sábado, 28 de julho de 2018

At 11.1 Como Administrar conflitos na igreja?





Introdução:

Como afirmamos no sermão anterior, o cap. 10 de Atos é um dos mais importantes na visão missionária da igreja, que precisava romper com uma das maiores barreiras ao evangelho: O etnocentrismo judaico. É um texto de transição. A errônea compreensão teológica de que o Deus Todo Poderoso, criador dos céus e da terra, só tinha preocupação com aqueles que possuíam o DNA judaico. Isto fazia parte da cosmovisão teológica dos hebreus, e tornou-se uma enorme barreira na obra missionária no livro de Atos. Esta barreira precisava ser rompida.

Vimos como foi difícil para Pedro superar este dilema.
Literalmente ele discutiu até com Deus.

Apesar de Jesus ter sido muito claro na sua proposta de que o Evangelho deveria ser pregado não apenas aos judeus, mas a todo mundo (Mc 16.15; Mt 28.18-20; At 1.8), os discípulos não entendiam assim e Pedro ainda questiona a Deus. A visão que ele recebe não aconteceu por ser um homem espiritual, mas por ser desobediente a Deus. Deus perdeu a paciência com Pedro, depois de três tentativas: “Ao que Deus purificou, não consideres impuro” (At 10.15-16).

Além do dilema interior proveniente da herança teológica, ele provavelmente antecipava outra questão bem complexa: A censura do colegiado de Jerusalém. Ele teria que enfrentar a comissão do Presbitério ou do Concílio. O que de fato aconteceu.

O que lemos aqui em At 11 foi a censura implícita do Presbitério a Pedro: “Chegou ao conhecimentos dos apóstolos e dos irmãos que estavam na Judeus que também os gentios haviam recebido a palavra de Deus... Quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram da circuncisão o arguiram, dizendo” (At 11.1,2).

Esta foi a primeira controvérsia teológica da igreja:
Os gentios estavam incluídos ou não na visão de reino apresentada por Jesus? A segunda controvérsia viria em At 15, acerca da circuncisão: Os gentios deveriam ou não ser circuncidados?

Pedro agora passa por um interrogatório. Você já viu isto acontecer num concílio? Você já foi arguido? “Entraste em casa de homens incircuncisos e comeste com eles”  (At 11.3). Há uma censura direta nesta pergunta. Aos olhos daqueles irmãos Pedro tinha cometido um grave delito.

A igreja agora precisa resolver um conflito de ideias e a visão teológica precisava ser alinhada. É um momento decisivo. Ou a igreja avança e resgata a visão dada por Cristo, ou retrocede e se perde na visão do reino de Deus para a história. O que vai acontecer agora é extremamente importante.
Felizmente a igreja se convenceu e aquiesceu à perspectiva que Pedro traz na argumentação teológica que apresenta.

Este texto nos ensina algumas lições importantes para administrar conflitos na igreja:

Primeiro, precisamos reconhecer que os conflitos são inevitáveis Diferenças sempre surgirão: sejam elas pessoais, administrativas, litúrgicas ou teológicas.
Toda comunidade tem conflitos e o que determina sua saúde não é a ausência ou presença deles, mas como tais conflitos são resolvidos. A tensão não é de todo ruim, até porque, nas diferenças torna-se visível os corações e motivos. Nada melhor que uma controvérsia para mostrar o caráter e a integridade da pessoa. Conflitos servem ainda para colocar em check o conforto e a estabilidade da igreja.

Segundo, conflitos ajudam a aprofundar a compreensão sobre o assunto- A exposição de Pedro, é uma verdadeira aula de quebrantamento, confissão e percepção espiritual. Ele relata pormenorizadamente o que aconteceu e isto dá a visão do todo ao grupo que até então encontrava-se defensivo e reativo (At 11.16). Pedro estava sensivelmente acuado, e não sem razão levou consigo seis irmãos para lhe servirem de testemunha (At 11.12). 

