Este é o tema que me foi proposto para
exposição no Congresso CTPI-2025, em Campinas, são Paulo. Fiquei feliz porque
não me pediram pra falar sobre soluções, mas sobre os problemas. É mais fácil
pensar nos problemas que nas soluções, não acham?
Na verdade, o diálogo entre as gerações
e os desafios são imensos. Numa conhecida música que é mais comumente cantada
nos finais de ano a letra diz assim: “Toda geração culpa a anterior e
todas as suas frustrações vem bater na sua porta.” (Mike & The
Mechanics). Entender, engajar, ser relevante é desafio constante de cada
geração. E precisamos estar atentos a isto.
Duas questões devem ser levantadas aqui:
1.
Estamos sendo eficientes em transmitir o
evangelho
2.
Quais desafios são necessários para
enfrentar esta tarefa?
O livro de Juízes faz um relato trágico
da realidade do povo de Deus longo após a porte de Josué.
“Foi também congregada a seus pais toda
aquela geração; e outra geração após eles se levantou, que não conhecia o
Senhor, nem tampouco as obras que fizera a Israel. Então, fizeram os filhos de
Israel o que era mau perante o Senhor; pois serviram aos baalins. Deixaram o
Senhor, Deus de seus pais, que os tirara da terra do Egito, e foram-se após
outros deuses, dentre os deuses das gentes que havia ao redor deles, e os
adoraram, e provocaram o Senhor à ira. Porquanto deixaram o Senhor e serviram a
Baal e a Astarote.” (Jz
2.10-13)
A geração seguinte, logo após a morte de
Josué, se afastou de Deus, por duas razoes:
A.
A comunicação da geração anterior não
fora eficiente em falar dos grandes feitos de Deus. Os milagres grandiosos de
Deus e suas intervenções sobrenaturais sequer foram compartilhadas pelos pais e
avós. Houve uma grave lacuna na comunicação dos feitos de Deus.
B.
Por conseguinte, os filhos não
conheceram a Deus.
A experiência dos filhos com o Yahweh, é
algo pessoal, mas é assustador pensar que eles sequer ouviram falar dos grandes
feitos de Deus. Os pais falharam na comunicação entre uma geração e outra.
Uma das mais perfeitas atividades
atléticas é a corrida de revezamento 4 X100, que exige muito treino, habilidade
e sincronia. Entre suas características podemos destacar:
§ Todos
os atletas precisam estar em condições físicas semelhantes. Se um corredor for
bom demais e o outro tiver um nível muito inferior, a performance da equipe
será comprometida;
§ O
bastão deve ser passado no tempo certo. Existe uma linha demarcada e não pode
ser entregue nem antes, nem depois. Se entregar antes ou depois a equipe será
desqualificada.
§ O
bastão deve ser passado em movimento. Não dá para parar, tomar um cafezinho, nem
perder tempo em discutir qualquer assunto. Simplesmente deve ser entregue.
§ O
bastão não pode cair. Se não for corretamente entregue na mão do próximo
atleta, a corrida perde seu efeito.
Acho que esta é uma boa ilustração
quando se fala de transições e gerações. O desafio de fazer discípulo de todas
as gerações, precisa ser cuidadosamente planejado. Deve ser sincrônico
(harmônico) e complementar (porque um completa o outro). A obra da
evangelização e a missão não pode encerrar em nós. A missão não se encerra em
nós.
O desejo e propósito do Deus da Alliança,
sempre caminhou nesta direção.
No chamado de Abraão em Gn 17 nos é
dito:
“Quando atingiu Abrão a idade de noventa
e nove anos, apareceu-lhe o Senhor e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso;
anda na minha presença e sê perfeito. Farei uma aliança entre mim e ti e te
multiplicarei extraordinariamente. Prostrou-se Abrão, rosto em terra, e Deus
lhe falou: Quanto a mim, será contigo a minha aliança; serás pai de numerosas
nações. Abrão já não será o teu nome, e sim Abraão; porque por pai de numerosas
nações te constituí. Far-te-ei fecundo extraordinariamente, de ti farei nações,
e reis procederão de ti. Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua
descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu
Deus e da tua descendência.” (Gn 17.1-7)
Deus não estava fazendo uma aliança
apenas com Abraão, apenas com um individuo, mas sua aliança era geracional. Os
descendentes de Abraão estavam envolvidos neste pacto. E para confirmar isto,
Deus exigiu que um rito complexo fosse praticado: “Esta é a minha aliança, que
guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será
circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de
aliança entre mim e vós.” (Gn 17.10-11)
Raramente paramos para considerar, mas a
verdade é que é o rito da circuncisão era algo bem complexo. A cerimônia era pública,
na presença dos pais, familiares e amigos, o sacerdote (e não o médico), sem
anestesia e sem bisturi, com faca de pederneira, fazia fimose, uma cirurgia no
órgão sexual masculino. Este é o ritual da circuncisão.
Por que Deus não exigiu um rito menos
complexo? Por exemplo, um furo na orelha como nos rituais de muitas tribos
brasileiras, ou um sinal na testa como fazem os indianos? Além de mais visível seria
muito mais descomplicado...
Na verdade, a circuncisão é uma forma de
vincular o rito ao compromisso com a descendência. Afinal, os filhos pertenciam
à família de Deus, estavam envolvidos e participavam por meio deste pacto. Tinha
algo a ver com a fecundidade, procriação.
Susan
Hunt descreve
algumas destas características deste pacto, mostrando que ele era Relacional
(Deus é pessoal e se liga a nós em fidelidade pactual), Iniciado
soberanamente (Não merecemos nada, a base é a graça e a iniciativa amorosa
de Deus), Corporativo (A salvação é pessoal, mas Deus não nos trata
apenas como indivíduo. Ele vê nossa família na dimensão pactual. Somos uma
comunidade marcada pela aliança) Gn 17.7 e Generacional – Ligado a
gerações. Uma geração contará a outra geração este pacto feito com Deus (SL
78.1-8; 145.3). Esta ordem é familiar e abrangente. Gn 12.1,2; 17.3-7).
Este
pacto tinha o sinal
no órgão sexual masculino, e isto certamente possui uma grande simbologia
porque está ligado à procriação. As gerações seriam consagradas a Deus.
Pertenciam à comunidade da aliança (Gn 17.11-14).
Charles
Hodge afirma:
“Aos olhos de Deus, os pais são
representantes autorizados dos filhos, agem por eles, contraem obrigações em
nome deles. Onde os pais entram num pacto com Deus, eles levam consigo seus
filhos...Se um homem se unisse à comunidade de Israel, assegurava para seus
filhos os benefícios deste pacto, a não ser que eles, voluntariamente os
renunciassem. E assim, quando um crente adota o pacto da graça, ele traz seus
filhos para dentro dessa aliança, no sentido que Deus lhes promete dar, no
tempo determinado por ele, todos os benefícios da redenção, se eles não
renunciarem voluntariamente ao comprometimento batismal”.
George
Whitefield complementa:
“O pacto gracioso e terno de Deus com
sua igreja dá aos pais crentes uma promessa de bênçãos espirituais e salvadoras
para seus filhos. A promessa é que ele será Deus – para eles e para a semente
deles. É de suma e eterna importância que os pais se apeguem a esta promessa
pela fé, e procurem no Senhor as bênçãos que ela traz para seus filhos”.
Este
parece ser também o entendimento do Novo Testamento, já que quando o carcereiro
indaga sobre sua condição, Paulo responde: “Crê no Senhor Jesus e serás
salvo, tu e tua casa.” A salvação tem um impacto direto na família, uma
dimensão comunitária. “Tu e tua casa.” Não apenas algo individual, mas
com desdobramentos e promessas que iriam muito além da salvação individual.
Deus
tem interesse em impactar as gerações. Este é o desejo do Pai Celeste:” Da
mesma forma, o Pai de vocês, que está nos céus, não deseja que nenhum destes
pequeninos se perca.” (Mt 18.14) Jesus está se dirigindo às crianças que
dele se aproximam e estão sendo abençoadas. O evangelho precisa ser
eficientemente comunicado às novas gerações. Será que temos cumprido bem esta
missão?
