso dolorido ele me olhou e disse para não brincar com sua dor. Pois bem, hoje ele encontra-se absolutamente restaurado, a dor passou, e ele está curtindo um novo amor. Há sempre saída!
Dr. Edmundo Haggai afirma que você pode perder tudo, mas se você não perder sua reputação, tudo poderá ser restaurado. Lendo o evangelho, e vendo pessoas que fracassaram tanto na vida, chego à conclusão de que você pode perder até mesmo a reputação, e serem restaurados. Afinal de contas, “O que confessa e deixa alcança misericórdia!” e “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Sempre há saída! Principalmente se considerarmos a vida na perspectiva da misericórdia e da graça divina.

2.    Ter esperança não tem a ver com situações favoráveis ou não, mas com perspectiva.

A mulher de Jó desiste da vida. Seus olhos estão colocados na tragédia – e não eram poucas. 
O livro de Jó traz grandes problemas ao intérprete da Bíblia. Suas questões são teologicamente graves. Deus é um dos personagens do texto, mas que decide silenciar-se diante da dor. Jó está sempre perguntando o porquê das coisas, mas Deus permanece silencioso e distante. Num dado momento, sua esposa se cansa da sua resignação e explode: “Por que conservas ainda a tua integridade. Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.8-10).

Como Jó responde quando não há esperança concreta? Focando nas perspectivas.

Primeiro, ele tenta balancear suas experiências: “falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?”  (Jó 2.10). Ele coloca o foco em Deus e na sua liberdade de exercer sua soberania como quiser. Deus faz o bem e permite o mal. Não conseguimos entender este exercício de sua soberania, mas Jó se submete a ela: “E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! Em tudo isto Jó não pecou nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.21).
Jó foca em Deus, não nas tragédias.

Em segundo lugar, e ainda mais incisivo, ele foca no caráter e na existência de Deus:
Por eu sei que o meu redentor vive por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo de minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim” (Jó 19.25-26). 

Os estudiosos da Bíblia afirmam que este é um dos textos mais citados quando se estuda escatologia do Antigo Testamento. Jó está falando de ressurreição. Se lermos atentamente ele sequer está se referindo à possibilidade de continuar vivo, ele está falando da esperança depois da morte. Ele está falando do céu, de uma realidade que ele ainda não experimentou, mas que tem certeza dela. Ele fala dialeticamente “de saudade me desfalece o coração dentro de mim”. Ele afirma que tem saudade da eternidade, mas como ter saudade de algo que ainda não se experimentou? Sua fé é tão concreta, que ele sente saudade do gozo celestial.
Dr. Russel Shedd, perto de sua morte, passando pelo tratamento de um câncer, enfrentando as dores normais nestes procedimentos, afirmou o seguinte: “Eu nunca tinha sofrido este sofrimento até estes últimos meses, é uma experiência muito boa. Sinto-me desmamando do mundo. O sofrimento daqui é muito pouco em comparação com aquela alegria que nós sentiremos na presença de Deus. É normal o crente sofrer, estou muito feliz com esta experiência”. 
Jó estabelece perspectiva.
Dr. Shedd também fala da vida com perspectiva. 
Isto muda todas as coisas.

3.    É sempre possível ter esperança quando estamos diante do Deus de milagres. 

A verdade é que existem centenas de situações na Bíblia nas quais as pessoas parecem não ter saída alguma, mas Deus age sobrenaturalmente.
Jó não parece centrado na questão da restauração e dos milagres. Seu coração parece ter um problema maior que é tentar entender os movimentos misteriosos de Deus. A temática em Jó não é sobre cura, mas sobre confiança em Deus a despeito das circunstâncias. 
Apesar de tudo isto, Deus intervém de forma miraculosa e transforma sua vida, restaurando sua história.

Considere a situação do povo de Deus nos dias do rei Ezequias. 
Senaqueribe, rei da Assíria montou um cerco em Jerusalém, e as condições de guerra eram tão distintas que não havia possibilidade alguma de pensar numa saída.
Veja a narrativa do texto de 2 Rs 18.19-23:

O comandante de campo lhes disse: "Digam isto a Ezequias: Assim diz o grande rei, o rei da Assíria: Em que você baseia sua confiança?
Você pensa que meras palavras já são estratégia e poderio militar. Em quem você está confiando para se rebelar contra mim?
Você está confiando no Egito, aquele caniço quebrado, que espeta e perfura a mão do homem que nele se apoia! Assim o faraó, rei do Egito, retribui a quem confia nele.
Mas, se vocês me disserem: "Estamos confiando no Senhor nosso Deus"; não é ele aquele cujos santuários e altares Ezequias removeu, dizendo a Judá e Jerusalém: "Vocês devem adorar diante deste altar em Jerusalém? "
Aceite, pois, agora, o desafio do meu senhor, o rei da Assíria: Eu lhe darei dois mil cavalos; se você tiver cavaleiros para eles!

Os assírios estavam tão confiantes, e o povo judeu estava tão certo de sua limitação. Entretanto, Deus interviu de forma sobrenatural e milhares de soldados inimigos morreram numa só noite, feridos pelo Anjo do Senhor, o rei invasor retornou destruído para seu país e quando chegou à sua terra, entrou no templo pagão do deus Nisroque e dois de seus filhos, Adrameleque e Sarezer, o mataram ainda no templo.
Ele estava tão seguro, o povo de Deus tão frágil, contudo, a mão de Deus se moveu e uma realidade inteiramente transformadora se deu, pelo mover de Deus.

Conclusão:
O livro de Jó não termina de forma desoladora, mas repleto de esperança!
Mudou o Senhor a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu-lhes o dobro de tudo o que antes possuíra” (Jó 42.10).
Tudo é tão trágico, intenso, profundo, no início do livro, mas tudo é tão poderosamente transformador quando se anda com Deus.
Não é disto que fala também o Evangelho?
Consideremos a morte de Cristo. A cruz parece o fim da vida. Não há esperança para a humanidade, que sentenciou injustamente o homem mais justo que pisou sobre a face da terra. A cruz é o veredito do fracasso humano. Os homens rejeitaram a luz e a encarnação do próprio Deus. Jesus é aparentemente um fracassado, cheio de utopias, que aos 33 anos é sentenciado e colocado numa cruz por causa de seus sonhos megalomaníacos. Ali está a cruz para dizer: “Não há esperança!”. Não há saída.
Os discípulos entenderam bem o recado.
Pedro disse: “Vamos pescar!” O projeto de salvar o mundo, de dar esperança aos pobres, de impactar a história acaba na cruz.
Dois discípulos decidem retornar à sua antiga vida da aldeia de Emaús. “Nós esperávamos que ele fosse o Messias”. Nada mais existe. O sonho acabou.
Temos ali um cenário de morte, frustração e desolação. Uma comunidade, com cerca de 120 pessoas sendo zombada do “falso messianismo” do Jesus de Nazaré, que acabou em desgraça, como tantos outros da história. Jesus é levado para um túmulo, sentença final de uma vida sem propósito.
Mas o cenário muda ao terceiro dia.
A morte dá lugar à vida. A desesperança desaparece, e o sonho renasce.
“Ele ressuscitou!” dizem as mulheres. Mas isto lhes parece mais um delírio.
Dídimo reage: “É alucinação!” Não crerei se não colocar minhas mãos nas suas feridas. Logo em seguida reencontra-se com o seu senhor ressurreto e declara: “Senhor meu e Deus meu!”
O Evangelho nos fala de esperança viva!
Sempre há esperança quando estamos diante de um Deus vivo!
O Evangelho não termina com uma nota de desânimo, mas com uma declaração de júbilo ao Cordeiro, que foi morto, mas vive!


É possível que alguém que esteja lendo este texto até agora esteja numa situação limite. E são aparentemente tantas. Tantos desfiladeiros e estradas sem saída, sem retorno. A noite pesada, a dor intensa, a esperança nula, o medo dominando e invadindo a alma. Tudo sem esperança. Parece o fim.

Alguns anos atrás estava viajando de carro numa estrada no Sudoeste Goiano, e caiu uma tempestade fortíssima. Era quase impossível dirigir, Os carros iam parando no acostamento, com as luzes piscando, e outros corajosos, iam com cuidado estrada fora. Parecia não ter fim aquela escuridão e névoa. Eu jamais poderia esperar que algo tão surpreendente ainda aconteceria. Já era final da tarde e parecia que a noite já havia chegado, mas de repente, o céu se tornou claro, as nuvens desapareceram, a chuva acabou, e o sol brilhou fortemente ainda naquele dia.

Lembro do pensamento que tive naquele dia.
Pessoa à beira do suicídio, envergonhadas, cansadas, zangadas, frustradas, irritadas com a vida, com Deus. Se elas soubessem como a vida tem o poder da mudança. Atletas fracassados hoje, podem ser heróis amanhã. Quem hoje está humilhado, com ou sem razão, com justiça ou injustamente, amanhã poderão ser colocados em lugares de honra.
Nelson Mandela foi opositor político do Governo que defendia o apartheid na África do Sul, e por causa de sua luta contra a discriminação, ficou preso por cerca de 30 anos. Provavelmente ele deve ter ficado desanimado muitas vezes, talvez considerando que este seria sua condição para sempre. As coisas porém mudaram, uma novo capitulo foi escrito na sua história de vergonha e abandono, e ele terminou seus dias como um presidente respeitado, e morreu reverenciado por nações do mundo inteiro como referência histórica e chefe de Estado.
Colecionei algumas afirmações sobre mudança de vida que são verdadeiras pérolas: 
Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.
A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro.
A vida de uma pessoa consiste num conjunto de acontecimentos, dos quais o último também poderia mudar o sentido de todo o conjunto.
Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Salmo 139 Assombrosamente maravilhoso


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Introdução:
Brennan Manning relata a visita que fez a um velho sacerdote no leito da morte, que lhe declarou que nunca pedira a Deus riqueza, fama, sucesso, aplauso público, mas que não queria jamais perder a capacidade do assombro.
Quando a Bíblia descreve o dia a dia da Igreja Primitiva, um dos aspectos contagiantes da espiritualidade daquele povo era a admiração. “Perseveravam na doutrina dos apóstolos, nas orações, e no partir do pão, e em cada alma havia temor” (At 2.42). A palavra “temor” é traduzida pela NVI por “espanto”, e na língua inglesa, os tradutores preferiram apenas usar o termo “awe”, que é uma interjeição, que apesar da forma como é escrita, deve ser lida como “oh!”. 
Esta capacidade de espanto é algo que temos perdido. 
No Salmo 139 é exatamente com esta profunda admiração que vemos o rei Davi falando das coisas de Deus e do próprio Deus. Tudo se torna, na sua perspectiva, algo apaixonante e envolvente. Certamente é um dos textos mais admiráveis de todas as Escrituras. Ele descreve sua percepção de Deus como algo “assombrosamente maravilhoso” (Sl 139.16).
Várias coisas podem gerar admiração em nós? E

O Belo
A beleza é uma delas. 
Uma obra de um artista, pode gerar profunda admiração e espanto em nós, uma melodia bem elaborada, a beleza de uma criança, de uma mulher, do por do sol, da natureza, da flor. A Bíblia fala para adorarmos a Deus “na beleza de sua santidade”. Há uma beleza em Deus, no seu caráter, que inebria a alma humana. Davi, como adorador está descrevendo tal beleza, e sua admiração o encanta.

O Feio
Podemos, equivocadamente nos encantar com nossos feitos, com nossa performance espiritual, achando que Deus está impressionado com nossa capacidade de justiça e retidão. Certo pastor era tão auto enamorado, que o seu hino predileto era “tão grande és tu”. Ele sempre o cantava olhando para o espelho que refletia sua imagem. Pessoas impressionadas com sua religiosidade, geralmente não se admiram das coisas de Deus. Sua justiça própria não lhe permite olhar a Deus com admiração. Isto aconteceu com Lúcifer antes de sua queda. “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitava as nações! Tu dizias em teu coração: eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo”(Is 14.12-14). 

A admiração do Salmista
O que gera admiração em Davi?

Primeiramente, ele está “assombrado” com os atributos de Deus. Ele percebe que Deus está em todos os lugares:
Antes de mais nada, ele considera que Deus está nos segredos internos da alma humana – “De longe penetras os meus pensamentos” (Sl 139.2b); “Ainda a palavra me não chegou a língua, e tu, Senhor, já a conheces toda” (Sl 139.4). Os pensamentos e sentimentos inexprimíveis ou indeclaráveis, são absolutamente transparentes aos olhos do Senhor. Deus sabe o que está acontecendo.

O salmista considera também que Deus está nos lugares mais remotos da terra. “Se subo aos céus, lá estás; se faco a minha cama no mais profundo abismo, la estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda la me haverá de guiar a tua mao e a tua destra me susterá” (Sl 139.8-10). Não há lugar mais abscôndito e impenetrável que não seja impactado pelos olhos daquele que a tudo ve em todas as coisas. Não ha lugar para se esconder ou fugir da presença do Deus onipresente.

Davi considera ainda que Deus sabe de todas as coisas até no meio das trevas. As coisas estão claras para Deus ainda que na escuridão. “Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirao, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias treas não te serão escuras; as trevas e a luz são a mesma coisa” (Sl 139.11-12). Deus não precisa de retina e luminosidade para enxergar. As coisas estoa absolutamente descobertas aos seus olhos. Trevas e luz, não fazem direferenca. Tudo é claro. Esta oposição trevas/luz, faz sentido para as limtiacoes humanas, mas não para o Deus que está muito além destas divisões clássicas de suas criaturas.

Em segundo lugar, Davi está assombrado com a profundidade do conhecimento que Deus tem dele.
a.     Deus conhece seus movimentos: “sabes quando me assento e quando me levanto”. (Sl 139.2a), e ainda, “esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos” (Sl 139.3). Esquadrinhar é como “tabular” movimentos. Cerca de 30 anos atrás, nos desenhos de arquitetura era comum observar que os trabalhos eram preparados sobre determinadas folhas com pequenos e quase invisíveis quadrados, que ajudavam o autor a fazer os desenhos com mais precisao. Eles eram minuciosamente “esquadrinhados” para ajudar a obter a forma mais correta.

b.     Deus está adiante dele e por detrás dele: “Tu me cercas por trás e por diante (Sl 139.5). Ele está antes de nós termos ideia de sua presença, e chega antes de qualquer concepção mais elaborada de sua atividade. Como um fiel escudeiro protegendo-nos das setas inflamadas que são atiradas.

c.      Deus conhece seus pensamentos: De longe penetras meus pensamentos” (Sl 139.2b). Não apenas o que ele faz ou diz (Sl 139.2,4), mas o que ainda se encontra no campo das conjecturas e observações da alma. Não ha segredos para Deus.

d.     Deus o conhece antes dele mesmo se conhecer – “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe... Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe” (Sl 139.13,15,16a).  Davi reconhece que Deus está lá na formação do feto, quando ele era apenas um zigoto, quando o espermatozoide de seu pai se uniu ao óvulo da sua mãe. Ele ainda não sabia nada sobre si mesmo, mas Deus já o conhecia. Nada foi feito sem seu consentimento ou autorização. Deus o conhecia antes dele mesmo se conhecer.

e.     Deus conhece o seu futuro, que o salmista ainda não conhece – Davi fala não apenas do Deus que estava no seu passado, mas daquele que ainda estará no seu futuro. “No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.16b).  Ele não sabe o que lhe acontecerá, nem quando, mas Deus sabe, porque conhece o seu futuro.

Alguns anos atrás ouvi o testemunho de uma mulher que foi gerada por um estupro. Sua mãe tentou abortá-la, sem sucesso, por oito vezes. Quando ela nasceu, foi adotada e criada por uma família com quem viveu até os 12 anos, quando então foi vítima de abuso sexual do pai adotivo. Fugiu de casa, enveredou pelas drogas e prostituição, e um dia estava pensando em suicidar, mas foi atraída a uma igreja perto de sua casa. O pastor estava lendo o Salmo 139 e ela foi profundamente impactada por estas verdades. Percebeu que se Deus a deixou viver, apesar de toda conspiração contra sua vida, é porque ele tinha um maravilhoso plano para ela. Entregou sua vida a Cristo, e dai em diante Jesus começou a construir uma nova história na sua caminhada, constituindo uma família e construindo um lar.

