sábado, 15 de julho de 2017

2 Sm 9.1-13; 16.1-4; 19.24-30 Mefibosete: Na cidade do silêncio

Resultado de imagem para imagem na cidade do silencio

Da glória, para o silêncio
Mefibosete é um desconhecido e enigmático personagem das Escrituras. Ele era neto de Saul e filho do grande amigo de Davi, Jonatas.

Ele foi criado como príncipe, andando pelo palácio, cortejado e com prerrogativas reais, até que, seu avô Saul, o rei de Israel e seu pai, Jônatas, o sucessor e príncipe herdeiro, morrem na batalha, e de uma hora para outra, tudo se desmorona. Ele não apenas perde todos os direitos reais, mas corre risco de vida, e precisa sair imediatamente de Jerusalém para não morrer. Na fuga, sua ama o deixa cair, ele quebra severamente a perna, se torna coxo, perdendo os movimentos dos pés.

Ele é levado para a cidade de Lo De-bar, que curiosamente significa, “cidade do esquecimento”. O prefixo Lo é de negação, o equivalente a “não”, em hebraico, e debar, palavra. Etmologicamente Lo-Debar seria melhor traduzido como “sem palavras”. Sua história é radicalmente mudada. Agora, escondido, refugiado, vai para a cidade onde o silêncio e o ostracismo prevalecem. Onde falar é proibido. Aquele que seria o futuro rei de Israel, agora vive no esquecimento. Mefibosete deixa de ser uma pessoa normal, não consegue andar normalmente e carregará para sempre esta marca da deficiência.

Encontra-se em Lo-Debar, onde falar era proibido.
Seu passado? Silêncio
Seu futuro? Silêncio
Sua família? Silêncio.

Conviver com o silêncio não é nada fácil. Que o diga Jó, que ficou sem ouvir a voz de Deus, querendo uma resposta ao seu estado. Sua identidade não pode ser declarada. Mefibosete é obrigado a se recolher.

Recentemente assisti um filme no qual a pessoa perguntava: “Por que Deus se mantém em silêncio nos dias difíceis? Quando estamos nas horas mais pesadas? E a pessoa respondeu: “É bom considerar que o bom mestre, se mantém em silêncio na hora das provas”.

Do silêncio, para a restauração

Um dia, porém, o silêncio de Mefibosete seria quebrado. De uma forma inusitada e surpreendente, recebe um comunicado do servo, Ziba, de que o rei soube que ele era filho de Jônatas, e que queria conversar com ele. Esta notícia deve ter sido muito angustiante. Ele leva sua vida pacata, tentando se esconder, risco de morte permanente, e agora é descoberto. Sua identidade é revelada. Ela precisa se encontrar com o rei.

O texto descreve a tensão presente no encontro. Ele se curva reverentemente diante de Davi, que faz questão de lhe dizer, antes de qualquer coisa: “Não temas, porque usarei de bondade para contigo”. Que palavras poderiam ser mais restauradoras que estas? Quando Davi revela seu plano, Ele novamente se inclina diante de Davi e diz: “Quem é teu servo, para teres olhado para um cão morto como eu?” (2 Sm 9.8). Um homem aleijado, vindo da região do silêncio, correndo sempre risco de vida, recebe agora o libertador veredito de absolvição. Não mais silêncio, mas honra: “te restituirei todas as terras de Saul, teu pai, e tu comerás pão, para sempre à minha mesa”.

O que fez Davi?
a.     Ignorou sua deficiência (2 Sm 9.3)
b.     Ignorou sua condição de silêncio e medo (2 Rs 9.7)
c.      Restituiu suas propriedades (2 Rs 9.7)
d.     Deu honra e intimidade, convidando-o para assentar-se consigo à mesa: “comeu, pois Mefibosete, à mesa de Davicomo um dos filhos do rei” (2 Sm 9.11)

Aplicações:
1.     Este é o retrato da vida de muitas pessoas, que passam por tragédias e perdas. Poderiam ter uma vida de sucesso, honra, situação financeira melhor, mas por causa de infortúnios, são obrigados a viver na miséria, tendo apenas uma vida de memória, pelos anos de glamour, e de ameaça, porque sua identidade pode trazer graves implicações, como a morte.

2.     Assim como Mefibosete, gente assim não pode falar, não tem voz, como imaginar que um dia poderia voltar ao palácio, sair da zona do medo e do silêncio?

3.     Este texto é uma boa parábola do que Deus faz conosco. Fala-nos do caráter imerecido da benção. De um Deus que resgata, encontra-nos no ostracismo, e nos busca independentemente de nossa condição física, moral e espiritual. Que ao invés de nos dar a espada, nos convida para nos assentarmos com ele à mesa, e nos trata como um dos seus filhos.

