domingo, 29 de março de 2015

At 8.9-25 Dentro, mas ainda fora




Introdução

Vivemos dias de muito movimento na igreja evangélica brasileira. Shows gospels, igrejas lotadas, grandes eventos evangélicos. Muitos já falaram em avivamento, mas o que acontece no Brasil, infelizmente, não pode ser definido desta forma. Avivamentos duram longos anos, tem impactos sociais imensos, e afetam consideravelmente as novas gerações. Podemos afirmar que muitas igrejas tiveram renovações espirituais, mas não avivamento – que não é algo local, nem de uma igreja apenas.
O lado negativo disto é o fato de que, cada vez temos igrejas com mais freqüência, e pessoas com menos compromisso com Jesus e com o Reino. São pessoas que se tornam apenas nominalmente evangélicas, eventualmente são batizadas na igreja, mas pouco conhecem de Jesus, e cujo compromisso espiritual é raso e superficial. É o discipulado barato no qual se referiu Dietrich Bonhoeffer.
O pr. José Pereira, num tom ainda um pouco mais sarcástico gosta de afirmar que “igreja grande é covil de malandro”, de gente que não quer compromisso algum com sua comunidade, quer assistir um bom culto, participar de um bom louvor, ouvir uma boa palavra, estar com pessoas interessantes, mas que não querem compromisso, não querem pagar o preço de seguir a Cristo.

Nos muitos anos de pastorado tenho visto algumas coisas interessantes.

  1. Vir à igreja não diz nada – Mas não vir à igreja diz muito. Muitas pessoas freqüentam igrejas, de forma religiosa e sistemática, mas será que realmente a Palavra de Deus está moldando suas vidas, seu caráter, sua ética? Ela pode freqüentar igreja por anos e não assumir compromisso algum com sua fé – nem mesmo batizar. Com a igreja local e com o reino de Deus, muito menos ainda. Por outro lado, se uma pessoa começa a se afastar da igreja, substituir as atividades de sua igreja local, desinteressar-se pela adoração, isto aponta para algo sério. A adoração, o culto ao Senhor, não tem muita importância na sua história.

  1. Entregar o dízimo, não diz nada – Não entregar, diz muito. Uma pessoa pode trazer seus dízimos, porque aprendeu a fazer isto com os pais, porque tem uma motivação de receber benção de Deus, porque acha interessante participar, mas o coração dela pode estar longe, sua alma distante do Senhor. Portanto, entregar, não diz nada. Por outro lado, não entregar, diz tudo. Demonstra como as coisas de Deus são desinteressantes para ele, revela que qualquer sacrifício que Deus exigir dele, ou reivindicação da Palavra para sua vida, não é interessante. Não dar demonstra que a autoridade da Palavra não é muito importante, que ele não confia muito nas promessas de provisão de Deus, e que ele não tem qualquer responsabilidade pelo sustento daquela comunidade na qual ele freqüenta e da qual ele faz parte. Não fazer, neste caso – é um fazer altamente revelador, e nocivo.

Neste texto de Atos 8, nos deparamos com a história de Simão, o Mago.
Este texto nos revela algumas coisas:

A. O poder do engano. Toda Samaria, uma vasta região, vivia sob o domínio de uma pessoa, que tinha certo acesso aos poderes espirituais e era temido por todos. Era uma grande região, e todos naquela região foram absorvidos pelo temor a este grande vulto espiritualizado. Era um macumbeiro poderoso, um feiticeiro com grandes poderes. As pessoas, diz a Bíblia, viviam enganadas por este homem e por estes poderes espirituais.
C.S. Lewis, no seu livro “A cadeira de prata” fala do poder da ilusão da rainha do submundo, que criava a impressão de que as coisas eram diferentes da realidade. Ela invertia os fatos, impressões, criava sensações que enganava as pessoas. Ainda hoje os poderes do submundo estão presentes em todas as culturas.