Em terceiro lugar, Davi se assombra com a capacidade de Deus transitar por lugares tão inusitados e inesperados. 
Ele afirma que Deus caminha pelas luz e trevas, com a mesma facilidade. Em Deus, o escuro e o claro se relativizam. O profeta Naum afirma que “o Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó de seus pés” (Na 1.3b). Deus não somente relativiza lugares impenetráveis, mas relativiza ainda conceitos aristotélicos de espaço e tempo.
O apóstolo Pedro afirma “Há, todavia, uma coisa amados, que não deveis esquecer: que para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia” (2 Pe 3.8). Os planos e projetos humanos encontram-se dentro de uma cronologia, que o Eterno desconhece.
Muitas pessoas se perguntam sobre o que acontece depois da morte. João Libânio, teólogo católico, afirma que tal pergunta é meramente retórica, já que, quando deixamos a esfera do temporal, adentramos a eternidade, na qual categorias de tempo e espaço não fazem muito sentido. Não é isto que nos ensina as Escrituras? Em Ap 13.8 lemos espantados que o Cordeiro de Deus foi morto desde a fundação do mundo. Se olharmos cronologicamente, sabemos que sua morte se deu num tempo e espaço e geografia específicos. Ele viveu na Judéia e Galiléia, entre o ano 6 a.C e 27 d.C, morreu sob o poder de Pôncio Pilatos na cidade de Jerusalém, mas o livro de Apocalipse faz uma leitura da perspectiva a-histórica e nos informa que sua morte se deu, na eternidade. O apóstolo Pedro diz a mesma coisa. O sangue de Cristo foi, “conhecido com efeito, antes da fundação do mundo, porem manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1 Pe 1.20). Antes da história, na eternidade, o sacrifício de Cristo já havia se concretizado, porque Deus transcende a história humana e o plano de redenção já era realidade.
A mente humana nunca conseguirá traduzir categorias da eternidade e aquelas que não se restringem a um espaço definido, por isto conceitos de infinito são tão árduos de serem elaborados pela logicidade e pela epistemologia. Não são categorias aristotélicas...
Ao perceber a grandeza de Deus, Davi expressa sua admiração: “Que preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! E como é grande a soma deles! Se os contasse, excedem os grãos de areia; contaria, contaria, sem jamais chegar ao fim”(Sl 139.17-18). A majestade de Deus não pode ser esquadrinhada. Não se pode mensurar os grãos de areia, nem contar as estrelas do firmamento.

Diante disto, o salmista experimenta outro sentimento: como o homem pode ser ímpio e não contemplar a grandeza de Deus? Como podem os ímpios se rebelarem contra Deus? (Sl 139.20). Davi expressa certa indignação contra o homem sem Deus e sua linguagem é forte. Temos aqui aquilo que em teologia bíblica é chamado de “orações imprecatórias”, quando o salmista ora pedindo a morte e o fim do homem ímpio.
O salmista não conseguem entender e ficar maravilhado com a existência de Deus? Davi se declara inimigo daqueles que são inimigos de Deus. Ele está encantado com Deus a tal ponto que não faz sentido algum a atitude dos opositores e inimigos de Deus (Sl 139.19-22). 

Conclusão:
Pessoas assombradas com Deus experimentam algumas coisas maravilhosas:

1.     Consciência de que não dá para fugir de Deus – “Para onde me ausentarei do teu Espirito? Para onde fugirei da tua face?” (Sl 139.7). Se Deus ocupa todos os lugares, até mesmo inusitados, tentar escapar de sua face é ridículo!
Talvez seja por isto que o texto conclui com a afirmação: “Sonda-me, é Deus, e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.23-24)

2.     Não dá para lutar contra Deus – compare a grandeza de Deus e a limitação humana. Como competir com sua soberania e majestade? 
Um grupo de formigas estava indignada porque diariamente o elefante passava em cima do seu formigueiro, destruía todo trabalho do dia anterior, esmagava milhares de formigas. Então resolveram fazer um plano. Ficariam todas em cima de um galho da árvore por onde passava o elefante, e pulariam juntas sobre ele para enforcá-lo. Fizeram um treinamento certo, e no outro dia tudo foi executado como o planejado. Mas o elefante, apenas bateu sua grande orelha, e todas formigas foram atiradas longe dele, apenas uma resistiu bravamente. As demais, então, começaram a gritar: “enforca! Enforca! Enforca!”

3.     Ter certeza da direção de Deus – Todas as vezes que este salmo fala da grandeza de Deus, o faz não no sentido de que pela sua onipresença ele fica fiscalizando o comportamento errado das pessoas, e sim, para cuidar. 
No vs 5 ele diz: “Tu me cercas por trás e por diante e sobre mim pões a mão”; no vs 10, quando descreve Deus caminhando por estranhos lugares e profundos lugares, afirma: “ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá”. Deus não é um big brother fiscalizador, mas um Deus que, por penetrar todas as coisas, nos sustenta e protege. 

4.     Louvor – O salmista está glorificando a Deus. Quanto mais impressionado você estiver com Deus, mais louvor haverá. A admiração e o assombro são a esfera apropriada de uma espiritualidade contagiante e viva. Na Igreja primitiva havia temor e espanto em cada alma, e isto gerava adoração profunda.
Quanto mais impressionado você estiver com a grandeza de Deus, mais o seu coração de adorador se aprofundará no louvor e exaltação. 

Assim foi com Jó. 

Ele era um homem crente, mas Deus resolveu permitir que a dor e a enfermidade lhe acometessem. Ele passou a questionar seriamente a Deus, e o Senhor resolveu demonstrar seu poder e glória sobre todas as coisas, sobre a criação, sobre a preservação do universo, sobre as forças espirituais e sobre sua vida. Quando Jó percebeu a grandeza de Deus ele afirmou o seguinte: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem!” Quando a grandeza de Deus se revela diante de nós, o resultado é um profundo impacto sobre nossa espiritualidade. Só encantando e assombrado com sua glória e majestade, seremos verdadeiros adoradores. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Ef 4.1-4 Preservem a unidade da Igreja

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Introdução:

A unidade da igreja sempre sofreu duras batalhas na história.

