sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Ef 3.9-10 A Igreja no Plano cósmico

 



 

 

Introdução

 

A Igreja ocupa um lugar central no plano de Deus para a história da humanidade. Deus tem projetos claros e específicos para seu povo. Mas uma dimensão ainda mais esquecida é que Deus colocou sua igreja num plano mais que histórico, ele a colocou estrategicamente para alcançar propósitos cósmicos.

 

De acordo com Ef 3.9 lemos: “Para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne agora conhecida dos principados e potestades nos lugares celestiais.”

 

Existe uma linguagem teológica neste texto que exige considerações hermenêuticas:

§  O que são principados?

§  O que são potestades?

§  O que são regiões celestiais?

§  Qual é o papel da igreja no projeto de Deus?

 

Diante das afirmações tão categóricas, gloriosas e grandiosas, que surgem no texto, nos impressionamos:

 

a.     Com a visão tão pequena que muitos cristãos tem da igreja de Cristo. Não estou me referindo a pessoas não cristãs, pois para estas a igreja nada significa mesmo, mas por que tantos cristãos tem uma visão tão ínfima e pequena da igreja de Cristo?

 

b.     Com a visão crítica da igreja que muitos cristãos defendem? É quase como se a igreja fosse um problema a ser dissipado, um entrave ao evangelho. Não cooperam com a igreja e se tornam opositores silenciosos a ela. Sem envolvimento, sem compromisso, sem investirem seus dons, talentos e tesouros na obra do Senhor.

 

c.     Com a visão tão superficial e descompromissada de tantos cristãos com a igreja de Cristo. Por que a igreja de Cristo não nos empolga? Por que ela nos atrai? Por que não nos consumimos pela igreja se para Jesus ela ocupa um lugar tão especial?

 

Certa vez ouvi alguém dizendo: “Não precisamos plantar novas igrejas. Precisamos de mais projetos sociais.” Fiquei assustado com a declaração, porque são as igrejas que sustentam projetos sociais, são elas quem desenvolvem obras missionárias, e dificilmente você verá um projeto social ou humanitário que não tenha por detrás o compromisso de uma igreja local envolvida com o reino de Deus, comprometendo seus recursos. Quando não contribuímos para igrejas locais, na maioria das vezes estamos dizendo implicitamente que não nos importamos com a obra missionária.

 

Uma boa pergunta que este texto suscita é a seguinte: Por que a igreja ocupa um lugar tão especial na teologia cristã? Este texto certamente pode nos ajudar a refletir sobre isto.

Por que a igreja é tão especial?

Qual o plano cósmico de Deus para sua igreja histórica?

 

1.     Apenas a igreja possui todos os ofícios de Cristo para o cumprimento do projeto de Deus.

q  Profecia – a igreja possui a missão profética. Ao anunciar boas novas denuncia as más novas presentes. A pregação do Evangelho é uma denúncia do homem em seu esforço para realizar as obras de Deus por si mesmo, em sua vã tentativa de auto justificar-se aos olhos de Deus. Denuncia também os sistemas poderosos que acreditam que tem o poder da vida e da morte sobre as pessoas e que se esquecem da soberania de Deus, e de que Ele já providenciou um dia em que há de julgar vivos e mortos. A igreja é uma comunidade profética, denunciadora e anunciadora dos poderosos feitos de Deus.

No seu papel profético, a igreja tem a responsabilidade de comunicar fielmente a Palavra de Deus ao mundo: "Ora, o que se espera de cada despenseiro é que ele seja encontrado fiel." Quando a igreja proclama com integridade as verdades do Evangelho, ela se torna profética na comunicação desta verdade ao mundo. Este é o chamado da igreja.

 

q  Sacerdócio – A doutrina do sacerdócio universal dos santos foi resgatada em Lutero, e reafirmada na Reforma. Poucas coisas são tão relevantes hoje em dia quanto esta doutrina. Deus levanta um povo para abençoar outros. Deus escolheu um povo para ser um reino de sacerdotes. Um povo que teria a missão de orar, interceder, anunciar a Palavra de Deus, curar, exortar, minimizar o sofrimento humano. Somente a igreja pode realizar isto.

A igreja tem a grande tarefa terapêutica: restaurar, ministrar cura e perdão. enquanto o profeta traz a mensagem de Deus ao mundo; com sua missão sacerdotal, leva o mundo a Deus, através da oração, da intercessão e do cuidado. 

 

q  Rei – a Igreja tem também autoridade e poder para realizar sua obra. Deus a constitui para ser “um reino de sacerdotes” (1 Pe 2.9) Não precisa mendigar favor, nem suplicar autoridade. Precisa apenas exercer a autoridade que lhe foi dada por Jesus. "Toda autoridade me foi dada no céu e na terra, ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações batizando-as em nome do pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28.19) A igreja é colocada no plano de Deus para governar e julgar o mundo, ainda que não saibamos os detalhes de como este governo se dará.