Ao
estabelecer a problemática, gostaria de suscitar cinco grandes desafios para
que a missão de fazer discípulos de todas as gerações seja efetiva. Estes
desafios não podem ser ignorados:
1. Desafio
hermenêutico
1
Cr 12.32 – “Dos filhos de Issacar, conhecedores da época, para saberem o que
Israel devia fazer, duzentos chefes e todos os seus irmãos sob suas ordens.”
Na
formação de sua equipe, Davi se preocupou com a escolha certa de determinados
homens, líderes relacionados à manutenção da provisão do palácio, daqueles que
também cuidariam da segurança e da guerra. Mas surpreende quando vemos que ele
contratou 200 homens da tribo de Issacar e alguns dos seus auxiliares, uma
tribo quase esquecida de Israel, para cuidar da logística. Os filhos de Issacar
seriam a intelligentsia no governo de Davi.
O
que havia de especial nestes jovens que atraiu Davi? Eles tinham duas virtudes:
A.
Eram conhecedores da época. Sabiam fazer a leitura
correta da realidade e do momento de Israel. Trabalham como estrategistas.
B.
Como resultado final disto sabiam o que Israel
devia fazer. Fazer a leitura certa nos habilita a tomar ações concretas e
certas. Sem entender a hermenêutica da história, da cidade, do ambiente em que
vivemos, corremos o risco de fazer muita coisa, mas atabalhoadamente.
A
pergunta inicial para nós é se estamos fazer a leitura adequada desta época da
história. Que geração é esta? Qual sua cosmovisão, cultura, símbolos? Será que
conhecemos seus anseios, sonhos, desejos e questões que estão incomodando seus
corações? Podemos estar fazendo muita coisa, mas respondendo perguntas e
tentando resolver problemas que não são os mais importantes e relevantes.
Uma
pessoa, certamente bem-intencionada, gostava de escrever nos muros na beira da
estrada: “Jesus é a resposta!” Era comum vermos esta frase em muitos lugares.
Um dia me deparei com uma reação de um gaiato que escreveu embaixo: “Qual é a
pergunta?”
Francis
Schaeffer afirma:
“Precisamos
ser conhecedores do contexto moderno, não apenas num nível superficial, mas no
nível filosófico, sabendo por que acontecem as mudanças — por exemplo, a
obsessiva preocupação com divertimento, com sexo e com riqueza.” Isto implica
em penetrar no que é dito, não dito, o que se fala e o que se reprime. Ler
corretamente o presente tempo nos ajudará a dar o foco certo e criar as
estratégias e metodologias efetivas para o presente tempo.
Como
ser uma igreja histórica, que sabe interpretar, entender e responder aos
anseios espirituais desta sociedade pluralista, subjetivismo, secularizada,
relativista? Será que somos capazes de entender a cultura atual e traduzir a
mensagem poderosa do evangelho a esta geração?
Uma
criança de 3 anos foi ao departamento infantil da igreja e a professora pediu
para que um dos alunos falasse um versículo de cor. Ela respondeu: “Mais bem
aventurado é dar que receber! “A professora admirada com a resposta
indagou: “seu pai é missionário?” E ela respondeu: “Não, ele é pugilista!”
2. Desafio da Linguagem
Precisamos
adequar a forma de comunicação, entendendo o que se torna mais compreensível
para a geração. Isto implica até mesmo em estilo, terminologias, forma de dizer
as coisas. O que falamos e a forma
como falamos faz sentido?
Existem
pelo menos três formas de comunicação. Linguagem conceitual, intuitiva ou
relacional.
Conceitual
– Se preocupa em derramar uma quantidade imensa de conteúdo e informação. É a
forma clássica de comunicação. O modelo antigo considera que quanto mais
conteúdo o aluno receber, melhor. Como o evangelho trata de conteúdo e
conceitos, muitos pastores transformam o púlpito numa classe de Escola
Dominical. Os alunos devem prestar muita atenção e reter o maior número de
informações doutrinárias. Não é errado fazer isto, a questão é saber quão
efetiva esta comunicação se torna para a presente geração.
Intuitiva
- Procura despertar o ouvinte com uma linguagem provocativa, questionadora,
critica, tentando fazê-lo refletir e indagar se o que está sendo comunicado é
certo ou não? Muitos pastores usam de forma poderosa esta forma de comunicação,
aliando a uma linguagem de narrativa, contando histórias, envolvendo seus
ouvintes.
