Jairo poderia ser qualquer um de nós. Um homem de um vilarejo perdido na sequidão das montanhas da Judeia. Seria mais um personagem perdido no anonimato da história, como eu e você. Gente simples, comum, ordinária, cumpridora de seus deveres, que fazia de sua rotina um estilo de vida, cumprindo-a fervorosa e diligentemente.
Nada sabemos sobre sua esposa, se ela tinha muitos filhos e se ocupava das lides diárias, ou se tinha apenas esta filha. Era comum que em uma casa, uma mulher tivesse mais de dez filhos, como Maria, mãe de Jesus. A Bíblia descreve ao menos o nome de seis filhos de Maria e fala ainda das irmãs, no plural, indicando que eram no mínimo duas.
Não sabemos muito como tudo aconteceu, mas tragédias não são antecipadas e nem previstas. Elas escrevem suas marcas de forma profunda e perene em nós. O fato é que, quando Jairo procurou Jesus, era porque se tratava de uma situação desesperadora. Ele era o chefe da sinagoga de sua cidade, e podemos supor que, por ser religioso, muita discussão já circulava sobre a identidade de Cristo. Ele não o procuraria se não fosse uma situação extrema.
Sua filha não estava bem, seu estado de saúde se agravara sensivelmente e, em desespero, ele procurou Jesus. Sua filha estava passando por uma grave situação de saúde, e nestas horas facilmente extrapolamos a zona do bom senso para resolver a dor.
Jesus prontamente decide segui-lo, mesmo tendo consigo uma multidão de outras pessoas ansiosas por tocá-lo, por se aproximar dele. Não estava fácil sequer andar, mas diante da premência da situação, Jesus se dirigiu para a casa de Jairo. A situação agora parecia trazer esperança, pois havia urgência diante do agravamento da saúde da menina, mas já era possível descansar um pouco: Jesus estava a caminho de sua casa; as coisas iriam melhorar.
No entanto, um fato novo surge. De repente, Jesus para o que estava fazendo e resolve dialogar com alguém que, anonimamente, havia tocado sua veste. Eles não podiam parar! Será que Jesus não percebia isto? Rostos cansados e atentos agora olhavam para Jesus. A última coisa que Jairo queria era interromper a caminhada. Depois de resolvido o seu drama familiar, ele poderia fazer o que quisesse, mas não agora. Além disso, se alguém fora curado, ótimo! Por que seria necessário interromper a jornada?
Os discípulos também demonstram certa apreensão com a atitude de Jesus. "Não vês que a multidão te aperta? Como dizes: 'Quem me tocou'?", mas Jesus continua procurando aquela pessoa que intencionalmente o tocara a fim de obter a cura. Há muitos querendo comprimir e esbarrar em Jesus, mas poucos se aproximam dele com propósitos claros, com intencionalidade específica.
A "demora de Deus" em nos atender, as interrupções em sua caminhada e em seu projeto podem ser fatais para a nossa vida. Jairo recebe a notícia de que sua filha acabara de morrer. "Enquanto há vida, há esperança", mas agora era muito tarde. Jesus demorou.
O drama de Jairo é o nosso drama diário: o de ver Jesus realizando sua obra na vida de tantas pessoas, mas o nosso apelo não ser atendido. Oramos intensamente por um determinado assunto e, durante este tempo, vemos tantas manifestações de Deus na vida dos outros, mas nosso clamor parece se postergar. Deus parece distante e sua agenda parece não nos contemplar. As palavras do salmista parecem reverberar em nossos corações: "O teu Deus, onde está?".
Atônitos, nos desesperançamos. A expectativa de uma intervenção de Deus parece agora impossível. Ouvimos amigos nos trazendo perguntas: "Por que ainda incomodas o Mestre? Sua filha morreu!". Será que ainda vale a pena confiar? Será que podemos confiar? Deus ainda é capaz de fazer alguma coisa neste estado caótico da realidade?
São pais orando pelos filhos que vão de mal a pior. Quando surge alguma esperança e o coração parece encontrar ânimo, uma nova e calamitosa informação é trazida. Até onde podemos esperar em Deus? Até onde Deus pode ir? Existe um limite para sua ação?
São esposos orando por suas mulheres com graves quadros de depressão. Anos a fio clamam por uma cura, por uma solução medicamentosa, e quando as coisas parecem encontrar novamente seu eixo, uma desilusão os assalta novamente. A esperança se esvai como um sorvete ao sol. São esposas vendo seus maridos cada vez mais distantes e que clamam por uma intervenção divina. As coisas parecem amenizar quando, inesperadamente, surge outra realidade e outra má notícia que parece dizer: "Por que incomodas ainda o Mestre? O quadro já é definitivo...".
O drama de Jairo é a demora de Deus em agir. O seu drama é acreditar e descobrir que, de repente, nada mais pode ser feito. O seu drama é a demora de Deus.
Por que Deus se atrasa? Por que sua agenda não se coaduna com a nossa? Por que Ele permite que a situação se torne tão grave e nossa causa, impossível?
Constantemente nos deparamos com o descompasso entre a agenda de Deus e a nossa, entre o seu tempo e o nosso, entre os seus limites e nossa frágil condição.
O texto que narra a intervenção de Deus na vida de Jairo, se inicia no vs. 21 quando ele pede socorro a Jesus. Aquele homem chega cheio de fé: “Vem, impõe as mãos sobre ela para que seja salva e viverá.” (Vs 23) Isto é uma declaração de fé: Se o Senhor vier, ela vai ser curada! Gosto de gente assim! Ele é o principal da sinagoga, mas sabe o que precisa e se entrega nesta busca por aquilo que lhe era essencial.
Jairo, porém, tem que lidar com uma ruptura na sua aproximação com Deus. Nesta angustiante espera surge o incidente da mulher hemorrágica.
Jairo enfrenta alguns dramas:
- O Drama da Espera - Este é um dos grandes dramas da vida. Quando pensamos que Deus desta vez vai resolver o problema, surge um fato novo que o distancia do socorro. A mulher hemorrágica está ali. Ninguém percebe a angústia de Jairo. Ele tem que lidar com este drama na sua solidão. Sua dor não é compartilhada. No meio da multidão surge uma discussão sobre a mulher, que ele não conhece, cujo problema não lhe interessa, e que está, em última instância, atrasando o processo da ação de Deus, já que sua filha precisa de socorro espiritual urgente. A presença desta mulher interrompe o movimento de Deus em direção à sua casa.
Corremos contra o tempo e Deus parece não se preocupar... Marta fala de sua aflição por causa da espera quando seu irmão morreu. “Se estiveras aqui, meu irmão não teria morrido!” (Jo 11.43) O tempo de Deus não foi suficiente. Além do mais, Jairo corre o risco de perder Jesus no meio da multidão. E se Jesus, fosse absorvido pela grande multidão e se esquecesse dele?
- O Drama dos “Profetas do desespero” – Este é o segundo drama relatado no texto. “Não incomodes mais o mestre, sua filha morreu”.
Depois de resolvido o problema da mulher hemorrágica, algumas pessoas vêm ao seu encontro para comunicar algo que ele não gostaria de ouvir. Elas se aproximam para anunciar desesperança e fracasso. Existem muitos que nunca trazem soluções, mas sempre problemas. Aquelas pessoas não estavam mentindo, elas estavam sendo realistas. O que elas dizem é que não vai dar, que não existe mais nada que se possa fazer. O homem de fé olha para as crises e vê oportunidades de Deus, os profetas do desespero são realistas, não conseguem olhar além, ver as coisas com esperança. Por isto, caminhar com pessoas de fé é algo tão importante para nosso crescimento espiritual. Precisamos de profetas da esperança.
Já aprendi no meu pastorado, a não dar ouvidos às pessoas que apontam para impossibilidades – Não gosto de andar com gente desanimada, que não consegue caminhar com uma dose de fé e ousadia. Isto empobrece minha fé, é contagioso. John Kennedy, o carismático presidente americano assassinado em Dallas, afirmou: “Sempre se ouvirão vozes em discordância expressando oposição sem alternativa, descobrindo o errado e nunca o certo, encontrando escuridão em toda parte e procurando exercer influência sem aceitar responsabilidade.”
Em Dt 20.8, depois de excluir alguns homens da guerra por razões recomendadas: alguns haviam acabado de construir uma casa, plantar uma vinha ou eram recém-casados, o texto diz: “Homem medroso e de coração tímido, vá, volte-se para sua casa, para que o coração de seus irmãos não se derreta como o seu coração”. Se o medroso fosse para a guerra ele tiraria a ousadia do outro.