Terceiro, conflitos podem nos ajudar a entender aspectos teológicos muitas vezes desprezados ou esquecidos – O assunto sobre a questão dos gentios, abre compreensão sobre outros assuntos:

A.     O Evangelho alcança toda família – (At 11.14) A mensagem do anjo a Cornélio incluía toda sua família no plano da salvação. “O qual te dirá palavras, mediante as quais serás salvo, tu e toda a tua casa” (At 11.14). Pregações sobre a família do pacto tem sido grandemente esquecidas em nossos púlpitos. Ouvimos centenas de pregações sobre maldição hereditária, mas raramente ouvimos sermões sobre  “A Família do Pacto”, ou da “benção geracional” com afirma Susan Hunt. Você entende que sua família está debaixo das promessas de Deus e que seus filhos precisam ser trazidos perante ele porque eles pertencem a Deus?

B.     O Evangelho se manifesta com poder – (At 11.15). Na hora do derramamento, Pedro se lembrou das palavras de Jesus: “João, na verdade batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo” (At 11.16). Na hora daquela manifestação, Pedro se lembrou: “Foi exatamente isto que meu mestre disse. Quem crê é batizado com o Espírito”. A afirmação “caiu o Espírito sobre eles” (At 11.15), me desafia teológica e existencialmente. O que quer dizer isto? Eu não posso explicar todo o significado desta verdade, mas sei que se trata de uma  experiência maravilhosa. Deus sendo despejado, derramado sobre um grupo de pessoas. Quem sabe você possa receber esta experiência nesta hora, orando em espírito e dizendo para que Deus o visite de forma assim poderosa e graciosa. Nossa conversão só é possível quando o poder do Evangelho atinge nossa vida por inteiro.

C.     O Evangelho atinge todas as raças – (At 11.17). “Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou”. Agora Pedro chega ao cerne da controvérsia. Isto quebra toda a barreira de raça. “Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 11.34-35).

Pedro afirma que o primeiro a ser convertido a esta visão era ele mesmo, e ele foi transformado. Pedro descobriu, de forma prática, que Deus não era apenas dos judeus. Não há exclusividade no DNA de uma raça, ou superioridade moral e espiritual de um povo. O critério é outro: “Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida” (At 11.17). Não interessa sua história, se seu pai era macumbeiro, idólatra ou ateus, sua ascendência não interessa: “Aquele que faz o que é justo, lhe é aceitável”, pois, “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”(Rm 10.13).

Quarto, conflitos não devem se transformar em questões pessoais, pois não tem a ver comigo ou com o outro, mas com a glória de Deus.

Alguns aspectos sobre este tópico podem ser libertadores quando estivermos discutindo determinados assuntos:

A.     Ou colocamos Deus no centro ou podemos colocar Deus de fora – A conclusão de Pedro é maravilhosa: “...quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (At 11.17). Se insistirmos em lutar por aquilo que não é luta de Deus, podemos perder a compreensão de quem é o Deus de nossa história.

Alguns anos atrás, um dos nossos seminaristas tinha concluído o seminário e iria para o presbitério, e muitas controvérsias e disputas pesadas estavam se dando ali. O nosso candidato era uma pessoa simples, crente, mas nada brilhante nas suas arguições e nas conversas que tivemos ele sempre deixava muito a desejar nas sabatinas teológicas. Eu teria que viajar exatamente nesta época e fiquei preocupado sobre como seria seu exame. Ele seria aprovado? Eu queria estar por perto para falar de seu testemunho entre nós, mas estaria viajando naqueles dias. Depois de orar, tive a seguinte percepção: Ele é de Deus...portanto, não tenho que defendê-lo! Deus é quem controla a história de nossa vida.
Seu exame de ordenação foi pesado, mas ele conseguiu responder com sabedoria e ser aprovado. Deus estava no centro da questão.

B.     Todo conflito precisa redundar em louvor a Deus. “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida” (At 11.18).  A paz é estabelecida, e Deus é glorificado.
Não devemos sair de qualquer embate na igreja, sentindo-nos ressentidos, amargurados, derrotados. Não tem a ver conosco, mas com Deus. O foco é ele, não nós. O que queremos é exaltar seu nome e não promover o nosso. Mesmo quando achamos que toda assembleia está errada, e muitas vezes grandes equívocos foram cometidos na história, precisamos entender que a glória de Deus é que interessa em todas estas coisas.

C.     Apesar do conflito resolvido, não significa que todos entenderam a orientação dada por Deus – Veja o que nos descreve At 11.19: “Então, os que foram dispersos por causa da tribulação que sobreveio a Estevão, se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus (At 11.19).

Viram a ênfase do texto bíblico?
Apesar de toda a compreensão e decisão, nem todos se submeteram à orientação da liderança da igreja. Muitos ainda decidiram fazer do seu jeito, ou porque era mais conveniente ou por rebeldia mesmo. Eles não anunciavam a palavra a ninguém, exceto os judeus. Continuavam pensando da mesma forma, faziam do antigo modo e não mudaram de ideia...
Por outro, lado, prevalece o bom senso e o consenso:
Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor” (At 11.21).

Apesar de alguns não se renderem às evidências, outros o fizeram, e o propósito de Deus prevalece, porque a obra é de Deus. Não devemos ficar transformando as diferenças em questões de tristeza. Deus vai usar quem ele quiser como e quando ele quiser.

Conclusão:
Alguns passos práticos para resolver conflitos internos na igreja

1.     Discuta ideias, não pessoas – É fácil transformar os conflitos em questões pessoais.

2.     Não deixe seu coração se amargurar por causa de diferença de opiniões – é muito fácil nos tornarmos ressentidos, vingativos, deprimidos, porque as decisões não foram como queríamos. O maior risco da vida de alguém é se tornar amargurado, perder a alegria.

3.     Entenda que a obra é de Deus, não sua. Muitas vezes transformamos um projeto da igreja em uma questão particular, de orgulho pessoal. Decisões não tem a ver contigo, você não está com esta bola toda como imaginava.

4.     Ore. Deus é dono da história. Mesmo quando as coisas andam de forma diferente daquilo que imaginamos ser o melhor, Deus usará isto para construção do seu reino. Mesmo quando José foi vendido como escravo, Deus o permitiu transformando “o mal em bem”.

5.     Siga a orientação de Deus sobre este assunto. Pedro não estava muito aberto, mas Deus mudou seu coração quando ele ouviu a Deus. O Concilio de Jerusalém estava fechado às mudanças que estavam acontecendo, mas decidiram “não resistir ao Espírito Santo”. Ouvir a Deus, na maioria das vezes, é algo muito subjetivo e perigoso, porque a vaidade, o controle e o poder estão sempre em evidência na comunidade, mas peça que Deus coloque humildade para ouvi-lo.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Revitalizar a Vida, a Família e a Vocação



Palestra online - CTPI
30 minutos preleção, 15 minutos debate.

Introdução:
O tema proposto pelo CTPI é mais que urgente e necessário.
Como precisamos de revitalização: Do coração, da família, da vida.

Certa vez preguei sobre a afirmação de João Batista: “Eu vos batizo com água, mas ele vos batizará com Espírito Santo e com fogo”, e uma irmã me disse: “Pastor, apesar de ser crente a tanto tempo, nunca me toquei sobre esta grande verdade. O que eu preciso é do Espírito Santo renovando minha vida, do seu fogo dando vida à minha alma”.

Revitalização é fundamental
A palavra “vida” é o cerne do cristianismo, como bem afirma Stanley Jones: “Nenhuma palavra é mais presente na Bíblia que Vida”.
Todos nós, eventualmente nos sentimos confrontados com a questão da vaidade, do hebhel de Eclesiastes, da falta de sentido na vida, a falta de vida, de propósito, e não raras vezes nos deparamos com a futilidade e vaidade de nosso coração, como disse o poeta: “Onde está a vida que perdi tentando encontrá-la”.

Isaias declara a necessidade de seu povo de revitalização:

Oh! se fendesses os céus, e descesses, e os montes se escoassem de diante da tua face,
Como o fogo abrasador de fundição, fogo que faz ferver as águas, para fazeres notório o teu nome aos teus adversários, e assim as nações tremessem da tua presença!
Quando fazias coisas terríveis, que nunca esperávamos, descias, e os montes se escoavam diante da tua face.
Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti que trabalha para aquele que nele espera (Is 64.1-4)

O mesmo anseio é percebido no salmista:

