Introdução:
Já estive em cadeias para visitar presos. Vi e
conversei com pessoas subjugadas, profundamente angustiadas com sua situação e
com os medos e culpas decorrentes de atos deliquentes praticados. Mas neste
ambiente de trevas e abandono, desolação e limitação, encontrei gente livre,
cujo coração estava encontrando Deus e sendo tratado pela misericórdia
celestial.
Por outro lado, tenho encontrado diariamente pessoas vivendo em liberdade, mas acorrentadas na alma. Jean Jacques Rousseau, no seu famoso livro, O Contrato Social, afirma que “o homem é um ser livre, mas por toda parte encontra-se a ferros”.
Neste texto, o salmista faz uma oração pesada: “Senhor, tira a minha alma do cárcere”. Ele se sentia aprisionado e profundamente angustiado. A alma queria voar mas não podia, os sentimentos estavam aprisionados e a vida estava presa a cadeias que impossibilitavam qualquer caminhada rumo à liberdade.
Clarice Lispector parecia estar vivendo esta realidade quando escreveu o seguinte soneto:
Não sei perder minha vida
Não sei qual a minha culpa mas, peço perdão.
A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não puderam ver.
Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar"ou por não ser alegre
mas coisa que se dá.
Peço perdão por não saber me dá nem a mim mesma,
para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso
mas, peço de novo perdão
não sei perder minha vida.
Ter a alma no cárcere é uma experiência de muito sofrimento. “O homem pode suportar as desgraças, elas são acidentais e vêm de fora: o que realmente dói, na vida, é sofrer pelas próprias culpas” (Oscar Wilde)
O que encarcera a alma?
1. Conceitos e ideologias – Pressupostos filosóficos podem transformar a vida das pessoas num verdadeiro inferno, porque elas realmente crêem em seus valores e vivem em função deles. Uma pessoa de “extrema direita” ou “esquerda” pode matar alguém pelo mero fato de pensar diferente. Não são capazes de discutir a idéia, porque estão sobremaneira encharcados de uma cosmovisão que não admite que o outro pense de forma diferente. A história está farta de exemplos como este. Seja por uma concepção política, moral ou religiosa.
2. Sistemas políticos – Pessoas aprisionadas por poderes tirânicos, onde não há liberdade de expressão, são dominadas por sistemas ditatoriais vivendo em tormento porque estão sob constante ameaça. Imagine morar próximo ao grupo radical Estado Islâmico, que atualmente age no Iraque, Síria e Turquia. Ou nas proximidades do Boko Haram, na Nigéria. Ou sob ditaduras como a de Idi Amim Dada, na Uganda; ou recentemente na Coréia do Norte, onde todos os passos dos cidadãos são controlados por militares e pelos aliados ao Estado. Um simples comentário seu pode se tornar sua sentença de morte. Líderes mundiais quando estão aprisionados por sistemas, também estão aprisionados pela hermenêutica que fazem da vida, sejam qual for sua posição, passam a enxergar na oposição inimigos que precisam ser destruídos. Sua ideologia torna-se maior que qualquer princípio moral, inclusive o da vida. Pense nos radicais nazistas... Ou nas ditaduras de esquerda... Ou na direita... Quantos estragos trouxeram à humanidade. Pessoas assim estão aprisionadas.
3. Medo – Muitos estão aprisionados por paranóias, sendo dirigidos por sensações de ameaças, da morte, do futuro, do inferno, ou medos imaginários. Viver debaixo do estigma do medo é pavoroso, quem já passou por “síndrome de pânico”, sabe muito bem do que estou falando. O medo é o sentimento mais citado na Bíblia a expressão “Não temas!” ou correlata, surge 365 vezes: Uma para cada dia do ano. Deus sabe como o medo aprisiona. Hb 2.14 afirma que Cristo veio livrar aqueles que viviam sob o pavor da morte.
4. Religiosidade Falsa – Este grupo é formado por pessoas que colocam sua confiança em deuses falsos, mentiras religiosas e pressupostos espirituais equivocados. Provavelmente a afirmação de Jesus sobre a verdade, fizesse uma referência a isto: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Em 1993, 39 pessoas se suicidaram coletivamente, porque acreditavam que a morte as liberaria para penetrarem numa grande cauda de uma nave espacial que tinha o formato de um cometa.
5. Doenças e enfermidades – Existe muitas doenças como depressão, síndrome de pânico, ansiedade fóbica e paranóia, que geram desequilíbrio nas emoções. Dentro destes quadros, a realidade dos fatos é facilmente distorcida, surgem muitos sentimentos persecutórios, culpa, dificuldade de movimento e ação. Eventualmente tudo passa a ser visto sob o prisma do medo, e um desejo inconsciente de morte. É muito dolorido viver com tais enfermidades na alma. Grandes homens cristãos, como Charles Spurgeon e Martinho Lutero, lutaram muito contra tais sentimentos.
