Introdução: Vivemos numa sociedade culpada num contexto sem culpa. Quanto mais se relativiza a moral, mais se neurotiza o homem. O problema pode ser equacionado da seguinte forma: Se não há pecado real, não há perdão real – ambos são ficcionais. Frutos de ficção. Portanto, como alguém pode ser perdoado se não há nada a ser perdoado?
Temos, portanto, um sentimento vago de culpa, e eventualmente um sentimento vago de perdão. Vago, porque, a rigor, não existe perdão para quem não é culpado.
O Evangelho, no entanto, afirma que temos culpa real.
"Senhor, tu és justo, e hoje estamos envergonhados. Sim, nós, o povo de Judá, de Jerusalém e de todo o Israel, tanto os que estão perto como os que estão distantes, em todas as terras pelas quais nos espalhaste por causa de nossa infidelidade para contigo” (Dn 9.27). “Somos como o impuro — todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo. Murchamos como folhas, e como o vento as nossas iniqüidades nos levam para longe” (Is 64.6). “Como está escrito: Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer". (Rm 3.10-12).
O Evangelho afirma também que, em Cristo, temos perdão real.
"Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os melhores frutos desta terra (Is 1.18-19). “Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte” (Rm 8.1-2).
Reflexão na Palavra:
Este homem é trazido por outros. Já que não tem capacidade de vir por si só. O texto afirma que Jesus viu a fé dos que traziam o leproso (Mc 2.5), e não a fé do leproso em si – quanta desesperança e frustração na alma? Quantos precisam ser trazidos a Jesus, porque não conseguem por si mesmo se aproximar. É necessário que o amigo o encoraje, o arraste, o carregue para que tenha um encontro com Jesus. Muitos estão caídos demais, decepcionados e desesperançados demais para se dispor a ir ao encontro de Jesus. Este homem é paralítico, sua condição não lhe permite caminhar em direção a Deus. Muitos de nós também sofremos paralisia de coração, já não conseguimos mais nos mover. Não conseguimos caminhar por nós mesmos.
a. Intercessão é a oração que se faz por aquele que não consegue orar. Quantas pessoas se encontram assim?
b. Evangelização é a pregação das boas novas para aqueles cuja desilusão é tão grande que acham que toda noticia que existe é ruim na sua essência. Muitos são trazidos a Jesus por aqueles que crêem, e eventualmente, ao se depararem com o acolhimento da graça de Cristo são surpreendidos pelo seu amor.
c. O texto nos surpreendente, porém, pelo fato de que Jesus faz uma declaração voltada para a alma do paralítico, quando a razão porque trouxeram o paralítico era por causa de sua enfermidade física. O que podemos aprender deste episódio?
1. O problema que se vê nunca é o problema mais profundo –
Lidamos com nossos problemas sempre acobertados como se tivessem uma cortina de fumaça. Nunca vemos a realidade em toda sua extensão.
Certa feita trouxeram um surdo mudo para que Jesus pudesse operar um milagre na sua vida e lhe desse a graça de falar. Surpreendentemente, Jesus expulsa um demônio que oprimia este homem, e o evangelista Mateus afirma de forma clara: “Expulso o demônio, passou a falar o mudo”. (Mt 9.32). seu problema visível e aparente era sua surdez, mas Jesus vê que aquela pessoa estava naquela condição por causa de uma ação maligna, e trata da essência do problema.
Lutero falava do “Pecado debaixo do pecado”. Para ele, quebramos os mandamentos quando não obedecemos o primeiro mandamento. Honramos aos nossos pais, guardamos os sábados, não nos curvamos diante de imagens, etc., quando realmente colocamos Deus como prioridade de nossa vida. Todos partem da quebra do primeiro mandamento: “Não terás outros deuses diante de mim”. O nosso problema é que amamos coisas mais que a Deus e elas se tornam ídolos em nosso coração e nos fazem pensar que não podemos viver sem elas. Da mesma forma devemos entender que a ira, culpa, depressão, mau humor, angústia e avareza, são pecados de superfície. Nosso problema é mais profundo que imaginamos.
O problema que vemos nunca é o problema real e mais profundo. Na psiquiatria moderna, quando os pais ou a família trazem uma criança perturbada para uma consulta, os psiquiatras colocam na ficha a seguinte afirmação: “Paciente identificado”, pois já aprenderam que, em geral, tais crianças refletem a disfuncionalidade de sua casa, tornando-se a parte mais frágil deste emaranhado complexo de uma família psicologicamente adoecida. Todos acreditam que o problema é da criança, mas a realidade é que sua enfermidade é sistêmica. Tal neurose ou distúrbio surgiu pela convivência numa família adoecida, embora a criança seja identificada como sendo “o problema”. Afinal, não existem filhos problemas, existem pais problemas.
Aquilo que achamos ser o nosso problema, pode apontar para algo muito mais complexo. Quase sempre vemos apenas o sintoma, e não a causa. A Bíblia nos demonstra que “não somos pecadores porque pecamos, mas pecamos porque somos pecadores”. Nosso problema é muito mais sério que imaginamos. Pecado não é acidente de percurso, mas a essência de nossa natureza.
2. As necessidades manifestas nem sempre são as que mais nos afligem. Jesus sabia qual era a maior necessidade daquele homem, embora toda multidão acreditasse que a coisa mais importante seria sua cura física. Jesus vê nos olhos daquele homem, sua necessidade de aceitação, perdão e graça de Deus. Percebe quão grande é sua necessidade de ser amado e absolvido. Jesus sabe que há muita enfermidade associada a culpa e que por isto o ser humano precisa de coisas que estão muito além dos desejos manifestos. Há uma música que faz a seguinte pergunta: “Você precisa de que, você tem fome de que?” ("Comida", Fromer, Antunes & Britto - Titãs). Muitas vezes expressamos uma determinada necessidade que esconde necessidades maiores: A de sentido e significado.
Qual era o maior problema deste homem? Paralisia? Incapacidade de andar? Parece que não, já que Jesus trata de uma questão muito mais íntima e profunda antes de curá-lo. As questões de sua alma estavam ali presentes sem que ninguém, a não ser o próprio Deus, a soubesse. Talvez a blasfêmia, a maledicência, a raiva e hostilidade contra Deus.
Muitas vezes reclamamos dos poucos recursos que temos, da falta de dinheiro, mas nosso problema pode ser solidão, desamparo e frieza no casamento. Nossa murmuração tem raízes mais profundas e por isto o ser interior precisa ser tocado. Raiva e amargura estão por detrás do lixo e precisam ser removidos pela compreensão de que Deus nos absolveu: "Estão perdoados teus pecados!".
A Bíblia fala que a avareza é idolatria. Podemos, portanto, achar que nossa dificuldade com a generosidade e liberalidade tem a ver com avareza, que já seria em si mesma algo ruim, no entanto, a Palavra de Deus aprofunda esta questão dizendo que é idolatria. Alguma coisa, além de Deus, está ocupando o centro da existência. Estamos deixando de amar a Deus sobre todas as coisas.
Também já se tem dito que a ira é um pecado de superfície! Ela surge quando a frustração interior se acumula em nós, e associada à nossas desilusões agimos como criança que faz pirraça quando seu desejo não é atendido, respondemos com ira às situações às quais somos expostos. Ira pode refletir a impotência diante da vida, o ódio em relação à pessoas, e muitas vezes em relação à Deus. A ira que você vê, sua irritabilidade ou até mesmo explosão descabida, não é o problema maior, a ira aponta para algo muito mais sério e profundo, cujas raízes inconscientes muitas vezes não são sequer percebidas por nós mesmos.
3. A cura divina tem uma dimensão muito mais profunda que superficialmente cremos.A Bíblia diz: "Eu não conhecera pecado, enquanto a Lei não me dissera: Não cobiçarás" (Rm 7.7). Paulo percebe que seu pecado era bem mais profundo. Que seu mau humor, maledicência, ausência de paz, tinham raízes mais profundas. Por isto gosto mais da palavra, redenção, que cura. Redenção me lembra da obra de Cristo. O pecado estava arraigado no seu coração, com profundas raízes, qual nódoa, e precisava de uma ação poderosa de Deus: A morte de seu próprio Filho.
A Bíblia também ensina que o homem sem Jesus, está espiritualmente morto, incapaz, inerte e sem capacidade de responder, por si só, ao evangelho. Sendo escravo do pecado, não pode dizer: “hoje não vou pecar!”. Um escravo é cativo, subjugado, não tem liberdade ou direitos, e apenas faz aquilo que o seu senhor ordena. O homem morto espiritualmente tem seus sentidos espirituais comprometidos, incapazes de funcionar: está cego e surdo, sua mente impossibilitada de compreender as verdades espirituais
Jesus olha para este homem e diz: "Estão perdoados teus pecados!". Que declaração maravilhosa de Deus para nossas vidas. Esta foi a essência da missão de Cristo na cruz. Ali ele exclamou: "Tudo está consumado!" . Esta palavra, literalmente significa: “Não há mais dívida a ser paga”, a duplicata que nos condenava foi rasgada (Col 2.14). Não há mais sacrifício a ser realizado, Jesus pagou o preço de nossa divida e nos perdoou. Jesus cura o paralítico, mas antes precisa tocar na sua alma. Jesus acalma a tempestade no mar, mas antes acalma o meu coração: "Tende bom ânimo. Sou eu. Não temais" (Mt 14.27). Antes de acalmar a tempestade que está do lado de fora, precisa acalmar o coração desassossegado dos discípulos. Da mesma forma, Jesus cura o leproso em Mc 1.41, mas antes cura sua culpa, sua vergonha, seus pecados, tocando-o!
Conclusão:
Jesus autentica sua redenção no coração do homem: “Filho, estão perdoados os teus pecados”, dizendo ao paralítico: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (Mc 2.11). Ao perdoar seus pecados, e não curá-lo, Jesus quis mostrar que seu ministério num primeiro momento não é resolver questões provisórias e materiais das pessoas, antes tratar da área mais profunda da humanidade, que é sua alma. Jesus lida de forma direta com a natureza caída, com a alma adoecida, com o distanciamento que o pecado trouxe ao coração do homem.
Seus amigos o trouxeram a Jesus, não para que seus pecados fossem perdoados, mas para que ele fosse curado. Jesus porém revela, que a dor mais angustiante de nossa alma tem a ver com nosso ser interior.
O vídeo deste sermão pode ser ouvido no youtube. www.vimeo.com/ipbanapolis
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