Introdução:
Ao
lermos a história da Igreja crista Primitiva, ficamos surpresos com o poder e a
autoridade espiritual que estava sobre ela, somos profundamente inquietados com
os textos bíblicos e as experiências impactantes ali acontecidas e nos sentimos
até envergonhados ao perceber como estamos distanciados da riqueza espiritual
que desfrutavam. Não poucas pessoas tem aquele o sentimento do comentarista
Loyd no seu livro Holy Spirit in the Acts: “Quando nós
observamos estes sinais da presença do Santo Espírito na Igreja Primitiva e seu
trabalho na vida dos discípulos, não podemos deixar de perguntar a nós mesmos
se não existe alguma coisa errada que não estejamos perdendo na nossa própria
experiência”. (Loyd, Philip - Holy
Spirit in the Acts, London, A.R. Mowbray & Co. limited, 1952, pg. 8).
O
Livro de Atos revela uma Igreja vivendo em todo seu fulgor, irradiando vida e
ousadia, uma iggreja submissa e atenta àquilo que o Espírito queria realizar.
Vários relatos no livro de Atos são impressionantes, dois destes fatos mexem
particularmente com a minha imaginação e minha fé.
Um
deles está relatado em At 5.15. A Igreja exalava tanto poder que as pessoas
levavam seus enfermos pelas ruas, e as colocavam sobre leitos e macas, para que,
quando Pedro passasse, ao menos sua sombra se projetasse sobre eles. O texto
mostra que o poder que estava sobre Pedro, podia trazer cura a pessoas sem
oração específica, sem unção com óleo, ou qualquer rito, apenas a sombra
projetada nos doentes que eram colocados à beira da estrada.
Outro
relato impactante é descrito em At 8.39, logo após a evangelização do eunuco da
Rainha de Candace, diz-nos o texto que Filipe foi trasladado, isto é, foi
levado no seu corpo de um ponto geográfico para outro. Tais experiências estão
inseridas num contexto comunitário onde a sobrenaturalidade era absolutamente
cotidiana: anjos dialogaram com os apóstolos, pessoas eram curadas, milagres,
prodígios e sinais eram corriqueiros da vida daquela igreja.
Um risco ao estudarmos o Pentecoste é o de nos
contentarmos apenas com os sintomas, sem considerar seu aspecto essencial. É
comum nos perdermos nas manifestações ao invés de aprofundarmos no seu sentido
maior.
Dos
escritos do missionário Stanley Jones, temos um dos melhores tratados sobre
este evento. “O pentecoste salvou os discípulos do trivial, do marginal, do
superficial. Desde então eles começaram a ver as questões de importância,
ganharam o “senso do que era essencial” (JONES, E. Stanley- O Cristo de todos os caminhos, São
Paulo, Imprensa Metodista, 2a. edição, 1968, pg. 42). “Não vejo nada,
absolutamente nada, que possa tirar a Igreja de trás das portas trancadas senão
um Pentecoste. Podeis aumentar a beleza de seu ritual; melhorar a qualidade e a
quantidade de sua educação religiosa, elevar o padrão e as qualificações do seu
ministério ao mais alto grau; despejar dinheiro a manchetes nos seus
gazofilácios, dar-lhe, enfim, tudo, tudo menos esta única coisa que o
Pentecoste dá, e estareis apenas ornamentando um cadáver. Até que este fato
sagrado se dê, a pregação é simples preleção, a oração é mera repetição de
fórmula, os cultos deixam de ser culto - tudo não passa de atividade terrena,
circunscrita, inadequada, morta”.
Jesus
certamente sabia disto ao advertir seus discípulos sobre a grande comissão que
tinham pela frente, e o segredo para que tal obra pudesse ser realizada. “Ficai em Jerusalém até que do Alto sejais
revestidos de poder” (Lc 24.49). O segredo era o pentecoste. Sem ele,
a obra não seria alcançada. Curiosamente, a Igreja de Cristo parece sofrer uma
amnésia sobre este fato, tentando fazer missão na base da técnica e da
pesquisa, elaborando projetos sem oração e sem unção, querendo alcançar
Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra, atendendo ao preceito de
Jesus, mas esquecendo-se que a ordem do Mestre de ir a “todos os confins da
terra”, a todas as etnias, só poderia ser realizada com o revestimento deste
poder capacitador.
As coisas nem sempre foram assim...
Ao
lermos, cuidadosamente, porém, a vida da Igreja antes do Pentecoste, não
discernimos o mesmo poder que o livro de Atos exala, pelo contrário, vemos uma
Igreja vivendo sua normalidade (ou sub-normalidade) e revelando todo quadro
patológico de suas contradições e ambiguidades.
Vejamos
algumas características:
Primeiro,
Os discípulos tinham dificuldade de entender a Palavra de Deus
Em
várias ocasiões vemos o mesmo cenário. Eles demonstram uma incrível dificuldade
para assimilar a mensagem mais clara dos ensinamentos de Jesus, não conseguiam assimilar
uma parábola tão simples como a da semente. Jesus se surpreende com esta
incapacidade dos discípulos (Mc 4.13).
Depois
de três anos de convivência, quando Jesus decide falar abertamente sobre sua
morte na cruz, Pedro confronta Jesus pela seu discurso. A teologia da cruz, parecia
algo irrelevante e desnecessária. Quando Ele anuncia a necessidade de sofrer
muitas coisas dos anciãos, ser morto e ressuscitado ao terceiro dia, Pedro o
chama à parte e o censura. Jesus então, olha para Pedro e o repreende severamente,
por que, por detrás desta cegueira espiritual havia uma ação satânica operando
na mente de Pedro, para que ele não assimilasse o único meio pelo qual o homem
pode ser salvo: A cruz! (Mt 16.21-23).
Esta
mesma incredulidade levou os discípulos a voltarem cabisbaixos e desnorteados
para Emaús, achando que nada mais havia a ser feito, mesmo depois de terem
ouvido o testemunho das mulheres. Jesus os chama de “néscios e tardos de
coração” por não serem capazes de perceber que o ministério do Messias
passaria pela vergonha e desprezo da cruz (Lc 24.25). Esta mesma incredulidade
atinge Tomé (Jo 20.24) e os demais discípulos.
Parece
que a mensagem de Jesus só se torna de fato clara aos discípulos após sua
morte, ressurreição e pentecoste. Até mesmo em At 1.6, ainda vemos traços de um
semitismo e nacionalismo marcante quando perguntam se seria este o tempo em que
Israel seria restaurado à sua dignidade política e à sua soberania nacional: “Será
este o tempo em que restaures o Reino a Israel?” Até este momento da
história parece que a Igreja ainda não tinha entendido claramente o projeto da
encarnação de Deus em Cristo e sua necessidade de salvar o mundo, todas as
etnias.
Segundo,
Os discípulos demonstram impotência e falta de autoridade espiritual
A Igreja
era espiritualmente frágil. Em Mc 9.17-18 um homem traz seu filho endemoninhado,
mas os discípulos não conseguiram libertar o rapaz, que continuou preso por demônios
e isto traz uma profunda crise espiritual àquele homem, que confuso, ao ser
interrogado por Jesus sobre sua fé, responde dialeticamente: “Eu creio,
ajuda-me na minha falta de fé”. Ele trouxe seu filho para ser restaurado
certamente porque tinha fé, mas agora vive a crise de não saber se tem fé, ou
mesmo se pode crer diante do fracasso da igreja.
A
única agência que pode destituir e confrontar poderes malignos, demonstra
uma incapacidade para lidar com tais forças antagônicas e trazer libertação.
Terceiro,
os discípulos estavam preocupados com status, posições e primeiros lugares
Outro
fato marcante no meio da comunidade antes do pentecostes era a busca pelos
primeiros lugares dentro da hierarquia apostólica. A visão de servo era difícil
de ser entendida. Eles queriam a primazia e refletiam estes desejos nas
disputas internas a respeito de privilégios e cargos que queriam assumir.
O
texto de Mc 9.33-34 é forte. Mostra a que ponto estava a disputa por primazia.
Jesus percebe um certo incômodo e pergunta sobre que assunto discutiam pelo
caminho, e eles se silenciaram, porque no caminho estavam falando sobre qual
dentre eles era o maior. O caminho do serviço e da vida de servo não foi
facilmente assimilado. Ser servo significava considerar os outros superiores, e
a natureza carnal encontra dificuldade em se submeter. É mais natural o caminho
da glória e da honra pessoal; é bem mais próprio de atitude humana ser servido
que servir. Tornar-se servo é algo que deve ser provocado pela ação do
Espírito. Só ele pode mover o coração ao caminho do serviço.
A
Igreja primitiva não era diferente de hoje, sem pentecoste continuaram a viver
e a se mover em egoisticamente, só a eficiente e poderosa ação do Espírito poderia
livrá-los da vida mesquinha, ensimesmada e egocêntrica. Alguns concílios eclesiásticos
seriam muito melhor dirigidos se a busca de posições e primeiros lugares fosse
substituída pela atitude de servo. A história da Igreja teria novo rumo, se a
mente estivesse voltada para o serviço.
“Não
há dúvida que o propósito divino é que o Pentecoste fosse o cristianismo
normal. Mas nós somos, em grande maioria, subnormais. Quando alguém é
fisicamente subnormal, está sujeito a adquirir com mais facilidade os germes
mortíferos e tem menos possibilidade de lutar contra eles. Muitas coisas estão
nos atacando - trivialidades a respeito de posição e poder e pequenezas na vida
da Igreja que arruínam ministros e leigos. Estamos abaixo do normal,
espiritualmente, e por isto estas coisas que, normalmente, devíamos vencer, nos
perturbam e acabam danificando nossa alma”. (S. Jones. O p. cit. 1968 pg.
48).
Quarto,
os discípulos mostraram uma imensa propensão para o exclusivismo
Por
exclusivismo nos referimos à atitude que não permite que vejamos as coisas além
de nós mesmos ou do grupo. Os discípulos encontraram um homem que estava
fazendo o ministério em nome de Jesus mas ele não fazia parte do pequeno grupo
que andava com Jesus. Por isto os “santos” homens”, o proibiram de
exercer tal ministério (Mc 9.38-41).
Como
esta característica é marcante quando estamos aquém do Pentecoste, mesmo em
grupos que se auto-intitulam “pentecostais ou que se julgam espiritualmente
maduros.
Certa
vez perguntei a uma moça como estava a vida espiritual de seu pai, que era
líder antigo de uma denominação, e ela me respondeu com tristeza: “Meu pai é
mais denominacional que evangélico”. Muitas vezes temos muitos bons
pentecostais que não são cristãos, bons batistas que não são evangélicos, bons
presbiterianos que não são evangélicos, e a lista vai seguindo
infinitamente.
O
exclusivismo nos leva a acreditar que temos a posse do Espírito de Deus. Que
somos a única igreja doutrinariamente correta, que somos melhor que outras
pessoas, etc. Pergunte a você mesmo: Tenho orado por avivamento na minha Igreja
ou para que este avivamento se estenda no meio do povo de Deus, nas famílias e
nações que não fazem parte do nosso grupo?. Tenho orado para que os ímpios se
convertam ou para que minha igreja cresça?”
Quinto,
os discípulos eram pretenciosos e egoístas
Leia
com atenção o texto de Mc 10.35-37. Viram a pretensão dos discípulos?
Tiago e João, da mesma família, se aproximam de Jesus e descaradamente fazem um
inusitado pedido: “Mestre, queremos que nos concedas o que te vamos pedir...
Permite-nos que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e outro à tua
esquerda?” (Mc 10.35,37). A cena torna-se até hilária quando percebemos a
pretensão latente em seus corações.
