sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Palestra CTPI. 2025. Fazer discípulos de toda geração: problemática

 


 

Este é o tema que me foi proposto para exposição no Congresso CTPI-2025, em Campinas, são Paulo. Fiquei feliz porque não me pediram pra falar sobre soluções, mas sobre os problemas. É mais fácil pensar nos problemas que nas soluções, não acham?

 

Na verdade, o diálogo entre as gerações e os desafios são imensos. Numa conhecida música que é mais comumente cantada nos finais de ano a letra diz assim: “Toda geração culpa a anterior e todas as suas frustrações vem bater na sua porta.” (Mike & The Mechanics). Entender, engajar, ser relevante é desafio constante de cada geração. E precisamos estar atentos a isto.

 

Duas questões devem ser levantadas aqui:

1.     Estamos sendo eficientes em transmitir o evangelho

2.     Quais desafios são necessários para enfrentar esta tarefa?

O livro de Juízes faz um relato trágico da realidade do povo de Deus longo após a porte de Josué.

“Foi também congregada a seus pais toda aquela geração; e outra geração após eles se levantou, que não conhecia o Senhor, nem tampouco as obras que fizera a Israel. Então, fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor; pois serviram aos baalins. Deixaram o Senhor, Deus de seus pais, que os tirara da terra do Egito, e foram-se após outros deuses, dentre os deuses das gentes que havia ao redor deles, e os adoraram, e provocaram o Senhor à ira. Porquanto deixaram o Senhor e serviram a Baal e a Astarote.” (Jz 2.10-13)

 

A geração seguinte, logo após a morte de Josué, se afastou de Deus, por duas razoes:

 

A.    A comunicação da geração anterior não fora eficiente em falar dos grandes feitos de Deus. Os milagres grandiosos de Deus e suas intervenções sobrenaturais sequer foram compartilhadas pelos pais e avós. Houve uma grave lacuna na comunicação dos feitos de Deus. 

 

B.     Por conseguinte, os filhos não conheceram a Deus.

 

A experiência dos filhos com o Yahweh, é algo pessoal, mas é assustador pensar que eles sequer ouviram falar dos grandes feitos de Deus. Os pais falharam na comunicação entre uma geração e outra.

 

Uma das mais perfeitas atividades atléticas é a corrida de revezamento 4 X100, que exige muito treino, habilidade e sincronia. Entre suas características podemos destacar:

 

§  Todos os atletas precisam estar em condições físicas semelhantes. Se um corredor for bom demais e o outro tiver um nível muito inferior, a performance da equipe será comprometida;

§  O bastão deve ser passado no tempo certo. Existe uma linha demarcada e não pode ser entregue nem antes, nem depois. Se entregar antes ou depois a equipe será desqualificada.

§  O bastão deve ser passado em movimento. Não dá para parar, tomar um cafezinho, nem perder tempo em discutir qualquer assunto. Simplesmente deve ser entregue.

§  O bastão não pode cair. Se não for corretamente entregue na mão do próximo atleta, a corrida perde seu efeito.

Acho que esta é uma boa ilustração quando se fala de transições e gerações. O desafio de fazer discípulo de todas as gerações, precisa ser cuidadosamente planejado. Deve ser sincrônico (harmônico) e complementar (porque um completa o outro). A obra da evangelização e a missão não pode encerrar em nós. A missão não se encerra em nós.

O desejo e propósito do Deus da Alliança, sempre caminhou nesta direção.

 

No chamado de Abraão em Gn 17 nos é dito:

“Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o Senhor e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito. Farei uma aliança entre mim e ti e te multiplicarei extraordinariamente. Prostrou-se Abrão, rosto em terra, e Deus lhe falou: Quanto a mim, será contigo a minha aliança; serás pai de numerosas nações. Abrão já não será o teu nome, e sim Abraão; porque por pai de numerosas nações te constituí. Far-te-ei fecundo extraordinariamente, de ti farei nações, e reis procederão de ti. Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência.” (Gn 17.1-7) 

 

Deus não estava fazendo uma aliança apenas com Abraão, apenas com um individuo, mas sua aliança era geracional. Os descendentes de Abraão estavam envolvidos neste pacto. E para confirmar isto, Deus exigiu que um rito complexo fosse praticado: “Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós.” (Gn 17.10-11)

 

Raramente paramos para considerar, mas a verdade é que é o rito da circuncisão era algo bem complexo. A cerimônia era pública, na presença dos pais, familiares e amigos, o sacerdote (e não o médico), sem anestesia e sem bisturi, com faca de pederneira, fazia fimose, uma cirurgia no órgão sexual masculino. Este é o ritual da circuncisão.