4.     Este texto aponta para o aspecto surpreendente da graça, que põe fim ao cativeiro do silêncio e do medo. Surpreendidos por Deus. O tempo do silêncio acabou. O Salmo 23 fala de algo estranho: “preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários”. Esta é uma figura estranha, não é? Gostamos de ter mesa posta na presença de amigos e não de adversários e inimigos. O que significa isto? Deus nos surpreende dando-nos honra diante de pessoas que sempre nos trataram com injustiça. Deus move o coração de Davi, aparentemente do nada, para alcançar e resgatar a vida de Mefibosete.

Por acaso não ha alguém da casa de Saul para que eu use de bondade para com ele?” (2 Sm 9.1).
Isto poderia soar como uma armadilha, uma emboscada do rei, para destruir e erradicar totalmente a memória de um rei que o perseguiu e procurou matá-lo várias vezes.
Antes de mais nada, quem se lembra de Mefibosete é o próprio Deus, que coloca em Davi tal sentimento de restauração.
Deus restaura (restituindo suas propriedades confiscadas), e dá honra (convidando a assentar-se à mesa como um dos filhos).

5.     Este texto nos revela como Deus pode mudar nossa história. São muitos que por um desatino na história, são levados a viver no silêncio, sem honra, “sem palavras”, em Lo-debar.
Precisamos ser restaurados.
Deus rejeita a nossa rejeição.
Não é maravilhoso?
Vinde, pois e arrazoemos. Ainda que os vossos pecados sejam vermelhos como o carmesim, eles se tornarão brancos como a neve” (Is 1.18).

Conclusão
Lamentavelmente a história de Mefibosete não se encerra aqui.
Alguns anos depois, Absalão, filho de Davi, tenta usurpar o trono.
Estes dias se tornaram os dias mais difíceis da vida de Davi. Ele tinha que se defender de um golpe engendrado pelo próprio filho, que queria o trono. Mefibosete estava no palácio, ainda que quisesse se manter no anonimato, não poderia, mas ele assume uma oposição, desejando o lugar de Davi. Ele assumiu a condição de “tomara que caia!” (2 Rs 16.3). Torce pela queda do rei que o restaurou. Trai. Conspira.  Encontra aliados. Forma seu comitê de oportunistas.
O que o levou a isto senão a sua falta de gratidão?

A verdade é que sua condição havia sido mudada, mas não seu coração.
Posteriormente, quando Davi reassume novamente seu reinado, Mefibosete precisa se reencontrar com Davi, e o encontro não é nada fácil, marcado por um duro discurso (2 Sm 19.24-30). Mefibosete está cheio de desculpas, mas Davi não aceita a conversa, explicações e justificativas (2 Sm 19.29). Davi o confronta, demonstra sua irritação e ordena que divida suas terras com seu servo, Ziba, que de forma aberta e corajosa, apoiou Davi quando seu futuro era incerto. Ziba tornou-se um servo leal. Mefibosete revelou que seu coração anda não havia sido tocado, apesar de toda graça e misericórdia recebida.

Mais uma vez, este é um bom retrato do que nos acontece diante da bondade de Deus.
Ele nos liberta da condição de esquecimento, restitui nossa história, dá lugar de honra e intimidade, mas o que fazemos? Nem sempre o nosso coração está resolvido. No fundo ainda aspiramos coisas que não deveríamos aspirar, traímos gente que nos ama, negamos a Deus, conspiramos, assumimos a duplicidade. Mefibosete tem sorte de voltar com vida, ele merecia a morte, mas encontra liberdade. Poderia ter todas as suas terras confiscadas novamente, mas ainda assim Davi demonstra compaixão.
Tal é o nosso retrato diante de Deus.
Imerecedores da graça, recebemos dignidade, somos amados unilateralmente, mas apesar disto insistimos com nosso coração duro, mal resolvido, aspirando coisas que não deveriam mais ocupar nosso coração.

A história de Mefibosete fala de quem somos. Falhos, imerecedores, ingratos, indignos. Apesar de tudo que recebemos somos tão imperfeitos na nossa amizade e amor.
A história de Mefibosete fala também de nossa condição e do tratamento recebido por Deus. Paulo afirma: “O amor de Cristo nos constrange”. Sua disposição em nos buscar, restituir, nos amar, nos tratar como filho, nos dar honra e dignidade. Este é o retrato do Evangelho. Assim é a graça de Deus para conosco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário