sábado, 10 de agosto de 2019

Lc 15.11-32 O Filho Pródigo: Saudades do Pai


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A parábola do filho pródigo é uma das mais conhecidas e apreciadas das Escrituras. Entretanto, apesar do titulo dado à esta parábola, o centro da parábola não é o filho relativista, sonhador e inconsequente que sai de casa. Ele começa falando de um homem: “Certo homem” como bem enfatiza Henry Nouwen no livro “A Parábola do Filho pródigo”, e Tim Keller no livro “O Pai pródigo”. Como ponto de partida, Jesus coloca o holofote no Pai, como figura central, levando seus ouvintes a refletir sobre o caráter deste homem. Logo a seguir ele afirma: “tinha dois filhos”, mais uma vez é interessante observar que o objeto de sua reflexão não era apenas em um dos filhos, mas ele queria considerar a atitude dos dois filhos.

Quando a parábola parece ter seu ponto final no vs. 24, na dramática narrativa do filho que volta arrependido para casa, Jesus começa a falar do outro filho que até então não estava presente na parábola: “Ora, o filho mais velho estivera no campo” (vs 25). Nouwen afirma que esta parábola fala de uma jornada espiritual, e que devemos sair da posição de filho e ir em direção à paternidade, já que o pai é o centro do acontecimento.

O Pródigo que Sai

O primeiro holofote se volta para o filho mais novo, e revela as consequências de uma alma que resolve deixar o Pai e ser sincero com seus sentimentos. Ele pode ser definido como o relativista moral: Sua ética é subjetivista, ele faz “o que acha que é certo”, todas as convenções humanas, sociais e familiares não lhe interessam. Ele deseja ser “sincero e autêntico” com o que sente, não levando em conta nada, além da sua própria noção do que é certo e errado.  

Salvação para ele é ser leal e determinar o que é certo e errado para consigo mesmo. Revela também o conflito entre o real e o imaginário. Era sonhador e utópico. O resultado foi a fome e a miséria. Este é o retrato de centenas de jovens que desprezam os princípios de Deus e a orientação de seus pais, porque acha que é certo fazer o que lhe der na cabeça, afinal, o que importa é ser leal aos seus próprios sentimentos

Vejamos algumas descrições que o texto faz sobre ele e que reflete sua jornada espiritual:

1. Ele é irresponsável e leviano - “Dá-me a parte dos bens que me cabe” (vs 12). Ele não pensa na unidade familiar, no pai, nos amigos. Só tem projeto para seu egoísmo e consumismo. O texto o descreve como “dissoluto” (vs. 13). Ele tinha razão no que pedia? Não! Absolutamente não! Herança é algo que se recebe quando morrem os pais. Inconscientemente ou não ele envia uma mensagem que desejava a morte prematura dos pais para ter direito à sua herança.
Ele pode ser também definido como um relativista moral. Aquele tipo de pessoa que deseja fazer suas próprias regras. Acha que não precisa de ninguém, que ninguém tem nada a ver com sua vida, que vai viver de forma a quebrar todos os paradigmas morais e religiosos, que despreza a família, ordem social e hierarquia e acredita que ele é a fonte de todo saber. Que ele pode fazer as coisas de sua forma. Não há nada que possa nortear sua história, ele faz do jeito que quer, sem querer dar satisfação a ninguém. A frase preferida do relativista moral é que ele sabe o que está fazendo e que tem direito a ser feliz e fazer as coisas a seu modo. 

2. Ele é individualista - Não está interessado na unidade familiar, apenas em si mesmo – (vs.12). Seu pedido é duplo:
                  a. Requer a divisão da herança
                  b. Pressiona o pai para dispor dela imediatamente (Bailey, 214)
Apesar de não ter, nenhum direito real sobre o pedido que fazia, já que ninguém pode requerer a herança antes da morte dos pais.

3. Ele é consumista -Partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente” (Lc 15.12). O mais velho o classifica como gastador e boêmio, seu materialismo era irresponsável (vs 13-14).  Acha que dava para viver sem planejamento. Resolve gastar irresponsavelmente o que lhe cai na mão. Nenhum orçamento, nenhum planejamento. A Bíblia diz que “pela frouxidão das mãos o teto desaba” e é exatamente isto que vemos na atitude deste rapaz. “...lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente”.

4. Não sabe fazer escolhas corretasDecide sair de casa sem resolver seu próprio coração, rompe com a família, junta-se com pessoas que o levam ainda mais para a devassidão e destruição. Todas as suas decisões se mostram equivocadas. No desespero, procura outra pessoa errada, um patrão, desumano e injusto, demonstrando que era incapaz de, até mesmo, escolher o tipo de trabalho que faria (Lc 15.15). 

O que ganhava não era sequer suficiente para sua alimentação. Experimentou um patrão que aplicava um capitalismo selvagem, explorador, que o envia a trabalhar na condição mais desumana possível, e ainda por cima, com fome. Isto é pior que escravidão, no sentido que, o escravo era bem tratado para produzir mais.

5. Submete-se a tarefas incompatíveis com sua fé – “...e este o mandou para os campos, a guardar porcos”(vs. 15) Vai cuidar de animais considerados imundos tanto para se comer quanto para qualquer cerimonial judaico. Lidar com porcos era abominação (é como se um crente fosse trabalhar no Brasil como bicheiro, ou dono de um prostibulo). Como afirma Joachim Jeremias, ele chega “ao extremo da humilhação, e nega sua história de fé” (J.Jeremias, 131).

No meio de todo este desencontro, algo inusitado e miraculoso acontece. Seu coração é inundado por uma nova experiência. Ele sente saudade do Pai. Para mim, esta saudade de casa é o ponto de partida de seu reencontro com sua alma, com sua história, com sua vida.

Vejo muitos que se afastam de Deus. Tenho muitos amigos de Escola Dominical, afastados do Senhor. Quando os vejo tenho vontade de perguntar-lhes: “Vocês não tem saudade de Deus? Não sentem vontade de voltar para sua igreja, cantar um hino de louvor a Deus, orar, ler a Bíblia, restaurar a experiência de voltar para a casa de Deus, para os braços do Pai amado?”

A lembrança de casa, mexe com  as estruturas emocionais daquele rapaz.

1. Abre-se para mudanças - Então, caindo em si” (vs.17). Esta frase reflete muito bem o que acontece no seu interior. Que coisa preciosa é este “cair em si”. Infelizmente muitos caem nos outros. Shedd afirma: “Antes estava fora de si. A frase indica que pecado é loucura, alienação e desintegra o homem de si mesmo”. “Tanto no hebraico como no aramaico, esta expressão era usada para conversão” (J.Jeremias, 131).

2. Torna-se disponível para correção  - “Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai” (vs.18).  Revela sua vontade e determinação. Resolve confessar o seu pecado, pedir perdão. Assume sua culpa, reconhece que errou, não deseja culpar ninguém, sabe que a decisão foi dele e não procura transferir sua culpa ou justificar seus erros. Não tem mais herança, não possui amigos, está só e precisa mudar. Muitos querem voltar, mas estão cheios de razão demais. Possuem desculpas demais, sua justiça própria os impede de um retorno. Sabem mais que Deus, tem mais razão que o Pai.

3. Tem coragem para voltar – (vs. 20)  Levantando-se foi”. Não é fácil admitir que errou, que fez algo errado. Seus pecados são evidentes, causam vergonha, geraram dor em muitas pessoas, mas ele não deseja continuar naquela situação. Está sofrendo na carne e deseja mudanças, não fica apenas nas intenções, ele age, levanta-se, toma a decisão que deveria tomar e vai.

4. Dispõe-se a aceitar uma nova condição – (vs.19) Não volta com pretensões, não faz exigências, não requer nada. Sabe que não possui direito algum. Está convencido que ainda que haja séria disciplina do pai, ainda é melhor estar com o Pai. Fora de Deus não dá, está consciente disto, e deseja mudança e volta para Deus.

Conclusão:
Este moço é o nosso retrato.

Pecadores firmados nos direitos da criação e nas bençãos da herança cristã, podemos ir e vir, somos livres, mas às vezes, desprezamos nossos valores, ignoramos e gastamos os bens dados por Deus em propósitos individualistas. Desprezamos nossa herança e nossa história, tomamos nosso corpo, tempo, saúde, mente e coisas materiais e os gastamos de forma leviana e irresponsável. Afastamo-nos e ferimos o Pai. Apesar de tudo isto, Deus não leva em conta os tempos perdidos e nossa ignorância, abre os braços e nos acolhe, tornando-se disponível para nós. Mesmo na miséria, entre os porcos, ainda há espaço para a restauração. Este texto fala de esperança e do amor do Pai. Nossa história não precisa acabar entre os porcos, podermos retornar ao Pai.

Rev. Eudaldo Silva Lima contava a história de um conhecido seu chamado Calixto, filho de Elias, que resolve sair de casa e sumir no mundo, os tempos passaram e o velho Elias sempre esperando seu filho, sem noticias, sem saber sequer se ele estava vivo. Um dia, depois de longos anos, Calixto retorna.

Seu pai, depois de celebrar a chegada do filho pergunta-lhe em particular:
-“Tivestes saudades de nós ?”

E o filho lhe respondeu:
-“Eu estava para endoidecer... queria ouvir de novo sua voz na salgadeira cantando: “Pelo sinal da santa cruz e do santo gral, feijão com tripa no domingo, não faz mal”. Queria ouvir de novo seu cantar.

É o sortilégio da saudade que faz reviver almas e renovar corações.

Este jovem é o nosso retrato, de sociedade caída, independente, que despreza valores, relativiza a moral, que em nome da coerência para consigo mesmo e seus sentimentos, desprezamos o respeito, os valores, somos desagregadores, rompemos com o Pai.

Gostaria de encerrar esta palavra fazendo a seguinte pergunta:
Você sente saudades do Pai? Acha que já foi longe de mais, tem vergonha de voltar e não sabe o que fazer? Hoje o Espírito de Deus está convidando você a se aproximar do Pai, é retornar aos seus braços. Você não gostaria de voltar a Deus? Refazer sua história? Recomeçar?

