domingo, 30 de outubro de 2022

Ne 1.1-11 Liderando em tempos de caos

 



 

 

 

Introdução

 

Há sempre uma tendência de acharmos que os dias atuais sempre são os piores. No conhecido poema de Tim Cox, Filtro Solar, ele diz:

 

Aceite certas verdades inescapáveis:
Os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você
também vai envelhecer.
E quando isso acontecer você vai fantasiar que quando
era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram
decentes,
E as crianças respeitavam os mais velhos.

 

O apostolo Paulo foi sábio ao afirmar que devemos remir o tempo, porque os dias são maus (Ef 5.15). Remir o tempo significa usá-lo da melhor forma possível, otimizar e aproveitar cada oportunidade. Entender que o tempo não é inesgotável, e que o homem de Deus exerce sua mordomia de forma sábia.

 

Os dias maus são os dias nos quais as tragédias nos atingem, e o caos parece dominar. Nestes dias, pensamentos e sentimentos se confundem e as forças parecem se esgotar. São dias de trevas, de dor e angústia.

 

Em dias normais, liderar é uma arte e um desafio. Por esta razão as pessoas fogem da liderança. Liderar exige criatividade, ousadia, planejamento, tenacidade, perseverança, coragem e enfrentamento. Liderar em dias maus, contudo, se constitui numa tarefa duplamente difícil.

 

Foi num contexto absolutamente adverso e caótico, que Neemias assumiu a grande tarefa de reconstruir os muros da cidade de Jerusalém e restaurar a cidade de seus pais. O livro de Neemias é um livro sobre coragem e fé, mas é um livro que fala de estratégia e liderança. Bons textos já foram escritos sobre a liderança de Neemias. Neste estudo, gostaria de analisar este livro, na perspectiva do caos. Como liderar em dias de caos, quando a desordem e a desesperança parecem dominar? O que fez de Neemias um grande líder?

 

Liderando em tempos de caos

 

Alguns princípios podem ser extraídos deste texto.

 

1.     Lidere a parte da realidade e não a partir da utopia. Creio que este é o primeiro grande desafio de qualquer líder.

 

Temos facilidade de romantizar, criar falsas expectativas e achar que as coisas não são ou não estão tão ruins quanto parecem. O resultado desta ótica equivocada é frustração e desencorajamento quando nos depararmos com a realidade brutal.

 

Neemias liderou a reconstrução de Jerusalém, mas ele tinha uma exata leitura da realidade.

 

Disseram-me: Os restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas portas, queimadas.” (Ne 1.3) Ele sabia das reais condições e desafios que iria enfrentar diante de si.

 

Muitas vezes vejo pastores assumindo campos, tentando plantar igreja sem terem a compreensão dos grandes desafios que enfrentarão. Eles acham que os desafios não serão tão grandes e fantasiam que a tarefa não será tão difícil, afinal, eles estão fazendo a obra de Deus. O resultado é um gigantesco fracasso e tudo porque não foram capazes de avaliar corretamente tudo quanto teriam pela frente.

 

Quando Paulo escreveu a Tito, ele afirmou: “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes.”  (Tt 1.4) Paulo havia conversado claramente com Tito sobre os desafios que ele teria em plantar uma igreja num contexto transcultural e numa sociedade tão complexa. Veja como Paulo descreve com dureza e objetividade a realidade daquela comunidade e dos habitantes de Creta.

 

Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância. Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. Tal testemunho é exato. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé.” (Tt 1.10-13)

 

Paulo os descreve como pessoas com sérios problemas de caráter. Eles eram mentirosos. Paulo os descreve como pessoas perigosas, “feras terríveis”, e marcados pela displicência e indolência: eram preguiçosos, não gostavam de trabalhar. Não é uma descrição muito boa de um campo missionário, não acham?  Aliás, a palavra cretino vem de Creta. Não é bem sugestivo?

 

Ter a compreensão da realidade e do desafio nos ajuda a não alimentar qualquer ilusão, e não assumirmos a tarefa enganados. É preciso olhar com realismo o desafio que temos diante de nós.

 

Quando estava saindo dos Estados Unidos, assumindo o pastorado da Igreja de Anápolis, um querido presbítero me procurou e disse:

-“Eh pastor, indo embora e deixando os pepinos para trás...”

e eu respondi: -“Eh, mas para onde vou, também tem pepino”.

E ele ironicamente respondeu: -“Mas é pepino de horta nova.”

E eu retruquei: -“Pepino de horta nova tem gosto diferente de pepino de horta velha?”

 

Quando enfrentarmos um desafio, devemos enfrentar com clareza e lucidez. Não há qualquer problema em assumir liderança em uma tarefa difícil, mas ao assumir, faça sabendo qual é a real situação. Neemias sabia da realidade de Jerusalém, ele não assumiu a tarefa sem compreensão das dificuldades, antes assumiu porque entendeu as dificuldades. Isto o preparou psicologicamente para as lutas que teria de enfrentar.

 

Quando assumirmos um trabalho, por menor que seja, devemos sempre levar em conta sua realidade, e o que Deus deseja de nós. Não importa quão grande seja o desafio, desde que saibamos da realidade e entendermos que Deus nos quer ali para “por em ordem as coisas restantes”, como aconteceu com Tito. Assuma, pois, a tarefa, sem vitimismo, ilusões ou fantasias.

 

Uma coisa que pode sempre nos sustentar é a compreensão de que “o salário para quem trabalha para Deus não é grande coisa, mas a aposentadoria é doutro mundo.”

 

2.     Lidere orando, dependendo realmente de Deus

 

Este é o segundo princípio que observamos aqui neste texto. Neemias sabia que ele não poderia realizar a tarefa sem que a graça de Deus estivesse abundantemente sobre ele. Ele então, se aproxima de Deus, com uma agenda de oração, para receber a benção para realizar a obra.

 

“Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus. E disse: ah! Senhor, Deus dos céus, Deus grande e temível, que guardas a aliança e a misericórdia para com aqueles que te amam e guardam os teus mandamentos! Estejam, pois, atentos os teus ouvidos, e os teus olhos, abertos, para acudires à oração do teu servo, que hoje faço à tua presença, dia e noite, pelos filhos de Israel, teus servos; e faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel, os quais temos cometido contra ti; pois eu e a casa de meu pai temos pecado. Temos procedido de todo corruptamente contra ti, não temos guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos que ordenaste a Moisés, teu servo.” (Ne 1.4-7)

 

Sua oração é profunda, densa, marcada por súplica e lágrimas. Não era uma oração superficial. Tenho observado, a partir das minhas próprias orações que geralmente oramos de forma superficial, olhando muito para as necessidades pessoais e das pessoas que amamos e que fazem parte de nosso pequeno círculo de relacionamentos. Nada errado em orar de forma intimista, mas nossas orações precisam ser mais profundas e mais abrangentes. Certa pessoa recomendou que as orações, na verdade, deveriam ser, de fora para dentro. Começando na periferia, em assuntos distantes como conflitos entre as nações e os campos missionários, para depois chegar até nossa comunidade e por fim, às nossas necessidades pessoais. Acho que é uma forma interessante de orar.

 

Neemias ora de forma intensa, assim como foi a oração de Elias. A Bíblia diz que “Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu. E orou, de novo, e o céu deu chuva, e a terra fez germinar seus frutos.” (Tg 5.17,18)

 

Já pararam para refletir sobre a oração de Elias? O que ela tem de especial? A Bíblia afirma que ele orou “com instância.” Alguns creem que esta palavra tem a ver com perseverança, mas a ideia aqui é “intensidade”. Elias foi intenso na sua oração. O grande desafio não é apenas orar, mas orar com mais empenho, ou como bem afirmou Billy Graham: “Ore, até que você ore! Ore até que você e Deus sejam íntimos amigos”. As duas afirmações fazem muito sentido. Oh, como eu gostaria que minhas orações tivessem mais intensidade e foco...

 

Na oração de Neemias, ele ora a partir da compreensão da dura e calamitosa situação da cidade santa. Nossas orações tornam-se mais intensas, na medida em que consideramos a intensidade do nosso pecado, individual e coletivo. A gravidade do problema pode ser um fator motivacional para as orações, gerando uma espécie de ação espiritual. Ao considerarmos que aqueles que amamos encontram-se em situação de calamidade e ruína, podemos ser levados ao profundo desejo de ver algo novo e significativo acontecendo. Orações feitas em tempos de angústia anseiam um profundo mover de Deus onde há apenas escombros. Neemias ora intensamente a partir do momento que recebe a notícia da situação de seu povo que havia ficado em Jerusalém depois da invasão, ele ouviu falar do caos e da dor daqueles irmãos que ficaram na terra, e ora a partir da angústia e sofrimento. É importante saber que nossas orações sempre serão direcionadas para onde move o nosso coração, afinal, quem ama se compromete.

 

3.     Lidere com os olhos fixos nas promessas de Deus

 

Neemias ora partir das Escrituras Sagradas, daquilo que Deus havia declarado na história e com as verdades reveladas por Deus decide liderar a reconstrução dos muros do templo e de Jerusalém. Ele leu nos livros sagrados que a desobediência espalharia seu povo e o dispersaria, mas leu também que se houvesse quebrantamento e retorno a Deus seriam restaurados.

 

A Bíblia afirma sempre há o sim que nas promessas de Deus, “Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim.” (2 co 1.20) Quando Deus faz uma promessa, podemos agir baseado naquilo que ele disse. O sim de Deus não é para o que desejamos, nem para o que dizemos que é, seu sim está fundamentado em suas promessas. “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23.19) No sim de Deus não temos o talvez, Não é uma aposta, nem salto no escuro. O justo vive pela fé, nas promessas de Deus.

 

Veja como ele estrutura sua oração nas promessas de Deus.

E disse: ah! Senhor, Deus dos céus, Deus grande e temível, que guardas a aliança e a misericórdia para com aqueles que te amam e guardam os teus mandamentos!
Lembra-te da palavra que ordenaste a Moisés, teu servo, dizendo: Se transgredirdes, eu vos espalharei por entre os povos; mas, se vos converterdes a mim, e guardardes os meus mandamentos, e os cumprirdes, então, ainda que os vossos rejeitados estejam pelas extremidades do céu, de lá os ajuntarei e os trarei para o lugar que tenho escolhido para ali fazer habitar o meu nome
.”(Ne 1.5,8-9)


Neemias se recorda dos mandamentos de Deus, e a partir daquilo que Deus disse, ele decide retornar a Jerusalém. Sua liderança está baseada na Palavra: um olho na história, e outro nas Escrituras. Se olhamos apenas a realidade, ficamos desiludidos e desanimados, mas se olharmos as promessas, podemos vislumbrar o que o Senhor é capaz de fazer. Deus não diz nada novo a Neemias pois ele já tem a Palavra para guiá-lo. Muitos estão buscando novas profecias e revelações, Neemias, pelo contrário, busca os mandamentos de Deus para validar e estruturar sua oração e ação. Ele procura lembrar a Deus das suas promessas. “Lembra-te da palavra que ordenaste a Moisés.”

 

Esta ideia de “lembrar o Senhor”, é muito interessante. Será que Deus tem uma memória ruim e eventualmente sofre de amnésia? O salmista na sua crise indaga: “Esqueceu-se Deus de ser benigno?” O profeta Isaias é ainda mais contundente e enfático:

 

Sobre os teus muros, ó Jerusalém, pus guardas, que todo o dia e toda a noite jamais se calarão; vós, os que fareis lembrado o Senhor, não descanseis, nem deis a ele descanso até que restabeleça Jerusalém e a ponha por objeto de louvor na terra.” (Is 62.6,7)

 

Esta é uma simbologia interessante. Quando nossa liderança está baseada nas promessas de Deus, nós nos tornamos ousados, porque fazemos firmados nas promessas de Deus, lembrando suas palavras. Neemias ora e se sente impulsionado a agir e restaurar Jerusalém, porque tem promessas na Palavra. Esta, é uma das maneiras mais eficazes de orar, e esta deve ser a base de nossa liderança. Deus realmente está interessado neste projeto? Isto é vontade de Deus? Ele quer que sigamos nesta direção?

 

Muitas vezes precisamos liderar ouvindo as palavras do salmista: “Os que com lágrimas semeiam, com júbilo ceifarão.” (Sl 126.4) Quando fazemos nossas atividades olhando as promessas de Deus nos animamos. Vou semear, mas vou colher. A semente que eu jogar no chão não vai se perder, Deus vai enviar colheita abundante. Ainda que hoje tenha que semear com lágrimas, o Senhor dá certeza de ter a benção da ceifa.

 

Esta é a recomendação bíblica: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.” (1 Co 15.58)

 

Plantemos, sejamos abundantes e intensos na obra do Senhor. Fazer grandes coisas para Deus e esperar grandes colheitas de Deus. Não estamos plantando inseguros, mas confiantes. Como um semeador que lança sua semente com esperança dos feixes. Liderar assim é desafiador e encorajador, afinal, “aquele que semeia, cumpre fazê-lo com esperança.” (1 Co 9.10)

 

4.     Lidere com planejamento e estratégia

 

Neemias sabia o que ele queria fazer, mas isto não era bastante. Ele precisava entender como deveria fazer. Então, ele elaborou um plano, e segue as mesmas estratégias das formulações teóricas sobre liderança que ainda hoje são aplicadas. Ele responde alguns “Ws” que as empresas americanas empregam atualmente: “Who, Whom, What, Where, When, Why.” – Quem, o que, onde e quando. Eles acrescentam ainda um “How” (Como) e um “How much” (quanto)

 

A.    What? – “O que você quer?” Quando o rei começou a conversar com Neemias, esta foi uma das primeiras perguntas: “Disse-me o rei: Que me pedes agora?” (Ne 2.4).

 

Um dos princípios claros de liderança diz: “Se você não sabe aonde quer chegar, todos os ventos parecem contrários.” O rei deseja saber de Neemias o que ele queria. Saber o que queremos nos ajuda a pensar no quando, onde e como. Precisamos clarificar o alvo, saber o que estamos desejando fazer. Muitas vezes nossa visão é muito obscura sobre os alvos que desejamos, e o resultado é frustração e fracasso.

 

Sua resposta é clara:

 

“...peço-te que me envies a Judá, à cidade dos sepulcros de meus pais, para que eu a reedifique.” (Ne 2.5).

 

B.     When?  – “Quando você pretende fazer isto?” Às vezes o plano é bom, mas não é exequível para o momento, ele precisa de mais amadurecimento. O quando fala do tempo, das etapas, da velocidade. O rei, novamente pergunta:

 

Então, o rei, estando a rainha assentada junto dele, me disse: Quanto durará a tua ausência? Quando voltarás? Aprouve ao rei enviar-me, e marquei certo prazo.” (Ne 2.6).

 

Projetos precisam de tempo para execução. É necessário ter ideia de começo, meio e fim. Embora a pergunta inicial seja “Quanto durará a tua ausência?”, é possível perceber que ele não estava falando de custo, mas de tempo. A pergunta seguinte: “Quando voltarás?”, é ainda mais objetiva e direta. A resposta de Neemias demonstra como ele tinha ideia do tempo que duraria seu projeto: “marquei certo prazo.” Não era um projeto vago e nebuloso. Tinha tempo para execução.

 

C.    Where? “Aonde você quer chegar?” Tem a ver com a direção. Neemias sabia claramente que seu alvo era ir a Jerusalém e restaurar os muros da cidade. “E ainda disse ao rei: Se ao rei parece bem, deem-se-me cartas para os governadores dalém do Eufrates, para que me permitam passar e entrar em Judá.” (Ne 2.7)

 

Muitas vezes vivemos como um judeu errante. Sem lenço e sem documento. Uma espécie de “Forest Gum”, que faz as coisas sem objetividade no que faz. Neemias sabia onde ele queria chegar. Seu alvo era restaurar a cidade de seus pais.

 

D.    Whom? “Com quem você pode contar? Quem deve estar contigo nesta empreitada?”

 

Neemias sabe muito bem com quem ele precisa se associar para atingir seus objetivos.

 

Primeiro, ele precisa da simpatia e aprovação do rei. Que veio de forma integral e irrestrita. O rei era indispensável para ele atingir seus objetivos.

 

“...Concede que seja bem-sucedido hoje o teu servo e dá-lhe mercê perante este homem. Nesse tempo eu era copeiro do rei.” (Ne 1.11)


Segundo ele precisava de apoio politico dos governadores dalém do Eufrates, para que pudesse entrar sem barreiras em Jerusalém. Sem estas cartas do rei e o apoio dos que governavam aquela região, seria impossível qualquer projeto.

 

“E ainda disse ao rei: Se ao rei parece bem, deem-se-me cartas para os governadores dalém do Eufrates, para que me permitam passar e entrar em Judá.” (Ne 2.7)

 

Terceiro, ele precisava de carta para os homens que eram responsáveis pelas florestas controladas pelo governo imperial, caso contrário ele não teria a madeira necessária para as reformas necessárias.

 

“Como também carta para Asafe, guarda das matas do rei, para que me dê madeira para as vigas das portas da cidadela do templo, para os muros da cidade e para a casa em que deverei alojar-me. E o rei mas deu, porque a boa mão do meu Deus era comigo.” (Ne 2.8)

 

E.     How Much? Ele precisava ainda de recursos financeiros, de provisão. Não seria possível realizar o projeto sem orçamento e verba. Ele precisava de recursos.

 

Primeiro, ele pede que o rei lhe envie. Isto parece garantir algum sustento. Ele era “enviado pelo rei”, isto atrai recursos e disponibiliza os aspectos pecuniários.

 

Segundo, ele pede madeira: “para que me dê madeira para as vigas das portas da cidadela do templo,” Era um tipo de madeira especifica, que não era encontrada na região da Judeia, que era basicamente cercada pelo deserto. Ela tinha que vir do Libano num caro e deficil processo de transporte.

 

Muitos querem fazer a obra de Deus, sem planejamento financeiro, sem recursos, em nome da fé. “Deus vai providenciar.” Obviamente sabemos que toda provisão vem de Deus, mas a dependência de Deus não exclui o planejamento e a provisão necessária. Neemias sabia do que era necessário e qual seria o custo financeiro de um projeto como este.

 

Jesus afirma:

"Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se senta primeiro a calcular as despesas, para ver se tem com que a acabar?” (Lc 14.28)

 

É preciso ter fé, mas não precisa ser irresponsável. Precisamos saber o custo de cada projeto que intentamos realizar.

 

F.     How?  - Isto tem a ver com o como: Etapas, estratégias, planos. Como isto seria realizado?

 

Esta é a diferença básica entre o sonhador e o idealizador. O sonhador quer chegar no topo, mas não sabe como e acha que é possível fazer sem nenhuma estratégia. O idealizador é aquele que quer chegar ao topo, mas sabe exatamente o que cada etapa vai exigir. Isto faz a diferença entre sucesso e fracasso.

 

Os recursos são limitados, e os desafios são imensos. Não é possível dar passos maiores que as pernas.

 

G.    Why? – Isto tem a ver com a motivação. Por que desejo fazer isto? Muito dos nossos sonhos, na verdade, tem a ver mais com nossa vaidade pessoal que com a glória de Deus.

 

A motivação é fundamental para a realização de um projeto. Isto vai glorificar a Deus? Tem a ver com o reino de Deus? Neemias vê seu projeto como algo que traz glória ao nome de Deus.

 

Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do teu servo e à dos teus servos que se agradam de temer o teu nome.” (Ne 1.11).

 

Ele associa seu projeto ao fato de temer a Deus. Ele deseja fazer isto porque ele é um homem que “se agrada de temer o nome de Deus.” O temor a Deus o impulsiona, o desejo de agradar a Deus é o que o motiva. Ele saiu de sua zona de conforto, embrenhando-se num campo marcado por oposição, para resgatar a glória do povo de Deus e a glória do Deus de Israel.

 

A maior motivação para evangelizar, servir, ou realizar qualquer projeto tem que ser a glória de Deus. A vaidade, a reputação, o desejo de impressionar outros sempre é algo muito atraente e fascinante, mas tudo perde o sentido se Deus não for a razão única e maior.

 

5.     Lidere tendo certeza de que haverá oposição.

 

Muitas vezes queremos fazer a obra ignorando a realidade da oposição e facilmente nos sentimos desencorajados quando surgem as críticas. Existe uma famosa frase de John Kennedy que diz: "Sempre se ouvirão vozes em discordância, expressando oposição sem alternativa, descobrindo o errado e nunca o certo, encontrando escuridão em toda parte e procurando exercer influência sem aceitar responsabilidade."

 

Neemias teve que enfrentar fortes oposições e lutas, tanto externas quanto internas. Algumas situações foram muito tensas. Podemos citar uma destas oposições que se encontra logo no segundo capítulo: “Porém Sambalate, o horonita, e Tobias, o servo amonita, e Gesém, o arábio, quando o souberam, zombaram de nós, e nos desprezaram, e disseram: Que é isso que fazeis? Quereis rebelar-vos contra o rei?” (Ne 2.19)

 

Não podemos realizar a obra sem entendermos a realidade e a natureza da oposição. A resistência à obra de Deus nos atinge de forma pessoal, familiar, emocional e espiritual. Ironicamente alguém declarou: “Se você acorda de manhã e não se encontra com o diabo, você está seguindo na direção errada.” Como aconteceu com Neemias, Satanás usa seus agentes. Neemias teve forte oposição de Sambalá e Tobias, pois com sua chegada eles perderam muito de seu prestígio e influência, além do mais, eles eram desfavoráveis à reconstrução de Jerusalém. Eles queriam a cidade destruída e sob monturos, pois eram inimigos da causa do Senhor.

 

Portanto, quando você decidir se envolver na obra do Senhor, e assumir liderança em um projeto que traz glória ao nome do Senhor, espere oposição.

 

6.     Lidere compreendendo sua condição e quem é que faz a obra

 

Precisamos ainda, entender que tudo tem a ver com Deus, e não conosco. Neemias tinha uma compreensão muito clara de que, se alguma coisa estava dando certo e caminhando bem, isto tinha a ver com a graça de Deus. “E o rei mas deu, porque a boa mão do meu Deus era comigo.” (Ne 2.8) Ele não atribui o sucesso da empreitada à sua capacidade de logística e de planejamento, nem ao seu charme ou competência. Tudo o que estava acontecendo, na sua visão, tinha a ver com a graça de Deus em ação. Era Deus fazendo.

 

Podemos ser usados, mas é Deus quem faz a obra avançar. Na visão de Neemias, o rei lhe havia dado porque a mão de Deus estava com ele. Encontrar graça e favor, conseguir levantar os recursos e executar a obra, não era tanto por causa de seus recursos pessoais, mas por causa da intervenção de Deus.

 

Isto nos ajuda a entender quem somos.

Eu plantei, Apolo regou, mas quem dá o crescimento é Deus.” (1 Co 3.6).

 

Todos os recursos, toda a riqueza, toda graça vem de Deus. No livro de Ageu lemos: “...Trabalhai, porque eu sou convosco, diz o Senhor dos Exércitos; Minha é a prata, meu é o ouro, diz o Senhor dos Exércitos.” (Ag 2.4,8)

 

Temos que trabalhar sabendo da graça de Deus em andar conosco. O que nos move a semear é a compreensão de que o Deus da vida é que faz a semente germinar e faz os frutos brotarem. Ele tem todos os recursos. A prata e o ouro lhe pertencem. Portanto, façamos a obra sabendo quem é que faz... o próprio Deus é quem dinamiza, energiza, capacita, dá os recursos e força necessário para que sua obra avance.

 

Conclusão

 

Liderança é uma árdua tarefa. Erwin MacMannus (força em movimento), faz o seguinte comentário:

“Liderança não consiste na capacidade de determinar quanto o futuro oferece. É a disposição de seguir em frente quando tudo o que você conhece é Deus. Com mais frequência que gostaríamos de admitir, simplesmente desconhecemos o próximo passo. Mas se o nosso coração está ligado ao de Deus, nunca estamos perdidos. Deus nos convida continuamente a crer que seu futuro é ainda melhor do que todo o passado que temos vivido com ele.”

 

Vivemos tempos confusos e caóticos. Os valores estão sendo questionados, autoridade sendo rejeitada e a verdade sendo suprimida e negada. Estamos no meio de uma geração pervertida e corrupta, uma sociedade em desordem. Deus deseja homens e mulheres que se levantem neste tempo para dar ordem, direção e sentido. Deus nos chama para este tempo.

 

Como nos tempos de Neemias, Deus ainda continua levantando homens, inquietando corações, e dando ousadia para tarefas simples e para missões arriscadas. Deus faz tudo por meio daqueles a quem ele mesmo chama, vocaciona, capacita e envia. Podemos enfrentar dificuldades, angústias e medos na tarefa de liderar, mas quando Deus chama, ele capacita e dá os recursos. Quando nos dispomos a ser servos, instrumentos, ele pode fazer através de nós, por meio de nós, e a despeito de nós, muito mais do que imaginamos.

 


O Papel da Liderança na revitalização de igrejas

 

 


 

 

 

Introdução

 

 

Uma das afirmações mais enfáticas de John Maxwell é a seguinte: “Tudo se levanta e cai em liderança.” O Segredo para o sucesso de uma instituição está na capacidade de seus líderes em conduzir bem sua tarefa. Obviamente, em se tratando de igrejas, sabemos que Paulo pode plantar, Apolo pode regar, mas quem dá o crescimento é Deus. O progresso de uma igreja não depende apenas da capacidade e do carisma do líder. Existem outros fatores subjetivos como o plano de Deus e a ação do Espírito Santo, que, felizmente, não podemos controlar. Ele é Deus, e faz as coisas como lhe apraz. “O Espírito sopra onde quer. “ Portanto, se Deus não fizer, nada acontecerá, porque a obra é dele.

 

Não estaríamos errados se parássemos apenas neste primeiro parágrafo. Entretanto, Deus dá aos seus servos inteligência, competência e quando lemos as Sagradas Escrituras observamos que, apesar de ser Deus o agente, ele nunca prescinde da criatividade, inteligência e esmero de seus liderados. Paulo conhecia muito bem “a teologia calvinista” da soberania de Deus, mas ele disse que se afadigava e esmurrava seu corpo para, “de algum modo, ganhar alguns.” Ele não cruzava os braços por causa da soberania de Deus, antes, pregava, convencia, ensinava as pessoas acerca do evangelho. Ele entendia bem seu papel na economia divina.

 

Um dos princípios de gerenciamento é que se quisermos que nossos negócios sobrevivam temos que planejar cuidadosamente para o futuro. Não podemos simplesmente continuar no dia a dia e esperar que tudo vai dar certo. "Se você não sabe em que porto quer chegar, todos os ventos lhe parecem contrário". Precisamos decidir os alvos mais importantes e prioritários. No mundo empresarial, homens estão planejando para os próximos anos.

 

Quando se planeja, antecipa-se o futuro, evita-se erros, gastos supérfluos e concentra-se naquilo que realmente se deseja alcançar. Precisamos definir onde queremos chegar, porque se deseja chegar até lá, e como se chega lá. O onde aponta a direção, o porque define a filosofia, e o como vê os recursos. Quando se planeja, torna-se mais fácil perceber as oportunidades e os perigos. O planejamento demora a ser feito, mas sem ele, nunca se pode saber como tudo vai acabar.

 

Por esta razão, a liderança se torna essencial no avanço da obra. Nada pode ser mais danoso para uma igreja local que uma liderança desencorajada, desanimada e sem empolgação. Não existe possibilidade de revitalizar a igreja se não houver uma liderança revitalizada. Alguns até afirmam que a grande tarefa não é a revitalização das igrejas, mas a revitalização dos pastores.

 

Podemos iniciar falando de quatro atitudes que se espera de uma liderança no processo de revitalização:

 

A.    Envolvimento. Se quisermos que as coisas caminhem bem e de forma dinâmica, a liderança precisa estar envolvida.

 

Um ditado mineiro afirma que “o que engorda o gado é o olho do dono.” Se a liderança não está envolvida com seu tempo, talentos e bens, não devemos esperar que a comunidade se envolva. Precisamos de liderança participativa. Muitas vezes nossos líderes estão distanciados da realidade da igreja. Exigem fidelidade, mas são infiéis; cobram generosidade, mas não são generosos; falam de presença mas estão ausentes. É difícil ser eficaz na liderança se estamos afastados da realidade da comunidade.

 

B.    Obediência à Palavra. Líderes infiéis comprometem a igreja. Nenhuma igreja vai além de sua liderança. Portanto, não espere avanço com liderança infiel.

 

Isto é algo espiritual. Não espere uma igreja disposta a contribuir se seus líderes não são contribuintes. Não espere uma igreja envolvida na oração se seus líderes não estão envolvidos nesta atividade da igreja. Líderes obedientes e servos, impulsionam a vida de seus liderados. Eles obedecem à Palavra, e são desafiados por ela. Eles não tratam as Escrituras com leviandade e obstinação.

 

C.    Oração. Nem sempre entendemos, de forma prática, o impacto da oração, por isto oramos pouco.

 

Quando a liderança da igreja se engaja na oração e na devoção, podemos esperar um derramamento especial da graça de Deus. Uma das melhores formas de vencer é secularismo é crendo que Deus intervém por meio das orações. Muitos não creem na intervenção sobrenatural de Deus. O Pr. Jeremias Pereira certa vez afirmou: “Quando oramos, o diabo os céus se movem, o inferno treme, e na terra, coisas grandiosas acontecem.” Da mesma forma o Dr. Russel Shedd afirmou: “Eu não sei o que acontece, mas quando oro, o poder de Deus se move em minha vida”.

 

Harry Reeder afirma: “Se há uma coisa que igrejas agonizantes precisam é oração... em Atos 16.4 temos uma resolução surpreendente dos apóstolos. Oração era tão importante que os apóstolos não estavam dispostos a se separar dela, nem mesmo por causa de outros ministérios.”

 

D.   Comprometimento com a missão. Líderes precisam se engajar na obra evangelística e missionaria, nas suas mais distintas formas.

 

Missão é um termo muito amplo, mas gosto da definição de John Stott: “missão é tudo aquilo que a igreja faz para além de si mesma.” Quando a liderança se envolve nas tarefas da igreja, seja na área diaconal, pequenos grupos, ensino, discipulado, veremos uma nova realidade e vigor na igreja. Ela será revitalizada.

 

John Maxwell afirma que “liderança é influência”. Por esta razão nenhuma instituição vai além de seus líderes. Se os líderes locais não oram, a igreja não ora; se não participam, a igreja não participa, se não contribuem, a igreja não contribui. O ritmo do líder é o ritmo da instituição, por isto, o grande desafio não é revitalização de igrejas, mas a revitalização dos pastores e líderes.

 

Três exemplos bíblicos.

 

Primeiro, O povo de Israel. Mesmo uma rápida leitura no Antigo Testamento nos faz compreender que Israel era fiel quando tinha um rei zeloso e piedoso, mas facilmente se afastava de Deus, quando tinha um rei idólatra. A. W. Tozer afirma que “A história de Israel apresenta uma verdade ensinada nas Escrituras: As massas são ou logo serão, aquilo que seus líderes foram.”

 

Segundo, Paulo se dirige a Timóteo para encorajá-lo. A primeira carta que Paulo envia a este jovem se transforma num “Manual de Revitalização de igrejas.” Ele fala da qualidade morais, espirituais, emocionais e da competência que os líderes precisavam (1 Tm 3.1-12). Harry Reeder afirma que Paulo essencialmente trata de três coisas:

 

a)- Caráter

 

b)- Conteúdo

 

c)- Competência

 

Terceiro, Jesus se dirige aos “anjos da igreja” nas cartas enviada às sete igrejas do Apocalipse. Ele não escreve às igrejas, mas aos seus líderes. Deus trata diretamente com cada um deles. Isto nos leva a refletir sobre o fato de que Deus opera no povo a partir de seus líderes.

 

Harry Reeder afirma: “Uma igreja não pode ser revitalizada sem bons líderes.” Três aspectos que marcam a boa liderança. 

 

1.     Bons líderes aprendem com o passado, mas não vivem do passado.

 

2.     Bons líderes vivem no presente, mas não se acomodam a ele. Eles são termostatos (mudam o ambiente) e não termômetros (apenas refletem o ambiente ao redor).

 

3.     Bons líderes olham para o futuro, mas não esperam por ele.

 

Conclusão

 

Não podemos esperar revitalização da igreja sem que os líderes sejam energizados pelo Espírito de Deus.

 

Se você é pastor e sente sua igreja desanimada e apática, ore para que Deus renove sua liderança, dando novos sonhos e visões, desejo de maior envolvimento e participação nas atividades.

 

Se você é líder e percebe que seu pastor está desencorajado e desanimado, ore para que Deus possa trazer um novo vigor e um novo poder à sua vida, para que Deus o levante com ânimo e disposição para tudo aquilo que a obra de Deus necessita. 

sábado, 29 de outubro de 2022

A Igreja como agente de evangelização







 

Introdução:

 

 

A Igreja é a única agencia divinamente indicada para a evangelização. ONGs, outras agências como Lion Club, Rotary Club, maçonarias, podem e realizam obras sociais e procuram minimizar o sofrimento humano com ações de cuidado, boa obra e caridade, mas a única que pode pregar o evangelho é a igreja. Uma tarefa exclusiva.

 

Uma das conhecidas palestras ministradas em Lausanne, 1974, foi de Howard Snyder: “A Igreja como agente de Deus na evangelização”, e sua tese central foi: “A igreja é o agente de Deus na evangelização. Falar da tarefa evangelizadora sem relacioná-la com a igreja é perder de vista a perspectiva bíblica e desenvolver uma evangelização incompleta.[1]

 

Seguindo na mesma linha, Melvin Hodges declara:  “A Igreja é o agente de Deus na Terra, o meio através do qual ele se expressa ao mundo. Deus não tem outro agente de redenção na Terra.”

 

1.     Jesus confiou a obra da evangelização à igreja

 

a.     Uma tarefa aguardada pelos profetas

 

Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam. A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam perscrutar.”(1 Pe 1.10-12).

 

Os profetas já entendiam que algo especial seria dado a uma geração que receberia uma especial revelação de Deus. Os profetas, investigavam atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas. Eles não sabiam exatamente o que aconteceria, mas tinham um vislumbre de que algo especial deveria acontecer. Os próprios anjos estavam na expectativa deste mistério que finalmente se revelou na encarnação do Filho de Deus.

 

Nós somos especialmente agraciados com o privilégio de proclamar a Jesus. Deus nos deu o ministério da reconciliação. (2 Co 5.18)


b.     O chamado da igreja para proclamação

 

A Igreja de Cristo é chamada para proclamar. “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”  (1 Pe 2.9).

 

À Igreja foi revelado os mistérios de Deus, outrora ocultos, e que foram revelados em Cristo, “a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação.” (2 Co 5.19). Esta tarefa é exclusiva do povo de Deus. Somente à igreja foi dada a tarefa de ser agente de evangelização.

 

c.     A definição da igreja

 

Etmologicamente, a palavra “Igreja” (ekklesía), vem da junção de dois termos. “ek-kalein”, que literalmente é “chamar para fora. É a combinação da preposição ἐκ [ek] ou εξ [ex] com o verbo καλέω [kaléo], sendo que ek ou ex tem o sentido de "para fora" e kaléo o sentido de "eu chamo" ou "eu convoco". o sentido então é duplo. Deus chama e envia. Somos convocados e enviados. 

Desta forma,  Deus «convoca» o seu povo para uma reunião e um envio ao mesmo tempo, o envia para todos os confins da terra.

 

d.     A missão da igreja implica no movimento de sair de si mesma.

 

Todas as vezes que Jesus dá missão ou tarefa aos seus discípulos, ele sempre os desafia para olhar para além de si mesmos. A igreja não existe para auto sustentação e manutenção, mas ela precisa de um olhar para o mundo. A tarefa da evangelização está implícita em todo comissionamento.

 

                                                i.     “Ide por todo mundo” (Mc 16.15)

                                               ii.     toda autoridade me foi dada, portanto, Ide

                                              iii.     ....”E sereis minhas testemunhas”.

 

A igreja não existe para si mesma...A única agência cuja preocupação não é apenas com o cuidado com seus membros, mas existe para alcançar os que se encontram fora dela. “A igreja que deixa de evangelizar é biblicamente infiel e estrategicamente míope[2]

 

2.     Precisamos de uma melhor definição de igreja

 

Corpo, Noiva de Cristo, rebanho de Deus, e templo do Espírito Santo. Tudo isto aponta para uma comunidade carismática. A comunidade do povo de Deus. Todas as definições bíblicas destacam uma relação de amor, viva e indispensável entre Cristo e sua igreja.

 

Esta foi a ênfase dada por Snyder. Para ele, há duas possibilidades de enxergar a igreja. Uma, com uma concepção tradicional; outra, na dimensão bíblica.

 

1.     Concepções tradicionais

 

a.     A concepção institucional. Esta identifica a estrutura institucional, visível, como a essência da igreja. Quando a Bíblia fala de igreja, entretanto, não estava se referindo a uma instituição ou organização. Quando a igreja se prende à cultura cria problema, especialmente quando há uma mudança cultural em curso. A igreja não consegue se desvencilhar destes conflitos quando não se indiferencia da cultura.

 

b.     A concepção mística. Coloca a igreja muito acima do tempo e do espaço. Para Snyder, apesar de existir uma igreja invisível, esta ideia parece mais com a concepção filosófica das ideias platônicas, e por isto não ajuda muito a compreender a vida e o progresso da igreja na terra e na história. Quando a igreja flutua acima da cultura, ela nunca se deixa envolver pelas dimensões limitadoras do espaço, do tempo e da História.

 

2.     A Igreja segundo a Bíblia. Para Snyder, a Bíblia descreve a Igreja no interior da cultura, lutando para manter sua fidelidade ainda que sendo constantemente manchada pelos óleos corrosivos, ora do paganismo, ora da religiosidade.

 

a.     A Igreja na perspectiva cosmo-histórica. A Bíblia coloca a Igreja no centro da finalidade cósmica de Deus. (Ef 1.20-23; 3.10 e 6:12).

 

A ideia chave é reconciliação, do homem com Deus e de todas as coisas “do céu e da terra” (Ef 1.10). Esta reconciliação inclui até mesmo a redenção do universo físico dos efeitos do pecado. O Plano de Deus para igreja inclui este desafio. “para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja agora conhecida dos principados e potestades, nas regiões celestes” (Ef 3.10). Raramente temos uma compreensão assim tão forte e clara da igreja.

 

Ainda para Snyder, a Bíblia enfatiza a salvação individual e coletiva, através de Cristo. (Cl 1.3ss), e que a redenção do homem é o centro do plano de Deus, mas não a circunferência deste plano, já que a redenção possui implicações bem mais profundas. A igreja é o agente terreno da reconciliação cósmica desejada por Deus. Por isto, a missão da igreja é bem maior do que a evangelização.

 

b.     A Bíblia vê a Igreja mais em termos carismáticos que institucionais. Ela é resultado da graça (charis) de Deus.

 

A igreja é salva pela graça (Ef 2.8); e é através do exercício dos dons (charismata) que é edificada. (Ef 4.7-16; 1 Co 12.4-8; 14.1-5; 1 Pe 4.10-11). A igreja é uma comunidade carismática. Por isto o modelo institucional não é bastante para defini-la. 

 

Por causas das mudanças culturais e históricas, “as igrejas enfiadas numa rígida estrutura institucional ou burocrática talvez se encontrem, em breve, presas por formas culturalmente moldadas que se vão tornando rapidamente obsoletas[3]

 

c.     A Bíblia vê a igreja como a comunidade do povo de Deus. Por isto usa as figuras do corpo e noiva de Cristo. Uma comunidade, onde se experimenta a comunhão com Cristo e com os irmãos.  

 

Neste sentido ela tem um chamado para a diversidade cultural e para o acolhimento. Ao contrário de Israel, com forte ênfase no etnocentrismo, na igreja de Cristo vemos a multiplicidade de raças, línguas e povos, como vemos registrado em Atos 13.1: “

 

Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes, o tetrarca, e Saulo.” (At 13.1). Pessoas com diferentes backgrounds, de diversas raças, nível social diferente, experimentam a maravilhosa graça de viver uma vida em comum, unidas pela reconciliação das raças feitas por Jesus. “Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo, nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).

 

Podemos construir este quadro apresentado por Snyder da seguinte forma:

 

 

 

Diante disto, Snyder avança para a segunda parte da sua palestra, falando de uma evangelização eclesiocêntrica.

 

“Evangelização eclesiocêntrica é o tipo de evangelização que edifica a igreja, que aflora da vida e do testemunho da comunidade cristã e, como resultado, reproduz esta comunidade num processo ininterrupto[4]”. Para Peter Wagner, “o objetivo da evangelização é a formação da comunidade cristã[5]” já que o evangelização só se completa quando se torna autoperpetuadora.

 

Diante destas afirmações Snyder propõe a evangelização com quatro aspectos:

 

 

 

Isto nos leva a considera que a evangelização só se torna eficaz quando se estabelece uma igreja indígena, local e autóctone. Para que isto se dê, a plantação de novas igrejas é fundamental. Por esta razão, em todos os lugares em que a evangelização eficazmente acontecia no livro de Atos, vemos o estabelecimento de uma igreja local, com liderança treinada para a continuidade da obra.

 

No primeiro estágio, a evangelização teocêntrica pode ser definida como presença. Mas ela não é suficiente se não vier acompanhada de proclamação. A Evangelização verbalização da mensagem, pois “como crerão naquele de quem nada ouviram?” (Rm 10.14). Este é o conceito essencial do kerigma: anunciar com fidelidade a verdade do Evangelho e da obra de Cristo. Mas a proclamação precisa ainda de outro elemento: a persuasão. A mensagem apostólica tinha este forte elemento apologético, de arrazoar, persuadir, convencer, levar o evangelizado a uma tomada de posição. Tudo isto ainda precisa desembocar na propagação, quando finalmente uma igreja local se estabelece e a mensagem se torna autoperpetuadora.

 

A evangelização se completa quando o ciclo se fecha, com o estabelecimento de novas congregações, como era a visão de Cristo na Grande Comissão: “Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas”. (Mt 28-18-20). Depois de se tornarem discípulos, precisavam ser inseridos numa comunidade local através do Batismo, e o processo de discipulado continuava, quando a comunidade, ensinava os novos convertidos a “guardar todas as coisas”.

 

A Evangelização não se completa na conversão, nem quando ocorre o batismo, mas quando um processo continuo de discipulado se dá por meio da ação da comunidade local. A obra missionária se só realiza de forma eficaz, quando uma comunidade cresce em torno de Cristo e de sua palavra. Enfim, quando novas congregações são estabelecidas. “só quando o número de igrejas se multiplica é que cresce a comunidade cristã dentro da população geral em determinada sociedade[6]”. A evangelização requer a existência de uma comunidade testificadora.

 

A Igreja de Cristo, local, visível, histórica, foi colocada estrategicamente para que pudesse anunciar as verdades do Evangelho a uma sociedade, a culturas distintas, a todas as etnias.

 

Philipe Yancey narra uma parábola escrita por J. B.Philips.

 

“Certo dia, nos céus, Deus estava apreciando e contemplando sua natureza. Até que alguns anjos se aproximaram e perguntaram: “O que o Senhor está fazendo?” E Deus respondeu: “Olhando para o universo e admirando minha criação. Não é linda, harmônica, integrada?” E os anjos concordaram. Outro anjo indagou: “Senhor, mostra-nos para onde tu enviaste teu Filho?” E Deus, gentilmente foi apontando com seus dedos todas as galáxias, sóis, até chegar na Via Láctea e finalmente apontar para um pequeno planeta chamada terra. Os anjos sobressaltados disseram: “Mas é um planeta tão pequeno?” E Deus disse: “Eh, mas ali está o povo que amo!”.

 

Um anjo mais ousado indagou: “Senhor, o que fez Jesus para que sua obra pudesse ser realizada, depois que ele retornou aos céus?” Deus respondeu: “Ele deixou um povo, para realizar a tarefa!” E os anjos replicaram: “Mas, e se isto povo falhar?” Deus então olhou para eles e disse: “Eu não tenho plano B”.

 

A estratégia de Deus foi sempre usar o seu povo. A tarefa da evangelização poderia ter sido delegada para os anjos, ou Deus poderia comunicar de forma direta. Entretanto, ele decidiu que a tarefa da proclamação deveria ser realizada pelo seu povo, chamado, equipado, vocacionado.

 

A Igreja é o Método de Deus.

A Igreja é o agente de Deus na obra da evangelização.

 

Esta tarefa é intransferível. Por isto ele diz: “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura”.

 



[1] Snyder, Howard – “A Igreja como agente de Deus na evangelização”, in A Missão da Igreja no mundo de hoje, São Paulo, ABU, 1982, p 87

[2] Snyder, op. citado, 1982, pg 95

[3] Snyder, 1982, p 91

[4] Idem, p 93

[5] Wagner, Peter – Frontiers in Missiology Strategy, 1971. P 124

[6] Snyder, idem, pg 96