Uma das questões filosóficas
centrais da humanidade é sobre um Deus que parece distante, assim como é comum
o sentimento de ser esquecido de Deus. Desde Camus, Sartre a Beckett, vemos
sempre este pensamento de que o Senhor da terra abandonou este universo.
Esta preocupação também pode
ser encontrada pelos personagens bíblicos. Existem vários textos no livro dos
Salmos, repleto de exclamações e lamentos neste sentido:
Salmo 42.3,10: “As minhas lágrimas tem sido o meu alimento
dia e noite, enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está? (...) digo
a Deus, minha rocha: Porque te olvidaste de mim?”. As pessoas viam o
sofrimento do salmista e diziam: “Você não crê em Deus? Onde ele está?”
Sl 44.23,24: “Desperta! Por que dormes Senhor? Desperta! Não
nos rejeites para sempre! Por que escondes a face e te esqueces de nossa miséria
e da nossa opressão?”
Sl 60.10: “Não nos rejeitastes, ó Deus? Tu não sais, ó
Deus, com os nossos exércitos”.
Sl 77.7: “Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna
a ser propício? Cessou perpetuamente a sua graça? Caducou a sua promessa para
todas as gerações? Esqueceu-se Deus de ser benigno? Ou, na sua ira, terá ele
reprimido as suas misericórdias? Então disse eu: isto é a minha aflição;
mudou-se a destra do Altíssimo”.
Até mesmo Jesus, diante de
sua agonizante experiência de morte, clama ao Senhor: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparastes?”. Há, portanto, uma
grande quantidade de pessoas em diferentes situações fazendo este desabafo
diante de Deus, sem ter certeza de que Deus as ouve.
Ao lermos as últimas
parábolas de Jesus no Evangelho de Mateus, no conhecido “sermão escatológico” observamos
assustados e estarrecidos que o próprio Jesus fala deste tema, e que, em todas
as parábolas, este tema está presente como pano de fundo: Deus desapareceu.
Na parábola do bom e do mau
servo (Mt 24.45-51) vemos um empresário deixando o trabalho na mão dos
funcionários, e as coisas pareciam tão abandonadas que eles acharam que eram
donos e começaram a usar os recursos de forma equivocada. Os servos
desobedientes descuidadamente começaram a gastar o que não lhes pertencia e a
viver de forma dissoluta e despreocupada, comendo e bebendo com ébrios, mas Jesus
adverte: “O Senhor virá em dia que não o
espera e em hora que não sabe” (Mt 24.50).
Na segunda parábola, das dez
virgens, os noivos chegam tão tarde, demoram tanto, que o azeite acaba e as
noivas dormem: “E, tardando o noivo,
foram todas tomadas de sono e adormeceram” (Mt 25.5). É uma mensagem clara
de Jesus de que é possível perdermos a referência de Deus porque o julgamos
desaparecido.
Na parábola dos talentos, a terceira,
um fazendeiro faz uma longa viagem, e depois de distribuir os talentos, segundo
a capacidade de cada um, partiu, deixando os empregados cuidando de sua
lavoura, e retorna, “depois de muito
tempo, para ajustar as contas com eles” (Mt 25.19).
Em todas estas narrativas contadas
por Jesus, o Senhor desaparece, deixando os servos livres para agirem. Ilustram
situações em que as pessoas tem que lidar com este Deus que “partiu e
desapareceu”, e parece não ter deixado orientação e direção. Assim tem sido a experiência
moderna daqueles que deixaram de crer num Deus soberano da terra e passaram a
estabelecer suas próprias regras, esquecendo-se de que “o Deus desaparecido”
voltará. A ética sem referência, pois, “se não existe Deus, tudo é permitido” (Dostoievski).
“Na verdade, as histórias de
Jesus anteciparam a questão central da era atual: ´onde está Deus agora? ´ A
resposta de hoje, de pessoas como Nietzsche, Freud, Marx, Camus e Beckett é que
o Senhor das terras nos abandonou” (Yancey).
Destes textos, podemos
extrair algumas lições:
1.
Tome
cuidado com este falso sentimento de um Deus ausente: ele voltará!
