Introdução:
Brennan
Manning relata a visita que fez a um velho sacerdote no leito da morte, que lhe
declarou que nunca pedira a Deus riqueza, fama, sucesso, aplauso público, mas
que não queria jamais perder a capacidade do assombro.
Quando a
Bíblia descreve o dia a dia da Igreja Primitiva, um dos aspectos contagiantes
da espiritualidade daquele povo era a admiração. “Perseveravam na doutrina
dos apóstolos, nas orações, e no partir do pão, e em cada alma havia temor”
(At 2.42). A palavra “temor” é traduzida pela NVI por “espanto”, e na língua
inglesa, os tradutores preferiram apenas usar o termo “awe”, que é uma
interjeição, que apesar da forma como é escrita, deve ser lida como “oh!”.
Esta
capacidade de espanto é algo que temos perdido.
No Salmo
139 é exatamente com esta profunda admiração que vemos o rei Davi falando das
coisas de Deus e do próprio Deus. Tudo se torna, na sua perspectiva, algo
apaixonante e envolvente. Certamente é um dos textos mais admiráveis de todas
as Escrituras. Ele descreve sua percepção de Deus como algo “assombrosamente
maravilhoso” (Sl 139.16).
Várias
coisas podem gerar admiração em nós? E
O Belo
A beleza é
uma delas.
Uma obra
de um artista, pode gerar profunda admiração e espanto em nós, uma melodia bem
elaborada, a beleza de uma criança, de uma mulher, do por do sol, da natureza,
da flor. A Bíblia fala para adorarmos a Deus “na beleza de sua santidade”. Há
uma beleza em Deus, no seu caráter, que inebria a alma humana. Davi, como
adorador está descrevendo tal beleza, e sua admiração o encanta.
O Feio
Podemos,
equivocadamente nos encantar com nossos feitos, com nossa performance
espiritual, achando que Deus está impressionado com nossa capacidade de justiça
e retidão. Certo pastor era tão auto enamorado, que o seu hino predileto era
“tão grande és tu”. Ele sempre o cantava olhando para o espelho que refletia
sua imagem. Pessoas impressionadas com sua religiosidade, geralmente não se
admiram das coisas de Deus. Sua justiça própria não lhe permite olhar a Deus
com admiração. Isto aconteceu com Lúcifer antes de sua queda. “Como caíste
do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que
debilitava as nações! Tu dizias em teu coração: eu subirei ao céu; acima das
estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei,
nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei
semelhante ao Altíssimo”(Is 14.12-14).
A
admiração do Salmista
O que gera
admiração em Davi?
Primeiramente,
ele está “assombrado” com os atributos de Deus. Ele percebe que Deus está em
todos os lugares:
Antes de
mais nada, ele considera que Deus está nos segredos internos da alma humana – “De
longe penetras os meus pensamentos” (Sl 139.2b); “Ainda a palavra
me não chegou a língua, e tu, Senhor, já a conheces toda” (Sl 139.4).
Os pensamentos e sentimentos inexprimíveis ou indeclaráveis, são absolutamente
transparentes aos olhos do Senhor. Deus sabe o que está acontecendo.
O salmista
considera também que Deus está nos lugares mais remotos da terra. “Se subo
aos céus, lá estás; se faco a minha cama no mais profundo abismo, la estás
também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda
la me haverá de guiar a tua mao e a tua destra me susterá” (Sl
139.8-10). Não há lugar mais abscôndito e impenetrável que não seja impactado
pelos olhos daquele que a tudo ve em todas as coisas. Não ha lugar para se
esconder ou fugir da presença do Deus onipresente.
Davi
considera ainda que Deus sabe de todas as coisas até no meio das trevas. As
coisas estão claras para Deus ainda que na escuridão. “Se eu digo: as
trevas, com efeito, me encobrirao, e a luz ao redor de mim se fará noite, até
as próprias treas não te serão escuras; as trevas e a luz são a mesma coisa” (Sl
139.11-12). Deus não precisa de retina e luminosidade para enxergar. As coisas
estoa absolutamente descobertas aos seus olhos. Trevas e luz, não fazem
direferenca. Tudo é claro. Esta oposição trevas/luz, faz sentido para as
limtiacoes humanas, mas não para o Deus que está muito além destas divisões
clássicas de suas criaturas.
Em segundo
lugar, Davi está assombrado com a profundidade do conhecimento que Deus tem
dele.
a. Deus conhece seus movimentos: “sabes quando me assento e quando me
levanto”. (Sl 139.2a), e ainda, “esquadrinhas o meu
andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos” (Sl 139.3).