Católicos e protestantes lutaram, desde a Reforma, com o massacre dos huguenotes na França, quando em apenas uma noite fatídica conhecida como “Noite de São Bartolomeu”, foram assassinados 70 mil pessoas pelos católicos, até os recentes incidentes que separam a Irlanda entre grupos políticos do Ira. Verdadeiro e lamentável ódio religioso entre cristãos. os protestantes também muitas vezes, em nome da pureza da fé, foram impiedosos contra os católicos.
No Brasil, não apenas os conflitos entre católicos e protestantes foram bastante acentuados, mas entre os evangélicos, principalmente igrejas pentecostais & históricas. Felizmente tais conflitos tem perdido sua intensidade e são encontrados apenas entre grupos mais radicais.
Desvios e lutas, na verdade conspiram contra o projeto de unidade que Cristo tem para a sua igreja. Na oração sacerdotal, Jesus expressa seu desejo:
A fim de todos sejam um; como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviastes. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para Pai santo, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.21-23)

Três aspectos podem ser destacados aqui:
Primeiro, a unidade fortalece o testemunho entre os descrentes: “Para que o mundo creia que tu me enviastes”.

Segundo, a unidade revela o caráter de Deus. “A fim de todos sejam um; como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti”. A Trindade é uma comunidade que vive em perfeito relacionamento. O Pai, o Filho e o Espirito Santo. Jesus destaca sua unidade com o Pai, revelando desejo de que seu povo se inspire na experiência trinitariana de amor.

Terceiro, a igreja precisa de unidade para ser aperfeiçoada. Não há crescimento, santidade, ou maturidade, sem que haja unidade. “A fim de que sejam aperfeiçoados na unidade”.

Apesar disto, a comunidade cristã sempre enfrenta lutas quando o assunto é unidade.
Por um lado, alguns aceitam a unidade a despeito da verdade; por outro, muitos rejeitam a unidade por causa de convicções particulares da fé. As razões são diversas: vaidade denominacional, arrogância dos líderes e filigranas teológicas e litúrgicas. Na maioria, divisões se ocultam numa aparência de santidade e defesa do cristianismo puro, mas a falsa piedade apenas encobre a soberba e luta pelo poder.
A verdade é que a igreja protestante, tem dividido mais que unido. Por que? 
Duas rápidas possibilidades:
A. Vaidade pessoal da liderança - Lutas pessoais pelo poder, desejo de proeminência, controle, estão sempre presentes no coração humano. As grandes e históricas divisões, na sua maioria acontecem por causa deste pecaminoso ingrediente, ainda que na fachada, surjam questões espirituais como: " Esta igreja é fria!" ou "saímos da igreja porque era pentecostal demais!" e ainda: "Não gosto da liturgia", ou mesmo "problema de doutrina". Embora muitas vezes os argumentos acima sejam "razoáveis", muitas vezes escondem e ocultam verdadeiros disfarces da luta pelo poder e controle.
B. A confusão hermenêutica - Uma das clássicas questões é confusão entre "livre exame x livre interpretação das Escrituras". Muitos acham que a Reforma defendeu a livre interpretação. (Cada um interpreta a Bíblia como quer, como acha, ou como entende), mas o que a Reforma defendeu foi o livre exame. (Todos devem ter acesso e examinar cuidadosamente a Bíblia). A interpretação, contudo, deve ser feita com o corpo, e não pela mente particular de  um pregador imaginativo, sem regras hermenêuticas e sem conhecimento da história e do contexto em que ela foi escrita. O Método Histórico Gramatical de interpretação, adotado pelas igrejas reformadas, nos ajuda a superar tais tentações. Alguns destes princípios são: A Bíblia é o melhor intérprete de si mesma; devemos entendê-la no seu contexto histórico e cultural; precisamos nos aproximar linguisticamente do pensamento original do escritor. 
C. Ação Maligna - Não podemos deixar de considerar que o diabo, por definição, é aquele que divide. Portanto, ele estará sempre criando mau entendido, competição, oposição, intriga, porfia, ciúmes e contendas. Tudo isto, naturalmente, associado às obras da carne. Esta mistura fatídica da ação demoníaca, com a carnalidade humana é um química poderosamente maligna.
O desejo do Pai, a oração do Filho e o ministério do Espirito Santo, focam na unidade. Este texto nos apresenta sete elementos presentes e fundamentais nesta unidade:

  1. Um só corpo Há somente um corpo” (Ef 4.4). A verdadeira igreja é uma só! Embora haja diversidade na função dos membros, há uma unidade no corpo. São muitos membros, e muitas formas de governo, estilos litúrgicos e tradições, mas somente um corpo.
Podemos discordar teologicamente em alguns pontos não essenciais, determinadas abordagens doutrinárias, estilo musical, ordem do culto, tipos de batismo, ou gosto, predileção e temperamento. Podemos ter diferenças culturais, denominacionais e formatações eclesiológicas distintas, mas a verdadeira igreja de Cristo é uma só. ela possui uma marca, um distintivo específico. Muitas vezes, ao invés de celebrarmos a multiforme sabedoria de Deus, esta maravilhosa “policromia divina” (Ef 3.10), passamos a lutar contra aqueles que se expressam de forma diferente. M.L. Jones afirmou: "Deus ama a diversidade e tem criado uma rica profusão de tipos humanos, entretanto, nossos temperamentos tem mais influência na nossa teologia que imaginamos".
Apesar de tantas denominações, a igreja de cristo é uma só. Conta-se que Wesley sonhou estar na porta do céu e perguntou: Quantos metodistas há aqui? A resposta foi: Nenhum. Quantos católicos? nenhum. Quantos presbiterianos? Nenhum. Frustrado perguntou: "Mas afinal, quem se encontra aqui? " e a resposta foi: "Todos os que foram lavados pelo sangue do Cordeiro".
Na volta de Cristo, quando todas as nações se reunirem diante do trono de Deus, encontraremos pessoas vindo de todas as tribos, povos, língua e nação na presença do Pai (Ap 7.9-10), trazendo seus estilos, roupagens, configurações distintas, para escândalo de muitos, mas há algo que distingue e marca este povo. “Estes são os que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro (Ap 7.14-15).
Há um só corpo; um só rebanho. “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem a mim. Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco, a mim me convém conduzi-las; elas ouvem a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor” (Jo 10.15).