A Palavra de Deus nos afirma que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo. Jesus assumiu o lugar daquele que acolhe, que afirma a capacidade de um Deus em perdoar até seus algozes. O Evangelho nos faz lembrar que Deus pode mudar qualquer pessoa em qualquer circunstância. Você não gostaria de voltar ao Pai?

Em 1994, eu era pastor na Gávea, Rio de Janeiro, e ao lado da igreja havia uma conhecida psicanalista judia, que era muito respeitada nos meios sociais da Zona Sul do Rio. Eu era ainda um jovem pastor, com 30 anos de idade e ela me chamou para conversar comigo. Pensei que se tratasse de algum problema relacionado ao fato de que sua clínica era ligada à Igreja e poderíamos estar fazendo alguma coisa que lhe desagradasse, mas o assunto que ela trataria comigo tinha outra natureza.

Ela era de família judia, criada num ambiente com uma forte marca de espiritualidade, mas durante sua juventude, estudos acadêmicos, leituras de Freud, tornou-se cética e distante de qualquer concepção de Deus. Ao entrar no seu elegante consultório, ela abriu seu coração para mim dizendo aos prantos: “Eu preciso resgatar a criança que perdi!”, referindo-se à perda significativa da sua fé e espiritualidade”. Confesso que não lembro de nada que lhe disse naquele dia, de fato gostaria de lembrar, mas eu sei que falei alguma coisa sobre a fé cristã e sobre a necessidade de Deus em sua vida, e depois fui para a igreja para atender outras necessidades relativas ao meu trabalho no escritório.

Este é o típico caso de pessoas que sentem saudade de Deus, do Eterno, de algo não específico, eventualmente um sentimento vago de solidão cósmica, e que se sentem separadas de algo significativo para suas vidas.

Em 2009, preguei um sermão baseado neste mesmo texto de Lucas 15, falando da importância de sentir saudade de Deus, e do necessário processo da restauração.

Ao terminar o sermão, saímos e ficamos conversando na porta da igreja. Os diáconos fecharam as portas e continuamos conversando na calçada. Estávamos em quatro pessoas: Frederico Silveira, Ana Paula, eu e Sara. À noite, eu não gosto de ficar sozinho na porta da igreja, porque ela fica na zona central, e a maioria dos prédios está fechado, raramente se vê alguém passando à pé na rua, sempre fico alerta com medo de assalto, quando tenho que demorar um pouquinho a mais. Mas naquela noite, estávamos desapercebidos e falando de temas variados, quando vi que um motoqueiro fez uma manobra na esquina. Embora ninguém tenha percebido, eu fiquei apreensivo, ele mudou sua trajetória e veio em nossa direção. Interiormente, as bandeiras vermelhas de alerta se acenderam, mas não havia nada que fazer, não podíamos correr, estávamos à mercê dos acontecimentos.

O motoqueiro chegou perto de nós, parou a moto e eu estava inseguro mesmo quanto ao que poderia acontecer, mas para minha surpresa, ele tirou seu capacete, e aos prantos disse: “Estou com saudades do Pai”. Ora, este havia sido o tema de minha mensagem, logo conclui que ele estivera no culto, e estava agora reagindo à mensagem que eu havia pregado. Mas algo surpreendente, na verdade estava acontecendo ali, alguma coisa sobrenatural, divina. Sara Maria logo percebeu que ele não estivera no culto, embora eu continuasse conversando com ele como se ele estivesse ouvido o sermão há pouco tempo atrás, mas de fato, ele não estivera na igreja naquela noite.

Com lágrimas, nos contou sua história. Estava afastado de Cristo, havia se desviado da fé, se separado da comunhão com sua igreja, estava perdido espiritualmente, longe de Deus, longe de sua família, mas ao passar em frente à igreja, foi movido pelo Espírito Santo a vir conversar conosco e pedir oração a fim de que restaurasse a sua espiritualidade. Tivemos oportunidade de ministrar algumas palavras ao seu coração, oramos com ele, e ele retornou agora para sua casa, com uma nova disposição de seguir a Cristo.

A mesma mensagem que havia pregado, que ele não havia ouvido, havia sido comunicado pelo Espírito Santo. Até mesmo o tema do sermão era o mesmo: “saudades do Pai”. De forma direta, amorosa, o Espírito Santo havia lhe comunicado verdades eternas.

Talvez seja esta a situação sua ao ler esta mensagem. Pode ser que você esteja longe, mas seu coração percebe sua desesperadora realidade. É preciso voltar, é preciso confessar, é preciso reconhecer que errou, é preciso abraçar o Pai, receber o beijo do Pai celeste, trocar as roupas imundas e receber roupas limpas, colocar sandálias nos pés, receber o anel da dignidade e da honra do próprio Pai.

Foi isto que Jesus fez na cruz.
Ele restaurou a nossa dignidade junto ao Pai. Ele nos reconciliou com o Pai. O Pai nos perdoou. Você não tem saudades do pai? De Sentir novamente o cheiro de suas vestes? De reconquistar a intimidade que se perdeu?

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