6. Incapacidade de perdão – Em Mt 18.34, Jesus fala que pessoas incapazes de perdoar, tornam-se vitimas dos torturadores (outra tradução fala de atormentadores). O ódio é mau conselheiro, destrói aquele que o possui e mantém a pessoa incapaz de avançar na vida. Lair Ribeiro, que deve ser lido com muito cuidado, afirma que “perdão, antes de ser um ato de amor, é um ato de inteligência”. Optar pela amargura é optar pela prisão existencial e auto-destruição.
7. Ação demoníaca – Em Mc 5, vemos a libertação do endemoninhado gadareno. Este homem vivia atormentado, andando no meio dos sepulcros, nu, ferindo-se, e nem mesmo cordas conseguiam prendê-lo. Jesus atravessou o Mar da Galiléia, no meio de um temporal, para libertar a vida deste homem que se encontrava cativo de uma legião de demônios. A graça de Deus o alcançou e ele ficou completamente livre do seu mal. Satanás consegue manter pessoas aprisionadas por opressão, obsessão e possessão – mecanismos complexos porque eventualmente são interpretados por distorções psiquiátricas, mas cuja etiologia é espiritual. Na verdade, em nenhum dos outros pontos citados anteriormente, podemos ignorar o poder do diabo. Nem tudo é obra do diabo, mas não podemos ignorar seus desígnios. Ele opera nas mentes e emoções das pessoas para privá-las de alegria e aprisioná-las.
Quando estamos encarcerados...
A alma encarcerada emite alguns sinais.
A. Dificuldade em agradecer - O salmista que pede a Deus que “liberte sua alma do cárcere”, justifica seu pedido: “Para que eu dê graças ao teu nome” (Sl 142.7). Gratidão surge do reconhecimento de que algo bom recebido. Pessoas aprisionadas, não conseguem agradecer. Gratidão é o amor contemplando o passado, como bem definiu Moacir Bastos, mas pessoas aguilhoadas tendem mais a entrar numa espiral de murmuração, ressentimento, raiva e ira que de celebração e gratidão. O Salmista Davi quer sair deste movimento auto-destrutivo, para “dar graças ao nome de Deus”.
Neste sentido, reconhecer o amor e a soberania de Deus, mesmo nos momentos mais doloridos, traz enorme liberdade de alma. S. João crisóstomo declarou: “Para o enfermo e de espírito quebrado, mesmo a mais saborosa comida é sem gosto, amigos e relacionamentos se tornam um peso”[1]
B. Tribulação – O Salmista afirma que orava ao Senhor com súplicas, por causa da sua “tribulação” (Sl 142.2). Pessoas atribuladas vivem sob o espectro dos fantasmas e dores. O problema de nossa dor pessoal é que geralmente focamos nos inimigos errados. A tribulação gera obnubilação do entendimento e da percepção. “Escolha o inimigo certo. Todos esses anos venho combatendo o inimigo errado”[2]
C. Espírito esmorecido – “Dentro de mim me esmorece o espírito”(Sl 142.3). O salmista com sua alma no cárcere, sente dificuldade em viver. Esmorecido é a pessoa que perdeu o brilho, cujo ânimo, palavra sugestiva, que vem de anima, (vida), se perdeu. Davi percebe que o prazer de viver, de ser gente, de amar, comer, celebrar, se perdera em algum momento de sua história. Seu espírito se esmoreceu.
D. Solidão – O salmista percebia que o seu estado emocional afastava as pessoas, por isto afirma: “os justos me rodearão, quando me fizeres este bem” (Sl 142.7). Não é fácil viver com pessoas deprimidas, angustiadas, tristes. Ele deseja sua cura, para que voltasse a alegria, os amigos, a celebração. Para que pessoas amadas sentissem prazer em estar ao seu lado, rodeando-o.
E. Sentimento de impotência – “Atende o meu clamor, pois me vejo muito fraco” (Sl 142.6). Falta força para lutar, para sonhar, trabalhar, amar, adorar. O problema é maior que nós. Faltava entusiasmo. Esta palavra vem do grego e significa ter um DEUS dentro de si. (En+ theos). Só pessoas entusiasmadas são capazes de vencer desafios do dia a dia. Ela acredita na capacidade de transformar a própria realidade. Alguém afirmou que “não é o sucesso que traz o entusiasmo, é o entusiasmo que traz o sucesso”.
Buscando libertação...
Este texto nos fala de alguns caminhos que podem nos ajudar rumo à cura.
i. Antes de mais nada, precisamos entender que pessoas que amam a Deus, também passam por períodos de angústia.
