Introdução:
Tenho
que admitir que preciso ser cauteloso quanto à questão de “ser diferente”.
Porque o “ser diferente”, carrega um nível de tensão e crise no resultado e consequências
que pode trazer.
Um
dos primeiros riscos é o perigo de ser diferente apenas na maquiagem. Ênfase no
exterior. Vivemos numa subcultura evangélica legalista que tem uma tendência
enorme de ser diferente nas aparências. Jesus enfrentou isto de forma direta
com os fariseus que não se assentavam à mesa sem lavar copos, vasos e jarros de
metais, que limpavam o exterior do copo e do prato, mas por dentro estavam
cheios de rapina e intemperança. Jesus afirma que tais homens eram semelhantes
aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente
estavam cheios de mortos e de toda imundícia (Mt 23.25,27). Jesus os exorta
dizendo: “Assim também vós exteriormente
pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de
iniquidade” (Mt 23.28).
Em
Anápolis temos uma loja chamada “Moda evangélica”. Eu nunca entrei lá, mas fico
tentando imaginar o que significa uma “moda evangélica” e tenho até medo dos
resultados disto. Em geral são preocupações com uma ética de fachada, de modas
e costumes, de gente estranha proibindo cortar cabelo, vestindo roupas
compridas e afirmando que homens que tem barba estão condenados a ir para o
inferno.
Obviamente
não quero crer que este seja o alvo proposto por este congresso.
Outro
risco é do esteriótipo. De criar determinados jargões e clichês evangélicos,
que nem mesmo sabemos porque existem. São afirmações que desembocam em
personagens pitorescos como Benne Him com seu topete estranho ou Valdomiro
Santiago com seu chapéu ungido.
Temos
ainda o risco de ao enunciarmos o lema “coragem
para ser diferente”, mas focarmos numa dimensão muito presente nos meios evangélicos
de se tornar gente antipática, chata, legalista, que vive querendo dar lição de
moral o tempo todo e citando antipaticamente versículos bíblicos condenatórios.
Isto é tão normal que certa vez estava ao lado de uma pessoa fumante que eu amo
que me perguntou surpresa: “você não se incomoda com o meu cigarro? Nunca falou
dele...” E eu disse que não, que a única tristeza que eu tinha é que, por ela
ser fumante, estatisticamente, tinha chances de morrer 10 anos antes, mas que o
problema da humanidade não é o cigarro, mas a rejeição da obra de Cristo. O problema
nosso é que endurecemos o coração a Cristo e tentamos nos enganar acreditando
numa falsa bondade que acreditamos nos tornar merecedores do céu, quando o que
precisamos, na verdade, é crer em Cristo e depositar nossa confiança nele, e
apenas nele, para nossa salvação.
Então,
quando o tema me foi sugerido, eu disse a mim mesmo que poucos personagens
bíblicos poderiam exemplificar melhor o que significa ter coragem para ser
diferente que Daniel e seus amigos. Eis alguns princípios que percebo na vida
destas pessoas:
Primeiro, só faz diferente quando se é
diferente.
A
diferença acontece quando a natureza é interiormente diferente. É uma questão
do ser. Ontológica. Por isto Jesus disse a Nicodemos: “É necessário nascer de
novo!”. A palavra “nascer de novo”, tem na sua raiz grega, a ideia de genética.
Regeneração, um termo teológico para explicar esta ação de Deus em nossa
história, tem também na sua raiz, a ideia de gen.
Assim
eram Daniel e seus amigos.
Eles
cresceram num ambiente familiar, até que a Babilônia rompeu o cerco de Jerusalém
e a invadiu, e suas vidas que seguiam um quadro de normalidade, morando em
casa, com a família, numa cultura e língua que conheciam, seguindo certa
rotina, de repente não mais existia. Eles são arrastados brutalmente de sua
terra, àquela altura provavelmente já órfãos, para servir como escravos num lugar
completamente estranho, com povo de hábitos diferentes, comida diferente e língua
diferente, sem direito à liberdade de ir e vir. Eram escravos.
Se
a fé destes jovens fosse apenas institucional teria morrido ali. Mas Daniel e
seus amigos
possuem
uma fé viva e pessoal. Eles são feitos de um material diferente por causa de
sua intimidade com Deus. Nabucodonozor muda o projeto de vida destes meninos,
mas não pode mudar aquilo que eles são. Mudanças exteriores acontecem, mas o
coração está firme no Senhor.
Para
sermos diferentes precisamos ser feitos de um material diferente. Não é questão
externa, mas interior. Precisamos de identidade.
Qual
é a nossa identidade? Filhos da luz e filhos amados.