Esquadrinhar é como “tabular” movimentos. Cerca de 30 anos atrás, nos desenhos
de arquitetura era comum observar que os trabalhos eram preparados sobre
determinadas folhas com pequenos e quase invisíveis quadrados, que ajudavam o
autor a fazer os desenhos com mais precisao. Eles eram minuciosamente
“esquadrinhados” para ajudar a obter a forma mais correta.
b. Deus está adiante dele e por detrás dele: “Tu me cercas por trás e
por diante (Sl 139.5). Ele está antes de nós termos ideia de sua
presença, e chega antes de qualquer concepção mais elaborada de sua atividade.
Como um fiel escudeiro protegendo-nos das setas inflamadas que são atiradas.
c. Deus conhece seus pensamentos: “De longe penetras meus pensamentos” (Sl
139.2b). Não apenas o que ele faz ou diz (Sl 139.2,4), mas o que ainda se
encontra no campo das conjecturas e observações da alma. Não ha segredos para
Deus.
d. Deus o conhece antes dele mesmo se conhecer – “Pois tu formaste o meu
interior, tu me teceste no seio de minha mãe... Os meus ossos não te foram
encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da
terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe” (Sl
139.13,15,16a). Davi reconhece que Deus está lá na formação do
feto, quando ele era apenas um zigoto, quando o espermatozoide de seu pai se
uniu ao óvulo da sua mãe. Ele ainda não sabia nada sobre si mesmo, mas Deus já
o conhecia. Nada foi feito sem seu consentimento ou autorização. Deus o
conhecia antes dele mesmo se conhecer.
e. Deus conhece o seu futuro, que o salmista ainda não conhece – Davi fala
não apenas do Deus que estava no seu passado, mas daquele que ainda estará no
seu futuro. “No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles
escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl
139.16b). Ele não sabe o que lhe acontecerá, nem quando, mas Deus sabe,
porque conhece o seu futuro.
Alguns
anos atrás ouvi o testemunho de uma mulher que foi gerada por um estupro. Sua
mãe tentou abortá-la, sem sucesso, por oito vezes. Quando ela nasceu, foi
adotada e criada por uma família com quem viveu até os 12 anos, quando então
foi vítima de abuso sexual do pai adotivo. Fugiu de casa, enveredou pelas
drogas e prostituição, e um dia estava pensando em suicidar, mas foi atraída a
uma igreja perto de sua casa. O pastor estava lendo o Salmo 139 e ela foi
profundamente impactada por estas verdades. Percebeu que se Deus a deixou viver,
apesar de toda conspiração contra sua vida, é porque ele tinha um maravilhoso
plano para ela. Entregou sua vida a Cristo, e dai em diante Jesus começou a
construir uma nova história na sua caminhada, constituindo uma família e
construindo um lar.
Em
terceiro lugar, Davi se assombra com a capacidade de Deus transitar por lugares
tão inusitados e inesperados.
Ele afirma
que Deus caminha pelas luz e trevas, com a mesma facilidade. Em Deus, o escuro
e o claro se relativizam. O profeta Naum afirma que “o Senhor tem o seu
caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó de seus pés” (Na
1.3b). Deus não somente relativiza lugares impenetráveis, mas relativiza ainda
conceitos aristotélicos de espaço e tempo.
O apóstolo
Pedro afirma “Há, todavia, uma coisa amados, que não deveis esquecer: que
para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia” (2 Pe
3.8). Os planos e projetos humanos encontram-se dentro de uma
cronologia, que o Eterno desconhece.
Muitas
pessoas se perguntam sobre o que acontece depois da morte. João Libânio,
teólogo católico, afirma que tal pergunta é meramente retórica, já que, quando
deixamos a esfera do temporal, adentramos a eternidade, na qual categorias de
tempo e espaço não fazem muito sentido. Não é isto que nos ensina as
Escrituras? Em Ap 13.8 lemos espantados que o Cordeiro de Deus foi morto desde
a fundação do mundo. Se olharmos cronologicamente, sabemos que sua morte se deu
num tempo e espaço e geografia específicos. Ele viveu na Judéia e Galiléia,
entre o ano 6 a.C e 27 d.C, morreu sob o poder de Pôncio Pilatos na cidade de
Jerusalém, mas o livro de Apocalipse faz uma leitura da perspectiva a-histórica
e nos informa que sua morte se deu, na eternidade. O apóstolo Pedro diz a mesma
coisa. O sangue de Cristo foi, “conhecido com efeito, antes da fundação do
mundo, porem manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1 Pe 1.20).