Quem está passando por toda esta angústia é Davi, o homem segundo o coração de Deus. Ele é um uma pessoa temente a Deus, um homem que ora. Apesar de buscar a Deus, sua tendência à melancolia estava sempre presente nos seus escritos e salmos de lamento. Davi é um ser humano, com potencialidades e sombras, e que possui predisposição para esta doença que era antigamente diagnosticada como melancolia. Grandes homens de Deus também experimentaram estes períodos de melancolia.
ii. Aprender a maravilhosa, sobrenatural e abençoada arte de falar com Deus.
Esta foi a experiência de Ana. “Venho derramando minha alma perante o Senhor, porque sou mulher atribulada de espírito” (1 Sm 1.15). Que benção poder falar com Deus, levar nossas dores e lamentos àquele que nos ama. Davi sabia das lutas que enfrentava, era realista com sua história, mas também sabia para onde correr. Foi ele quem afirmou: “Deus é nosso refugio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações”. Muitas vezes já me perguntei o que faz o homem ímpio quando o dinheiro dele não resolve? Quando os médicos dão um diagnostico irreversível? Quando as tragédias lhe abatem? O homem de Deus tem “refúgio”, lugar onde se abrigar das tempestades. O homem de Deus encontra em Deus sua fortaleza, para se esconder durante a guerra, das setas e ameaças do inimigo, mas para onde vai o homem sem Deus?
iii. Saber que Deus conhece todas as nossas veredas – (Sl 142.3). Um antigo negro espiritual diz o seguinte: “Ninguém conhece os problemas que eu tenho visto, ninguém, exceto Cristo”. Quem conhece nossa dor? Quem distingue o sofrimento interno que tantas vezes nos confronta?
É muito curiosa a descrição de João, quando Jesus chega ao Tanque de Betesda. “Vendo-o Jesus, deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado?”(Jo 5.6). Jesus nunca havia falado com aquele homem, mas conhece sua realidade, sua angústia. Deus conhece nossas aflições. Quando Agar estava fugindo de Sara, com a anuência de Abraão, viu-se no deserto, sem direção, sem socorro. Mas Deus lhe providencia água, e Agar se espanta com a presença de Deus: “Na verdade tu és Deus que vê”. Deus estava com ela naquele tórrido e solitário deserto.
iv. Saber que há refúgio em Deus – “O Senhor é minha rocha e meu alto refúgio” (Sl 142.5).
Em 1 Sm 30, Davi enfrenta uma situação de grande calamidade.
Enquanto foram para a guerra, os inimigos invadiram Ziclague, a cidade onde ele morava, levando todos os bens, esposas e filhos. A angústia foi tão grande que até os seus amigos o acusaram de ser o culpado por tão grande tragédia. Davi sentiu-se só, e desolado foi buscar o Senhor. A Bíblia diz que depois de ter buscado a presença de Deus, ter sossegado sua alma diante do Eterno, Ele “se reanimou no Senhor”. Seu entusiasmo vinha de Deus. A situação não havia mudado, mas seu sentimento sim.
Com Deus há solução. Davi não se reanimou de forma carnal, nem procurou entretenimento, mas buscou seu refugio em Deus, foi derramar sua alma perante o Senhor, buscou abrigo na oração. Ele se dirigiu a Deus e “se prostrou” diante dele, e se fortaleceu no Senhor (1 Sm 30.6) Este é o oásis! Com Deus há solução.
Conclusão:
Qual é o estado de ânimo de sua alma? Sentindo-se encarcerado, vendo as coisas de dentro de um cubículo fechado, sem poder contemplar o dia ensolarado, mofando numa cela da solidão, da culpa, da raiva, do ódio?
Não sabemos qual era a situação de Davi, mas ele sabia que não era boa. Ele se sentia encarcerado. Ele clama a Deus para que tire sua alma do cárcere. Seja qual for a realidade, estar com a alma aprisionada não é algo bom.
Davi busca o Senhor. Ele se prostra diante de Deus. Ele lhe dirige suas súplicas.
Talvez por que já tivera outras experiências anteriores que demonstraram como Deus era bom, como buscar a Deus era uma experiência de libertação.
Que Deus o ajude a sair deste encarceramento e prisão que hoje o atormenta.
Que sua alma possa experimentar libertação naquele que pode nos libertar.
“Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.31). Existe uma liberdade que o Filho de Deus pode dar. O Filho tem poder de tirar nossa alma do cárcere.
[1] S.
João Crisóstomo (347-407 a.D) do sermão: A loucura da conquista da cruz.
Livro: “Great sermons from master preachers of all ages”.
[2] Irvin
, Yalom D., Quando Nietzsche chorou, Ediouro, Rio de Janeiro, 1992, pg 368
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