Restaura-nos, ó Deus! Faze resplandecer sobre nós o teu rosto, para que sejamos salvos.80.3
Restaura-nos, ó Deus dos Exércitos; faze resplandecer sobre nós o teu rosto, para que sejamos salvos.80.7
Volta-te para nós, ó Deus dos Exércitos! Dos altos céus olha e vê! Toma conta desta videira,
da raiz que a tua mão direita plantou, do filho que para ti fizeste crescer!
Tua videira foi derrubada; como lixo, foi consumida pelo fogo. Pela tua repreensão perece o teu povo!
Então não nos desviaremos de ti; vivifica-nos, e invocaremos o teu nome.
Restaura-nos, ó Senhor, Deus dos Exércitos; faze resplandecer sobre nós o teu rosto, para que sejamos salvos.(Sl 80.3,7,14-16,19).

Precisamos de revitalização interior. Nosso coração precisa se proteger:
“Sobretudo o que se deve guardar, guarda o teu coração porque dele procede as fontes da vida”
(Pv 4.23).

O grande desafio:
Negativamente podemos classificar os Líderes em seis categorias:

A.   Desanimado – É aquele que não possui disposição interior para a vida. A literatura grega fala da “acedia”, um tipo de preguiça, não necessariamente para o trabalho, para viver. Trata-se da alma sem ânimo, pouca disposição para a vida. Viver é cansativo. Pensar dói. Qualquer esforço fere.

B.    Desencorajado – É o líder que já esteve motivado, e talvez já tenha sido muito produtivo em seu trabalho, mas com o tempo se acomodou, levou críticas, se esforçou sem ver muito resultado e decidiu que agora fará o mínimo. Ele se contenta com o medíocre, com o mediano. “Está bem assim...”

C.    Lideres desfocados – Não conseguem se concentrar naquilo que é prioritário. Seu tempo, projetos, energia, são gastos de forma difusa. Não conseguem produtividade, sentem-se culpados por não atingirem seus alvos e tendem a se tornar passivos-agressivos.

D.   Displicente – É o preguiçoso na sua genética e constituição. Ele é malandro e ponto final. No pastorado você tem duas opções: paixão e apatia. O displicente é negligente e opta pela apatia. Ele se recusa a fazer porque a cama o atrai, e é dominado pela lei do menor esforço.

E.    Deprimido – É aquele que adoeceu física, espiritual ou emocionalmente. Suas variáveis podem ser a incapacidade física ou mental de fazer as coisas. Muitos precisam de terapia ou mesmo de remédios. Alguns são caso de psiquiatria.

F.     Descrente – Este líder é o mais complexo. Ele pode ter assumido algumas convicções de fé, mas realmente não entende a graça e o Evangelho. Ele não entende a obra de Cristo. Ele não crê na Palavra. Pode continuar pregando, mas não tem fé; fazer o pastorado (as vezes, até bem, do ponto de vista humano), mas não crê!

Em cada um destes casos, há necessidade de revitalização.

Quando completei 50 anos, fiz alguns exercícios de introspecção e auto análise, e cheguei à conclusão de que algumas coisas eram ameaças muito fortes ao meu coração: Eis alguns dos perigos que encontrei:

O Maior de todos os pecados: Incredulidade.
Os discípulos de Cristo foram sempre confrontados pela incapacidade de crer “tudo o que a Lei e os profetas afirmaram. Jesus os chamou de “homens de pequena fé”, repreendeu suas constantes dúvidas. Se no Antigo Testamento o maior desafio era o da idolatria, no Novo, o pecado mais evidente é o da falta de fé.

A Maior de todas as tentações – Conforto
Para muitos a maior tentação pode ser a do sexo, do poder, da popularidade, da lascívia, mas tenho chegado à conclusão de que estar numa zona de conforto é sempre algo muito tentador para minha vida. Satanás ofereceu isto para Jesus, e ele não aceitou. Mas como o bem estar, o glamour de coisas boas, podem se tornar atraentes e sedutores.

A coisa mais interessante na vida – Bagunça
Esta foi a resposta de Eugene Peterson a um grupo de estudantes, quando lhe perguntaram sobre a coisa mais fascinante da vida, e ele, de forma quase irrefletida afirmou: caos. Ele afirma, que quando as coisas fogem ao nosso controle, o Deus que nos ama, está nos dando a oportunidade de olhar para coisas que normalmente não olharíamos quando a vida é estável.