B. O poder do convencimento e da mentira.  Maus produtos podem ser vendidos por bons vendedores. Naqueles dias as pessoas criam ser verdadeiro o que não era, mas elas estavam convencidas e viviam debaixo deste espectro espiritual. Espiritualidade e filosofia falsa tem um enorme poder de convencimento, desde que você creia neles. A questão não é se são verdadeiros ou não, mas quanto de poder de convencimento, possuem. O apóstolo Paulo fala do mistério da iniqüidade, e que “o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira” (2 Ts 2.9). O mal e a mentira são muitas vezes demasiadamente convincentes.
Todo o povo de Samaria estava rendido a este homem. A mentira e o engano o convenceu de que ele era uma pessoa realmente muito poderosa espiritualmente.
Simão começa a participar da comunidade recém surgida em Samaria, se insere nela, sem ser dela, e sua participação tornou-se cada vez mais envolvente, ele convencia os apóstolos de que era crente e talvez ele mesmo estivesse convencido de que era um discípulo de cristo. Passa a circular com desenvoltura na igreja, mas não fazia parte do povo de Deus. Eis alguns sinais que revelam a sua falta de relação com a fé cristã:

1.       Simão interessa-se pouco por Deus e muito por prestígio pessoal: Suas motivações não eram corretas. Havia algo naquela comunidade que ele queria, que era o poder do Espírito Santo, mas ele ainda estava preso por laços de iniqüidade e não queria romper com estas estruturas do pecado. Para avaliar nossa espiritualidade cristã devemos sempre indagar sobre os motivos de nossa fé. Pergunte a si mesmo: “Tenho interesse pelas coisas de Deus? As coisas de Deus atraem meu coração?”

2.       Simão tem interesse pelo poder de Deus mas não pelo Deus do poder - Não existe nada mais inescrupuloso que “poder” nas mãos de quem não sabe lidar com ele. O povo brasileiro é “power-centered”. Aliás, a cultura hoje é assim, campo aberto para a ação de Lúcifer que se levantará nos últimos dias com muitos sinais de poder (Ap 13.13-15). O poder de Deus restaura, mas o de Satanás destrói. Preocupa-me a obsessão pelo poder, sem interessar pela fonte do poder. Simão apenas aderiu a algo que era um poder maior do que os que ele fazia através da ilusão, mas ele não percebeu que a fonte deste poder maior era que fazia diferença.

3.       Simão é tão acostumado a arte de iludir, que torna-se incapaz de perceber o sagrado nos acontecimentos que vê:  Tudo para ele é business, técnica. Ricardo Barbosa fala de um homem que começou a freqüentar sua comunidade em Brasília, e que era um homem que tinha muito prestigio financeiro, mas era um homem autoritário, arrogante e insensível nos seus negócios. Certo dia ele disse ao pastor que estava buscando poder, e o Ricardo lhe perguntou para que ele queria este poder. Para continuar sendo autoritário e trazer Deus para ser aliado de sua vida que achava que podia mandar e dominar sobre todos? Tem muito poder maligno travestido de espiritualidade cristã.

4.       Simão convive com o povo de Deus, mas nunca entende o que está acontecendo - Um líder de renomada instituição na América resolveu se aposentar, reuniu seu staff e apontou seu filho como seu sucessor no ministério, pedindo que orassem transferindo sua unção de pai. Um membro do staff ao ser indagado se isto de fato aconteceu, respondeu: “Que a unção saiu é fato, mas para onde ela foi ninguém sabe”. Reino de Deus não é técnica, alguns se acostumaram a determinados jargões, cacoetes, palavras mágicas e a espiritualidade é percebida a partir dai.

5.       Simão participa da Igreja, mas seu coração nunca deixou as velhas motivações para trás - Onde estava sua motivação: “Observando extasiado os sinais” (At 8.13).  Simão, o mágico era irresistivelmente atraído ao mágico. Tinha especial interesse pelas manifestações, os sinais o deixavam impressionado, e diante disto faz uma oferta aos apóstolos para receber tais poderes.