  1. Um só Espírito – “Há somente um corpo e um só Espírito” (Ef 4.4). O segundo elemento que a Bíblia descreve é a unidade em torno do Espírito.

Não há unidade sem o Espírito, porque ele é quem gera esta unidade.  Sem ele, a arrogância e a vaidade prevalecem. O Espírito é quem produz unidade e a nós cabe preservá-la (Ef 3.3). Ele é a verdadeira fonte de unidade.

Um exemplo maravilhoso deste se deu no dia do Pentecoste, quando ele foi derramado sobre a igreja. Há um contraste nítido entre Babel, na confusão nos dialetos e, línguas e pessoas que não mais conseguiam se entender, ainda que, até então, falassem a mesma língua (Gn 11) e no Pentecostes, quando falavam línguas diferentes, mas conseguiam se entender maravilhosamente bem (At 2). Em Babel, confusão, no Pentecoste, fusão. Sem o Espírito, mesmo que a língua seja igual, surge Babel; no Pentecostes, mesmo quando a linguagem é diferente, surge a capacidade de entender e comunicar. Babel traz desentendimento, Pentecostes traz identificação.
No Congresso internacional de Manilla (1984), um pastor brasileiro relatou um fato que o marcou profundamente. Cristãos do Iraque e do Irã, quando seus países se encontravam no auge de uma guerra sem trégua, publicamente se abraçaram e oraram juntos, demonstrando o que o Espirito de Deus é capaz de fazer. Deus não está limitado aos conflitos dos povos.
A Igreja Apostólica foi capaz de experimentar algo profundo, e tornar-se "uma só alma, e um só coração".
Stanley Jones afirma: O Evangelho tinha a intenção de unir, sarar, mas tem sido tão mal interpretado, que tem servido para dividir e ferir" (O Cristo de todos os caminhos, Imprensa Metodista, página 190)
Os apóstolos eram formados de pessoas de temperamentos e ideologias diferentes: Mateus, era cobrador de impostos; Simão, era zelote, mas, a ideologia nunca foi maior que a unidade. Podiam celebrar a benção de estarem em Cristo.
Stanley Jones afirma que a razão do cristianismo estar tantas vezes dividido é porque "o Espírito Santo tem se apagado de nossa consciência e o espírito do denominacionalismo, da inveja e da rivalidade tomou o seu lugar" (Pg 191)
Há um só Espírito, e Ele nos ajuda a falar a mesma língua, sem dialetos. Torna compreensível vozes diferentes. Ele gera a unidade. Por isto o texto não nos exorta a "criar a unidade", esta obra é prerrogativa do Espírito, mas nos encoraja a "preservar". Só se pode preservar o que já existe. Quando a Palavra de Deus fala da necessidade de nos esforçarmos, isto aponta para disposição pessoal, já que nem sempre a vaidade e a atitude pecaminosa nos distancia. Quando diz que tal esforço precisa ser diligente, isto tem a ver com "intencionalidade", não é algo espontâneo e natural apenas, mas precisa de vontade para que isto se realize na história. 

  1. Uma só Esperança - ... como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação” (Ef 4.4).

Nossa esperança possui um aspecto escatológico: "Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça" (2 Pe 3.13). A Bíblia fala sempre da iminente volta de Cristo. Apesar das diversas interpretações, continua claro para todos os cristãos, o fato de que Ele voltará. E esta esperança está presente no coração do povo de Deus.

Temos uma só esperança: Ele voltará! Isto, contudo, não impediu que várias interpretações fossem formuladas sobre este assunto:

Os Pré-milenistas, afirmam que há sete épocas da criação até à volta definitiva de Cristo até a grande tribulação, quando Israel reconstruirá seu templo e restabelecerá os sacrifícios da lei mosaica, e a ira de Deus será derramada sobre a terra numa série de julgamentos cataclismáticos; a besta romperá com a nação israelita e provocará a guerra do Armagedom. Após estas coisas, Jesus instaurará seu reino messiânico sobre a terra por literalmente mil anos, e Satanás será solto e encabeçará a revolta dos não regenerados. A interpretação pré-milenista usa muitos textos simbólicos e proféticos, despertando a imaginação dos leitores, e traz grande apelo popular. Ela se tornou mais conhecida através dos escritos de J.N. Darby e da Bíblia de Scofield.

Os A-milenistas, seguem a interpretação de Agostinho. Não há milênio, ou antes, que o milênio já foi instaurado desde a vinda de Cristo, quando começou um novo tempo na história, portanto, já estamos no milênio. As confissões de Augsburgo e de Westminster rejeitaram a visão do milênio afirmando tratar-se de expressão de "sonhos judaicos", e entendem que as promessas outorgadas a Israel pertencem à Igreja, o novo Israel de Deus (Gl 6.10). Os últimos dias" já começaram (Hb 1.2), e estamos "na plenitude dos tempos" quando através de Cristo, iniciou-se uma nova época (Gl 4.4) e "o tempo está cumprido" (Mc 1.15).

Os Pós-milenistas, afirmam que o reino de Cristo é espiritual, não geográfico e por isto, não realizado neste mundo. Na verdade entendem que onde está a igreja aí está o reino de Deus. A escatologia se realiza por meio do povo de Deus na história. C.H. Dodd; G. Ladd e Moltmann defendem esta visão, também chamada de “Escatologia inaugurada”. Em Cristo, o parcial cederá ao perfeito, ao "telos". Não interpretam literalmente Apocalipse 20 e afirmam que no fim dos tempos haverá outro lampejo da maldade antes da vinda do Senhor, seguida da ressurreição de todos os mortos e a igreja de cristo se plenificará criando uma nova comunidade.