O Maior risco da vida – Amargura
Tenho encontrado muitos pastores e líderes cristãos amargurados e perguntado: será que Deus nos chamou para chegarmos ao final de nossa vida, ressentidos e feridos, sentindo-nos vítimas de Deus, da sociedade, da igreja? Será que Deus nos chamou para um ministério de tristeza?
Erick Erickson afirma que só existem duas formas de envelhecermos: Com celebração ou com amargura e desistência. Decida pela primeira.

O Maior dos fracassos – Ser desqualificado
Paulo afirma em 1 Co 9.27: “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a muitos, não seja eu mesmo desqualificado. O maior fracasso será chegarmos ao final e não termos a aprovação de Deus.

Processos na revitalização:

O apóstolo Paulo diz que orava para que os irmãos de Filipos aprovassem as coisas excelentes. (Fp 3.9-10). C. S. Lewis afirma que muito do desejo pelo belo e pelo estético que há na natureza humana tem a ver com o fato de que isto nos aponta para a beleza de Deus, como lemos nas Escrituras Sagradas, sobre “a beleza da santidade” de Deus.

Muitas vezes o anseio pela vida, pelo Sagrado e pelo Eterno, se esconde por trás de uma variedade de entretenimentos, barulhos e atividades. Buscamos substitutos para Deus em coisas e pessoas, para resolver o anseio espiritual e profundo, mas muitas vezes nos cansamos de nossos ídolos, ou substitutos do Deus verdadeiro e o desejo por Deus volta a ser mais intenso, mas estamos tão viciados em gastar tempo e dinheiro em busca de satisfação de nossos desejos que voltamos novamente aos ídolos que se encontram nos entretenimentos e confortos tão desejados.

Em João 5.1-9 Jesus pergunta ao paralitico.: “Queres ser curado?” 

Para nossa adequação, poderíamos perguntar: Você deseja a vida que jorra de Cristo? “Queres ser transformado?”

Partimos do pressuposto de que toda pessoa enferma quer ser transformada, mas será que isto é verdade? A doença, o pecado, a invalidez, de alguma forma parece ser conveniente. O paralitico, por exemplo, não responde a pergunta direta de Jesus, mas justifica seu estado de dependência. Ele se vê como vítima de um sistema que não lhe dá chance de sair deste ciclo de paralisia.

A verdade, é que, por não desejarmos mudança, ou por não encontrarmos poder para mudança, continuamos adoecidos. Parece que o Evangelho tem o poder de nos preparar para viver a eternidade, mas não para uma vida vitoriosa no tempo presente, experimentando as coisas excelentes que se encontram na vida de Cristo que nos foi aplicada pelo Espírito Santo. Continuamos a ter corações miseráveis, somos cônjuges autocentrados, usamos a raiva para intimidar as pessoas, estamos presos à luxúria, aos vícios, aos prazeres efêmeros da carne. Manipulamos e controlamos para conseguir o que queremos, estamos aprisionados pelos ídolos do coração e em laços de iniquidade, temos uma face pública para impressionar as pessoas e manter as aparências, mas nosso coração continua precisando de transformação profunda. O que há de errado em nosso discipulado? No processo de sermos realmente seguidores de Cristo?

Kent Carlson, no desafiador livro A Renovação da Igreja,  sugere determinados processos que podem nos ajudar, e sua orientação me ajudou muito:

Primeiro, Fique insatisfeito com sua insatisfação

“Ficamos satisfeitos com nossa insatisfação espiritual. Talvez estejamos lidando com o mesmo pecado que estávamos há décadas, mas, pelo menos, estamos frustrados com isto” e nos justificamos assim. 

A verdade, é que há uma questão crucial que chamamos de intencionalidade. Nós precisamos querer. Precisamos nos arrepender do nosso nominalismo evangélico para abraçar a vida do reino de Deus e experimentar a vitalidade que é comunicada pelo Espírito.

Segundo a transformação acontece nos detalhes específicos do coração

O problema é que, quando decidimos colocar todos os aspectos da vida sob o crivo da luz de Cristo, quando permitimos que a luz de Cristo ilumine os porões escuros de nossa alma, nos assustamos com a grandeza do nosso pecado. Quanto mais nos aproximamos de Cristo, mais percebemos a pequenez do coração, a mesquinharia, a magnitude daquilo que precisa ser mudado dentro de nós. Há tantas áreas precisando de reparos, que ao invés de olharmos de forma direta para o nosso mal, somos tentados a generalizar. “Perdoa a multidão de meus pecados”, ou “eu sei que sou um pecador”, mas nunca falamos para Deus qual é o nosso pecado.

Certamente é mais fácil admitir que sou pecador que declarar: “Sou um lascivo”, ou “sou um mentiroso”. O problema é se não considerar a especificidade do mal serei impedido de entrar em contato com ele. Nas generalizações ninguém cresce, mas todos nos escondemos, porque ninguém é exposto.

Somos realmente transformados quando intencionalmente escolhemos revelar os detalhes atormentadores. A verdadeira mudança acontece quando a confissão se torna invasiva.
Pecado precisa ser nomeado. Quanto mais genérico for a confissão menos efeito trará. Pecado tem nome, geografia, história. Muitas vezes com longa duração e influência em nossa vida.

Terceiro, Aja contraintuivamente

Ao entrarmos em contato com nossa natureza caída, e considerar nosso pecado, percebemos o quanto nossas atitudes são automáticas, na maioria das vezes sequer percebemos o mal que elas geram e quanto isto fere as pessoas e desagrada a Deus. Simplesmente fazemos porque sempre fizemos. Simples assim.

Não percebemos como a luxúria está presente nos olhares lascivos que temos. Não consideramos o quanto nosso mau humor é agressivo e ranzinza, não precisamos fazer esforço para nos irritarmos com o motorista que nos corta no trânsito. Nossa raiva faz parte da rotina da vida e reina absoluta em nossas atitudes.

Regra fundamental, mas transformadora:
“faça o oposto daquilo que você quer fazer”.

Se seu coração está sempre conduzindo você à depressão ou a ansiedade, se sua relação com dinheiro está sempre te afastando da generosidade, faça o oposto daquilo que sua natureza pecaminosa pede. A carne, os instintos, a natureza ávida e voraz não pode ser satisfeita, se eu quiser experimentar as coisas excelentes.

Se uma pessoa é controladora precisa se colocar em situações onde outra pessoa está no comando. A pessoa absorta em si mesma, precisa parar o que está fazendo e ouvir. O solitário precisa de relacionamentos. Os sociáveis precisam de solitude, e a pessoa sempre pronta a explodir precisa aprender a colocar sua agressividade explosiva sob controle.

“Uma atitude contraintuitiva nos leva para além dos limites da nossa zona de conforto e a um território não-familiar, onde somos mais dependentes de Deus” (Kent Carlson).

Quarto precisamos colocar nossa identidade no centro das forças

Devemos aprender a identificar quem somos no meio das batalhas. No meio da provação facilmente nos esquecemos que somos filhos amados, e questionamos o Pai amado se as coisas não estão mais sob controle. Esquecemos quem somos em Deus.

Quando Jesus sai do batismo, Deus afirma sua identidade: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo”. Deus queria lembrar a Jesus sua relação e identidade com o Pai, porque em seguida ele passaria pelo deserto. Da mesma forma, precisamos lembrar que o que nos define não é o que fazemos, nem o que dizem que somos, nem aquilo que acontece conosco, de bom ou de ruim, mas o que somos aos olhos de Deus.

“Formamos uma barreira que isola nosso lado obscuro. Odiamos nossos pecados, mas também os amamos. Queremos nos ver livres da luta, mas queremos permanecer nelas. Não as suportamos mas não podemos imaginar a vida sem elas. Momentos de raiva nos dão alguns momentos de liberdade, onde podemos ser incorrigíveis sem nos preocupar com o que os outros pensam. Quando estouramos em raiva, conseguimos o que queremos. A luxúria nos oferece satisfação sexual sem a inconveniência da intimidade. A correria nos faz sentir necessários e importantes. A preocupação sustenta nosso falso senso de controle. A mentira mantém nosso verdadeiro eu na obscuridade”(Kent Carlson).

Desta forma vamos construindo uma falsa identidade.

A incerteza nos mantém e nos solidifica como pessoas superficiais. Não entramos em contato com nosso mal. Precisamos do dinheiro para manter nossa falsa identidade; precisamos do poder, de sermos aceitos; precisamos da reputação e de tantos outros ídolos do coração, e nem sequer percebemos que estas coisas que amamos e queremos tanto são exatamente aquilo que cria em nós um falso ego e nos leva a perder a centralidade da vida que se encontra em Deus.

Precisamos descobrir que podemos lidar com passado com coragem e com nosso pecado com ousadia. Nossa reputação e valor encontram-se em Cristo. Nossa identidade está escondida nele. “Fomos sepultados na morte com ele”. Pelo seu sangue fomos colocados em outro patamar de sermos “sinceros e inculpáveis no Dia de Cristo”. (Fp 1.10). Só assim encontraremos a Vida que buscamos.

Quinto, a transformação pessoal traz implicações muito além das individuais

Isto é, quando Deus efetua uma transformação pessoal em nossa história, isto afeta todos os relacionamentos.

Certo homem era conhecido por sua ira. Ele explodia com as pessoas que amava, gritava com os motoristas na rua, estava sempre se metendo em dificuldades com seus colegas no trabalho, e então percebeu que isto estava atrapalhando seu crescimento espiritual, prejudicando sua família e trazendo desonra para o Evangelho. Procurou tratar da sua ira, tentando descobrir suas raízes mais profundas e Deus trouxe mudanças significativas para sua vida. Sua raiva diminuiu, ele não reagia de forma tão abrupta quanto antes e lidava com as crises com maior serenidade.

O que ele não esperava era o efeito que isto causaria na sua casa. Sua esposa e filhos haviam aprendido a conviver com uma pessoa raivosa e agora sua transformação estava afetando todo o sistema da casa. O casal percebeu que sem as crises de raiva, era possível tratar de questões matrimoniais não resolvidas, e os filhos estavam dormindo melhor, se tornaram mais calmos e confortáveis quando o ambiente era turbulento.

Sua mudança trouxe mudança ao seu redor.

A sua transformação pessoal estava provocando benéficos efeitos em toda a família.

Quando Deus muda a vida de uma pessoa, isto traz impacto nas pessoas de nossa convivência e passamos a experimentar as “coisas excelentes”, que estão interligadas ao evangelho.

Conclusão:
O Poder do Evangelho

Geralmente quando pensamos em transformações da alma, da família, da vocação, temos a tendência de concentrarmos os esforços naquilo que somos capazes de fazer. Mas o Evangelho não fala daquilo que o homem pode fazer, mas daquilo que Deus faz.

Sinclair Ferguson afirma: 

Deus pode mudar, qualquer pessoa, em qualquer circunstância, inclusive a mim mesmo”. 

Este é o grande milagre. Crer que a verdade de Deus é uma realidade transformadora para minha vida.

Guilherme Kerr Neto em uma de suas músicas afirma: 
“O que fazer, se o coração não consegue mais crer, o que sabe ser verdade”.

O processo da morte e da anti-vida se instala no Líder cristão, quando ele não mais é capaz de crer que o poder de Deus pode agir na sua vida.

Paulo faz uma pergunta intrigante em 2 Co 2.16: 

Quem, porém, é suficiente para estas coisas?”

Como restaurar o coração frio, indiferente, incrédulo, desencorajado quando ele se instala? Quem pode fazer algo a respeito? Se sua resposta está na habilidade humana de reagir, de tomar novas resoluções, de efetuar mudança, de gerar vida, você ainda está se concentrando no “outro evangelho”, que na verdade não é outro, mas no “anti evangelho”. Isto é herético. A Bíblia não está interessada na auto ajuda, mas na ajuda do Alto. Tudo vem de Deus. Ele é o autor e consumador da fé (Hb 12.2).

Paulo, aparentemente faz a pergunta acima, e a esquece, para retomar o tema no capítulo seguinte:

Não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus” (2 Co 3.5).

Deus é aquele que dá vida a Adão, um simples amontoado de barro. Só ele pode nos restaurar.

Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas
o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2.7).

Somente Deus pode soprar o folego de vida em nós, nos vivificar, restaurar e revitalizar.