Introdução:
Como
afirmamos no sermão anterior, o cap. 10 de Atos é um dos mais importantes na
visão missionária da igreja, que precisava romper com uma das maiores barreiras
ao evangelho: O etnocentrismo judaico. É um texto de transição. A errônea
compreensão teológica de que o Deus Todo Poderoso, criador dos céus e da terra,
só tinha preocupação com aqueles que possuíam o DNA judaico. Isto fazia parte
da cosmovisão teológica dos hebreus, e tornou-se uma enorme barreira na obra
missionária no livro de Atos. Esta barreira precisava ser rompida.
Vimos
como foi difícil para Pedro superar este dilema.
Literalmente
ele discutiu até com Deus.
Apesar
de Jesus ter sido muito claro na sua proposta de que o Evangelho deveria ser
pregado não apenas aos judeus, mas a todo mundo (Mc 16.15; Mt 28.18-20; At
1.8), os discípulos não entendiam assim e Pedro ainda questiona a Deus. A visão
que ele recebe não aconteceu por ser um homem espiritual, mas por ser
desobediente a Deus. Deus perdeu a paciência com Pedro, depois de três
tentativas: “Ao que Deus purificou, não
consideres impuro” (At 10.15-16).
Além
do dilema interior proveniente da herança teológica, ele provavelmente antecipava
outra questão bem complexa: A censura do colegiado de Jerusalém. Ele teria que
enfrentar a comissão do Presbitério ou do Concílio. O que de fato aconteceu.
O
que lemos aqui em At 11 foi a censura implícita do Presbitério a Pedro: “Chegou ao conhecimentos dos apóstolos e dos
irmãos que estavam na Judeus que também os gentios haviam recebido a palavra de
Deus... Quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram da circuncisão o arguiram,
dizendo” (At 11.1,2).
Esta
foi a primeira controvérsia teológica da igreja:
Os
gentios estavam incluídos ou não na visão de reino apresentada por Jesus? A
segunda controvérsia viria em At 15, acerca da circuncisão: Os gentios deveriam
ou não ser circuncidados?
Pedro
agora passa por um interrogatório. Você já viu isto acontecer num concílio?
Você já foi arguido? “Entraste em casa de
homens incircuncisos e comeste com eles”
(At 11.3). Há uma censura direta nesta pergunta. Aos olhos daqueles
irmãos Pedro tinha cometido um grave delito.
A
igreja agora precisa resolver um conflito de ideias e a visão teológica
precisava ser alinhada. É um momento decisivo. Ou a igreja avança e resgata a
visão dada por Cristo, ou retrocede e se perde na visão do reino de Deus para a
história. O que vai acontecer agora é extremamente importante.
Felizmente
a igreja se convenceu e aquiesceu à perspectiva que Pedro traz na argumentação
teológica que apresenta.
Este
texto nos ensina algumas lições importantes para administrar conflitos na
igreja:
Primeiro,
precisamos reconhecer que os conflitos são inevitáveis – Diferenças sempre surgirão: sejam elas
pessoais, administrativas, litúrgicas ou teológicas.
Toda
comunidade tem conflitos e o que determina sua saúde não é a ausência ou
presença deles, mas como tais conflitos são resolvidos. A tensão não é de todo
ruim, até porque, nas diferenças torna-se visível os corações e motivos. Nada
melhor que uma controvérsia para mostrar o caráter e a integridade da pessoa. Conflitos
servem ainda para colocar em check o conforto e a estabilidade da igreja.
Segundo,
conflitos ajudam a aprofundar a compreensão sobre o assunto- A exposição
de Pedro, é uma verdadeira aula de quebrantamento, confissão e percepção
espiritual. Ele relata pormenorizadamente o que aconteceu e isto dá a visão do
todo ao grupo que até então encontrava-se defensivo e reativo (At 11.16). Pedro
estava sensivelmente acuado, e não sem razão levou consigo seis irmãos para lhe
servirem de testemunha (At 11.12).
Terceiro,
conflitos podem nos ajudar a entender aspectos teológicos muitas vezes
desprezados ou esquecidos – O assunto sobre a questão dos gentios, abre
compreensão sobre outros assuntos:
A.
O
Evangelho alcança toda família – (At 11.14) A mensagem do anjo a Cornélio
incluía toda sua família no plano da salvação. “O qual te dirá palavras, mediante as quais serás salvo, tu e toda a tua
casa” (At 11.14). Pregações sobre a família do pacto tem sido grandemente
esquecidas em nossos púlpitos. Ouvimos centenas de pregações sobre maldição
hereditária, mas raramente ouvimos sermões sobre “A Família do Pacto”, ou da “benção
geracional” com afirma Susan Hunt. Você entende que sua família está debaixo
das promessas de Deus e que seus filhos precisam ser trazidos perante ele
porque eles pertencem a Deus?
B.
O
Evangelho se manifesta com poder – (At 11.15). Na hora do derramamento,
Pedro se lembrou das palavras de Jesus: “João,
na verdade batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo”
(At 11.16). Na hora daquela manifestação, Pedro se lembrou: “Foi exatamente
isto que meu mestre disse. Quem crê é batizado com o Espírito”. A afirmação “caiu o Espírito sobre eles” (At 11.15),
me desafia teológica e existencialmente. O que quer dizer isto? Eu não posso
explicar todo o significado desta verdade, mas sei que se trata de uma experiência maravilhosa. Deus sendo despejado,
derramado sobre um grupo de pessoas. Quem sabe você possa receber esta
experiência nesta hora, orando em espírito e dizendo para que Deus o visite de
forma assim poderosa e graciosa. Nossa conversão só é possível quando o poder
do Evangelho atinge nossa vida por inteiro.