Como se voltar verdadeiramente para Deus -
a)       Não simular conversão. O que assusta nesta história é:
*         Simão muda externamente suas atitudes.  Anda com gente diferente, vai para a igreja, cria hábitos diferentes, age de forma diferente, mas não é diferente.
*         Dá impressão de conversão- “Acompanhava de perto” lit. “atendia constantemente”.
*         Batiza-se - Torna sua ligação oficial com a Igreja. Assume compromissos de fé.
*         A Igreja é incapaz de perceber que nada interior tinha acontecido. Seu coração era ainda o mesmo, nenhum toque real de Deus. Filipe, que era o pastor dele não teve percepção.

b)      Não assumir compromissos irresponsáveis - Batizar sem entender o discipulado, batizar sem seriedade. O batismo é sinal da ruptura com o passado e do ingresso na vida cristã. O fiel sabe que, em Jesus, morreu o antigo modo de viver e ressuscitou para uma nova vida, sabe que foi perdoado, agraciado, revestido do Espírito Santo. Batismo deve ser algo cheio de temor, deve arrancar lágrimas e emoções na alma.

c)       Não se perder em sinais externos – (At 8.13) Sinais são indicadores, apontam para algo, não são o alvo. Nosso foco  é Cristo. Jo 20.31 diz: “Estes sinais foram feitos para que creiais no Filho de Deus”. Há pessoas que se perdem nos sinais. Eles são importantes, necessários, mas não são o alvo último da fé cristã. Falsos profetas, espíritos demoníacos, falsos obreiros e Lúcifer fazem sinais. Aderir aos sinais de Deus não é, necessariamente uma adesão ao Deus dos sinais. Jesus já alertava aqueles que o seguiam, não por causa da Palavra, mas dos sinais: motivação errada.

d)      Entender o sentido da fé cristã: (At 8.20,21) Não usar o poder como instrumento para auto-promoção. Você não é convertido enquanto não recebe o Espírito Santo, pode estar ligado à Igreja, andando próximo ao pastor, ser batizado, mas se não receber o dom do Espírito, não há vida. Tem que nascer de novo.

ü       Simão concordou intelectual com o discipulado - “Abraçou a fé” (At 8.13). Admitiu determinadas realidades cristãs, sem se converter de fato.

ü       Simão cumpriu um programa de discipulado. “Seguia a Filipe de perto” – (At 8.13). Que discipulado fabuloso, aos pés de Filipe, um homem cheio do Espírito Santo.  Não perde um culto, participa dos programas de evangelização, está próximo ao pastor.

ü       Simão percebe fatos espirituais- Observou sinais, andou perto dos acontecimentos, mas aquilo não foi capaz de torná-lo um homem consciente do que era vida cristã

e)       Desenvolver genuíno temor a Deus – (At 8.22-24). A exortação de Filipe é direta:  “arrepende-te”. Mude sua mente: Conversão é antes de tudo uma mudança na forma de pensar, na visão das coisas de Deus, nas atitudes e na ética. Conversão é algo de dentro para fora, tem a ver com mudança de nossa mente e de valores.
O temor a Deus é essencial.
Brennan Manning afirma que foi visitar um velho sacerdote que lhe disse: “Nunca pedi riqueza, projeção, status, posição, aplausos, mas sempre orei a Deus para que eu jamais perdesse a capacidade de assombro”.
Em Atos lemos que na comunidade primitiva, em cada alma havia “temor”. Uma tradução mais antiga fala de “espanto”. A NIV (versão inglesa), afirma que em cada alma havia “awé”, uma interjeição que deve ser lida como “oh”. As pessoas percebiam que estavam diante do Sagrado, e esta espiritualidade contagiante os envolvia nos cultos, nos louvores, na celebração diária da vida.

Conclusão:

O tema que deu a este sermão foi: “Dentro, mas ainda do lado de fora”.
Tema é, certamente, uma das últimas coisas que brotam na preparação de um sermão.
Simão estava dentro da igreja, conhecia o linguajar dos crentes, participava da vida comunitária, viu os sinais, mas ainda estava do lado de fora.
Pedro e João o exortam a se “arrependerem”. Quando estamos nesta condição, só existe uma forma de quebrar este “fel de amargura e laço de iniqüidade”. Precisamos entender que nossa situação é desesperadora, a não ser que Deus tenha misericórdia de nós. Arrependimento significa que entendo a necessidade de mudar a trajetória da vida, o jeito com que faço as coisas, e voltar.
Para Simão, o arrependimento era a última e única chance.

E para nós?

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