segunda-feira, 4 de junho de 2012

Gn 1.26 A Dignidade Humana

Introdução: A leitura de Gn 1,2 é fundamental para a teologia cristã, e um dos aspectos que mais se sobressai nestas paginas iniciais é o valor intrínseco do ser humano pode ser percebido a partir da criação. Nossa teologia precisa ser lida, não a partir da queda, mas a partir da criação. o Salmista levanta a questão do valor humano no livro de Salmos: "Que é o homem?" (Sl 8.2). Algumas definições curiosas foram feitas sobre o homem, dadas por filósofos e pensadores:  Aristóteles – animal político  Thomas Willis – animal que ri  Benjamin Franklin – animal que faz ferramentas  Edmund Burke – animal religioso  James Boswell – animal que cozinha. A questão "O que é o homem?" Ou, "O que significa ser homem?" é levantada e respondida pelo menos duas vezes no AT, e nas duas vezes revela surpresa diante da grandeza do universo e das limitações do homem (Jó 7.17; 25.4-6; Sl 8.34). "Que é o homem?" ou "quem é o homem?" constitui-se na "máxima interrogativa, a interrogativa das interrogativas". Esta pergunta aponta para a realidade filosófica central da compreensão do propósito da raça humana. Para responder esta questão a teologia cristã começa não da queda, nem da redenção, mas da criação,. A Bíblia afirma que homem e mulher são projetos especiais de Deus. O texto não diz “haja”, mas façamos… O homem é apresentado como imagem de Deus (imago Dei). Ele se distingue de todo o resto do mundo pela sua relação com o Criador. As indagações dos filósofos são respondidas pelo teólogo. O propósito de Deus em criar o homem foi para se relacionar com ele, por isto o homem possui uma identificação com o Sagrado, já que Deus pôs a eternidade no coração do homem (Ec 3.8). Deus o criou para ser sua "imagem e semelhança". Ao estudarmos antropologia, torna-se imperativo que estudemos a natureza humana do ponto de partida da criação. A antropologia cristã pode ser desvirtuada se nossa leitura começa apenas a partir da queda. Isto tem efeito profundo na nossa prática teológica e na pastoral. R. C. Sproul afirma propõe o estudo sobre o pecado humano, não usando o termo depravação total, mas depravação radical, já que a idéia da depravação total aponta para uma visão depreciativa da raça humana, e que depravação radical indica que o problema humano encontra-se na sua raiz. Tudo que ele faz é para promoção do EU. O homem tem se desviado de Deus e mantém-se rebelde, com uma tendência inerente ao mal, a escolhas erradas e a tudo que leva para perto de Deus. Apesar de João Calvino ter insistido na realidade da queda e da corrupção da natureza humana, reconhecia que mesmo o homem caído, tinha manifestações da presença divina. Estes lampejos são chamados de “graça comum” dada por Deus aos homens, capacitando-o a produzir obras no mundo da arte, literatura, poesia e música. Stott afirma que existem três razões para respondermos corretamente sobre a natureza humana: 1. Pessoal – Perguntar o que é o homem é outra forma de dizer "quem sou eu?" isto tem a ver com a antiga preocupação oriental de "conheça a ti mesmo", e a necessidade ocidental de descobrir nosso verdadeiro eu. A pergunta crucial "quem sou eu", desemboca em outra questão igualmente significativa, "possuo algum significado?". Artur Schopenhauer, conhecido filósofo, encontrava-se perdido na sua angústia, andando às margens do Rio Teingarten em Frankfurt quando foi indagado por um limpador de rua: "Quem é você?", e ele responde: "Deus sabe que isto é o que eu mais gostaria de saber". 2. Profissional – É importante entender esta identidade humana, porque a forma como vejo o homem vai se refletir na maneira como eu trato as pessoas. Minha abordagem com o ser humano será ampliada na medida em que eu enxergo a dignidade presente no meu semelhante. O Manual do Culto da Igreja Presbiteriana recomenda aos pastores que respeitem o corpo da pessoa morta, porque esta criatura foi criada à imagem e semelhança de Deus. Quatro adolescentes brasilienses colocaram "por brincadeira", fogo no corpo de um índio. Como o crime foi hediondo e teve repercussão internacional, ao serem presos, admitiram o crime, mas um deles tentou se justificar dizendo: "Eu não sabia que era um índio, eu pensei que fosse um mendigo". Em outras palavras, índio não podia, mas mendigo sim. Quando você considera o ser humano como criatura de Deus, criado à sua imagem e semelhança, mesmo o ser mais vil, degradante e depravado receberá de sua parte a consideração e respeito. 3. Político – Tem sido afirmado que a natureza humana é um dos pontos centrais da visão rival entre Marx e Jesus, porque "ideologias são, na verdade, antropologias". Como Jesus via as pessoas? Sua compaixão e sensibilidade são comuns nos evangelhos. Jesus se aproxima do pobre, do possesso, da viúva e do leproso e as toca. Mesmo pessoas com moral duvidosa como Zaqueu e Maria Madalena, receberam de Jesus considerou e atenção. A visão humanista tende a ser ingênua eu seu otimismo, ou pessimista na sua análise. Humanistas seculares são normalmente otimistas, acreditam que o homo sapiens está se evoluindo e que um dia terá controle total de sua caótica situação. Especialistas tendem a ser pessimistas, vêem a decadência moral e se tornam cínicos como o personagem Justo Veríssimo, criado pelo humorista Chico Anísio. A visão utilitarista leva líderes políticos a manipularem as massas para beneficio pessoal, e isto fere a compreensão da imago Dei.. Este texto também aponta para a responsabilidade moral do homem: 1.1 Responsabilidade quanto a Deus – Deus criou o homem para ter relacionamento com ele. “imagem e semelhança” nos fala desta relação. Salomão afirmou que “Deus pôs a eternidade no coração do homem”. Em Gênesis 1.26 o peso do texto recai sobre a imagem (eikon, septuaginta), e semelhança (omioma). Seriam duas idéias sobre Deus? Na verdade estes termos se parecem não com duas idéias, como uma idéia sendo explicativa da outra. Alguns usam o termo imagem para expressar a natureza de Deus, e semelhança para indicar perfeição moral. Assim seria a imagem em dois sentidos: Os seres humanos são criaturas especiais de Deus (Gn 2.7), e foram criados à sua imagem, dotados de características que lhes permitem entrar em uma relação pessoal com Deus e exercer, como seus representantes, o governo do mundo (G 1.28; 5.1; 9.6). Em Gênesis 2.7 nos é dito que "formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente". A menção de ter dado vida, revela atos especiais de Deus. Estes atos distinguem o homem de outros seres criados. Existe uma diferença substancial entre animal e homem desde a criação. Existe aqui um processo de continuidade e descontinuidade. Animais possuem fôlego de vida (Gn 2.7; 7.22), mas não nos é dito que sejam imago Dei. John Piper, no seu conhecido livro “desiring God” se reporta à primeira pergunta formulada pelo Catecismo Maior. “Qual o fim principal do homem?”.A resposta é: “O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Estas são as duas dimensões da razão da existência humana: Louvor e alegria em Deus. Para Piper, porém, declara que a única forma que temos de glorificar a Deus, é desfrutando dele. Se não encontramos prazer em Deus, então não o glorificamos. Por que Deus criou o homem? Deus é um ser que basta a si mesmo. Nada do que possamos fazer, vai acrescentar glória, poder e santidade a Deus, mais do que Ele já possui. Então, a única resposta que posso encontrar é a de que Deus criou o homem para um relacionamento de amor. o fez à sua imagem e semelhança, ser moral, ser inteligente, ser de decisão, correndo o risco de que, por sua liberdade, viesse até mesmo a rejeitá-lo, como de fato fez. Deus criou o homem para um relacionamento de liberdade e afeto. 1.2 Responsabilidade com a natureza – “Colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar…”.(Gn 2.15 ). Ao homem foi dada a responsabilidade de exercer, com prudência e zelo, o cultivo e a guarda da terra. Cultivo tem a ver com a relação de produção. Terra é fonte de riqueza, alimentação e extrativismo. Mas, mais do que isto, Deus nos colocou para guardá-la. A terra precisa ser protegida, amparada. O homem é mordomo da criação. Tem a responsabilidade de cuidar, administrar e proteger. Este é o mandato cultural, dado por Deus. Homem e mulher estão profundamente conectados com a terra. O homem, Adam, é formado da Adamã (palavra hebraica para terra). “Formou Deus o homem (Adam: ser humano) do pó da terra (adamã, ou terra cultivável) (Gn 2.7). O hebraico faz aqui um jogo de palavras, o mesmo processo ocorre em Gn 3.19, destacando o estreito vínculo entre o homem e a terra. Não considerar a natureza é desconsiderar nossa raiz. Agressão à natureza é agressão contra nós mesmos “Enchei a terra e sujeitai-a” (1.28). A má interpretação deste texto pode gerar abusos e prejudicar o equilíbrio da natureza. Existe, portanto, um mandato cultural e não apenas um mandato missionário (Gn 1.28). “Enchei a terra e dominai-a”. O mandato de missionar é dirigido aos perdidos e o mandato cultural, tem a ver com a graça comum, ciência e tecnologia, graça na família dos ímpios, sol sobre justos e injustos. Deus nos chamou para administrar com prudência e sabedoria, toda sua criação. O mau uso dos recursos naturais desembocam em auto destruição: Armas químicas, bombas atômicas, destruição dos rios e florestas, contaminação das fontes de água, agressão ao ecossistema. Tudo isto traz futilidade e escravidão à terra, conforme nos descreve Rm 8.22 Existe um mandato de Deus para que o homem cuide da natureza. Para John Stott afirma: “o mandato missionário deve surfar na onda do mandato cultural”. (ouça o mundo, ouça o Espírito). 3. Responsabilidade quanto ao outro - Como seres de relação, somos convocados por Deus para nos relacionarmos com o outro, afinal "nao é bom que o homem esteja só". Esta dimensão gregária faz parte da humanidade, e ao contrário do argumento de Caim, que nâo se vê responsável por seu irmão, o cuidado para com os seres humanos, deve fazer parte integrante de nossa missâo. O ser humano deve ser objeto de nossa consideração e cuidado. Por isto a fraternidade, a alteridade, a mutualidade, a idéia de comunidade, deve estar na nossa agenda. Sem esta dimensão da alteridade, perdemos o significado de nossa humanidade. Sem considerar o outro, nos tornamos bárbaros, conquistadores frios e desumanos. Uma das coisas maravilhosas que o derramamento do Espirito trouxe para a comunidade cristã primitiva, era este senso de ter tudo em comum, de partilhar, dividir. Conclusão: Alguns problemas teológicos precisam ser corrigidos: 1. Precisamos fazer teologia a partir da queda, não da criação. Não podemos começar a estudar o homem a partir de sua degradação e vileza, e sim a partir do seu valor intrínseco e da dignidade que lhe foi dada por Deus, quando o criou à sua imagem. Aqui começa a hermenêutica cristã e nossa antropologia. 2. Precisamos resgatar o conceito da graça comum. Deus deu ao homem a sua graça especial, que tem a ver com salvação. Nem todos homens conseguem crer e compreender o maravilhoso significado da redenção de Cristo na cruz. Esta é a graça especial concedida a alguns. Mas Deus deu a todos os homens a graça comum: A criatividade, inteligência, arte, talentos, ciência. Jesus afirma que Deus manda sol sobre justos e injustos. Tratamento igual até mesmo àqueles que o rejeitam e o desconsideram, sendo rebeldes e desobedientes. 3. Precisamos resgatar o conceito de vocação, que Lutero chamou de beruf. Tem a ver com as condições cotidianas da vida. Resgatar toda vocação como forma de cultuar a Deus é um grande desafio da igreja. Todas habilidades que possuímos devem ser usadas para minimizar a dor do homem e dar sinais do reino de Deus. Vocação é muito mais do que o serviço que você presta à sua comunidade local. Tem a ver com a compreensão de que nossos talentos e dons glorificam a Deus. Seja qual for a área que você trabalha, use o que você sabe fazer para promover a glória de Deus e minimizar o sofrimento humano, restaurando esta imagem destruída que a degradação moral e a rebelião contra Deus trouxeram à humanidade criada por ele.

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