Quando
sabemos que somos filhos da luz, não queremos viver nas trevas, porque a luz
nos atrai. Vida de pecado e de rebeldia contra Deus nos repele. Não queremos
viver na mentira e engano, sendo escravos da carne e do pensamento. Filhos da
luz apreciam a luz. Por isto a Palavra diz: “como filhos da luz, andai na luz”.
Quando
sabemos que somos filhos amados, não vivemos obcecados por reputação e
reconhecimento público. Nós já somos amados! Quando Jesus ouviu o Pai celeste
dizendo: “Este é o meu filho amado em quem tenho prazer!”, ele foi capaz de
andar pelo deserto resistindo ao diabo, passando agruras, privações e fome e
resistindo às sedutoras tentações.
Só
faz diferente quem é diferente!
No
filme “O rei Leão”, o pequeno leão precisa fugir de casa porque seu tio,
Mustafá, o acusou de ser o responsável pela morte do pai e desta forma usurpa o
reinado. O pequeno leão sai desorientado, e se encontra com Pumba e Timão (um
javali e uma doninha), que passam a ser seus amigos. E ali, na gandaia, e na
filosofia do “Akuna Matata”, vivem vida desregrada e sem propósito. O pequeno
leão se esquece de onde vem e quem ele é, sua memória de realeza se perde no
tempo, ele se apequena. Até que, o macaco, que é o sacerdote da tribo o
encontra e diante daquele ser estranho, o leãozinho pergunta: “Quem é você?”, e
o macaco diz: “A questão não é quem eu sou, mas quem é você!”. Resgatada sua
identidade, ele retorna para livrar o seu povo da opressão causada pelo seu
tio.
A
questão essencial da vida é quem somos.
Só
faz diferença quem é diferente!
Segundo, só é possível ser
diferente, quando ser diferente torna-se um estilo de vida.
“Resolveu Daniel firmemente, não
contaminar-se, com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia”
(Dn 1.8).
O
palácio sempre oferece iguarias atraentes. Por que não participar?
Aqueles
rapazes seriam professores de universidade. Ensinariam a cultura e a língua dos
caldeus. Isto me surpreende... Eles não iriam ensinar a cultura judaica de onde
procediam, nem a língua hebraica que aprenderam em casa. Eles estavam sendo
treinados para assumirem lugar de liderança na cultura pagã da Babilônia.
Ser
diferente era a realidade. Mas não seriam diferentes para serem os piores, mas
para a excelência. Infelizmente muitos evangélicos hoje tem se tornado um povo
despreparado e desqualificado. Querem ser diferentes mas não para liderarem. Que
tal se decidirmos ser diferentes porque conhecemos as raízes e etiologias de
nossa cultura, sabemos gramática e literatura brasileira, e queremos usar
nossos conhecimento, dons e talentos para impactar a cultura degradante e
decadente que temos?
Daniel
se torna um dos homens mais importantes do reinado.
Ele
não precisou se mancomunar, negociar convicções, fé e valores. Seu valor estava
na sua integridade, reconhecida pelos seus inimigos. “Nunca encontraremos qualquer
forma de acusar este homem se não for pela sua fé”.
Eventualmente
sua fé poderia se tornar um obstáculo, porque era oposição ao sistema corrupto,
mas apesar disto, ele conseguiu perdurar até mesmo depois da queda da
Babilônia. Quando Belsazar perdeu a guerra para os persas, ele foi levado por
Dario, para fazer parte de outra corte, de outro país. Saiu do Iraque e foi
para o Irã. Saiu do domínio da Babilônia, para os persas. Mudou o imperador, e
ele continuou sendo ministro, sem negociar valores, princípios e consciência.
Sua
excelência era sua marca.
Sua
diferença não era para a mediocridade, mas para a excelência.
Sua
diferença era uma decisão – para glorificar a Deus.
Terceiro, só é possível ser
diferente quando fazemos enfrentamentos sérios com a própria dor
Aqueles jovens foram destruídos emocional e
espiritualmente. O que representou a invasão de Jerusalém?
Ø Perda da família: Pais
mortos; Irmãs estupradas; grávidas mortas.
Ø Perda Nacionalidade: língua,
cultura, pátria. Nação arrasada. Perda das raízes.
Ø Perda da liberdade - deixar
de ser livre para ser escravo. Ir agora para a Babilônia que deveria
despertar a imaginação dos jovens da Judéia, não porque tinha sonhos, mas como
escravo, por ausência de opção. Foram levados para o cativeiro com as roupas
rasgadas na altura das nádegas Não eram mais donos de seus sonhos, vocação e
projetos.
Ø Perda da masculinidade.
Aqueles jovens foram castrados, e por isto estavam sob a subordinação do chefe
dos eunucos (Dn 1.3). Privados da dignidade e honra e colocados no palácio para
ensinarem a língua dos caldeus (Dn 1.4), uma espécie de universidade forçada,
onde ficariam por três anos (Dn 1.5).