Eles
pedem nada menos que a primazia de assentarem ao lado do trono de Cristo nos
céus. Que absurdo pedido! Entretanto, ao lermos mais adiante vemos uma reação
muito forte do grupo. “Ouvindo isto, indignaram-se os dez contra Tiago e
João” (Mc 10.41). Será que podemos inferir a razão de sua ira? Bem,
creio que não temos dificuldade em pressupor que isto se deu por ciúme e inveja.
Eles também tinham as mesmas pretensões. Por isto Jesus os chama para mostrar
como o reino de Deus inverte a lógica do coração humano. “Quem quiser ser o
primeiro entre vós, será servo de todos” (Mc 10.44).
Sexto,
os discípulos eram iracundos e violentos e agressivos
O
relato de Lc 9.51-56 mostra um grupo irascível e genioso. Eles estavam
viajando para Jerusalém e ao passarem por uma aldeia samaritana, não
encontraram hospedagem porque os samaritanos tinham uma histórica briga com os
judeus. Para o Oriental, não hospedar as pessoas era um gesto de profunda
indelicadeza, e os discípulos se sentiram agredidos e não tiveram dúvidas em
expressar toda sua ira. “Vendo isto, os discípulos Tiago e João perguntaram:
Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?” (Lc
9.54). Veja como é fácil transformar Deus em aliado da maldade.
A
reação deles torna-se temperamental e iracunda. Eles demonstram toda sua
agressividade e violência. Eles sequer camuflam sua intenção, e nem as
justificam. Quem são eles para fazerem isto conosco? “Jesus, porém,
voltando-se os repreendeu e disse: Vós não sabeis de que espirito sois“ (Lc
9.55).
Sétimo,
os discípulos tiveram dificuldade de entender a mensagem central de Cristo
Quando
Jesus começa a falar mais abertamente sobre sua morte a reação de Pedro revela
como a ideia de seu sacrifício estava encoberta para os discípulos. “Pedro o chama à parte e disse: tem compaixão
de ti mesmo, isto de modo algum te acontecerá” (Mt 16.22).
A
obra central de Cristo estava para acontecer e eles ainda estavam pensando em
outra dimensão de seu ministério. Jesus estava falando da cruz, da sua morte, do
sacrifício necessário para expiar o pecado do mundo, e os discípulos estavam
considerando a glória humana, a soberania do povo judeu restabelecida e eles
assumindo funções de liderança no novo momento da história de Israel.
Eles
não entenderam a proposta de Cristo. E isto se torna mais do que evidente
quando, depois de sua ressurreição, o foco dos discípulos ainda se revela
absolutamente humano e politico, não espiritual. “Senhor, será este o tempo
que restaures o reino a Israel?” (At 1.6).
Oitavo,
eram covardes e medrosos, fracos e inconstantes
Mesmo
depois da ressurreição, diante do grande evento que eles presenciaram, a Bíblia
registra que “estavam todos, com as portas trancadas, com medo dos judeus” (Jo
20.19). Ainda era uma igreja de portas fechadas, acuada, assustada, inibida e
tímida. Não tinham coragem para o enfrentamento e missão. Sem o pentecoste, a
igreja encontrava-se encolhida e temerosa.
Quando
Jesus fala do grande desafio que enfrentariam quando ele fosse preso, Pedro se
mostra aparentemente ousado e auto confiante, para, em seguida negar a Jesus
sem maiores constrangimentos, apesar da advertência que lhe fora feita (Lc
14.30-31; 66-72).
Faltava
à igreja algo que só o Espírito de Deus poderia dar: Ousadia e intrepidez.
Nono,
eram incrédulos
Jesus
censurou mais os seus discípulos por incredulidade, que por qualquer outra
coisa. Em Mc 9.19 ele exclama: “Ó geração incrédula, até quando estarei
convosco? Até quando vos sofrerei?” Esta palavra não se dirige às
pessoas fora de seu círculo, mas aos discípulos. Ele diz isto à sua igreja.