Antes da história, na eternidade, o sacrifício de Cristo já havia se
concretizado, porque Deus transcende a história humana e o plano de redenção já
era realidade.
A mente
humana nunca conseguirá traduzir categorias da eternidade e aquelas que não se
restringem a um espaço definido, por isto conceitos de infinito são tão árduos
de serem elaborados pela logicidade e pela epistemologia. Não são categorias
aristotélicas...
Ao
perceber a grandeza de Deus, Davi expressa sua admiração: “Que preciosos
para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! E como é grande a soma deles! Se os
contasse, excedem os grãos de areia; contaria, contaria, sem jamais chegar ao
fim”(Sl 139.17-18). A majestade de Deus não pode ser esquadrinhada. Não se
pode mensurar os grãos de areia, nem contar as estrelas do firmamento.
Diante
disto, o salmista experimenta outro sentimento: como o homem pode ser ímpio e
não contemplar a grandeza de Deus? Como podem os ímpios se rebelarem contra
Deus? (Sl 139.20). Davi expressa certa indignação contra o homem sem Deus e sua
linguagem é forte. Temos aqui aquilo que em teologia bíblica é chamado de
“orações imprecatórias”, quando o salmista ora pedindo a morte e o fim do homem
ímpio.
O salmista
não conseguem entender e ficar maravilhado com a existência de Deus? Davi se
declara inimigo daqueles que são inimigos de Deus. Ele está encantado com Deus
a tal ponto que não faz sentido algum a atitude dos opositores e inimigos de
Deus (Sl 139.19-22).
Conclusão:
Pessoas
assombradas com Deus experimentam algumas coisas maravilhosas:
1. Consciência de que não dá para fugir de Deus – “Para onde me ausentarei
do teu Espirito? Para onde fugirei da tua face?” (Sl 139.7). Se Deus ocupa
todos os lugares, até mesmo inusitados, tentar escapar de sua face é ridículo!
Talvez
seja por isto que o texto conclui com a afirmação: “Sonda-me, é Deus, e
conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo
caminho eterno” (Sl 139.23-24)
2. Não dá para lutar contra Deus – compare a grandeza de Deus e a limitação
humana. Como competir com sua soberania e majestade?
Um grupo
de formigas estava indignada porque diariamente o elefante passava em cima do
seu formigueiro, destruía todo trabalho do dia anterior, esmagava milhares de
formigas. Então resolveram fazer um plano. Ficariam todas em cima de um galho
da árvore por onde passava o elefante, e pulariam juntas sobre ele para
enforcá-lo. Fizeram um treinamento certo, e no outro dia tudo foi executado
como o planejado. Mas o elefante, apenas bateu sua grande orelha, e todas
formigas foram atiradas longe dele, apenas uma resistiu bravamente. As demais,
então, começaram a gritar: “enforca! Enforca! Enforca!”
3. Ter certeza da direção de Deus – Todas as vezes que este salmo fala da
grandeza de Deus, o faz não no sentido de que pela sua onipresença ele fica
fiscalizando o comportamento errado das pessoas, e sim, para cuidar.
No vs 5
ele diz: “Tu me cercas por trás e por diante e sobre mim pões a mão”; no vs
10, quando descreve Deus caminhando por estranhos lugares e profundos lugares,
afirma: “ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá”.
Deus não é um big brother fiscalizador, mas um Deus que, por penetrar todas as
coisas, nos sustenta e protege.
4. Louvor – O salmista está glorificando a Deus. Quanto mais impressionado
você estiver com Deus, mais louvor haverá. A admiração e o assombro são a
esfera apropriada de uma espiritualidade contagiante e viva. Na Igreja
primitiva havia temor e espanto em cada alma, e isto gerava adoração profunda.
Quanto
mais impressionado você estiver com a grandeza de Deus, mais o seu coração de
adorador se aprofundará no louvor e exaltação.
Assim foi com Jó.
Ele era um homem crente, mas Deus
resolveu permitir que a dor e a enfermidade lhe acometessem. Ele passou a
questionar seriamente a Deus, e o Senhor resolveu demonstrar seu poder e glória
sobre todas as coisas, sobre a criação, sobre a preservação do universo, sobre
as forças espirituais e sobre sua vida. Quando Jó percebeu a grandeza de Deus
ele afirmou o seguinte: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te
veem!” Quando a grandeza de Deus se revela diante de nós, o resultado é um
profundo impacto sobre nossa espiritualidade. Só encantando e assombrado com
sua glória e majestade, seremos verdadeiros adoradores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário