Introdução:
Se
você é leitor desta coluna, talvez você queira ouvir este sermão. Basta clicar:
Recentemente conversei com
uma pessoa que me relatou que andava visitando igrejas, buscando uma comunidade
onde poderia servir ao Senhor, e no final, desanimada afirmou que estava freqüentando
uma igreja, mas disse que “ia sem expectativa!”. Fiquei pensando na situação
desta mulher. Não seria este um problema mais comum que imaginamos?
Existem dois graves riscos em
nossa vida no tocante à área espiritual. O primeiro é a incredulidade. O segundo, O
ateísmo prático.
No primeiro, vive-se
distanciado das realidades de Deus. O apóstolo Paulo lembrava os cristãos que
eles não mais viviam como os pagãos, “na
vaidade de seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à
vida de Deus por causa da ignorância (espiritual) em que vivem, pela dureza de
seus corações” (Ef 4.17-18). Paulo afirma que os ímpios vivem “alheios à
vida de Deus”, isto é, “naquele tempo,
estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças
da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). São
pessoas que vivem sem Deus. “Diz o néscio no seu coração, não há Deus!” (Sl
14.1).
No segundo, trata-se de
pessoas que professam ter fé, mas vivem como se Deus não existisse, ou de
pessoas que creem, mas Deus se parece muito distante para se interessar por
suas vidas ou se importar com elas. Deus é algo como um amuleto, que se usa em
determinados momentos, mas é algo mitológico, como dragões, anjos, duendes,
sereias, que podem ser reais ou não. 98% da população brasileira afirma crer em um Deus , mas apenas 37%
delas creem no poder da oração.
Certo dia Jesus estava se
dirigindo à casa de um homem chamado Jairo, cuja filha estava num estado
terminal, na caminhada apressada que fazia, parou e perguntou: “Quem me tocou?”. A pergunta soou um
tanto estranha aos discípulos, que responderam: “Não vês que a multidão te
aperta? Como dizes tu, quem me tocou”, e Jesus respondeu: “Alguém me tocou,
porque de mim saiu poder”. Está claro que apenas uma pessoa, tocava em Jesus
com intencionalidade e expectativa, e era a mulher hemorrágica, que havia sido
curada naquele momento de uma terrível enfermidade que a afligia por 12 anos.
As demais pessoas caminhavam ao lado de Cristo, mas aquela tinha expectativa de
Deus. Muitos exerciam crendices, mas aquela mulher, de fato cria na
possibilidade de uma cura.
O autor aos hebreus adverte
os cristãos: “Tende cuidado, irmãos,
jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que
vos afaste do Deus vivo” (Hb 3.12). Ele exorta aos cristãos, quanto ao risco
de viverem com o coração incrédulo. A maior censura de Jesus aos seus
discípulos se deu nesta área. Ele sempre os repreendia por causa da falta de fé
ou da incredulidade. “Como sois assim,
homens de pequena fé... Não temas, crê somente!”. A palavra chave para fé,
nestes casos, é expectativa. Mantenha a expectativa de algo que Deus vai fazer.
Isto significa manter-se nas pontas dos pés, olhando cuidadosamente para a
intervenção que Deus fará.
Podemos ir à igreja, ler a
palavra, orar, e ainda assim termos um coração incrédulo, sem qualquer
expectativa. Peter Wagner afirma que “algumas pessoas quando oram, crêem que
Deus as ouve, outras quando oram realmente
crêem que Deus as ouve”. O grande problema no coração da maioria dos
cristãos é a falta de expectativa. Muitos oram, sem expectativa. Muitos pregam
o evangelho, sem expectativa, muitos vão à igreja, sem expectativa...
Neste texto vemos a narrativa
bíblica de um homem de Deus, Zacarias, que é surpreendido por uma intervenção
sobrenatural de Deus quando realiza seu ofício sacerdotal. O texto bíblico
parece apontar para a realidade da alma deste pastor, que vê seu cotidiano
sendo “invadido” pelo sobrenatural, e a partir deste momento, sua vida nunca
mais foi a mesma.
Percebemos que a espiritualidade torna-se sem expectativa,
quando a vida passa a viver no automático
Observe bem a narrativa bíblica
acerca da atividade de Zacarias: “Ora, aconteceu que, exercendo ele diante de
Deus o sacerdócio na ordem do seu turno, coube-lhe por sorte, segundo o costume
sacerdotal, entrar no santuário do Senhor, para queimar o incenso” (Lc 1.8-9).
Ele não está ali porque tem expectativa da intervenção sobrenatural de Deus,
assim como centenas de vezes vamos ao culto, sem expectativa de um mover de
Deus. Ele encontra-se ali por causa da “ordem
do seu turno”, ele está escalado, e precisa ir. Se você é pastor, pense
nisto: Quantas vezes você já foi “escalado” para conduzir o culto, sem que em
seu coração tivesse nada além da compreensão de que isto é sua tarefa? Ou o
ministro de música que conduz o louvor, porque hoje o seu grupo vai cantar? Ou
o professor de Escola Dominical ou o líder de um pequeno grupo.
Nestes casos, a descrição da
atividade de Zacarias, e a razão que o leva ao culto é bem significativa. “Coube-lhe por sorte”. Aquele dia ele
tinha que exercer sua função de queimar o incenso. Muitas vezes a tarefa
sacerdotal era longa, demorada e cansativa. Todos os rituais que deveriam ser
praticados. Observe ainda outra frase “segundo
o costume sacerdotal”. As coisas são feitas por sorteio, por causa de uma
prática pastoral. Zacarias está exercendo seu papel, se Deus está presente ou
não, se vai ou não manifestar-se de maneira especial naquele dia, não lhe
parece ser alguma coisa tão relevante.
Parece com aquela antiga piada de uma mulher tentando acordar seu filho domingo de manhã para ir a Igreja. O filho diz que não quer ir, e a mãe diz que não está perguntando se ele "quer ir", mas é prá ele se levantar já daquela cama.
O filho, mau humorado, levanta a coberta e diz:
-"Me dê duas razões prá eu ir a igreja hoje?"
E a mãe responde:
-"Primeiro, você tem 42 anos".
-"Segundo, você é o pastor da igreja!"
Fico me perguntando o que aconteceria
se não tivéssemos mais os programas da igreja que desenvolvemos. Será que isto faria diferença?
A verdade é que existem determinados comportamentos
religiosos ou sociais que nos fazem falta. Quando eu não vou à igreja no
domingo, sinto falta Vamos por uma questão de "costume".
Outra pergunta, porém, me vem à mente:
E se Deus
não estivesse presente naquele lugar, e se as orações e atos litúrgicos que
desenvolvemos não tivessem de fato, conexão alguma com o Eterno, que diferença
isto faria?
Eu louvo a Deus quando leio o
verso seguinte: “E, durante este tempo,
toda a multidão do povo, permanecia da parte de fora, orando” (Lc 1.10). Eu
agradeço a Deus, porque muitas vezes não sou eu quem estou com expectativa,
mas uma fé autêntica surge da comunidade. Muitas vezes não é o “homem de fé”, que
está “cheio de fé”, mas os adoradores que na sua simplicidade se aproximam do altar de Deus e
permanecem zelosamente orando. Muitas vezes milagres se dão não por causa do
líder, mas por causa dos corações sedentos e desejosos daqueles que se reúnem
para glorificar a Deus.
Por que o estado espiritual
de Zacarias se encontra assim?
Gostaria de levantar três
hipóteses:
Uma
questão pessoal
O texto nos diz que ele e
Isabel já eram idosos (vs 18). Ela era estéril. Por muitos anos oraram
desejosos por um milagre. Quantas vezes clamaram por uma intervenção de Deus.