No
seu encontro com Pedro durante a tempestade do mar, ele diz a Pedro: “Homem
de pequena fé, porque duvidaste?” (Mt 14.31). Leia cuidadosamente o
Evangelho e veja quantas vezes Jesus censura seus seguidores por aquele que
parece ser o maior pecado: A incredulidade. Tim Keller afirma que este é o
pecado por detrás dos outros pecados. Os discípulos descriam do seu poder e da
sua palavra.
Aplicação:
Quantas
vezes olhamos desesperados para nossa pobre realidade espiritual. Como superar
as lutas interiores: dúvidas, desânimo, tristeza, medo, ansiedade, insegurança?
Como vencer o pecado, quando o prazer do pecado é maior que o prazer de servir
a Deus e honrá-lo? Como sermos fervorosos se qualquer coisa parece ser mais
atraente e convidativa que a adoração e a devoção?
O que
está acontecendo conosco?
Qual
é o problema da igreja de Cristo, envolvida em tantos escândalos morais, um
povo anêmico, disperso, distraído?
Ao
comparar o quadro da igreja primitiva e o nosso, antes do pentecoste, diria: Na
verdade nada mudou. Estamos na mesma situação de pobreza e debilidade
espiritual. O que nos falta é poder que nos capacite a viver a vida que Deus
planejou para nós. Uma vida de vitória e ousadia, de servir e adorar realmente
ao Senhor.
Somente
o poder do Espírito Santo, derramado no Pentecoste, pode livrar a igreja da
letargia, indiferença e pobreza espiritual que temos vivido.
O
profeta Isaias ora fervorosamente ao Senhor:
“Ah, se rompesses os céus e descesses! Os montes tremeriam
diante de ti!
Como
quando o fogo acende os gravetos e faz a água ferver, desce, para que os teus
inimigos conheçam o teu nome e as nações tremam diante de ti!
Pois,
quando fizeste coisas tremendas, coisas que não esperávamos, desceste, e os
montes tremeram diante de ti.
Isaías 64.1-3
Não
deveria ser este o nosso clamor nestes dias áridos que temos vivido?
Ao nos
depararmos com a dura realidade da igreja cristã nos tempos apostólicos,
passamos entender porque o Pentecoste é tão necessário.
Isto
responde à pergunta proposta:
Pentecoste
para que?
Sem
Pentecoste não há vida plena. Vive-se aquém da vida de Cristo. Nada é tão
urgente em nossos dias que um derramar pleno do Espírito Santo sobre nossas
vidas, quer seja no plano pessoal, no plano comunitário: a igreja da qual
fazemos parte, e no plano secular: Na sociedade secularizada e distante de
Deus. Em todas estas situações ficamos com o clamor do profeta Isaias “Ah, se rompesses os céus e descesses!”.
As
coisas não precisam ser como são. Há uma vida de fonte incontável de poder,
este lugar onde jorra a vida plena de Deus. Oh Deus, ajuda-nos a encontrar este
lugar e saciar a sede mais profunda de nossa alma, por sentido e valor!
A
Bíblia demonstra que Pentecoste é a maior força do mundo!
Como observamos, antes do derramamento do Espírito, a realidade da Igreja Primitiva também não
era tão positiva. Uma série de fraquezas estavam estampadas na vida dos
apóstolos, era visível o exclusivismo, o egocentrismo, o segregacionismo, a
falta de coragem e de fé. Para que uma mudança radical acontecesse, só mesmo
uma obra excepcional. O que aconteceu com a vida destes homens que alterou seu
modo de viver? Nada menos que a experiência do Pentecoste. Ali encontramos o
marco diferencial da vida cristã. Existe uma Igreja antes e outra depois do
Pentecoste.
Vejamos algumas destas marcas:
1. Entenderam claramente a mensagem
– A realidade da
morte de cristo, sua pessoa, seu papel e sua missão, só foram clarificados na
mente dos discípulos depois do pentecoste. É assim que vemos agora um ousado
Pedro se levantando, diante de uma multidão, para explicar aquilo que teólogos
atuais gastam compêndios para dizer. Pedro descreve agora quem era este Jesus.
Mostra sua singularidade. Um homem que viveu como nenhum outro homem viveu,
morreu como nenhum outro homem morreu, ressuscitou como nenhum outro
ressuscitou e tem poder, acima de outros nomes. (At 2.22-36). Pedro faz um
tratado teológico sobre a pessoa de Cristo.
Como isto se tornou possível?
Uma nova realidade espiritual a partir da obra do
Espírito Santo, clarifica sua mente, todas a dúvidas que anteriormente possuía
sobre aquilo que ele mesmo havia professado: “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo”.
2. Passaram a exercer autoridade espiritual
– Aqueles
discípulos frágeis, acuados, enfrentam tribunais que tinham o poder de tirar
suas vidas. O poder na vida destes homens torna-se manifesto nos sinais e curas.
Uma olhada superficial nos revela como o poder de Deus estava sobre estes
homens. Eles tem autoridade sobre demônios e sobre enfermidades. Milagres e
prodígios eram feitos pelas mãos dos apóstolos. Realidades excepcionais
aconteceram por meio deles e a despeito deles.
Há
uma nova disposição e uma nova autoridade sobre estes homens anteriormente
frágeis. Pedro ordena a um coxo para que se levante em nome de Jesus em Atos 3,
e a leitura de Atos será inteiramente marcada por uma igreja orientada pelo
Espírito de Deus (At 5.16; 16.18; 19.12; 26.18).
3. Aprenderam a servir – Se antes vemos uma igreja em busca de
posição social, reconhecimento humano, agora vemos uma igreja com disposição de
servir. Antes queriam tudo e não tinham nada, agora nada buscam e tudo possuem.
Temos agora uma comunidade de serviço, abnegada e
solidária. A fraternidade chega a um ponto que pessoas se sentem motivadas a
vender suas propriedades e entregar tudo para a obra do Senhor. Todas os bens
tornam-se comunitários, sem competição, luta pelo poder, marcada pela generosidade
e doação (At 4.32). Quando surge murmuração, decidem da forma mais radical
possível, eleger sete diáconos dentre o grupo reclamante. Como a reclamação
vinha da comunidade helênica, eles resolvem eleger sete diáconos e todos
curiosamente gregos. Nesta comunidade não há lugar para uma agenda suspeita.
4. Tornaram-se receptivos aos diferentes
e excluídos - Antes encontramos um grupo de discípulo se sentindo ameaçado e
formando um clubinho exclusivista, mas o Espírito Santo capacita esta igreja a
uma visão que vai muito além de si mesma. Os samaritanos, até então odiados
pelos judeus, são agora inseridos e aceitos na comunidade cristã. A Igreja
chega até mesmo convocar um concílio para tratar do assunto (At 15.7-9).
O
mesmo acontece com aqueles que não eram judeus, a saber, os gentios. Desce dos céus
o lençol das mudanças. O muro da inimizade foi desfeito. Não há mais distinção
entre gregos e judeus, entre mulheres e homens. Os gentios também passam a
fazer parte formalmente da igreja recém instalada (At 19.1-9). A igreja trata a
questão da inserção comunitária de forma madura e amorosa. Existem outras
ovelhas, não deste aprisco, que precisam ser alcançadas pela graça de Deus.
5. Passaram a doar, ao invés de fazerem
exigências pessoais – De uma igreja que buscava posição, vemos agora uma igreja
disposta a doar. É assim que em At 2.42. “Todos
os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum”.
A igreja vive a dimensão de uma comunidade solidária.
Antes estavam interessados em saber qual posição assumiriam na glória de
Cristo, agora, estão dispondo seus bens e suas vidas para que Deus use como
desejar. Não eram mais os mesmos homens. Suas prioridades, focos, projetos,
deixaram de ser para auto promoção e passaram a existir para a glória do Senhor
e serviço.