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Jesus desestimulou qualquer tentativa de estabelecer dias e datas (como tentaram fazer os adventistas, e testemunhas de Jeová). "Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade" (At 1.7), mas é certo que o relógio de Deus anda na direção da consumação, e por isto a perspectiva histórica da Bíblia não é cíclica, nem ascensional, um evento sobrenatural e portentoso se dará no fim desta era. Ninguém tem condições de precisar "dia e hora" em que o despertador soará desencadeando sua ação histórica final.
Também não sabemos detalhes específicos e o tempo, mas há uma esperança permeando o coração do povo de Deus. Há uma expectativa do dia em que toda criação será liberta do cativeiro que o pecado lhe impôs (Rm 8.20-21); Satanás será destruído (Ap 20.10) e será decretada a morte da morte, o último inimigo a ser derrotado (1 Co 15.24-25), mas uma coisa é certa: Há uma só esperança. Jesus volta. Por isto dizemos: Maranatha, vem Senhor Jesus! (Ap 21.17)

  1. Um só Senhor - “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5). Certo pastor, ao receber o convite de uma Igreja para pastoreá-la perguntou: "Quem é o dono desta Igreja, por que se ele tiver outro dono senão Jesus, eu não a pastoreio". A Igreja tem um só Senhor: Jesus! Quando alguém tenta usurpar este lugar, corre sério perigo no seu coração. Afinal, “Quem tem a noiva é o noivo” (Jo 3.29-30)

Senhorio implica em autoridade. A base do senhorio de Cristo é sua natureza divina: "Toda autoridade me foi dada no céu e na terra" (Mt 28.18), e por conseguinte, isto implica também na nossa condição de servo.  Muitas pessoas se acham chefe e donos. Fazem decretos a Deus como se ele fosse servo, e até as orações se transformam em ordem: "faça-me isto, livra-me, protege-me, eu ordeno, dá-me!”. A Igreja precisa, mais do que nunca se lembrar que há um só Senhor.
Jesus reivindica seu lugar: "vós sois meus amigos se fazeis o que vos mando". Ele tem a autoridade, o poder de mando, a nós cabe obedecer. Ele é o Rei.
É fácil criar “o evangelho dos santos evangélicos" como definiu Juan Carlos Ortiz. Ou buscarmos o evangelho das promessas e dos milagres. Queremos a salvação, mas não queremos assumir o custo do discipulado, a obediência.
Quando o trono de Jesus se estabelece no coração, deve-se abdicar da direção da vida e entregá-la. Antes o domínio era meu, agora é de Jesus “Seja feita tua vontade, aqui e agora”. Muitos querem salvação à prestação: entregue-se agora, depois assuma compromisso. Assim se comporta o evangelho centrado no homem.
Quando Jesus é Senhor, a finalidade dos servos é fazer a sua vontade, agradá-lo, expandir o seu reino cada vez mais. Em todos os lugares que há o cristianismo autêntico, haverá compromisso sacrificial. Esta é a marca inconfundível do cristão genuíno: Obedecer a Deus e fazer a sua vontade.

  1. Uma só fé - “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5).  A qual fé se refere o texto? Alguns dizem: O importante é ter fé, e ao afirmarem isto acreditam que a fé pode se direcionar a qualquer coisa, independentemente de Deus ao qual esta fé se dirige. Não é raro encontrarmos pessoas sinceros, mas erradas, como o povo de Israel. “Dou-lhes testemunho de que tem zelo por Deus, porém não com entendimento” (Rm. 10:1) A fé cristã não é fé na fé, nem esperança, na esperança.

Então, como podemos definir esta fé?
0 39º capítulo da Confissão de Westminster afirma que "Fé é um corpo de verdades". Isto é, fé é um conjunto doutrinário com fundamentos comuns. Daí dizermos: Fé apostólica ou fé evangélica.
O apóstolo Judas, que escreveu sua pequena carta no Novo Testamento refere-se: “a fé que foi entregue uma vez aos santos” (vs. 3). Não é interessante esta ideia? A fé a que Judas se refere é um legado divino, um conjunto de verdades, um corpo doutrinário. Envolve todo o plano de Deus para a humanidade
A Fé bíblica, por ser um conjunto de pressuposições definidas por Cristo e pelos apóstolos, é constantemente ameaçada por heresias. Judas fala de "indivíduos que se introduzem com dissimulação e transformam a libertinagem a graça de nosso Senhor Deus e negam o nosso único e soberano senhor, Jesus Cristo” (vs. 4).  Heresia teologicamente falando, é a distorção da fé e apostasia é a negação deste conjunto de verdades. Heresia não é algo distante da Igreja, e constantemente se manifesta dentro dela. Apostasia refere-se a pessoas que uma vez assumiram a fé, mas posteriormente a negam. Grandes heresias e notórios apóstatas, portanto, são pessoas que, de alguma forma, já estiveram na comunidade.
O termo "dissimulação" usado por Judas, significa assemelhar-se no geral e desassemelhar-se no específico. Aparentar acordo no superficial e pequeno desacordo no essencial. Judas se refere a pessoas que se vestiam como influentes arcanjos da comunidade, falando aparentemente com autoridade e ensinando como mestre, mas que negavam o corpo de verdades, que envolve a cosmovisão bíblica da criação, queda, redenção e consumação.
Heresias sempre desembocam na ética. Nos dias bíblicos, alguns estavam transformando em libertinagem a graça de Deus. A ética pecaminosa é o sintoma evidente da heresia.  O viver irresponsável e dissimulado revela o que se crê. Para Jesus, ética é uma expressão do coração: "A boca fala daquilo que o coração está cheio".
Por ser heresia, é sutil, começa com a perda das referências, e culmina na negação de Jesus como soberano Senhor. O último e mais grave grau da heresia é a incapacidade de se submeter a Cristo, e a submissão à Palavra já não mais importa, então, cria -se mecanismos e racionalizações para a rebeldia e desobediência. Tais atitudes, inexoravelmente desembocam noutra fé e noutro evangelho. 