Relacional
– O interesse está em se tornar pragmático. Ajudar o ouvinte a resolver seu
problema diário e as lutas que ele enfrenta. Como se relacionar com finanças,
saúde, família, filhos, amigos, etc. A ênfase encontra-se em um conteúdo com
forte ênfase na aplicação.
A
discussão da efetividade de cada uma destas formas não é o ponto central da
nossa palavra, mas queremos pelo menos refletir. Como a mensagem está chegando
àquele que a recebe? Afinal, comunicação não é o que se diz, mas o que o outro
entende.
Pastoreei
a cidade de Cambridge, nos arredores de Boston, uma região conhecida como
pós-cristã, nos Estados Unidos. A maioria das igrejas outrora relevantes se
tornaram pubs, viraram condomínios, ou ainda mantem um grupo pouco
significativa de uma comunidade que envelheceu e não soube traduzir as verdades
do evangelho para as novas gerações.
Em
1992, a nossa denominação comprou o prédio de uma antiga igreja perto da
Central Square, lugar estratégico da região de Cambridge. Próximo da Harvard e
do MIT, duas das melhores universidades do mundo. O templo foi construído em
1870, uma magnifica catedral gótica, com lindos vitrais. Por que aquela igreja
perdeu seu poder de impacto? Adquirimos o prédio de um grupo de irmãos, e
negociamos diretamente com o líder que
era o caçula do grupo, na época tinha 82 anos. O templo já estava fechado há 25
anos, e aqueles irmãos se reuniam numa sala no fundo do prédio. Eles não tinham
mais recursos para manter o prédio que estava se desmoronando por dentro.
Ao
estudar o tema e a realidade a pergunta foi: O que aconteceu com aquela igreja
outrora vibrante? Aquela região havia crescido e muitos prédios modernos haviam
sido construídos, mas porque ao invés de acompanhar o crescimento a igreja
declinou?
Três
respostas imediatas podem ser dadas:
A. A teologia
liberal – Dos sete seminários evangélicos da região, apenas o Gordon-Conwell
ainda continua ortodoxo. A teologia liberal forjou a mente dos futuros pastores
que rejeitaram a inspiração, autoridade e a inerrância das Escrituras, e agora
estavam perdidos entre os conceitos da teologia da crítica das formas.
B. Os filhos
perderam o interesse pela igreja, que não se renovou. Ela não apenas não
conseguia mais atrair novos membros, mas não conseguiu manter os filhos que se
afastaram sistematicamente da igreja. A igreja perdeu a nova geração.
C. O terceiro
aspecto, que nos interessa aqui de forma mais direta foi a inadaptabilidade e
inadequação da linguagem para o novo momento que aquela igreja tinha que lidar.
Ela era uma igreja White american, e não conseguiu acolher os orientais,
hispânicos, negros que começaram a chegar em grande número na região. Eles não
sabiam ser uma igreja para aquele momento da história, nem para as pessoas da vizinhança.
Perderam o contato com o seu tempo e sua comunidade.
Isto
se contrapõe de forma surpreendente com a percepção e cuidado que Jesus tinha
com seus ouvintes. Veja o que nos diz o relato bíblico: “E com muitas
parábolas semelhantes lhes expunha a palavra, conforme o permitia a capacidade
dos ouvintes.” ( Mc 4.33) Jesus tinha sensibilidade com os seus ouvintes. Seriam
eles capazes de apreender aquilo que ele estava tentando anunciar? Sua
estratégia de contar parábolas era uma forma de facilitar o entendimento de
seus ouvintes. Será que somos sensíveis a este ponto?
3. O desafio da
coerência
Neste
terceiro ponto queremos afirmar que para fazer discípulos desta nova geração,
precisamos ser uma igreja íntegra, coerente e que não deixe dúvidas sobre sua
seriedade. Esta geração pode até ser incoerente, mas não admite incoerência e
liderança dúbia. Se a geração anterior era capaz de calar-se esta não fará
isto, sua resposta será imediata. Ela rejeitará uma igreja infiel e hipócrita.