Os
cristãos entregam tudo que possuem “...porquanto,
os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores
correspondentes” (At 4.34). Eles não precisavam vender suas propriedades,
contudo, decidem vendê-las para doarem. Esta norma não era requerida do
discípulo de Cristo e nem foi requerida em nenhuma outra época da história, mas
tal atitude demonstra o desapego individual e o desejo de colocar seus bens a
serviço do reino de Deus. Só o Pentecoste seria capaz de gerar tal sentimento
no coração daqueles homens que se mostraram tão individualistas e vaidosos.
Eles
se tornam fraternos e solidários. Tinham tudo em comum. “Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém
considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía, porem, lhes era
comum” (At 4.32).
6. Assumiram corajosamente o desafio
de seguir a Jesus – Logo após a cura do coxo de
nascença à porta do templo de Jerusalém, a situação dos discípulos assume alto
risco. Enquanto pregavam, a liderança religiosa judaica envia os soldados para
prendê-los. Pedro e João são arrestados. No outro dia, diante do Sinédrio
judaico são arguidos, ameaçados e soltos, recebendo ordens de não mais falarem
de Jesus (At 4.5-22).
O que fazem diante das ameaças? Antes de mais nada, se
reúnem e oram. O conteúdo da oração é
surpreendente, porque em nenhum momento pedem para as tribulações e
perseguições acabem, nem para que houvesse livramento, mas o que eles pedem é
que Deus lhes dê intrepidez para pregar a mensagem da ressurreição de Cristo, e
continuar manifestando seu poder na história. Eles não estão preocupados com
suas próprias vidas, antes anseiam que a glória de Deus e a mensagem seja
propagada. Não é de admirar que, depois disto, o lugar onde estavam reunidos
tremeu. Com orações como esta a terra treme. (At 5.23-31).
Aqueles homens não temem pelas suas próprias vidas. O que
estava em jogo não era se continuariam vivendo ou não, mas que a mensagem do
Evangelho pudesse ser conhecida à nação judaica e aos confins da terra. Eles
assumem este projeto até à morte. E logo em Atos 7, teremos a morte do primeiro
mártir cristão. Estevão é julgado e apedrejado, mas em nenhum momento
retrocedeu nas suas convicções. Esta seria a marca da igreja primitiva. A
igreja se torna corajosa e ousada.
7. Tornaram-se profundamente
convencidos de sua fé – Esta convicção interior lhes dá
a intrepidez necessária para continuar pregando a mensagem de salvação.
No dia do Pentecostes Pedro prega a uma multidão de três
mil pessoas, isto se deu 50 dias depois da morte de Jesus (At 2.14), Sua
convicção foi tão tremenda que 3.000 pessoas aceitaram a fé. Pedro prega um
sermão e três mil se convertem, enquanto nós pregamos 3000 sermões e nenhuma
alma se rende a Cristo. As pessoas são convencidas quando também estamos
convencidos e apaixonados pela mensagem que pregamos e o fazemos debaixo do
poder do Espírito de Deus.
Em Atos 3, Pedro prega na entrada do templo, e em seguida
um paralítico é curado. Ele não fez campanha de cura, nem perguntou se o homem tinha
fé. Simplesmente ordenou e ele se levanta imediatamente, os pés e tornozelos se
firmam e com salto se põe de pé, começa a andar e entra no templo saltando e
louvando a Deus. Em Atos 4, Pedro defende sua fé diante do Sinédrio, e o faz
sem titubear. Em Atos 7 Estevão faz a defesa de sua fé com autoridade,
anunciando Jesus até sua morte por apedrejamento. Em Atos 8 com a chegada da
perseguição mais sistemática ocorre a dispersão, mas eles pregam em todos os
lugares.
A Palavra de Deus estava muito clara na mente deles. Sua
forte convicção os levava a uma vida de pregação e testemunho.
Conclusão:
Ao considerarmos estas coisas, compreendemos que temos
diante de nós a realidade de uma igreja antes e depois. O que fez a grande diferença?
Este poder que vem do Alto, como Jesus anunciou que aconteceria.
Há uma grande diferença entre viver a vida cristã sob o
impacto do Espírito e viver sem este batismo de poder e fogo.
Vazio nao prego, não...
Vazio nao prego, não...
Tive a alegria de conhecer um homem rude, que fora
maquinista da Vale do Rio Doce, que transporta minério de ferro de Minas Gerais
até Vitória. Ele se aposentou cedo e se mudou para a cidade de Gurupi-TO, vindo
a se tornar um grande amigo de meu pai. Ele amava a Deus e era fiel à Palavra.
Anos depois de sua morte, ouvi o relato de um episódio de sua vida como crente
novo na fé. Ele aceitou o evangelho com grande alegria, e logo queria estar
pregando a palavra, e pediu ao pastor para que o deixasse pregar. O pastor,
prudente e cautelosamente, permitiu que ele pregasse num dos cultos familiares
na cidade de Governador Valadares onde morava. Ele começou a pregar, usando a
analogia do seu trabalho, afirmando que “todo crente deveria ser como um trem,
andando na linha”, sem grande capacidade de oratória, saltou imediatamente para
uma segunda ilustração afirmando que o crente deveria ser como a hortaliça que
recebe a seiva da terra e cresce sendo nutrida com o adubo e regada com a água.
Depois disto ele olhou para um lado e para o outro, sem saber mais o que dizer,
e decepcionado consigo mesmo disse timidamente: “vazio eu não prego, não!”
Embora seja um episódio simples e até engraçado, o fato é
que muitos de nós queremos continuar nossa vida cristã sem a ação do Espírito,
e o resultado é fracasso. Vazio não dá prá continuar.
Parla, parla!!!
Parla, parla!!!
Outro exemplo conhecido da história.
David é uma das esculturas mais famosas do renascentista
MichelAngelo Buonarotti. É a estátua de um homem jovem, em pé, feita de mármore
da carrara branco, corpo bem definido, despido e com cabelos encaracolados. O trabalho
retrata o herói bíblico com realismo anatómico impressionante. A escultura
encontra-se em Florença, Itália. MichelAngelo levou 3 anos para conclui-la
(1501-1504). Conta-se que depois de terminar seu trabalho, o artista extasiado
teria batido nela com o martelo e gritado: “Parla, parla!”(fala, fala!), no
entanto, a escultura permaneceu muda, porque nela não havia vida. (Obs. Este
relato é atribuído por muitos na internet, à conclusão da obra “Moisés”, feita
pelo mesmo artista. Provavelmente nunca saberemos ao certo se a história é autêntica,
e com qual obra isto teria acontecido).
Qual o problema daquela escultura? Por mais perfeita que
fosse, faltava-lhe a essência. Faltava-lhe vida. A Igreja Primitiva tinha
conhecimento de que algo maravilhoso, a ressurreição, havia acontecido, mas nem
este portentoso evento foi capaz de tirá-la da timidez e do medo, por isto se
esconderam, e trancaram as portas da casa onde estavam, com medo dos judeus (Jo
20.19). Tinham as informações, mas não tinham o poder. Esta é exatamente a situação
de nossa vida ainda hoje. Conhecemos as verdades, sabemos quem Cristo é, mas
isto não nos transforma em pessoas despojadas e corajosas. Falta o poder do
Alto.
A grande constatação que fazemos é que, “Não são as
nossas promessas a Deus, mas sim as promessas de Deus a nós, que podem mudar as
nossas vidas, portanto, prometa mais e entregue mais, pois a confiança é
proporcionalmente medida pela entrega” (Autor desconhecido).
Christ the
King Presbyterian Church
Boston, 8 de Maio/96
refeito, Dezembro 2017
refeito, Dezembro 2017