  1. Um só Batismo - “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5). Este é um assunto que sempre gera controvérsia na igreja. Inicialmente pelos donatistas (Sec.IV), que insistiam em batizar as pessoas que vinham para sua comunidade, e posteriormente, os anabatistas, que também rejeitavam o batismo realizados pelas outras comunidades e exigiam um novo batismo, realizado apenas por eles.

Por esta razão, falar em um só batismo é complexo, a menos que definamos a que tipo de batismo a Bíblia se refere neste texto. Uma distinção clássica nos ajuda.
Existem dois tipos de batismo na Bíblia: o real e o simbólico. O real, é realizado pelo Espírito Santo ao aplicar o plano da salvação em nosso coração, Ele nos regenera. O simbólico é aquele, feito com água, ou nas águas, como preferem os anabatistas. Este ato público, aponta para algo maravilhoso e invisível que acontece dentro do coração do homem. É um sinal visível de uma graça invisível.
As diferenças surgem de forma mais acentuada no batismo simbólico, quanto à sua forma. Para alguns deve ser feito efusão, quando se borrifa água sobre as pessoas, como aparentemente aconteceu no dia do Pentecostes, quando foram batizadas 3 000 pessoas numa praça pública. Outros batizam por imersão. As pessoas neste caso precisam ser mergulhadas. A analogia de Rm.6:4-6  pode induzir a semelhante pensamento quando diz que "fomos sepultados no batismo". E finalmente temos a  aspersão, derramando água sobre a cabeça. Textos diferentes apontam para formas diferentes, dando-nos a entender que diferentes formas de batismo estavam presentes na Igreja primitiva, e aparentemente eles não se importavam com o modo.

Um só batismo

O apóstolo não está enfatizando o batismo como símbolo ou sua forma de administração. Ele aponta para o batismo real.
João, o batista, falava deste batismo realizado pelo Messias: "Eu vos batizo com água, ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 1.11). Portanto, onde houver cristãos, haverá este batismo indispensável a cada um. Ele é único, intransferível, pessoal e com fogo. Realizado em nós pelo Espirito Santo, que nos sela até o dia em que Cristo nos resgatará (Ef 1.13-14).
A Igreja Reformada afirma que este batismo acontece na conversão, quando o Espirito Santo abre o coração do pecador para acolher a mensagem da salvação. A Bíblia não estabelece nenhum hiato de tempo entre o "crer" e ter a "experiência do Espírito”. Conversão é a obra maravilhosa de Cristo em nós, através do Espírito Santo, que nos convence do pecado, da justiça e do juízo. Não é possível fazer parte do povo de Deus sem este batismo, sem ser visitado pelo Espírito. Sem este batismo, podemos seguir os ritos, ter cargos na Igreja, e ainda não ser cristão.

  1. Um só Deus e Pai – “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.6). Este é o sétimo e ultimo elemento que gera unidade. A paternidade de um Deus exclusivo e soberano.

Na oração dominical Jesus começa com a afirmação de que a figura do Pai celestial gera senso de comunidade. “Pai nosso”. Não apenas um Deus individual, mas um Deus em torno do qual se constrói uma unidade familiar. Temos um pai, não somos órfãos, mas este Pai é coletivo.
Não ha cristianismo autêntico no isolamento e na solidão. O Deus da Bíblia é um Deus solidário, não um Deus solitário. No conselho da Trindade e na unidade em que vive, aprendemos como deve ser nossa forma de viver. Cristianismo solitário é uma contradição. Deus nos chama para viver em família, e quando comemos e bebemos sem discernir o corpo, comemos e bebemos juízo para nós mesmos (1 Co 11.29), ignorar o irmão, ou desprezar a família, é uma afronta a Deus.
Nossa unidade se constrói em torno deste Deus Pai. Ele possui características peculiares.

  1. Ele é o Pai de todos – A figura mais proeminente de Deus no cristianismo não é seu poder, nem o fato dele ser rei ou juiz, antes, de pai.

  1. Ele está sobre todos – Por isto tem o controle absoluto de todos os eventos e pessoas, não interessa como os fatos históricos e circunstâncias se movem, nem quão estranho nos pareçam os eventos. Ele está sobre todos.

  1. Age por meio de todos – Isto instrumentaliza homens e natureza, para estabelecer seus propósitos. “Nesta frase está implícita a providência de Deus. Deus não criou o mundo e o deixou como um relógio que vai mantendo seu ritmo. Deus está agindo no cosmo, guiando, sustentando e amando” (William Barclay).

  1. Ele está em todos – Aqui notamos a presença de Deus em todos os seres humanos, através de sua graça comum ou graça especial. Na graça comum, revela-se a todos,  indistintamente, mantendo chuva e dando estações frutíferas e provisão; na graça especial, revelando-se com sua redenção, e aplicando a obra do Espirito santo nos eleitos. 

Conclusão:
Estes são os sete elementos de unidade presentes na igreja de Cristo.
Onde existir o povo de Deus, estes elementos espirituais, subjetivos e profundos serão manifestos.
Todos eles são imprescindíveis. Nenhum deles é dispensável ou descartável
A ausência de qualquer deles compromete a realidade do corpo de Cristo.

Em qualquer tempo, em qualquer lugar, seja a cultura que for, estas realidades se manifestarão sobre o povo de Deus, eleito, predestinado, redimido pelo sangue do Cordeiro. Neste reino de sacerdotes, povo exclusivo de Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.