O apóstolo Paulo afirma: "Não sabeis que a igreja há de julgar o mundo?" A Igreja é chamada para ser vitoriosa e para reinar com Cristo, embora no presente momento tal ideia pareça tão vaga e sem sentido.

 

2.     A Igreja é o centro histórico do Plano redentivo de Deus.

 

§  A Igreja é o corpo de Cristo – Ela realiza através de seus ministérios aquilo que Jesus gostaria de realizar entre os homens. Jesus continua fazendo o bem, salvando vidas através de sua igreja, edificando o seu povo através de sua igreja. É à sua igreja que ele dá dons, capacitando-a para o exercício de seu ministério. (Ef 4.10-12)

A Bíblia afirma que que "quando Jesus subiu, levou cativo o cativeiro, e concedeu dons aos homens" (Ef 4.8). Qual o papel destes dons? A Igreja como corpo de Cristo, exerce a função de Cristo na história. São os braços e as pernas de Cristo. Agem como se o próprio Cristo estivesse presente. A estratégia de Deus para o mundo, é usar a instrumentalidade da igreja para cumprir seus propósitos na história.

 

§  A Igreja atinge os propósitos últimos de Deus. A estratégia de Deus para o mundo é sua igreja. Ele poderia ter feito tudo isto sem a mediação do seu povo, mas preferiu fazê-lo de outra forma. Na medida em que a igreja vai avançando, vai estabelecendo o propósito de Deus para a humanidade.

 

3.     A Igreja confronta as trevas - Na sua multiforme graça, possui variadas formas e expressões para confundir o Reino das trevas. "Para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e das potestades nos lugares celestiais" (Ef  3.10). A igreja, com sua forma diferente de ser, consegue ser eficiente e conspirar contra as forças espirituais. Por ser diferente, torna-se eficiente. Seu mosaico e sua diversidade revelam sua competência e poder.

 

Um texto de Êxodo que fala da saída do povo de Deus no Egito, desafia minha imaginação. “Ora, o tempo que os filhos de Israel habitaram no Egito foi de quatrocentos e trinta anos. Aconteceu que, ao cabo dos quatrocentos e trinta anos, nesse mesmo dia, todas as hostes do Senhor saíram da terra do Egito.” (Ex 12.40-41). No dia em que o povo de Deus saiu do Egito, todas as hostes espirituais saíram daquela terra. Deus habitava naquele lugar por meio do seu povo. Este texto é desafiador demais...

 

Outro texto afirma que "O mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o detém" (2 Ts 2.7). A que este texto se refere? Que é este mistério da iniquidade que já está operando?

 

Não parece haver dúvidas que se trata das forças operantes do mal. Mas há alguma coisa que se opõe à ação deste mal, que impede que o mal ainda se torne mais explícito e presente. Que força detém o avanço das trevas e do inferno? Todos nós sabemos que trata-se da força do Espírito Santo na terra, mas poucos se lembram que o Espírito Santo habita na sua igreja (1 Co 3.16). Portanto, é por meio da sua igreja, que o Espírito de Deus opera e impede que haja ainda uma maior desintegração do mal.

 

Jesus afirmou que ele mesmo "edificaria sua igreja" (Mt 16.18), e que sua igreja teria a tarefa de avançar, destruindo as portas do inferno e as portas do inferno não prevaleceriam contra ela." (Mt 16.18) A igreja é uma declarada guerra contra o diabo, é uma oposição clara às trevas e ao inferno.

 

Por isto este texto fala de “principados e potestades” se deparando com a igreja nos “lugares celestiais”. Nesta dimensão cósmica, invisível, quase imperceptível por nós, acontece uma batalha de enormes proporções.

 

4.     A Igreja possui missões com implicações eternas. Cristo morreu pela sua igreja e quer usar sua igreja para proclamar sua redenção. É através da igreja que a obra do Evangelho se torna conhecida na humanidade.

 

Apenas a igreja consegue evangelizar, discipular, nutrir, integrar, treinar, enviar e sustentar outros para fazer missões. A Igreja lida com os negócios dos céus, fala da vida além desta vida, fala da salvação da alma através do sangue de Cristo.

 

Existem muitas entidades que fazem o bem ao redor do mundo, e apreciamos sinceramente o trabalho e esforço que desenvolvem para minimizar a dor, a desumanização e a exploração humana. Podemos citar o Exército da Salvação, Lions Club, Rotary Club, Médicos sem Fronteiras, entre tantos. Apesar de todo valor que possuem, nenhuma delas tem a responsabilidade maravilhosa de pregar o evangelho. Só  a mensagem de Cristo é capaz de desmascarar o engano das trevas, da superstição e do diabo. Convencer o pecador de sua situação de pecado e a necessidade de um salvador pessoal. Apenas o Espírito Santo regenera, converte, transforma. E Deus usa apenas sua igreja para esta obra.