O
texto que escolhi aqui encontra-se em Tt 2.5 – “…Para que a Palavra de Deus
não seja difamada” que fala do relacionamento das mulheres com seus maridos
incrédulos. A visão de Paulo é que uma mulher coerente com seu estilo de vida,
atrairia seu marido a Cristo, e a Palavra de Deus não seria envergonhada, nem
contraditada. Trata-se, pois, do foco na construção de pontes e não na
imposição de dogmas, através de uma vida de coerente, testemunho do amor de
Deus.
Ruben
Alves, educador da Unicamp, certa vez indagou porque os alunos rejeitavam a
educação? E para ele, uma criança deveria aprender por prazer, não por
imposição, e quando ela rejeita o modelo educacional ela o faz porque a forma
de educar seria inadequada. Sua pergunta era a seguinte: “vômito é sinal de
saúde ou de doença?” qualquer resposta que você der é correta.
Quando
seu organismo rejeita um alimento estragado e o joga fora, ele o faz porque
percebe que se aquilo permanecer dentro do estômago, vai causar grandes danos.
Então, ao vomitar, sua impulsão revela saúde. Por outro lado, quando rejeita,
pode também revelar que algo muito ruim pode estar acontecendo visceralmente, e
não se trata de uma comida estragada, mas de um corpo adoecido.
No
Brasil 3.8% das pessoas se consideram evangélicos não praticantes. Elas não estão
negando ainda a sua fé, nem se dizem ateias, mas simplesmente acreditam que não
estão conseguindo viver numa estrutura adoecida, neurotizada e esquizofrênica
que tantas vezes se encontra presente nas igrejas locais. Há muita doideira.
Muito pastor maluco! Por isto elas decidem, lamentavelmente, jogar fora o bebê
com a água suja.
A
verdade é que se a igreja é opcional para os pais, ela se tornará descartável
para os filhos.
4. O desafio da Relevância
O
quarto desafio é o da relevância: A mensagem do evangelho tem que ser
atualizada para o homem do Século XXI. Isto não significa negar as verdades
fundamentais da Bíblia, e nem que devemos “atualizar a Bíblia” para satisfazer
o homem ou justificar seus pecados. É uma forma de tornar o evangelho atraente
ao pecador. Afinal, “A igreja local ou o grupo cristão deve estar certo, mas
também deve ser belo.” (Schaeffer)
Certamente
a compreensão de Paulo sobre este assunto pode nos ajudar e orientar: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me
escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. Procedi, para com os
judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime
da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da
lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse
não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os
que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de
ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos,
salvar alguns. Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar
cooperador com ele.” (1 Co 9.19-23)
Será
que percebemos o esforço e o desejo de Paulo de tornar o evangelho atraente aos
seus ouvintes. Isto parece leviandade ou compromisso com o evangelho? O que
estamos dizendo tem sido relevante à atual geração? Muitas vezes confundimos
histórico com revelado, temporal com eterno, essência com acidente, forma com
conteúdo. E desta forma nos tornamos irrelevantes e incapazes de tangenciar as questões
que mais desafiam esta geração com a beleza do evangelho
Dr.
John Stott no seu livro, “o discípulo radical”, coloca em um dos seus capítulos
a temática da ecologia. Este tema talvez fosse desnecessário e irrelevante em
outras situações, mas não neste momento da história. Ao pensar na comunicação
do evangelho, precisamos considerar estratégias, abordagens e liturgia, temáticas.
Como o evangelho trata as questões relacionadas a ideologia do gênero, ao
materialismo e consumismo do presente século.
Como
ser uma igreja relevante numa cultura em transformação? Isto inclui métodos,
estratégias, abordagens e adequação litúrgica, afinal, “as armas de ontem não matam
os coelhos de hoje.” A mensagem do evangelho é eterna, não pode ser negociada, não
estamos falando de conteúdo, mas precisamos entender que um mundo em transformação
exige uma resposta inteligente, e estratégias novas para um mundo digital e
permeado pela inteligência artificial.
5. O desafio do
afeto
Por
último, mas não menos importante, para fazer discípulos de todas as gerações precisamos
de uma linguagem que passe pelo coração. As pessoas crerão mais facilmente
quando perceberem que realmente nos interessamos por elas, não por motivos
escusos e interesseiros, mas por causa de Cristo e do evangelho. Precisamos de
pastores cuidadosos e atentos, e igrejas amáveis e acolhedoras. Apenas uma
igreja com esta compreensão será capaz de romper a indiferença e o descaso dos
tempos modernos.
Na
década de 1980, Ivone Gebara, teóloga católica, começou a escrever sobre a
teologia do corpo. Mais recentemente o Papa João Paulo II escreveu livro com a
mesma temática. Apesar da relevância do tema, acredito que devemos introduzir a
discussão em uma temática ainda mais urgentemente necessária: A Teologia do
Afeto. Pensando nisto escreveu um livro com este tema em 2012.
Precisamos
ser uma igreja marcada pela afetividade. Nossos filhos e as novas gerações só serão
convencidas pelo poder do amor. Aliás, esta é a base da nossa salvação. “Ou
ignorais que a bondade de Deus é quem te conduz ao arrependimento?” (Rm 2.4)
Quando somos confrontados com a beleza da graça e as ricas misericórdias de Deus,
o Evangelho se torna poderoso em nós. Precisamos liderar a partir da
afetividade.
Butterfield, escreveu um livro que
relata sua conversão. O título é para lá de provocativo: “Pensamentos secretos
de uma convertida improvável.”[5] Sua biografia relata a
interessante jornada de uma professora de língua inglesa rumo à fé cristã. Com sólida
formação humanista e secular, professora universitária, homossexual assumida e líder
do movimento feminista de sua universidade, de repente tem um inesperado
encontro com a família de um pastor, que a ama sem se importar com sua cosmovisão,
e este amor de Deus marca sua vida de forma sensível. No primeiro encontro que
tiveram, aquele casal perguntou se poderiam orar agradecendo o alimento, e
aquela oração simples foi tão marcante que Deus, até então uma ideia esquecida
na sua visão de vida, passa a fazer sentido. Deus de fato parecia real, de
alguma forma. A partir da aceitação, do amor, e de uma fé simples que ela viu na
vida deste casal, ela começou a ser atraída a Jesus. Sua declaração é
interessante: “Uu não me converti do homossexualismo para o heterossexualismo, mas
do ateísmo para Deus.”
O que impactou a sua vida? A forma
carinhosa, sem preconceito, amorosa, com que Deus lhe foi demonstrado. A igreja
precisa ser santa, mas não preconceituosa. A verdade é que se quisermos
discipular a nova geração, precisamos construir uma teologia do afeto.
Conclusão
O evangelho precisa atingir as novas gerações
e para isto precisa ser intencional e estratégico. Não podemos descuidar: a geração
pós cristã da Europa e dos Estados Unidos está sempre nos lembrando: precisamos
de teologia ortodoxa, bíblica, mas atraente, relevante. Precisamos entender o
momento de nossa história como foram capazes de fazer os filhos de Issacar.
O evangelho tem poder para salvar, a
semente por si só frutifica como nos ensinou Jesus. Temos o poder do Espírito,
somos resultados da obra eficiente da cruz e do sangue. Como igreja precisamos
pedir ao Senhor que nos ajude a “aproveitar a oportunidade com os que são de
fora.”
Henry Nouwen escreveu um livro
interessante sobre um velho tema: “A volta do Filho Pródigo.” Ele decidiu
escrever este livro depois de passar algumas horas apreciando a clássica obra
do Rembrandt, no museu da Holanda. Duas coisas foram bem interessantes na
leitura deste livro:
Primeiro, ele disse que o centro da parábola
não são os filhos: nem o filho licencioso moral, egoísta e perdulário; nem o
filho que fica na casa, mas é um justo amargurado que não consegue entender o coração
do seu amoroso do Pai.
Segundo, chamou a atenção que normalmente
nos identificamos com um dos filhos, mas que o grande desafio da parábola é nos
identificarmos com o Pai, afinal, somos chamados a imitar o Pai, que tinha três
características básicas:
Generosidade
Misericórdia
Reconciliação
Este é o grande chamado da igreja de Cristo.
Imitar o Pai. Tratar a atual geração com o coração marcado por estas três virtudes.
Precisamos de uma igreja generosa, pronta a abençoar, misericordiosa, pronta a
acolher e que tem o grande chamado para reconciliar as gerações e ser
pacificadora.
Só assim conseguiremos de forma
eficiente, fazer discípulos de toda geração.