segunda-feira, 4 de julho de 2011

Perigos da Religião Mc 2.1-28; 3.1-6

Introdução:Bonhoeffer popularizou a idéia do “cristianismo sem religião”. Gosto mais da sensatez de Eugene Peterson no livro “à sombra de uma planta imprevisível”, quanto afirma que é impossível dissociar o cristianismo de uma religião, mas que precisamos tomar muito cuidado para que sua influência não aniquile a graça do evangelho em nós.
Peterson tem razão. Mas precisamos estar conscientes de que, em muitos aspectos, religião é inimiga do evangelho. Jesus criticava mais os religiosos que pecadores. Por que? Em Mt 23 existe todo um capítulo no qual ele demonstra os efeitos deletérios da religião na vida do povo judeu. Jesus mostra como a religião pode ser inimiga de Deus.
Isto deve nos servir de alerta, para nós que não achamos que isto tem algo diretamente a ver conosco. Nosso coração tende a ser religioso. Todos os povos constroem seus símbolos, ritos, significados, cultos e estruturas simbólicas da sacralidade. Tudo isto é um componente claro da religião. Já parou para pensar quantos elementos estão presentes na dinâmica de uma igreja local que a ligam à estrutura religiosa?
Nestas perícopes que lemos, existem 4 episódios que nos revelam o que a religião é capaz de fazer, e todas elas conspiram gravemente contra Deus:

1. A Religião tem o enorme poder de nos levar a acharmos que somos superiores moral e espiritual. (Mc 2.15-17).
Ela tende a isolar as pessoas e levá-las a se distanciar de outros que precisam de nossa aceitação e compaixão. Jesus foi acusado de comer com pecadores e publicanos, de se assentar com estas pessoas. E Jesus faz uma belíssima afirmação: “Os sãos não precisam de médicos, e sim pecadores, não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento”.
Uma das razões porque as pessoas não gostam de vir às igrejas é porque geralmente as pessoas se acham superiores e as julgam pelo que fazem ou deixam de fazer. Um grande desafio que se impõe à igreja é “como ser santa e piedosa, sem deixar de ser amigável, acolhedora e sem preconceito?”
Alguém já afirmou que toda igreja genuinamente cristã deveria ter escrito na sua entrada: “Proibida a entrada de pessoas perfeitas”. O inimigo no. 1 do evangelho é a justiça própria. Gente que se acha boa e que não precisa da graça de Deus. O problema é que Jesus não chama estas pessoas perfeitas para serem seus discípulos: “Os sãos não precisam de médicos... não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento”.
A cruz revela nosso fracasso. Em Rm 3.19 lemos que a lei nos foi dada para que, diante de Deus, toda boca se cale. Diante do evangelho cessa nossa justiça própria, nossa falsa sensação de méritos. A religião, ao contrario do evangelho, sempre age com base na auto promoção ao invés da glória de Deus: “praticam as suas obras com o fim de serem vistos dos homens” (Mt 23.5).

2. A religião tende a criar estruturas pesadas que impedem a celebração – (Mt 2.18-22). Os discípulos estão sendo questionados sobre o jejum. Jesus foi acusado de beberrão e glutão.
Jesus, porém, passa a ensinar-lhes sobre esta questão de “vinhos novos em odres velhos”, e afirma que isto não é plausível. Estruturas velhas baseadas nos ritos e convenções religiosas tendem a sufocar a possibilidade da re-criação divina. Todo religioso tem a tendência de enquadrar Deus dentro de seus pressupostos e ritos. A novidade em teologia é quase sempre a negação do velho e isto assusta aqueles que se acham defensores da tradição e da religião. Em geral confundem essência com acidente, temporal com eterno e histórico com revelado. É uma tragédia!
Em Mt 23.4, Jesus vai afirmar que os fariseus e escribas, detentores da religião em seu tempo, “atam fardos pesados sobre os ombros dos outros, mas não o movem sequer com um dedo”. O religioso gosta de exigir e cobrar dos outros aquilo que ele mesmo não faz. Esta é a característica da religião. Por isto Jesus ainda afirma que “depois de terem feito um prosélito, o jogam duas vezes no inferno”. (Mt 23.15). Isto é, transformam a vida de tais pessoas num inferno na terra e num inferno no porvir.

3. A religião valoriza mais rituais que pessoas – (Mt 2.23-28).
Por que foram dadas as leis? O Antigo Testamento nos ensina que os mandamentos foram dados para a vida, no entanto, os transformamos em estruturas de opressão e controle. Queremos transformar as tradições em substitutos da Palavra de Deus (Mc 7.8-9).

A Questão do SábadoJesus é inquirido aqui quanto ao sábado, que foi instituído pela lei. Jesus passa a ensinar porque razão Deus deu o sábado às pessoas, qual era seu objetivo original:
A. Quebrar o ciclo da ganância humana – Numa sociedade que tende a considerar o lucro a coisa mais importante, Deus afirma que existem coisas que não podem ser desconsideradas. O excesso do trabalho pode ser uma tragédia para muitas vidas. É necessário parar, confiar que o rio corre sozinho. Que a vida tem processos, que existem coisas igualmente necessárias ou talvez ainda mais importantes. Precisamos parar, descansar, refazer as forças. O lucro não é tudo!
B. Sábado tinha uma função social – Numa sociedade baseada na escravatura, aliada a um patrão ganancioso, poderia levar o trabalhador a trabalhar à exaustão. Para proteger o pobre, o trabalhador e o escravo, Deus ordena o sábado.
C. Sábado tinha a finalidade de trazer equilíbrio à natureza – tinha um senso de proteção aos animais. Vocês sabiam que o jumento e o boi também não podiam trabalhar no sábado? Até o animal precisa de pausa. Deus estava pensando nos animais ao criar o sábado.
D. O Sábado tinha um propósito espiritual – tempo de adoração e reflexão. de se concentrar mais na palavra de Deus. Era o tempo em que os judeus iam às sinagogas ou ao templo para buscar a Deus e o adorar, como fazemos aqui dominicalmente. O convite de Deus era para que este tempo fosse também reservado para o homem pensar nas coisas espirituais.

O que o religioso fez? Transformou o meio em fim, e o sábado foi usado como meio de controle e legalismo. Nem o homem da mão ressequida poderia ser tratado no sábado, o rito tornou-se maior que as pessoas, contudo, não era esta a idéia original de Deus.
Deus descansou. Para quê? Será que o Deus que não dormita nem dorme precisa tirar um cochilo e descansar? Não! O propósito era didático: celebrar, descansar, adorar, refletir. A inversão do propósito do sábado se tornou um peso para os judeus. O sábado que era o meio se torna o fim em si mesmo. A religião sempre tem o poder de fazer assim com as coisas de Deus.

4. A Religião pode levar-nos ao endurecimento do coração – (Mc 3.1-6)
Um dos textos que mais move o meu coração em todas as Escrituras é este. Tudo acontece dentro de um templo (sinagoga), durante um culto. Os religiosos não estão ali para adorar. Eles cumprem seus rituais e compromissos religiosos, mas seu coração não está identificado com o que fazem. Esta é tendência do religioso, de se tornar severo e endurecido, em nome dos costumes e das tradições; eventualmente em nome da pureza. Foi assim com a inquisição, é assim com os tribunais eclesiásticos e com muitos conselhos e assembléias de igreja.
Existe uma coisa que me intriga: Por que todo liberal é simpático e todo ortodoxo é rabugento? Não deveria ser diferente? Aqueles que melhor traduzem o Evangelho não deveriam ser pessoas mais doces e amáveis nos seus tratos? Santa Tereza D´avila dizia: “Deus nos livre de santos de cara amarrada!”
O texto afirma que Jesus teve duas reações: “indignado e condoído” (Mc 3.5). O que significa cada uma destas palavras:
Indignação geralmente se dá diante da injustiça. Já se sentiram assim diante de uma pessoa fraca que está sendo vilipendiada na sua humildade? Ou ao ver uma mulher diminuída por um homem arrogante? Uma criança sendo judiada? Ou animal cruelmente espancado? Este é o sentimento de indignação que brota no coração de Jesus.
Condoído tem a ver com dor no coração. Ao ver a atitude daqueles homens dentro do templo, quando deveriam estar adorando a Deus, Jesus sente dor. O texto mostra porque Jesus tem estes sentimentos: “ao ver a dureza de seus corações!”.
Diante da cura, deveriam se maravilhar com o sagrado, com o mover de Deus. Estão diante de algo sobrenatural, mas aquilo não os impacta; pelo contrário, ao sair dali, se aliam a um corrupto poder político, os herodianos, e planejam como tirar a vida de Jesus. A vida humana daquela pessoa que vivia limitada com a mão ressequida não lhes interessa. Sua fé é meramente burocrática, colocada à disposição de um sistema perverso.

Conclusão:
No início afirmei que tais verdades devem nos servir de alerta, já que nosso coração tende a ser religioso. Precisamos voltar à essência do evangelho. A cruz de Cristo é uma denúncia contra nossa religiosidade, que tende a nos endurecer, a criar uma falsa segurança e uma falsa moral. A cruz anula nossos tolos esforços, não há mérito, mas graça.
Você se apega a ritos, símbolos, atitudes religiosas e comportamentos esperados de sua comunidade, mas seu coração tem sido tocado pela mensagem do evangelho? Você tem estado deslumbrado com o Cristo fez por você na cruz? Seu coração tem sido impactado e derretido pela presença de Deus? Muitas vezes você tem se sentido indigno de Deus, e isto tem gerado atitude de confissão e quebrantamento? Ou os ritos e símbolos bastam à sua espiritualidade? Estas questões fazem a diferença entre comportamentos meramente religiosos e atitudes essencialmente ligadas ao Evangelho.
Precisamos estar atentos aos movimentos de nosso próprio coração.

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