 

Apenas a Igreja possui uma missão com implicações eternas, que se relacionam com o homem e Deus. Só a igreja proclama salvação eterna. Só a igreja pode ministrar sacramento. As pessoas não poderão crer se não ouvirem, e não poderão ouvir se não houver o testemunho do povo redimido de Deus. Por isto precisamos pregar o evangelho a toda criatura, como nos ordenou Jesus (Mc 16.15).


A Bíblia fala que Deus concedeu à igreja o "ministério da reconciliação" (2 Co 5.18). Ela possui a autoridade de Deus para "abrir e fechar as portas dos céus" (Mt 16.19). Quando pregamos a mensagem da redenção realizada por meio de Cristo na sua obra e no seu sangue, estamos dando oportunidade para que as pessoas creiam, se arrependam e voltem para Deus. Apenas o evangelho "desvenda nossos olhos, e desamarra todo nó que se criou." (Paulo César)

 

5.     A Igreja possui um poder subversivo: de influenciar as forças históricas e espirituais.

 

Quando a Bíblia fala de “principados”, está se referindo às forças deste mundo tenebroso. À ação do diabo e seus anjos. Mas quando a Bíblia fala de “potestades”, ela está se referindo aos poderes históricos.

 

Ap 17 fala que estes poderes se fortalecem mutuamente. Os poderes sobrenaturais com os poderes históricos. O mundo não é neutro espiritualmente. Os dez chifres que viste são dez reis, os quais ainda não receberam reino, mas recebem autoridade como reis, com a besta, durante uma hora. Têm estes um só pensamento e oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem.” (Ap 17.12-13)

 

Na maioria das vezes não paramos para considerar o efeito da igreja de Cristo na história. Em 1996 a Mission To the North America, me designou para solidificar um trabalho de plantação de igrejas na cidade de Cambridge-MA. Era a primeira igreja da PCA, a ser plantada naquela região. Havia cerca de 10 americanos no grupo e 80 brasileiros. O trabalho foi se solidificando e hoje existem cinco igrejas multiculturais apenas no Nordeste dos EUA, sob a influência deste trabalho: East Boston, (QuincyFraminghamDanbury, Marlboro e são mais de 16 igrejas americanas espalhadas por toda aquela região, influenciando algo em torno de 4 mil pessoas. Alguns anos atrás estive com uma das igrejas filhas, que possui o maior mais bem localizado templo de Framingham, pastoreado pelo Rev. Manoel de Oliveira, e com quase mil membros, e naquela ocasião, ele me informou que apenas sua igreja tinha colocado 70 mil dólares na obra missionária em 2012. Milhares de vidas tem sido abençoadas por aquele ministério.

 

Quando fico refletindo sobre novos projetos de igrejas sendo plantados minha pergunta é a seguinte:

Aonde este ministério vai chegar?

Quantas vidas serão redimidas das trevas?

Quantos se converterão pela pregação da mensagem viva do evangelho? Quantas restaurações, reconciliações, vitorias sobre as trevas, esta igreja obterá por se colocar nas mãos de Deus para que ele possa cumprir seu propósito cósmico através de nós.

 

Que Deus nos ajude!

 

 

 

 

 

 

sábado, 22 de janeiro de 2022

Eclesiastes: Bússola hermenêutica

 




 

 

 

 

A leitura de Eclesiastes desafia nossa mente por causa de seu estilo literário, de sua construção gramatical e de sua proposta. Ao iniciarmos sua leitura observamos que estamos nos aproximando de uma discussão que tem sido o cerne da filosofia antiga e moderna. Por isto precisamos nos aproximar com atenção, cuidado, fazendo as perguntas essenciais quando observamos um texto bíblico:

 

  1. Qual é a ideia original do texto? Seu contexto e linguagem
  2. Qual a proposta do autor? O que estava na mente de Salomão ao escrever este livro autobiográfico?
  3. Como este texto interpela a minha mente e meu coração?
  4. O que Deus quer me ensinar através deste livro?

 

Todas as vezes que nos aproximamos de qualquer livro da Bíblia precisamos entender seu ambiente e seu estilo literário. Existem géneros proféticos, narrativos, descritivos, poéticos. Eclesiastes é classificado como um livro poético. Ele faz parte dos livros de sabedoria judaica, que são cinco: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares.  As tradicionais escolas de interpretação reformadas, usam o método histórico gramatical para interpretar a Bíblia.

 

O autor se declara Qohélet, que em hebraico pode ser traduzido como aquele que fala, ou “o pregador”. Haroldo de Campos preferiu usar uma paráfrase nesta tradução chamando-o de “O que sabe.”[1]

 

Eclesiastes precisa ser entendido dentro do seu contexto histórico, cultura, tempo, linguagem, ambiente, mas precisa ser lido com uma cuidadosa observação exegética e gramatical. É necessário entender qual era a ideia original do autor ao escrevê-lo e qual seu gênero literário.

 

Poucos livros da Bíblia desafiam tanto o leitor cristão quanto Eclesiastes, o livro do “Qoeleth”. Isto porque, muitas das suas formulações entram em choque com outras verdades e proposições da Bíblia. Seria a Bíblia uma livro contraditório? Ao apresentar pressupostos teológicos, éticos e escatológicos divergentes de outros textos? Certamente que não! A Bíblia é uma unidade harmônica. Se não há contradição, precisamos examiná-lo com mais cuidado para penetrar nestas áreas mais obscurecidas e interpretamos dentro de seu contexto e dentro de sua proposta. Com muita propriedade o Pr. Ari Veloso afirmava: “Ou você ensina este livro à Igreja, ou o diabo o ensina de forma deturpada”.

 

Eclesiastes nega ou contradiz determinados pressupostos cristãos essenciais, como a visão de Deus, o sentido da existência, o conceito de justiça, trabalho, existência, lazer e valores e vida após a morte. Em alguns momentos suas afirmações são mais existencialistas que cristãs, mas epicuristas que reformadas.

 

Para ler Eclesiastes, torna-se mister encontrar sua chave hermenêutica.

 

Este livro faz parte do cânon judaico, mas durante muito tempo houve grande discussão se ele deveria ou não ser reconhecido como um livro sagrado. Muitas escolas criticavam o fato dele fazer parte desta coleção de livros sagrados. Nós cremos que Deus agiu não apenas inspirando toda a Bíblia, e cremos também que Deus preservou os textos sagrados na história orientando aqueles que foram responsáveis na seleção do cânon escriturístico, para que tais livros fossem fizessem parte do que hoje chamamos de Escrituras Sagradas[2]. Nenhum texto é mais sagrado que outro, afinal “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para educação na justiça, a fim de que todo homem seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2 Tm 3.16-17). Sendo este livro tão controvertido, por que Deus permitiu que ele fosse anexado aos demais livros, fazendo parte do cânon?[3]

 

Eclesiastes muito provavelmente foi escrito por Salomão, um rei profundamente comprometido com o Senhor no início do seu reinado, até o tempo em que seu coração se desviou, enveredando-se pela idolatria, acúmulo de posses e casamento misto (2 Rs 11.3), e foi consumido pela vaidade e desejo de reconhecimento e aclamação pública. Seus casamentos com mulheres que adoravam outros deuses, desviou os olhos do Deus de Israel e o sincretismo religioso penetrou em Jerusalém, a ponto de, com recursos do palácio e autorização de Salomão, construírem templos aos deueses pagãos e oferecer sacrifícios a Moloque, um Deus pagão que exigia que em seus rituais jogassem crianças vivas no fogo como sacrifício, conforme o relato de 2 Rs 11.4-8.

 

No período em que esteve afastado de Deus, Salomão escreveu este livro, cujo conteúdo central é a questão do vazio. Trata-se da reflexão de um homem longe dos caminhos de Deus, refletindo sobre sua existência humana e seu significado. Por esta razão, cremos que este livro é inspirado por Deus, mas não transmite o pensamento de Deus, e sim o do homem secular, desesperadamente tentando encontrar sentido. Salomão sintetizou a vida afirmando que “tudo era vaidade, e correr atrás do vento” (Ec 2.11).

 

A palavra vaidade seria melhor traduzida por “vazio”. O hebraico não possui o recurso do superlativo. Ao repetir o termo acentua-se a enfase. A palavra “vaidade” aparece 35 vezes no livro. Ela vem do hebraico “hebhel”. O refrão Hebhel Habhalim, é traduzido por “vaidade de vaidades”, outros tradutores preferem traduzir este termo por “vazio”. A NIV em inglês preferiu atualizar o termo traduzindo-o como “meaningless” (ausência de sentido). Literalmente poderíamos traduzir esta palavra como “bolha de sabão”, “transitório” ou “sem permanência”. Deus permitiu que este livro fizesse parte do cânon e viesse até nós para que percebessemos o que acontece ao homem quando se distancia de Deus, como se sente o homem sem esperança e distanciado de Deus. Sem Deus resta apenas o desespero, a angústia, a monotonia, o vazio e o despropósito da existência. Trata-se, portanto, de um livro profundamente contemporâneo.

 

Sendo um livro profundamente existencial, sua reflexão gira em torno de coisas que acontecem “debaixo do sol”, expressão que aparece 29 vezes no texto. Obviamente, o homem sem Deus pode ter insights positivos sobre a vida, nem tudo que o pagão produz, nem todo seu pensamento é equivocado em si. Muitas leis e textos sobre a ética, escritos por estes homens são universalmente aceitos, e possui princípios verdadeiros que possuem similaridade com a cosmovisão cristã. O homem não iluminado, apesar de não ter a revelação do Espírito Santo em seu coração, e no meio do seu caos interior, possui a centelha divina por ser criado à sua imagem e semelhança, e recebe desta revelação “natural”, que lhe permite ter ensaios éticos e filosóficos positivos. Nem tudo que é humano é diabólico.

 

Muito do que Salomão escreveu ainda que estando longe de Deus, como um homem natural, por causa da centelha divina presente no seu coração e no coração do homem mesmo distante de Deus, traz lampejos das verdades eternas, mas nem tudo que o homem sem Deus diz, e o que Salomão escreveu em Eclesiastes, reflete o pensamento de Deus. A sabedoria humana esbarra na realidade de um coração que, como Adão, preferiu as sugestões luciféricas à submissão de sua mente a Deus, e desta forma se opõe àquilo que era verdadeiro e bom. O homem, em seu estado natural, se encontra espiritualmente longe de Deus e não compreende as coisas de Deus.  

 

Para missiólogos, esta centelha divina no homem natural é chamado de “a semente do verbo”, ou como Don Richardson preferiu: “O fator Melquisedeque[4]. Determinados aspectos de culturas pagãs refletem traços da graça comum em suas percepções, são parciais revelações de Deus inseridas na mente do homem que possui a eternidade em seus corações (Ec 3.8), fruto da graça natural de Deus. Paulo afirma sobre os pagãos: “Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se.” (Rm 2.15) Há no coração humano este “arquétipo divino”, um certo vislumbre ainda que pálido de quem é Deus e de suas verdades. Os homens, por mais embrutecidos e ignorantes que sejam acerca das coisas de Deus ainda podem ter algumas percepções daquilo que é ética e esteticamente correto.

 

Este é o caso do escritor de Eclesiastes.

Há princípios morais, éticos e declarações religiosas neste texto que são verdadeiras na perspectiva hebraico-cristã, ainda que muitas outras sejam heréticas. Precisamos ler Eclesiastes como alguém que come um peixe com espinho, separando aquilo que é edificante daquilo que pode engasgar e matar. Apesar de ser um livro inspirado, nem todas as proposições de Eclesiastes traduzem o pensamento de Deus, muitas vezes o que vemos é o homem Salomão, longe de Deus, perdido em suas elocubraçõ



es filosóficas, tentando achar o fio condutor de sua vida, depois de ter-se afastado de Deus. Eclesiastes reflete a visão obnubilada e erodida pelo pecado, manchada pela luxúria, pelo orgulho e pela arrogância de Salomão e seu desejo de ser maior que todos e demonstrar sua opulência e riqueza. Salomão se perdeu na sua glória e luxo. Ele se distanciou de Deus e conheceu o caos, o vazio e a angústia. E Deus então disse: Escreva! Eu quero que todos entendam o que acontece com o homem quando ele resolve construir sua história rejeitando os meus princípios. Salomão encontrou apenas o vazio longe de Deus.

 

Por trazer o pensamento do homem sem Deus, este é o melhor livro para entendermos como pensa o homem distanciado de Deus, como ele age, quais seus valores e ética. Este livro se torna extremamente contemporâneo, relevante e uma poderosa ferramenta para a evangelização do homem secularizado. Um incrédulo, ao ler este livro certamente vai se identificar com seu dialético discurso e aprová-lo. Este livro, sem dúvida é proto-existencialista. É o documento mais remoto que existe sobre o existencialismo, e seu nefasto resultado: tédio, vazio, angústia e desespero. Este livro poderia ter sido escrito por Camus, Jaspers, Sartre ou até mesmo Nietzsche

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Machado de Assis, escritor brasileiro existencialista e pessimista ao extremo com a humanidade, crítico de Deus e da religião, todos os dias após o almoço, deleitava-se com porções do livro de Eclesiastes. Teria sido muito importante que ele entendesse e gostasse também do Evangelho de João.

 

Queremos ainda, reafirmar que em nenhum momento estamos negando sua inspiração. É bom lembrar que “Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça” (2 Tm 3.16) e que “tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança.” (Rm 15.4-5)


Se você deseja ler mais sobre este assunto, a segunda e terceira palestra encontram-se neste link

https://revsamucasermoes.blogspot.com/2022/03/a-sacralidade-de-eclesiastes.html


para assistir ao video:

https://www.youtube.com/watch?v=TEWzHANcNLM&t=1127s





domingo, 2 de janeiro de 2022

Salmo 116.12 Que darei ao Senhor?

 



 

 

 

Introdução

 

Esta pergunta do salmista encontra-se no cerne de toda pessoa que teme a Deus e deseja agradá-lo. O que Deus exige de mim? Qual deve ser minha atitude? Como devo viver?

 

Esta é a pergunta do salmista: “Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?”

 

O que podemos dar ao Senhor?

 

A resposta desta pergunta vai depender do conceito que você tem de Deus. Qual é o seu Deus?

  • A deusa astarote exigia que seus adoradores praticassem prostituição cultual. Um grupo de prostitutas do templo tinha relações com os homens durante o período da adoração.

§  O deus Moloque exigia sacrifícios de crianças: Os primogênitos eram consagrados pelos pais no altar e eram queimados vivos.

§  Os deuses da macumba, e do candomblé e de todas as religiões animistas do mundo, exigem sacrifícios de animais, como oferenda para aplacar sua ira e serem pacificados.

§  Os terroristas que explodiram o WTC em N York (11.Set.2001), criam que, ao terminar a sua chacina, Alá os estaria esperando do outro lado com um grupo de virgens porque eles praticaram o Jihad.

 

Fica fácil perceber que cada tipo de divindade exige oferendas diferentes. Mas o que podemos dar ao Deus verdadeiro, o criador dos céus e da terra, por todos os seus benefícios?  O que o Deus da Bíblia exige de você?

 

Muitos têm medo de seguir a Jesus porque medo da exigência. Seguir a Cristo tem um custo. Qual é o preço do discipulado. Será que estou disposto a pagar o preço?

 

É exatamente esta pergunta que o salmista está fazendo. Ele dá pelo menos três respostas à esta pergunta, e elas são surpreendentes.

 

1.     Tomarei o cálice da salvação: Esta é a resposta de acolhimento. “Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor.” (Sl 116.13)

 

Ele pergunta o que deveria dar e responde dizendo que deve receber. “Tomar o cálice da salvação”, não é fazer algo, mas é receber o que Deus está dando. Portanto, a ênfase não é no que podemos fazer, mas que resposta daremos ao que Deus já fez. A ênfase não está no que damos, mas na aceitação ao que Deus nos dá.

 

O Deus da Bíblia se apresenta como o Deus que dá. (Jo 3.16). toda resposta que podemos dar é uma resposta de amor, de gratidão, e a única resposta eficaz que você pode dar é receber o que ele lhe deu. A única resposta que podemos dar é da entrega de nós mesmos ao seu amor dadivoso. A única coisa relevante que você pode dar para Deus é você mesmo. Deus não quer seus bens, não quer sacrifícios, mas Deus quer o seu acolhimento e sua gratidão ao amor que ele tem dado através de Cristo Jesus.

 

Este é o princípio ativo da Fé.

 

Certa vez um grupo de pessoas se aproximou de Jesus com uma pergunta semelhante: "Dirigiram-se, pois, a ele, perguntando: Que faremos para realizar as obras de Deus? " (Jo 6.28). Esta pergunta parece sincera, não é mesmo? Qual resposta Jesus deu? “Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado.” (Jo 6.29)

 

A mensagem fundamental das Escrituras é que tudo o que graciosamente nos acontece, provém de Deus, e nos chega pela sua obra de misericórdia e amor. Graça é uma iniciativa livre, soberana e unilateral de Deus que se move em direção ao pecador rebelde e desobediente. Toda esta graça é recebida nas Escrituras pela mediação da fé. "Pela graça sois salvos mediante a fé, e isto não vem de vós, mas de Deus" (Ef 2.8-9).

 

Se perguntarmos à maioria dos cristãos "o que é necessário para que crescer como cristão?" A resposta invariavelmente será que precisamos ser mais dedicados, dar melhor testemunho, ler mais a Bíblia, orar mais – em geral, fazer mais coisas. Neste texto Jesus é indagado sobre as mesmas coisas: "Que faremos para realizar as obras de Deus?". Eram pessoas sinceras, querendo agradar a Deus, e não sabiam o que fazer. E Jesus afirma que "A obra de Deus é esta: que creiais” (Jo 6.28-29). Em outras palavras, a grande obra nossa é crer em Jesus, e aceitar aquilo que ele fez por nós naquela cruz.

 

É isto que vemos neste salmo: ““Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?” O salmista responde: “Tomarei o cálice da salvação.”

 

Isto não parece estranho? Não seria melhor se nos fosse dado uma lista de coisas para fazer e voltássemos para casa tentando obedecê-las? Quem sabe algumas fórmulas de "como fazer"?

-Como ser cheio do Espírito Santo.

-Como ser crente mais produtivo.

-Como ser mais fiel, etc...

 

Foi exatamente esta questão que as pessoas trouxeram a Jesus. Seria possível ter uma "lista de atividades espirituais" que pudesse agradar a Deus? E Jesus certamente os surpreende ao dizer: "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado.” (Jo 6.28-29). A obra é crer naquilo que Cristo fez. Quando Jesus explicava o projeto de Deus a Nicodemos, no final de sua conversa, ele lhe diz: “Quem nele crê (no seu Filho Unigênito), não é julgado; o que não crê já está julgado; porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” (Jo 3.18)

 

Ora, o que Jesus diz é absolutamente contrário ao princípio essencial de todo homem e mulher religiosos. Instintivamente não damos uma resposta baseada na fé, pelo contrário, procuramos fazer uma lista de coisas que são boas do ponto de vista da religião, para agradar a Deus. Esquecemo-nos que não somos salvos pelo amor que exercitamos, mas pelo amor que nos acolheu.

 

  1. Cumprirei os meus votos ao Senhor – Esta é a resposta de obediência. “Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo.” (Sl 116.14)

 

Toda obediência bíblica precisa ser colocada na perspectiva certa. Nós não fazemos para sermos salvos, mas fazemos porque já somos salvos. Não somos salvos pelas boas obras, mas para boas obras.

 

Ao cumprirmos nossos votos ao Senhor, simplesmente estamos dando uma resposta de obediência em amor. Não sou salvo porque obedeço, mas obedeço por que sou salvo. Não sou salvo pelas obras mas para boas obras (Ef 2.10). A obediência apenas revela em mim a graça de Jesus e minha alegria em servi-lo.

 

A tensão de realizar

Muitos cristãos ainda hoje vivem sob constante peso de condenação. Quando a base de nossa atividade cristã depende de algo que vem de nós mesmos, nossa força de vontade, nossa determinação, nossa capacidade espiritual, então não há como escapar do senso de culpa, pois nunca poderemos ter certeza de que fizemos o suficiente. Esta atividade frenética leva a exaustão e ao cansaço. Se ao menos crêssemos que a "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Que Deus já nos ama, e nada que fizermos ou deixarmos de fazer vai modificar o fato do amor de Deus por nós. A base de nossas obras deve ser nossa gratidão, porque Deus já se agradou, em Jesus de nós, e não para tentar convencer a Deus de se agradar de nós.

 

O Evangelho denuncia todo esforço humano, relativizando-o, e mostrando que para agradar a Deus é necessário colocar a confiança em Jesus, não nos nossos esforços.

 

O Dr. Gerstner, descreve a situação do homem, por natureza orgulhoso, assim:

 

"Cristo fez tudo quanto é necessário para a nossa salvação. Coisa alguma se posta agora no caminho, entre o pecador e o Senhor Deus, exceto as 'boas obras' do pecador. Coisa alguma pode impedi-lo de vir a Cristo, exceto a sua ilusão de que não precisa dEle(...) Se ao menos os homens pudessem ser convencidos de que não tem justiça própria (...) e que todos estão sujeitos ao pecado – então, nada poderia obstaculizar-lhes a salvação eterna. Tudo o de que necessitam é do senso de sua necessidade. Tudo quanto devem ter é o nada. Tudo quanto se requer deles é que reconheçam a sua culpa. Infelizmente, porém, os pecados não sabem separar-se de suas virtudes. Tais virtudes são todas imaginárias, mas lhe parecem extremamente reais. Por outra parte, a graça divina lhes parece irreal. Desprezam a autêntica graça de Deus a fim de se apegarem às suas próprias ilusórias virtudes. Com os olhos fixos em uma miragem, negam-se a beber a verdadeira água. E sucumbem de sede em meio ao oceano da graça divina".

 

Paulo pergunta: "recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3.2). Como é que o Espírito Santo vem para nossa vida, senão quando reconhecemos nosso pecado, nossa incapacidade e olhamos confiantemente para Jesus.

 

  1. Oferecer-te-ei sacrifícios de ações de graças – “Oferecer-te-ei sacrifícios de ações de graças e invocarei o nome do Senhor.” (Sl 116.17)

 

Quando ouvimos falar de sacrifício, pensamos imediatamente nos enormes imposições, normas e leis que as religiões impõem sobre seus fieis. Mas leiam com atenção. Qual é o sacrifício que Deus exige? “Sacrifícios de ações de graças.” Portanto, não são sacrifícios redentivos, mas de louvores.

 

No Antigo Testamento existiam diferentes sacrifícios, entre eles:

  1. Sacrifícios de holocaustos, para expiação de pecado
  2. Ofertas pacíficas, de aroma suave ao Senhor.

 

No Novo Testamento, o autor aos Hebreus fala da necessidade de fazermos sacrifícios a Deus. “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome. Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação, pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz” (Hb 13.15). Ele também fala de dois tipos de sacrifícios.

 

  1. Sacrifícios de ações de graças. Este é o “sacrifício de louvor”. De adoração, de um coração que se sente amado e, em resposta, glorifica a Deus. Precisamos ter sempre em mente que tudo o que fazemos para Deus é adoração. Corações gratos oferecem louvores a Deus, prestam cultos a Deus, ofertam suas vidas a Deus, seus talentos, dons, tempo e dinheiro. Este é o sacrifício que Dr. Russel Shedd chama de “muito obrigado!”

 

  1. Prática do bem. Da mesma forma, Deus aceita o sacrifício que fazemos de boas obras e generosidade. “Porque o serviço desta assistência, não só supre a necessidade dos santos, mas também redunda em muitas graças a Deus.” (2 Co 9.12). Quando dispomos o que temos e somos para cuidar dos outros, isto gera benção para quem recebe, mas se transforme em enorme resposta de amor e redunda em muitas graças a Deus.  

 

 

 

Conclusão

 

Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?” A resposta mais correta: Não é que você dá, mas como você recebe o que Deus lhe oferece. Receber traz glória ao seu nome. É isto que Deus espera de você, que aceite o presente que ele lhe deu: a salvação em Cristo Jesus.

 

Isto não parece tão pouco a nós que agimos no sistema operacional da lei? Que sempre achamos que devemos fazer para sermos agradáveis a Deus? Como isto funciona?

 

É bom entender que ninguém gosta de relacionamentos manipulativos. Deus não quer se relacionar conosco numa base de troca. Muitos se aproximam de Deus, por causa do benefício que ele dá, ou por medo de serem punidos. Muitas vezes lesamos a Deus até mesmo no nosso suposto e falso arrependimento, que nada mais é que uma tentativa de ganhar o seu favor. Arrependimento para fugir da pena, para sermos isentos da condenação. Qual de nós gostaria de ter um relacionamento com alguém que supostamente se arrepende, mas que na verdade nos quer manipular com atitude piegas, de falsa piedade malandra e cheia de máscara?

 

E fácil relacionar com um ser que lhe ama? Sim e não! Sabe o que muda? O amor. Ouvimos muito falar de que quem não vem pelo amor, vem pela dor, mas Bíblia nos diz que é ´a bondade do Senhor quem nos conduz ao arrependimento.” (Rm 2.4). A verdadeira transformação acontece para aqueles que experimentam a bondade de Deus, o amor de Deus, e respondem a este amor desta forma.

 

Uma história apócrifa sobre os discípulos de Jesus, nos ajuda a ilustrar a questão:

 

Um dia, disse Jesus aos discípulos: “Gostaria que carregassem uma pedra para mim.” E não deu qualquer explicação. Então, os discípulos procuraram pedras para carregar consigo.

 

Pedro, prático como era, procurou pela menor pedra que pudesse encontrar. Afinal, Jesus não havia dito nada sobre o tamanho e peso! Assim, colocou uma pedra no bolso. Jesus então disse: “Sigam-me.” E eles deram início a uma caminhada.

 

Por volta do meio dia, Jesus pediu que todos se sentassem. Fez um meneio com as mãos e todas as pedras se transformaram em pão. Então, disse: “É hora de comer.” A pedra de Pedro era muito pequena e com apenas uma mordida ela acabou. E depois de terminada a refeição, Jesus pediu que todos se levantassem. Tornou a dizer: “Gostaria que carregassem uma pedra para mim.”

 

Desta vez, Pedro pensou: “Aha! Agora entendo!” olhou em volta e viu uma pedra maior, suspendeu-a sobre os ombros, e começou a carregar aquele enorme peso. Na sua mente ele só tinha um pensamento: “Vai valer a pena pelo jantar.” Então Jesus disse: “Sigam-me.” E eles deram início a outra caminhada, e Pedro mal conseguia acompanhar o grupo.

 

Por volta do horário do jantar, Jesus os conduziu para a margem de um rio. Disse: “Agora, quero que todos joguem as pedras na água.” E assim foi feito. Depois acrescentou: “Sigam-me”, e começou a andar. Pedro e os outros olharam para ele, embasbacados. Pedro questionou. De fato ele não havia entendido nada do que havia acontecido. Jesus entendendo a perplexidade não apenas de Pedro, mas de todos os demais, disse: “Não se lembram do que eu pedi que fizessem? Que carregassem a pedra por mim. Por quem vocês carregaram as pedras?[1]

 

Pedro agiu como o irmão mais velho da parábola do “filho pródigo”. Assim como todos costumamos agir. O irmão mais velho acaba revelando o lado maligno de sua obediência. Ele não obedecia porque amava o Pai e desejava honrá-lo. De fato, ele não desfrutava e nem valorizava a presença do Pai em sua vida;  tudo que lhe interessava eram os benefícios e as garantias desta presença.

 

A atitude do irmão mais velho na parábola do “filho pródigo”, nos ajuda a pensar em uma séria questão. Qual a motivação de nossa obediência a Deus? Quando buscamos a santidade, fazemos por culpa ou medo da punição? Ou quem sabe, nossa retidão é motivada pela esperança de um galardão ou até de benefícios divinos liberados ao longo de nossas vidas? Esta não é a resposta de amor e gratidão que Deus deseja. Este não é o sacrifício que Cristo deseja.

 

Então considere a seriedade da afirmação deste texto que estudamos hoje: Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigoTomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor.” (Sl 116.13)

 

 

 

 

 

 

 



[1] Elisabeth Elliot. These strange ashes”, citada no livro ” O Deus pródigo” de Timothy Keller, publicado pela Thomas Nelson Brasil.