Cuida de ti mesmo e da doutrina 1 Tm 4.16

 

Introdução

 

Robert Clinton, do Fuller Seminary Presbiterian, em Pasadena, CA., fez um estudo sistemático dos líderes da Bíblia chegando à conclusão de que 2/3 deles terminaram mal. Esta estatística é assustadora. Será que a realidade nossa é diferente?

 

A minha turma do Seminário (SPS-1980), havia sido até então, a maior turma de seminaristas já formados em um único ano. Isto aconteceu em 1980, no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas. Éramos 41 alunos. Tivemos muitos pastores fiéis, mas um colega se apostatou da fé, morrendo longe de Cristo, um se tornou homossexual, posteriormente retornou à fé e se casou. Um transferiu-se para outra denominação liberal, faz casamento religioso de homossexuais; outro fez um casamento alguns anos arás e na cerimonia afirmou: “segundo o profeta Hegel”, e disse que não oraria naquele dia em nome de Cristo, mas “em nome do amor”, e assim por diante.

 

Precisamos cuidar de nós mesmos e da doutrina.

 

Uma das cartas mais pessoais na Bíblia é a Segunda Carta a Timoteo, que era filho na fé de Paulo, e se tornou seu discípulo, seguindo-o onde quer que fosse, vendo como Paulo pregava, ensinava e vivia, até ser designado para pastorear a igreja de Éfeso.  Antigamente não existiam seminários para preparação de pastores, e a transmissão do conhecimento e da vida se dava na medida em que mestre/aluno andavam juntos. Estes mestres eram chamados demistagogos e tiveram uma função fundamental na história da igreja para preparar seus alunos.

 

A exortação que ele dá neste texto era fundamental para Timóteo naqueles dias, e ainda o é para os dias de hoje. “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina”. Na nossa caminha espiritual, precisamos estar atentos a duas coisas:

a.     O estilo de vida

b.     As convicções teológicas

 

Vamos analisar a primeira parte. “Cuida de ti mesmo”, que tem a ver com o estilo de vida. A Bíblia diz que, em cristo, ressurgiu um novo homem, segundo a justiça e justiça procedentes da verdade. Este novo homem surge a partir do momento que a pessoa tem um encontro pessoal com Jesus Cristo e sua vida passa a ser dirigida pelo Espírito Santo. (2 Co 5.17) Por receber uma nova natureza, passa a ter um estilo de vida e comportamentos, um modo de andar, segundo Cristo.   Como deve viver este homem que agora precisa andar segundo Deus?

 

Quatro áreas são essenciais para que o que é nascido de novo, tenha um novo estilo de vida:

1.     Corpo – Em agosto de 2014, estive com o pr. Erasmo Carlos, da Igreja Presbiteriana Renovada em São Luís do maranhão, e ele contou que aos 42 anos, com 1.72, estava pesando 88 kg, quando leu este texto. Na hora entendeu o recado de Deus: ele estava cuidando da doutrina, da igreja, mas não estava cuidando de si mesmo. Então, reorganizou sua vida e começou a caminhar, depois a praticar jogging, passou a correr 10 km 3 x por semana, e já participou de uma maratona e estava se preparando para a maratona de Curitiba em Novembro daquele ano.

Precisamos cuidar de nosso corpo. Eventualmente abusamos dele. Dormimos mal, comemos mal (em demasia ou muito pouco) vivemos desregradamente, somos sedentários, não tiramos dia de folga, trabalhamos exageradamente e não descansamos. Quando nosso carro começa apresentar algum barulho estranho, imediatamente corremos para o mecânico, mas eventualmente nosso corpo está dando todos os sinais de que alguma coisa não vai bem, mas não paramos para cuidar dele.

 

Meu filho trabalha na área e planejamento financeiro, e recentemente ele teve a notícia de que muitas empresas de seguro não estão mais recebendo clientes que sejam pastores, por, lamentavelmente estarem sendo tão indisciplinados em suas vidas. A igreja condena veemente o uso do cigarro, por uma única razão: ele é prejudicial à saúde. Mas porque não condena o uso de Coca-Cola, de açúcar em excesso, de comidas gordas? O princípio parece ser o mesmo, não é?

 

Mas não é apenas do sedentarismo que precisamos cuidar. Precisamos cuidar também da pureza moral, não vivendo uma vida de pecado, de luxúria, pornografia, formicação. O problema dos pastores viciados em pornografia nos Estados Unidos é tão grande que foi criado um ministério naquele país para dar apoio a estas pessoas. A Bíblia afirma que todo pecado que praticamos é fora do corpo, mas a impureza sexual acontece no corpo (1 Co 6.18), e como somos templos do Espírito Santo, devemos viver vida de santidade. Por isto a bíblia nos exorta: Apresentar os corpos por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.” (Rm 12.2). 

Alguns pastores se gabam de não tirar férias, e nem terem descanso semanal. Será que eles entendem o sentido do shabath? Quando plantava igreja nos EUA, um grupo de irmãos me repreendeu ao descobrir que eu não estava tirando meu dia de folga semanal. “Pastor, você está pecando!”

 

A verdade é que tratamos melhor nosso carro do que a nós mesmos.

2.     Mente – Paulo pede a Timóteo: “traze os livros, especialmente os pergaminhos.” 1 Tm 4.23. Ele precisava manter sua mente atilada.

Outra área da qual precisamos cuidar é o pensamento. Precisamos “estar sempre preparados para responder a todo aquele que pedir razão da esperança que há em nós.” (1 Pe 3.15) Discípulos de Cristo precisam ter uma mente preparada. A Bíblia nos exorta: “...E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Rm 12.2)

Vivemos numa cultura e cosmovisão contrária ao pensamento bíblico. Precisamos lembrar que “o mundo jaz no maligno”. Às vezes nos assustamos com tanta bobagem que é dita nos canais de televisão e nas músicas, e o mais estranho ainda é o fato de tais descalabros, absurdos e imoralidades atraiam milhares de seguidores. Nossa mente é bombardeada por uma sociedade secularizada, oposta a Deus e precisamos aprender a julgar as coisas com discernimento. Ter a mente de cristo. Estudar, preparar, saber discernir pensamentos pagãos. Precisamos cuidar de nossa mente. Cuida de ti mesmo!

 

Muitos cristãos nunca leram um livro para aprofundar seus valores cristãos, nunca se interessaram numa Escola Dominical para saber mais da palavra de Deus, nunca foram a um seminário ouvir uma palavra adequada sobre um determinado assunto. Por isto, são atraídos a “todo vento de doutrina” e não são capazes de julgar as besteiras que ouvem. Tornam-se raquíticos na fé e sem raízes nas suas convicções. Mentes despreparadas e preguiçosas.  

 

A mente é o campo da batalha de Satanás. Quando perdemos a noção do que é certo e errado, alguma coisa muito séria está acontecendo. Foi isto que a serpente fez com Eva:

a)- pode pecar que não há juízo

b) Deus governa o universo em cima de mentira

c)-Deus governa o universo com tirania

d)- Deus não está bem-intencionado: “Ele sabe...”

 

Francis Schaeffer afirma que o cristianismo, quando levado às últimas consequências na sua lógica, sempre é verdade.

3.     Emoções – Esta é a terceira área que precisamos cuidar. Muitas vezes somos vítimas de condicionamentos familiares ou das descontroladas emoções, cheias de paixão, bipolaridade, ansiedade, depressão, sentimento persecutório, que facilmente nos afastam da serenidade, e nos entregam a ira, à depressão, ao mau humor, a irritabilidade.

Existem homens que desestabilizam suas famílias por causa do gênio explosivo e dureza nas reações; muitas mulheres causam grandes danos aos seus lares pela sua instabilidade emocional. Nossas emoções volúveis e paixões podem nos dominar transformando-nos em seres paranóicos, adoecidos, vivendo uma espécie de “autismo extrovertido”.

 

Para ser admitido na ordem monástica, os candidatos deveriam se submeter a quatro votos: de obediência, de castidade, de pobreza e o menos conhecido, o da estabilidade.

 

Bené Brown no seu conhecido TED, shame, um dos mais vistos afirma que nunca devemos deixar a vergonha atrás de nós. Ela precisa ser exposta, tratada, confrontada, iluminada.

 

Outro aspecto é a amargura. Existem muitos seminaristas e pastores amargurados, mau humorados. Eles culpam o sistema, culpam a igreja, culpam a igreja local, a denominação. Gente mau resolvida. Se você envelhecer com amargura, se tornar uma pessoa idosa mau humorada, esteja certo de que você está trilhando um caminho contrário ao plano de Deus para sua vida. 

4.     Espiritualidade – “Exercita-te na piedade.” (1 Tm 4.8). O que é piedade?

Piedade é o oposto da impiedade, o que não esclarece muito. mas a característica da pessoa pia é a capacidade de estar de joelhos diante de Deus.

Poderia ter colocado “alma”, mas preferi um termo mais abrangente e contemporâneo que exigisse menos definição. No entanto, realmente precisamos cuidar da alma, se assim preferirem, deste aspecto espiritual da existência. Alimentar a fé, com uma vida de oração, na presença de Deus, vir ao culto para adorar, não se transformar num religioso distante e insensível da vida de Deus. Aprender a orar, ler a bíblia devocionalmente, cuidar da comunidade da qual faz parte, aprender a trazer seus dízimos em adoração e louvor, servir e amar as pessoas por causa de nossa espiritualidade.

Precisamos cuidar de nós mesmos. Nosso coração pode facilmente se tornar frio e distante, sem amor, sem paixão, sem prazer em Deus. Precisamos renovar nossos votos, voltar ao primeiro amor.

 

O segundo ponto Cuidado com a doutrina

 

É muito curiosa esta exortação. Não apenas devemos cuidar da vida: corpo, mente, emoções e alma, mas devemos cuidar também da doutrina. Falhar na doutrina bíblica, ou fazer uma interpretação equivocada da fé, vai nos destruir.

 

Já encontrei muitas pessoas dentro da igreja que afirmam não gostar de doutrinas, porque elas trazem a ideia de dogmas, algo inflexível, inegociável. Se você pensa desta forma sugiro que você anote na sua Bíblia quantas vezes aparece a expressão doutrina, apenas nas cartas de Paulo a Timóteo e Tito. 

 

Paulo fala, por exemplo de “boa doutrina” (1 Tm 4.6) de “outras doutrinas” (1 Tm 1.3) e da “sã doutrina” (1 Tm 1.10). Vamos pensar um pouco sobre cada uma destas afirmações.

 

Primeiro, temos que entender que existe “boa doutrina”, o que inexoravelmente nos leva a considerar que existe seu oposto, ou seja, “a má doutrina”. a/ igreja da Galácia estava se enveredando por “outro evangelho”.

 

Boa parte dos livros do Novo Testamento é apologética, por sua natureza. O propósito dos autores era de “defender a fé, uma vez dada aos santos” (Judas vs 3). Por que?

 

Já nos dias apostólicos, “certos indivíduos se introduziram com dissimulação” na igreja (Judas 4). Era muito comum surgirem pregadores fazendo declarações contrárias à fé cristã genuína, o conjunto de crenças aceito pelas igrejas Cristãs. Paulo cita nominalmente Himeneu e Fileto, pregadores desviados da verdade (2 Tm 2.17,18). O perigo da má doutrina é sempre constante. Muitos se apostaram da fé e passaram a obedecer a ensinos de demônios, cauterizando a consciência e que ensinavam coisas absurdas no meio das igrejas (1 Tm 4.1-3).

 

A grande luta dos reformadores do Século XVI foi contra as distorções da palavra de Deus. Era necessário retornar as escrituras e considerar atentamente o que Jesus e os apóstolos ensinaram à igreja. Eles desenvolveram o princípio da Sola Scriptura, isto é, apenas as Escrituras Sagradas poderiam ser o fundamento daquilo que deveriam crer e dar as normas de como deveriam viver. Nem tradição, nem novas revelações ou novos ensinamentos, poderiam substituir ou serem acrescentados à Palavra de Deus, Antigo e Novo Testamentos.

 

Não é muito diferente em nossos dias.

 

Recentemente uma irmã que se converteu nesta igreja resolveu voltar e se filiar novamente à nossa comunidade depois de vários anos afastada. Ela participou de várias igrejas e ouviu muitas opiniões de pastores e ouviu várias doutrinas e linhas teológicas. Ela me disse que nós não fazemos a mínima ideia das loucuras e desvarios que tem sido ensinado em muitas comunidades nestes dias. Ela estava certa!

 

A exortação paulina parece cada vez mais atual: Cuida da boa doutrina. Cuidado com a má doutrina.

 

A má doutrina pode destruir a simplicidade de sua fé e tornar sua vida um inferno de acusação, medo e culpa ou legalismo. Você pode perder a capacidade de entender a graça de Deus com a doutrina errada. Paulo diz a Timóteo que, cuidando dele e da doutrina ele salvaria tanto a si mesmo quanto a outros. A má doutrina pode levar–nos ao inferno, ainda que dê a impressão de que ela está caminhando em direção ao céu.

 

Em segundo lugar, Paulo fala ainda da sã doutrina, (1 Tm 1.10) o que nos leva a considerar que existe seu oposto, a doutrina doente.

 

A doutrina bíblica é saudável, traz vida aos ouvintes e praticantes. A doutrina doente, neurotiza, sataniza e enlouquece seus seguidores. Não é por acaso que hospitais psiquiátricos estão repletos de pessoas religiosas.  Princípios distorcidos podem enlouquecer as pessoas.

 

Há muitos líderes malucos e muita doença religiosa em nome de Deus. Normalmente pastores adoecidos atraem pessoas adoecidas. Todo sádico precisa de um masoquista.

 

Em terceiro lugar, Paulo fala ainda de “outras doutrinas.” (1 Tm 1.3) Paulo afirma que deixou Timóteo em Éfeso para que admoestasse certas pessoas a não ensinarem “outra doutrina”, isto é, havia naquela igreja, pessoas que estavam ensinando o que Deus nunca havia dito.

 

Na carta aos Gálatas, que foi escrita cerca de 30 anos depois da morte de Cristo, Paulo afirma que as pessoas da igreja da Galácia, estavam pervertendo o evangelho, passando da graça de Cristo para “outro evangelho.” (Gl 1.6-9) O problema crucial é que não existe outro evangelho. Nada pode substituir o evangelho, ser colocado no seu lugar ou adicionado a ele. O evangelho ou é puro ou não é evangelho. Paulo afirma que ainda que um anjo vindo do céu, pregasse outro evangelho, deveria ser considerado maldito (Gl 1.8). Ainda que um pregador eloquente, uma profetisa ou profeta místico fizesse afirmações contrárias, deveriam ser considerados como enviados pelo diabo e rejeitados. 

 

Existe um “outro evangelho”, uma “outra doutrina”, sendo ensinado, e não deveremos nunca aceitá-la. Rejeitar a verdadeira doutrina pode nos destruir espiritualmente, como afirma as Escrituras (1 Tm 4.16).

 

Conclusão

 

Cuida de ti mesmo e da doutrina

 

Não apenas da doutrina, mas de si mesmo.

Não apenas de si mesmo, mas da doutrina.

 

Ao cuidarmos da doutrina “salvaremos a nós mesmos”. A que salvação este texto se refere? De forma direta podemos afirmar que nos salva de uma vida medíocre. Uma doutrina ruim vai destruir nosso ministério, nossa família e até a nós mesmos. Seremos destruídos.

 

A doutrina ruim causa pelo menos três desastres:

1. Adoece

Veja o que aconteceu com os fariseus e sua relação com o sábado, eles estavam matando em nome de Deus. Mc 3.1-6 é um texto angustiante. Ela nos faz perder a noção de quem é Deus, e nos leva para o legalismo, que gera em nós depressão ou orgulho.

A graça barata destrói

O legalismo rouba de nós a alegria. (Gl 4.15): “O que é feito da vossa exultação.” você começa a se comportar de acordo com aquilo que você crê. Algumas estruturas eclesiais são disfuncionais, neuróticas. Geram doença em forma de zelo.

 

2. Traz foco errado na missão: “falhar na hermenêutica é falhar na vocação divina”.

 

Os dois concílios bíblicos se deram por causa de uma interpretação equivocada da igreja primitiva:

At 11: A questão: Os gentios podem ser recebidos?

At 15: Os gentios devem ser circuncidados?

 

Paulo afirma: “De Cristo vos desligastes.” O liberalismo teológico.

 

3. Deixa de dar glória a Deus –

No livro de Judas temos a exortação para “defender a fé uma vez dada aos santos.” No vs 4 Judas afirma: “Certos indivíduos se introduziram dissimuladamente.”

O resultado da distorção: “

Vs. 13- Pastores que a si mesmos se apascentam

VS. 16- murmuradores e descontentes.

 

 

Podemos estar cuidando muito bem de nós mesmos, mas desprezando o verdadeiro conhecimento de Deus.

 

Podemos nos tornar guardiões da doutrina e da fé cristã, como um grupo de templários modernos, de fariseus judaizantes, de puritanos calvinistas ou devotos arminianos ou ainda de pentecostais dos últimos dias, mas não estarmos cuidando da simplicidade da fé e da pureza que precisamos ter no nosso estilo de vida.

 

As duas situações são perigosas. Ambas podem nos destruir.

 

A sabedoria ensina que ao entrarmos num barco, precisamos remar não apenas de um lado, porque isto leva o barco a andar em círculo ao invés de seguir a direção certa. Desenvolver uma espiritualidade distorcida traz desequilíbrio. O cuidado pessoal com o corpo, emoções, mente e alma precisa estar junto, andando com a defesa das verdades e doutrinas reveladas por Deus na sua palavra.

 

“Expondo estas coisas, serás bom ministro de Cristo.” (1 Tm 4.6)

 

 

Samuel vieira

Anápolis 20.08.2014

Refeito e pregado no SPBC. 09 Fev 2023