C.
O Evangelho
atinge todas as raças – (At 11.17). “Deus
lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou”. Agora Pedro chega ao
cerne da controvérsia. Isto quebra toda a barreira de raça. “Reconheço, por verdade, que Deus não faz
acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz
o que é justo lhe é aceitável” (At 11.34-35).
Pedro
afirma que o primeiro a ser convertido a esta visão era ele mesmo, e ele foi
transformado. Pedro descobriu, de forma prática, que Deus não era apenas dos
judeus. Não há exclusividade no DNA de uma raça, ou superioridade moral e
espiritual de um povo. O critério é outro: “Logo,
também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida” (At
11.17). Não interessa sua história, se seu pai era macumbeiro, idólatra ou
ateus, sua ascendência não interessa: “Aquele
que faz o que é justo, lhe é aceitável”, pois, “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”(Rm 10.13).
Quarto,
conflitos não devem se transformar em questões pessoais, pois não tem a ver
comigo ou com o outro, mas com a glória de Deus.
Alguns
aspectos sobre este tópico podem ser libertadores quando estivermos discutindo
determinados assuntos:
A.
Ou colocamos Deus no centro ou podemos
colocar Deus de fora – A conclusão de Pedro é maravilhosa: “...quem era eu para que pudesse resistir a Deus?”
(At 11.17). Se insistirmos em lutar por aquilo que não é luta de Deus, podemos
perder a compreensão de quem é o Deus de nossa história.
Alguns
anos atrás, um dos nossos seminaristas tinha concluído o seminário e iria para
o presbitério, e muitas controvérsias e disputas pesadas estavam se dando ali.
O nosso candidato era uma pessoa simples, crente, mas nada brilhante nas suas
arguições e nas conversas que tivemos ele sempre deixava muito a desejar nas
sabatinas teológicas. Eu teria que viajar exatamente nesta época e fiquei
preocupado sobre como seria seu exame. Ele seria aprovado? Eu queria estar por
perto para falar de seu testemunho entre nós, mas estaria viajando naqueles
dias. Depois de orar, tive a seguinte percepção: Ele é de Deus...portanto, não
tenho que defendê-lo! Deus é quem controla a história de nossa vida.
Seu
exame de ordenação foi pesado, mas ele conseguiu responder com sabedoria e ser
aprovado. Deus estava no centro da questão.
B.
Todo
conflito precisa redundar em louvor a Deus. “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus,
dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para
vida” (At 11.18). A paz é
estabelecida, e Deus é glorificado.
Não
devemos sair de qualquer embate na igreja, sentindo-nos ressentidos,
amargurados, derrotados. Não tem a ver conosco, mas com Deus. O foco é ele, não
nós. O que queremos é exaltar seu nome e não promover o nosso. Mesmo quando
achamos que toda assembleia está errada, e muitas vezes grandes equívocos foram
cometidos na história, precisamos entender que a glória de Deus é que interessa
em todas estas coisas.
C.
Apesar do
conflito resolvido, não significa que todos entenderam a orientação dada por
Deus – Veja o que nos descreve At 11.19: “Então, os que foram dispersos por causa da tribulação que sobreveio a
Estevão, se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus”
(At 11.19).
Viram
a ênfase do texto bíblico?
Apesar
de toda a compreensão e decisão, nem todos se submeteram à orientação da
liderança da igreja. Muitos ainda decidiram fazer do seu jeito, ou porque era
mais conveniente ou por rebeldia mesmo. Eles não anunciavam a palavra a
ninguém, exceto os judeus. Continuavam pensando da mesma forma, faziam do
antigo modo e não mudaram de ideia...
Por
outro, lado, prevalece o bom senso e o consenso:
“Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de
Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o
evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo,
se converteram ao Senhor” (At 11.21).
Apesar
de alguns não se renderem às evidências, outros o fizeram, e o propósito de
Deus prevalece, porque a obra é de Deus. Não devemos ficar transformando as
diferenças em questões de tristeza. Deus vai usar quem ele quiser como e quando
ele quiser.
Conclusão:
Alguns
passos práticos para resolver conflitos internos na igreja
1.
Discuta ideias, não pessoas – É fácil
transformar os conflitos em questões pessoais.
2.
Não deixe seu coração se amargurar por causa de
diferença de opiniões – é muito fácil nos tornarmos ressentidos, vingativos,
deprimidos, porque as decisões não foram como queríamos. O maior risco da vida
de alguém é se tornar amargurado, perder a alegria.
3.
Entenda que a obra é de Deus, não sua. Muitas
vezes transformamos um projeto da igreja em uma questão particular, de orgulho
pessoal. Decisões não tem a ver contigo, você não está com esta bola toda como
imaginava.
4.
Ore. Deus é dono da história. Mesmo quando as coisas
andam de forma diferente daquilo que imaginamos ser o melhor, Deus usará isto
para construção do seu reino. Mesmo quando José foi vendido como escravo, Deus o
permitiu transformando “o mal em bem”.
5.
Siga a orientação de Deus sobre este assunto.
Pedro não estava muito aberto, mas Deus mudou seu coração quando ele ouviu a Deus.
O Concilio de Jerusalém estava fechado às mudanças que estavam acontecendo, mas
decidiram “não resistir ao Espírito Santo”. Ouvir a Deus, na maioria das vezes,
é algo muito subjetivo e perigoso, porque a vaidade, o controle e o poder estão
sempre em evidência na comunidade, mas peça que Deus coloque humildade para
ouvi-lo.