Em todas as parábolas, Jesus
deixa claro de que, depois de muito tempo, o “Deus desaparecido”, voltará. Esta
também foi a mensagem dos anjos, na ascensão de Jesus, enquanto os discípulos assustados
via Jesus sendo elevado aos céus: “Varões
galileus, porque estás olhando para as alturas? Este Jesus que dentre vos foi
assunto ao céu, virá do modo como o viste subir” (At 1.11).
Deus não perdeu o “timing”,
embora o julguemos demorado. Portanto, não deixe o seu azeite acabar “Mt 25.8);
não crie éticas achando que o Senhor não volta (Mt 24.48-49), não esconda seus
talentos (Mt 25.19), porque este Jesus voltará! (At 1.11).
2. Na
parábola das ovelhas e bodes, que descreve o grande julgamento (Mt 25.31-46), somos
surpreendidos mais uma vez.
Jesus fala do Deus que
desaparece, só retornando para o dia do acerto de contas. Ele novamente se
refere a este período intermediário, quando Deus parece ausente. No entanto, na
visão de Jesus, Deus não estava oculto,
mas assumiu o disfarce mais imprevisível e chocante na pele daqueles que
sofrem e são desprezados.
“Quanto te vimos com fome,
ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou preso, e não te servimos? E Jesus
nos surpreende ao dizer: “Na verdade, todas as vezes que o deixastes de fazer a
um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer”. Com isto aprendemos
que “se não podemos detectar a presença de Deus no mundo, pode ser que o
tenhamos procurado nos lugares errados” (Yancey).
Deus não desapareceu, mas
apenas assumiu uma nova forma de se manifestar.
Boa parte das indagações
filosóficas e teológicas seriam dissipadas, se, ao invés de fazermos um retorno
ao nosso interior, na introspecção mórbida ou depressão egóica, fizéssemos um
movimento para fora, em direção ao outro, ao irmão, e ao que sofre. Excesso de
auto análise, de reflexão auto centrada e vitimismo, adoece ainda mais, porque
entra-se em contato com o cinismo, incredulidade e ceticismo, e o ciclo do
desespero silencioso da alma.
Certamente não encontraremos
Deus dentro do coração vazio e sem esperança, mas facilmente enxergaremos o “Deus
desaparecido”, na face oculta do que sofre, no amor e serviço ao ser humano,
que foi atropelado pelas circunstâncias adversas da vida. Ali contemplaremos,
assustados, o rosto deste Deus, que se oculta no meio desta caótica situação de
dor e angústia humana.
Um milionário rico resolveu
visitar Madre Tereza de Calcutá e lhe indagou como funcionava a espiritualidade
dela, e ela respondeu: “Somos uma ordem contemplativa. Primeiro meditamos,
depois saímos e procuramos Deus disfarçado no pobre”.
3. Todos
os homens de Deus, como lemos no Sl 42, 44, 60 e 77 sabiam que o desaparecimento de Deus, era muito mais
uma questão de sentimento, que realidade.
O
sentimento da ausência de Deus era real, mas o fato é que ele sabia que sua
alma poderia colocar a âncora segura em Deus.
Em outro
salmo ele ainda é mais enfático. Depois de vários questionamentos afirma: “Isto é a minha aflição” (Sl 77.10). Por
sua alma estar perturbada, os sentimentos se tornaram confusos. Não é assim que
fazemos no meio da angustia e da dor? Fazemos leituras erradas, colocamos
lentes distorcidas, interpretamos erroneamente os fatos.
A
verdade é que Deus sempre se revelou na história: “Contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, dando-vos do céu
chuvas e estacoes frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura de alegria” (At
14.17).
Que verdade
maravilhosa. O Deus desaparecido se revela no rosto do que sofre, se revela na natureza
criada (Rm 1.19-21), e por meio do seu cuidado como lemos em Atos.
Por
isto podemos declarar a grande verdade do Sl 27.13-14:
“Eu sei que virei a bondade do Senhor na
terra dos viventes. Espera no Senhor e tem bom ânimo. Espera, pois no Senhor!”