Eles queriam tanto um filho, isto era um desejo legítimo – mas Deus se calou e
não lhes concedeu este favor.
Não é assim que acontece
conosco? Oramos para Deus agir, e quando ele não faz, passamos a desenvolver
uma espécie de dúvida sutil em nosso coração? Se Deus não ouviu antes, porque
devemos esperar que ele agirá agora? O que acontece conosco quando pedimos uma
benção a Deus, rogamos um milagre e ele não se dá?
Jym Cymbala, autor de fresh Wind, fresh fire, narra sua luta
como pastor, indo pregar aos domingos, depois de uma semana de lutas com sua
filha que se enveredara pelas drogas, e estava morando com um traficante, cheia
de piercing, afastada de Deus e da família. Ele afirma que muitas vezes dirigia
para sua igreja, para pregar o sermão dominical, sentindo-se absolutamente
impotente para falar de milagres e da obra de Deus, vendo sua filha morrendo
aos poucos. Como pregar as maravilhas de Deus em tais situações? Como inspirar
fé? Como falar de um Deus de milagres se ele não opera na minha própria vida?
Muitas pessoas enfrentando
grandes lutas, no meio de suas crises familiares, deprimidas, continuam fiéis,
mas podem desenvolver sutilmente uma incredulidade que os afaste do Deus vivo,
como procede a exortação do texto de Hebreus que anteriormente citamos. Crises
pessoais podem dificultar nossas convicções e destruir nossas expectativas.
Uma
questão profissional
Zacarias era sacerdote, cujo
papel, descontadas as diferenças religiosas do judaísmo com o cristianismo
refere-se a função de um padre ou pastor em nossos dias. Atividades religiosas,
gestos litúrgicos, repetições de ritos. Com o passar do tempo, estas questões
se tornam repetitivas, e a monotonia tira a inspiração. Freud afirmava que a
“religião é uma neurose obsessiva compulsiva”, e do ponto de vista psicológico,
ele tem toda razão. Se você não considerar a existência de um Deus que aceita
seus sacrifícios, orações e ritos, o ato religioso ele é obsessivo, porque
fazemos sem encontrar qualquer elemento racional no gesto. Quando imbuído de
uma compreensão sobrenatural, orar, cantar, tornam-se gestos maravilhosos, mas
na perspectiva atéia de Freud, ele estava certo.
É possível se tornar um
religioso, e continuar realizando todos os ritos por mera formalidade. Wayne Cordeiro relata sua experiência de um
dia, fazendo jogging, perceber que seu corpo estava pifando. Teve que ser
levado com urgência a um hospital e diagnosticado com um colapso emocional. Ele
diz que como atleta, crê que muitos líderes espirituais ainda estão “correndo,
porém mortos”, são os “walking deads” espirituais. Oram, cantam, vão à igreja,
mas estão mortos espiritualmente.
Zacarias provavelmente sofre
de uma doença comum entre pastores, missionários e seminaristas que é a
“dessacralização do Sagrado”. Por constantemente lidar com coisas espirituais,
o sobrenatural se torna natural e o milagre se torna normal. Perde-se a
dimensão do Sagrado. Vê os atos litúrgicos como gestos repetitivos, lê a bíblia
para preparar sermão, e assim vai seguindo sua vida no automático. Zacarias vai
ao templo, “segundo o costume”, por
causa de sua escala de trabalho, e não porque espera encontrar Deus. Pelo contrário,
a manifestação do Sagrado lhe desestabilizou profundamente: “Vendo-o, Zacarias turbou-se, e apoderou-se
dele o temor” (Lc 1.12). O Sagrado é invasivo, quebra nossa rotina,
manifesta-se e desestabiliza a ordem dos rituais, e isto nos assusta
grandemente.
Um
fator histórico
Creio que o terceiro elemento
que levou Zacarias a perder a expectativa, tem a ver com o momento histórico em
que ele vive. Em determinados momentos da história do povo de Deus, vemos
muitas manifestações angelicais, sonhos, visões, milagres, intervenções
divinas, mas em outros momentos Deus se parece estranho e alheio. Nos dias de
Samuel, a palavra de Deus afirma que “naqueles dias, a palavra de Deus era mui
rara; as visões não eram frequentes” (1 Sm 3.1). Sem dúvida, Zacarias estava
vivendo num destes tempos de escassez dos eventos de Deus.
Aqueles dias eram raras as manifestações
de milagres. Não apenas Deus deixou de responder sua oração familiar, mas não
fala mais a seu povo. Estes dias são conhecidos na história eclesiástica como
“período inter testamentário”, ou período do silêncio de Deus. Não há registro
de nenhum livro canônico neste período ou de manifestações proféticas. Não há
mais revelação... Deus se silenciou... Longos e áridos 430 anos. Para se ter
uma ideia, a Lei Áurea foi promulgada em 1888 (127 anos atrás), e a Proclamação
da República em 1889 (128 anos atrás), e estes eventos estão muito longe de
nossos tempos.
Nos dias de Zacarias, todos
os eventos aconteciam no templo, os sacrifícios eram oferecidos, os cânticos
eram feitos, as ofertas eram trazidas, as atividades religiosas estavam
seguindo seu curso normal, mas Deus está silencioso. Zacarias é o primeiro
homem, depois de 430 anos de silêncio, a quem Deus dirige uma palavra cujo
objetivo tem a ver com o seu plano para a nação judaica e o mundo. Ele recebe a
palavra antes mesmo de Maria e José.
Conclusão
Para encerrar nossa reflexão,
gostaria de propor três aplicações praticas:
1. ==> Nunca se afaste de Deus, mesmo quando lhe
parecer muito distante – Apesar de todo silêncio, Deus é um
Deus presente. Estar perto de Deus significa sempre a possibilidade de
experimentar um milagre. Mesmo em dias quando parece estar fazendo no
automático da fé, ore para que Deus encharque seu coração com fogo e que a
chama e paixão espiritual não morram em seu coração,. Suplique a Deus a
misericórdia para sua vida, mas não se afaste das coisas de Deus. Como no caso
de Zacarias Deus pode surpreendê-lo. Estar ao lado de Deus é “sempre um risco”.
Ore para que Deus se manifeste em seu tempo e crie expectativas em seu coração.
2. ==> Deus se
revela a pessoas que não esperam mais revelação. Se
este é o seu caso, lembre-se disto. Deus pode surpreendê-lo novamente. A Bíblia
afirma que “tendo Deus, outrora falado,
muitas vezes e de muitas maneiras, aos nossos pais pelos profetas, no últimos
dias, nos fala por seu filho” (Hb 1.1-4), e que “Deus, nunca deixou de dar testemunho de si mesmo” (At 14.17). Natal
é Emanuel, Deus conosco! Ele continua agindo, mesmo que muitas vezes se pareça
estranhamento silencioso em situações provocativas.
3. ==>Tome cuidado com uma existência sem
expectativa – Mesmo diante da explicita manifestação de
Deus na sua história, Zacarias tem dificuldade em crer (Lc 1.20).
O autor aos
hebreus afirma que “é necessário que
aquele que se aproxima de Deus, creia que ele existe, e que é galardoador
daqueles que o buscam”. (Hb 11-3,6). A fé sem expectativa, não aguarda
nada, não espera nada, e não recebe nada, por causa da incredulidade. Sempre há
um risco de termos uma geração de “crentes com coração incrédulo”.
Apesar do evento monótono e
repetitivo de sua função sacerdotal, Zacarias estava ali no templo, adorando,
servindo. Ele não se afasta dos eventos sagrados. Precisamos orar para que Deus
mantenha em nós a sua chama acesa, para que nosso coração nunca perca a
expectativa do Sagrado.
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