Os espias de Israel, em Nm 13.30 enfraqueceram o coração daqueles que ficaram: “A terra é boa, verdadeiramente mana leite e mel, mas as cidades são fortificadas, o povo é poderoso, e ali moram os filhos dos enaquins”. Calebe faz calar o povo e disse: “Eia, subamos e possuamos a terra. Se o Senhor se agradar de nós, nos fará entrar na terra e no-la dará”.
Convivi no presbitério com um presbítero que era economista, e no auge da discussão do orçamento, quando indagavamos sobre sua opinião: “Vocês querem que eu responda como homem de fé ou como administrador?”
Recebi a visita de um pastor em minha casa quando ainda estava nos Estados Unidos. Nós estávamos empolgados com a compra do prédio, um edifício com estilo gótico, construído em 1870. Tínhamos conseguido um financiamento, e iríamos pagar cerca de U$ 8.000,00 dólares mensais, por 15 anos, mas não estávamos preocupados com isto, Deus estava levantando os recursos. Então este pastor me disse preocupado: “Você não tem medo de que, trabalhando com comunidade de imigrantes, vocês eventualmente não consigam pagar as prestações?”. Até então eu estava despreocupado e seguro, mas a sua pergunta fez um enorme mal ao meu coração.
Em At 11.24, quando se deu um avivamento em Antioquia da Síria, enviaram Barnabé para fortalecer aqueles que eram novos na vida cristã, porque ele tinha três características que um líder do povo de Deus deve ter: “Homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé”. Não basta ser bom, nem apenas ter o Espírito Santo, é necessário ter fé. Projetos do reino de Deus sempre exigem uma disposição de fé.
Neste texto vemos que Jesus só permitiu três pessoas entrarem com ele para orar com aquela menina que morrera. Por quê? Não seria porque estes três irmãos, apesar de todas as suas incoerências eram gente que via possibilidades onde os outros não viam?
A Bíblia diz, que Jesus não se incomodou com os comentários daqueles profetas do desespero. "Jesus, sem acudir a tais palavras" (Mc 5.36). Ele não aceitou o veredicto do desespero. Ele ainda não havia dado a última palavra e a última palavra só Jesus de Nazaré é quem dá. Se Jesus tivesse ouvido tais afirmações, o que teria acontecido agora?
Não foi exatamente isto que Marta fez quando Jesus chegou à sua casa depois da morte de Lázaro? (Jo 11). “Meu irmão já cheira mal.” O que ele faz é colocar empecilhos à ação. Limitar o poder de Deus.
Eis algumas características destas pessoas:
- Mestres da incredulidade – Estão ao lado de Jesus, já viram coisas maravilhosas acontecerem, mas não exercitam fé; “Tua filha já morreu, porque importunas o mestre?”
- Risos – Riem incredulamente quando a fé nos ensina a rir das impossibilidades. Às vezes ouço a expressão: "Só Deus mesmo..." Só que ao invés de expressar confiança, esta frase demonstra "falta de confiança".
- Limitam o poder de Deus aos seus próprios limites, e aos aspectos óbvios da humanidade. Os homens pedem para que Jairo não mais incomode a Jesus. Acabou a esperança! A esperança vai até os limites de nossa fé - Não pode ultrapassá-la. Os amigos de Jairo desistiram: A esperança deles ia até antes da morte.
i. Quais são os nossos limites para Deus?
ii. Marta diante de Jesus: "Se tu estiveras aqui..." Jesus diz: "Ele há de ressurgir". e Marta diz: "Eu sei que ele há de ressurgir no último dia". Tinha uma boa teologia sobre escatologia, mas esbarrava num limite: A morte era ponto final. Quando Jesus insiste em mover a pedra, ela retruca: "Isto é insanidade, já cheira mal, faz quatro dias".
Nossa fé depende do tamanho da percepção que temos de Deus.
Será que Sara não cria? Em Gn18.12 vemos que ela questiona as promessas. Ela ri quando Deus afirma que ela vai dar a luz. “Depois de velha e sendo velho, meu senhor, terei ainda prazer?” (Gn 17.17). Deus diz: "Acaso haverá coisa demasiadamente difícil para Deus?" (Gn 17.14).
Até onde pode ir o meu Deus? Onde tenho posto meus limites? A Bíblia nos ensina que “Deus é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós”.
- A incredulidade gera alvoroço – Típico de gente sem fé. Adoram a tragédia, o caos! Parecem curiosos quando ocorre acidente na beira da estrada. Param a vida para apreciar o trágico. O texto afirma que havia “alvoroço” (Mc 5.38)
E se Jesus tivesse parado diante das argumentações destas pessoas?
E se Jesus tivesse parado diante das argumentações de Marta?
E se Jesus tivesse parasse diante das nossas argumentações?
- A necessidade do encontro com o sobrenatural – Deus entra na sua casa e o convida para participar de sua experiência no secreto.
É interessante este convite de Jesus, de tirar todas as pessoas da casa. Ele já havia ressuscitado um morto no meio da rua, o que Jesus queria ensinar agora? Há milagres que só acontecem quando marido e mulher, ao lado de Jesus, clamam. É a experiência do sobrenatural, da ação de Deus. No Antigo Testamento, quando a mulher viu o milagre do azeite na botija, a ordem do profeta foi dada para que ela, entrasse na sua casa, trancasse as portas da casa. (2 Rs 4.1-6)
Determinados milagres acontecerão, quando conseguirmos fechar o quarto para que o barulho dos sons e das pessoas, não penetrem mais. Ali, a sós com Deus, vamos ver o milagre de Deus.
Eis algumas características deste encontro:
a. Encontro privativo – Não é com todo mundo. Este encontro se dá no meio do sofrimento, do calor, da dor, com cheiro de morto a nos rodear e ainda assim Deus nos visita trazendo o seu bálsamo curador. Quantos milagres já se deram desta forma?
b. Encontro que gera assombro, admiração – “foram tomados de grande espanto”. No meio do quarto, carregado da angústia e sofrimento, a dor se transforma em assombro. Esta compreensão da presença maravilhosa de Deus deve levar nossa existência a um patamar mais profundo da compreensão do Eterno.
c. Encontro com o sobrenatural – Ao saírem daquele lugar, pesado, triste, aquelas pessoas revivem a experiência de Jacó: “Na verdade Deus está neste lugar e eu não sabia”. (Gn 28.16) e são tomadas de uma profunda consciência da presença de Deus.
Conclusão
A. Não valorize situações de tragédia - Rompa com a tendência que fortalece o sentimento de derrota. Acabe com "ambientes de morte". "Por que estais em alvoroço?" (Mc 5.39) Despreze as carpideiras, gente que é paga para chorar ao seu lado. Existe alguma coisa meio inconsciente. Existe gente que quer criar e respirar o ar mais trágico e dolorido possível, criar um clima de morte. Todos nós passamos pela situação de dor e perplexidade, e nestas horas precisamos recordar as palavras de Deus: “Quando passares pelas águas (eu serei contigo), quando pelos rios (não te submergirão), quando pelo fogo (não te queimará, nem a chama arderá em ti), porque eu sou o Senhor teu Deus.” (Is 43.2)
B. Exercite fé no meio dos desafios - Qual era o desafio de Jesus? Jesus desafia a Jairo. "Não temas, crê somente". Coloque sua fé no impossível e volte seus olhos para o Deus que tem todo poder. A Bíblia nos ensina que os heróis da fé "da fraqueza tiraram força." (Hb 11.34) Foram capazes de ver o invisível. As pessoas zombam de Jesus: "riam-se dele", mas Jesus não muda sua trajetória. “Sonhe algo tão grande para Deus, que se Ele não intervir, o resultado será o fracasso”.
C. Aproprie-se do milagre - Jesus não se incomoda com a zombaria dos presentes. Um texto da Bíblia me tem desafiado profundamente. “Ao orardes, crede que recebestes". (Mc 11.24) Nele Jesus ensina a importância da fé afirmando: tudo o que pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim sucederá.” Isto significa que, ao orar com fé e sem dúvidas, e crendo que Deus já concedeu o que foi pedido, a pessoa deve ter a certeza de que o seu pedido será atendido. O que esta palavra de Jesus nos ensina é que devemos nos apropriar daquilo que é o objeto da nossa fé. Jesus dá uma ordem impensada.
Ao afirmar: "Menina, eu te mando, levanta-te". (Mc 5.41), Jesus quer ensinar que coisas maravilhosas serão possíveis, quando Deus decide fazer.
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