 

Por que Deus não exigiu um rito menos complexo? Por exemplo, um furo na orelha como nos rituais de muitas tribos brasileiras, ou um sinal na testa como fazem os indianos? Além de mais visível seria muito mais descomplicado...

 

Na verdade, a circuncisão é uma forma de vincular o rito ao compromisso com a descendência. Afinal, os filhos pertenciam à família de Deus, estavam envolvidos e participavam por meio deste pacto. Tinha algo a ver com a fecundidade, procriação.

 

Susan Hunt[1] descreve algumas destas características deste pacto, mostrando que ele era Relacional (Deus é pessoal e se liga a nós em fidelidade pactual), Iniciado soberanamente (Não merecemos nada, a base é a graça e a iniciativa amorosa de Deus), Corporativo (A salvação é pessoal, mas Deus não nos trata apenas como indivíduo. Ele vê nossa família na dimensão pactual. Somos uma comunidade marcada pela aliança) Gn 17.7 e Generacional – Ligado a gerações. Uma geração contará a outra geração este pacto feito com Deus (SL 78.1-8; 145.3). Esta ordem é familiar e abrangente. Gn 12.1,2; 17.3-7).

 

Este pacto tinha o sinal no órgão sexual masculino, e isto certamente possui uma grande simbologia porque está ligado à procriação. As gerações seriam consagradas a Deus. Pertenciam à comunidade da aliança (Gn 17.11-14).

 

Charles Hodge afirma:

“Aos olhos de Deus, os pais são representantes autorizados dos filhos, agem por eles, contraem obrigações em nome deles. Onde os pais entram num pacto com Deus, eles levam consigo seus filhos...Se um homem se unisse à comunidade de Israel, assegurava para seus filhos os benefícios deste pacto, a não ser que eles, voluntariamente os renunciassem. E assim, quando um crente adota o pacto da graça, ele traz seus filhos para dentro dessa aliança, no sentido que Deus lhes promete dar, no tempo determinado por ele, todos os benefícios da redenção, se eles não renunciarem voluntariamente ao comprometimento batismal”.[2]

 

George Whitefield complementa:

“O pacto gracioso e terno de Deus com sua igreja dá aos pais crentes uma promessa de bênçãos espirituais e salvadoras para seus filhos. A promessa é que ele será Deus – para eles e para a semente deles. É de suma e eterna importância que os pais se apeguem a esta promessa pela fé, e procurem no Senhor as bênçãos que ela traz para seus filhos”[3].

 

Este parece ser também o entendimento do Novo Testamento, já que quando o carcereiro indaga sobre sua condição, Paulo responde: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa.” A salvação tem um impacto direto na família, uma dimensão comunitária. “Tu e tua casa.” Não apenas algo individual, mas com desdobramentos e promessas que iriam muito além da salvação individual.

 

Deus tem interesse em impactar as gerações. Este é o desejo do Pai Celeste:” Da mesma forma, o Pai de vocês, que está nos céus, não deseja que nenhum destes pequeninos se perca.” (Mt 18.14) Jesus está se dirigindo às crianças que dele se aproximam e estão sendo abençoadas. O evangelho precisa ser eficientemente comunicado às novas gerações. Será que temos cumprido bem esta missão?

 

Ao estabelecer a problemática, gostaria de suscitar cinco grandes desafios para que a missão de fazer discípulos de todas as gerações seja efetiva. Estes desafios não podem ser ignorados:

 

1.     Desafio hermenêutico

 

1 Cr 12.32 – “Dos filhos de Issacar, conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer, duzentos chefes e todos os seus irmãos sob suas ordens.”

 

Na formação de sua equipe, Davi se preocupou com a escolha certa de determinados homens, líderes relacionados à manutenção da provisão do palácio, daqueles que também cuidariam da segurança e da guerra. Mas surpreende quando vemos que ele contratou 200 homens da tribo de Issacar e alguns dos seus auxiliares, uma tribo quase esquecida de Israel, para cuidar da logística. Os filhos de Issacar seriam a intelligentsia no governo de Davi.

 

O que havia de especial nestes jovens que atraiu Davi? Eles tinham duas virtudes:

 

A.    Eram conhecedores da época. Sabiam fazer a leitura correta da realidade e do momento de Israel. Trabalham como estrategistas.

 

B.    Como resultado final disto sabiam o que Israel devia fazer. Fazer a leitura certa nos habilita a tomar ações concretas e certas. Sem entender a hermenêutica da história, da cidade, do ambiente em que vivemos, corremos o risco de fazer muita coisa, mas atabalhoadamente.

 

A pergunta inicial para nós é se estamos fazer a leitura adequada desta época da história. Que geração é esta? Qual sua cosmovisão, cultura, símbolos? Será que conhecemos seus anseios, sonhos, desejos e questões que estão incomodando seus corações? Podemos estar fazendo muita coisa, mas respondendo perguntas e tentando resolver problemas que não são os mais importantes e relevantes.

 

Uma pessoa, certamente bem-intencionada, gostava de escrever nos muros na beira da estrada: “Jesus é a resposta!” Era comum vermos esta frase em muitos lugares. Um dia me deparei com uma reação de um gaiato que escreveu embaixo: “Qual é a pergunta?”

 

Francis Schaeffer afirma:

“Precisamos ser conhecedores do contexto moderno, não apenas num nível superficial, mas no nível filosófico, sabendo por que acontecem as mudanças — por exemplo, a obsessiva preocupação com divertimento, com sexo e com riqueza.” Isto implica em penetrar no que é dito, não dito, o que se fala e o que se reprime. Ler corretamente o presente tempo nos ajudará a dar o foco certo e criar as estratégias e metodologias efetivas para o presente tempo.

 

Como ser uma igreja histórica, que sabe interpretar, entender e responder aos anseios espirituais desta sociedade pluralista, subjetivismo, secularizada, relativista? Será que somos capazes de entender a cultura atual e traduzir a mensagem poderosa do evangelho a esta geração?

 

Uma criança de 3 anos foi ao departamento infantil da igreja e a professora pediu para que um dos alunos falasse um versículo de cor. Ela respondeu: “Mais bem aventurado é dar que receber! “A professora admirada com a resposta indagou: “seu pai é missionário?” E ela respondeu: “Não, ele é pugilista!”

 

2.     Desafio da Linguagem

 

Precisamos adequar a forma de comunicação, entendendo o que se torna mais compreensível para a geração. Isto implica até mesmo em estilo, terminologias, forma de dizer as coisas.  O que falamos e a forma como falamos faz sentido?

 

Existem pelo menos três formas de comunicação. Linguagem conceitual, intuitiva ou relacional. 

 

Conceitual – Se preocupa em derramar uma quantidade imensa de conteúdo e informação. É a forma clássica de comunicação. O modelo antigo considera que quanto mais conteúdo o aluno receber, melhor. Como o evangelho trata de conteúdo e conceitos, muitos pastores transformam o púlpito numa classe de Escola Dominical. Os alunos devem prestar muita atenção e reter o maior número de informações doutrinárias. Não é errado fazer isto, a questão é saber quão efetiva esta comunicação se torna para a presente geração.

 

Intuitiva - Procura despertar o ouvinte com uma linguagem provocativa, questionadora, critica, tentando fazê-lo refletir e indagar se o que está sendo comunicado é certo ou não? Muitos pastores usam de forma poderosa esta forma de comunicação, aliando a uma linguagem de narrativa, contando histórias, envolvendo seus ouvintes.

 

Relacional – O interesse está em se tornar pragmático. Ajudar o ouvinte a resolver seu problema diário e as lutas que ele enfrenta. Como se relacionar com finanças, saúde, família, filhos, amigos, etc. A ênfase encontra-se em um conteúdo com forte ênfase na aplicação.

 

A discussão da efetividade de cada uma destas formas não é o ponto central da nossa palavra, mas queremos pelo menos refletir. Como a mensagem está chegando àquele que a recebe? Afinal, comunicação não é o que se diz, mas o que o outro entende.

 

Pastoreei a cidade de Cambridge, nos arredores de Boston, uma região conhecida como pós-cristã, nos Estados Unidos. A maioria das igrejas outrora relevantes se tornaram pubs, viraram condomínios, ou ainda mantem um grupo pouco significativa de uma comunidade que envelheceu e não soube traduzir as verdades do evangelho para as novas gerações.

 

Em 1992, a nossa denominação comprou o prédio de uma antiga igreja perto da Central Square, lugar estratégico da região de Cambridge. Próximo da Harvard e do MIT, duas das melhores universidades do mundo. O templo foi construído em 1870, uma magnifica catedral gótica, com lindos vitrais. Por que aquela igreja perdeu seu poder de impacto? Adquirimos o prédio de um grupo de irmãos, e negociamos diretamente com  o líder que era o caçula do grupo, na época tinha 82 anos. O templo já estava fechado há 25 anos, e aqueles irmãos se reuniam numa sala no fundo do prédio. Eles não tinham mais recursos para manter o prédio que estava se desmoronando por dentro.

 

Ao estudar o tema e a realidade a pergunta foi: O que aconteceu com aquela igreja outrora vibrante? Aquela região havia crescido e muitos prédios modernos haviam sido construídos, mas porque ao invés de acompanhar o crescimento a igreja declinou?

 

Três respostas imediatas podem ser dadas:

A.    A teologia liberal – Dos sete seminários evangélicos da região, apenas o Gordon-Conwell ainda continua ortodoxo. A teologia liberal forjou a mente dos futuros pastores que rejeitaram a inspiração, autoridade e a inerrância das Escrituras, e agora estavam perdidos entre os conceitos da teologia da crítica das formas.

B.     Os filhos perderam o interesse pela igreja, que não se renovou. Ela não apenas não conseguia mais atrair novos membros, mas não conseguiu manter os filhos que se afastaram sistematicamente da igreja. A igreja perdeu a nova geração.

C.    O terceiro aspecto, que nos interessa aqui de forma mais direta foi a inadaptabilidade e inadequação da linguagem para o novo momento que aquela igreja tinha que lidar. Ela era uma igreja White american, e não conseguiu acolher os orientais, hispânicos, negros que começaram a chegar em grande número na região. Eles não sabiam ser uma igreja para aquele momento da história, nem para as pessoas da vizinhança. Perderam o contato com o seu tempo e sua comunidade.

 

Isto se contrapõe de forma surpreendente com a percepção e cuidado que Jesus tinha com seus ouvintes. Veja o que nos diz o relato bíblico: E com muitas parábolas semelhantes lhes expunha a palavra, conforme o permitia a capacidade dos ouvintes.” ( Mc 4.33) Jesus tinha sensibilidade com os seus ouvintes. Seriam eles capazes de apreender aquilo que ele estava tentando anunciar? Sua estratégia de contar parábolas era uma forma de facilitar o entendimento de seus ouvintes. Será que somos sensíveis a este ponto?

 

3.     O desafio da coerência

 

Neste terceiro ponto queremos afirmar que para fazer discípulos desta nova geração, precisamos ser uma igreja íntegra, coerente e que não deixe dúvidas sobre sua seriedade. Esta geração pode até ser incoerente, mas não admite incoerência e liderança dúbia. Se a geração anterior era capaz de calar-se esta não fará isto, sua resposta será imediata. Ela rejeitará uma igreja infiel e hipócrita.

 

O texto que escolhi aqui encontra-se em Tt 2.5 – “…Para que a Palavra de Deus não seja difamada” que fala do relacionamento das mulheres com seus maridos incrédulos. A visão de Paulo é que uma mulher coerente com seu estilo de vida, atrairia seu marido a Cristo, e a Palavra de Deus não seria envergonhada, nem contraditada. Trata-se, pois, do foco na construção de pontes e não na imposição de dogmas, através de uma vida de coerente, testemunho do amor de Deus.

 

Ruben Alves, educador da Unicamp, certa vez indagou porque os alunos rejeitavam a educação? E para ele, uma criança deveria aprender por prazer, não por imposição, e quando ela rejeita o modelo educacional ela o faz porque a forma de educar seria inadequada. Sua pergunta era a seguinte: “vômito é sinal de saúde ou de doença?” qualquer resposta que você der é correta.

 

Quando seu organismo rejeita um alimento estragado e o joga fora, ele o faz porque percebe que se aquilo permanecer dentro do estômago, vai causar grandes danos. Então, ao vomitar, sua impulsão revela saúde. Por outro lado, quando rejeita, pode também revelar que algo muito ruim pode estar acontecendo visceralmente, e não se trata de uma comida estragada, mas de um corpo adoecido.

 

No Brasil 3.8% das pessoas se consideram evangélicos não praticantes. Elas não estão negando ainda a sua fé, nem se dizem ateias, mas simplesmente acreditam que não estão conseguindo viver numa estrutura adoecida, neurotizada e esquizofrênica que tantas vezes se encontra presente nas igrejas locais. Há muita doideira. Muito pastor maluco! Por isto elas decidem, lamentavelmente, jogar fora o bebê com a água suja.

 

A verdade é que se a igreja é opcional para os pais, ela se tornará descartável para os filhos.

 

4.     O desafio da Relevância

 

O quarto desafio é o da relevância: A mensagem do evangelho tem que ser atualizada para o homem do Século XXI. Isto não significa negar as verdades fundamentais da Bíblia, e nem que devemos “atualizar a Bíblia” para satisfazer o homem ou justificar seus pecados. É uma forma de tornar o evangelho atraente ao pecador. Afinal, “A igreja local ou o grupo cristão deve estar certo, mas também deve ser belo.” (Schaeffer)

 

Certamente a compreensão de Paulo sobre este assunto pode nos ajudar e orientar:  “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele.” (1 Co 9.19-23)

 

Será que percebemos o esforço e o desejo de Paulo de tornar o evangelho atraente aos seus ouvintes. Isto parece leviandade ou compromisso com o evangelho? O que estamos dizendo tem sido relevante à atual geração? Muitas vezes confundimos histórico com revelado, temporal com eterno, essência com acidente, forma com conteúdo. E desta forma nos tornamos irrelevantes e incapazes de tangenciar as questões que mais desafiam esta geração com a beleza do evangelho

 

Dr. John Stott no seu livro, “o discípulo radical”, coloca em um dos seus capítulos a temática da ecologia. Este tema talvez fosse desnecessário e irrelevante em outras situações, mas não neste momento da história. Ao pensar na comunicação do evangelho, precisamos considerar estratégias, abordagens e liturgia, temáticas. Como o evangelho trata as questões relacionadas a ideologia do gênero, ao materialismo e consumismo do presente século.

 

Como ser uma igreja relevante numa cultura em transformação? Isto inclui métodos, estratégias, abordagens e adequação litúrgica, afinal, “as armas de ontem não matam os coelhos de hoje.” A mensagem do evangelho é eterna, não pode ser negociada, não estamos falando de conteúdo, mas precisamos entender que um mundo em transformação exige uma resposta inteligente, e estratégias novas para um mundo digital e permeado pela inteligência artificial.

 

5.     O desafio do afeto

 

Por último, mas não menos importante, para fazer discípulos de todas as gerações precisamos de uma linguagem que passe pelo coração. As pessoas crerão mais facilmente quando perceberem que realmente nos interessamos por elas, não por motivos escusos e interesseiros, mas por causa de Cristo e do evangelho. Precisamos de pastores cuidadosos e atentos, e igrejas amáveis e acolhedoras. Apenas uma igreja com esta compreensão será capaz de romper a indiferença e o descaso dos tempos modernos.

 

Na década de 1980, Ivone Gebara, teóloga católica, começou a escrever sobre a teologia do corpo. Mais recentemente o Papa João Paulo II escreveu livro com a mesma temática. Apesar da relevância do tema, acredito que devemos introduzir a discussão em uma temática ainda mais urgentemente necessária: A Teologia do Afeto. Pensando nisto escreveu um livro com este tema em 2012. [4]

 

Precisamos ser uma igreja marcada pela afetividade. Nossos filhos e as novas gerações só serão convencidas pelo poder do amor. Aliás, esta é a base da nossa salvação. “Ou ignorais que a bondade de Deus é quem te conduz ao arrependimento?” (Rm 2.4) Quando somos confrontados com a beleza da graça e as ricas misericórdias de Deus, o Evangelho se torna poderoso em nós. Precisamos liderar a partir da afetividade.

 

Butterfield, escreveu um livro que relata sua conversão. O título é para lá de provocativo: “Pensamentos secretos de uma convertida improvável.”[5] Sua biografia relata a interessante jornada de uma professora de língua inglesa rumo à fé cristã. Com sólida formação humanista e secular, professora universitária, homossexual assumida e líder do movimento feminista de sua universidade, de repente tem um inesperado encontro com a família de um pastor, que a ama sem se importar com sua cosmovisão, e este amor de Deus marca sua vida de forma sensível. No primeiro encontro que tiveram, aquele casal perguntou se poderiam orar agradecendo o alimento, e aquela oração simples foi tão marcante que Deus, até então uma ideia esquecida na sua visão de vida, passa a fazer sentido. Deus de fato parecia real, de alguma forma. A partir da aceitação, do amor, e de uma fé simples que ela viu na vida deste casal, ela começou a ser atraída a Jesus. Sua declaração é interessante: “Uu não me converti do homossexualismo para o heterossexualismo, mas do ateísmo para Deus.”

 

O que impactou a sua vida? A forma carinhosa, sem preconceito, amorosa, com que Deus lhe foi demonstrado. A igreja precisa ser santa, mas não preconceituosa. A verdade é que se quisermos discipular a nova geração, precisamos construir uma teologia do afeto.

 

Conclusão

 

O evangelho precisa atingir as novas gerações e para isto precisa ser intencional e estratégico. Não podemos descuidar: a geração pós cristã da Europa e dos Estados Unidos está sempre nos lembrando: precisamos de teologia ortodoxa, bíblica, mas atraente, relevante. Precisamos entender o momento de nossa história como foram capazes de fazer os filhos de Issacar.

 

O evangelho tem poder para salvar, a semente por si só frutifica como nos ensinou Jesus. Temos o poder do Espírito, somos resultados da obra eficiente da cruz e do sangue. Como igreja precisamos pedir ao Senhor que nos ajude a “aproveitar a oportunidade com os que são de fora.”

 

Henry Nouwen escreveu um livro interessante sobre um velho tema: “A volta do Filho Pródigo.” Ele decidiu escrever este livro depois de passar algumas horas apreciando a clássica obra do Rembrandt, no museu da Holanda. Duas coisas foram bem interessantes na leitura deste livro:

 

Primeiro, ele disse que o centro da parábola não são os filhos: nem o filho licencioso moral, egoísta e perdulário; nem o filho que fica na casa, mas é um justo amargurado que não consegue entender o coração do seu amoroso do Pai.

 

Segundo, chamou a atenção que normalmente nos identificamos com um dos filhos, mas que o grande desafio da parábola é nos identificarmos com o Pai, afinal, somos chamados a imitar o Pai, que tinha três características básicas:

 

Generosidade

Misericórdia

Reconciliação

 

Este é o grande chamado da igreja de Cristo. Imitar o Pai. Tratar a atual geração com o coração marcado por estas três virtudes. Precisamos de uma igreja generosa, pronta a abençoar, misericordiosa, pronta a acolher e que tem o grande chamado para reconciliar as gerações e ser pacificadora.

 

Só assim conseguiremos de forma eficiente, fazer discípulos de toda geração.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Hunt. Susan – A graça que vem do lar, Casa de Cultura Cristã, São Paulo, 2002, pgs 27-29

[2] Hodge, Charles – Systematic Theology, Vol 3, Grand Rapids, MI, Eerdmans, 1991, pg 555

[3] Whitefield, George. Org The Godly family, essays on the duties of parent and children. Morgan, Penn, Soli Deo Glory Publications, 1993, pg 91

[4] Vieira, Samuel – Teologia do Afeto. Goiânia, Ed. Kelps, 2012

[5] Butterfield, Rosaria Champagne. São Paulo, Ed. Monergismo, 2017

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