Ø Perda da Identidade – Seus nomes foram mudados por nomes de outros
deuses e entidades. A Bíblia Shedd faz um comentário
surpreendente sobre isto: “A mudança dos nomes era uma tentativa de integrar os
jovens cativos à religião pagã do seu novo ambiente. Daniel quer dizer: “Deus é
o meu juiz”, e Beltesazar quer dizer: “Príncipe de Bel”. Bel era equivalente a
Baal e a Marduque. Misael quer dizer “Quem é como Deus?”e Mesaque é a alteração
deste nome para “Quem é como aku” (Deus da lua). Hananias, “Jeová é
misericordioso”, altera-se para Sadraque, “o amigo do rei”; Azarias “Jeová é o
meu socorro”, para Abede-nego, ou “servo de nego”, o ídolo que representa
Mercúrio”.
Ø Perda
do Culto: Cânticos,
liturgia, holocaustos, culto destruído (guerra dos deuses)
Como sobreviver
existencialmente numa cultura tão destrutiva? Como ser diferente não apenas por
causa das mutilações físicas e existenciais sofridas, que tem um enorme poder
para gerar amargura e ressentimento? Por causa da relação com Deus, eles direcionaram
sua vida ao testemunho, à adoração e ao louvor da glória de Deus. Não deixaram seu coração azedar por causa dos
dramas da vida.
É
preciso superar o passado.
Todos
sofremos em certo nível, e precisamos enfrentar dores e ressentimentos.
Gente
mal resolvida, deprimida, adoecida, não faz diferença positiva na história.
Só
é possível fazer diferença quando se enfrenta a própria dor com fé, com oração
e confiança em Deus.
Quarto, só é possível ser diferente quando
se faz para Deus
Ser
diferente é suicídio... você se torna o louco, o incompreendido. Os profetas
quase sempre eram execrados, todos os apóstolos foram mortos por suas
convicções, por afirmarem sua fé, por crerem na loucura da pregação, de um Deus
resolveu se encarnar, habitar entre nós, morrer numa cruz, ressuscitar ao
terceiro dia e ser levado para o céu de onde há de vir para julgar vivos e
mortos.
Jesus
era diferente... o resultado? acabou numa cruz.
Paulo
fala do escândalo da cruz: “Escândalo para os judeus e loucura para os
gentios”. A cruz, este lugar abjeto maldito, de infâmia e vergonha, se torna a
referência e a glória dele. “Porque nada decidi saber entre vós, senão a
Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Co 2.1).
O
pedido dos chefes dos eunucos era para que aqueles rapazes aceitassem um
banquete especial que recebiam e “comer das finas iguarias do rei” foi recusado.
Por que alguém rejeitaria as finas iguarias e vinhos do rei? Por que alguém, sem necessidade de fazer
regime, se submeteria a uma dieta pobre em calorias, à base de alface e agrião?
Somente a glória de Deus pode nos conduzir a atitudes tão radicais.
Isto
só é possível quando fazemos para Deus.
Nenhum
outro fator pode impulsionar a natureza humana a agir contraintuitivamente,
senão a compreensão de que, fazendo assim, Deus será glorificado.
Só
é diferente quando se contempla a glória de Deus.
“Pela
fé, Moisés, quando já homem feito, recusou ser chamado filho da filha de faraó.
Preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres
transitórios do pecado; porquanto considerou o opróbrio de Cristo, por maiores
riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão” (Hb
11.24-26).
Conclusão:
Tudo
isto aponta para a cruz e para a mensagem do Evangelho.
Olhem
para Cristo. A cruz é o lugar dos
paradoxos e contradições.
Paulo
afirma que a cruz era lugar de maldição. “Maldito todo aquele que for pendurado
no madeiro”, entretanto afirma que “se gloriava na cruz” (Gl 6.14).
A
cruz é o lugar da mais radical coragem de ser diferente: Um Deus, agora
encarnada, decide deixar sua glória e viver com suas criaturas; Um homem,
declarado inocente, é colocado na cruz mesmo depois de atestada pelo pretório
romano de que não havia nele culpa alguma; um homem justo que morre pelos
pecadores.
A
cruz e o Evangelho nos falam de que ser cristão é, acima de tudo, uma condição inexorável
de vivermos as ambiguidades de forma diferente, porque se vive a loucura de
Deus apaixonado por gente caída e destruída como somos.
A
cruz me dá coragem para ser diferente!
A
vida de Cristo me inspira a viver de forma diferente!
Excelente!
ResponderExcluirEstudo maravilhoso e edificante. Que possamos ser diferentes como Daniel e seus amigos, neste mundo conturbado e cheio de falsas doutrinas.
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