sábado, 28 de julho de 2018

At 11.1 Como Administrar conflitos na igreja?





Introdução:

Como afirmamos no sermão anterior, o cap. 10 de Atos é um dos mais importantes na visão missionária da igreja, que precisava romper com uma das maiores barreiras ao evangelho: O etnocentrismo judaico. É um texto de transição. A errônea compreensão teológica de que o Deus Todo Poderoso, criador dos céus e da terra, só tinha preocupação com aqueles que possuíam o DNA judaico. Isto fazia parte da cosmovisão teológica dos hebreus, e tornou-se uma enorme barreira na obra missionária no livro de Atos. Esta barreira precisava ser rompida.

Vimos como foi difícil para Pedro superar este dilema.
Literalmente ele discutiu até com Deus.

Apesar de Jesus ter sido muito claro na sua proposta de que o Evangelho deveria ser pregado não apenas aos judeus, mas a todo mundo (Mc 16.15; Mt 28.18-20; At 1.8), os discípulos não entendiam assim e Pedro ainda questiona a Deus. A visão que ele recebe não aconteceu por ser um homem espiritual, mas por ser desobediente a Deus. Deus perdeu a paciência com Pedro, depois de três tentativas: “Ao que Deus purificou, não consideres impuro” (At 10.15-16).

Além do dilema interior proveniente da herança teológica, ele provavelmente antecipava outra questão bem complexa: A censura do colegiado de Jerusalém. Ele teria que enfrentar a comissão do Presbitério ou do Concílio. O que de fato aconteceu.

O que lemos aqui em At 11 foi a censura implícita do Presbitério a Pedro: “Chegou ao conhecimentos dos apóstolos e dos irmãos que estavam na Judeus que também os gentios haviam recebido a palavra de Deus... Quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram da circuncisão o arguiram, dizendo” (At 11.1,2).

Esta foi a primeira controvérsia teológica da igreja:
Os gentios estavam incluídos ou não na visão de reino apresentada por Jesus? A segunda controvérsia viria em At 15, acerca da circuncisão: Os gentios deveriam ou não ser circuncidados?

Pedro agora passa por um interrogatório. Você já viu isto acontecer num concílio? Você já foi arguido? “Entraste em casa de homens incircuncisos e comeste com eles”  (At 11.3). Há uma censura direta nesta pergunta. Aos olhos daqueles irmãos Pedro tinha cometido um grave delito.

A igreja agora precisa resolver um conflito de ideias e a visão teológica precisava ser alinhada. É um momento decisivo. Ou a igreja avança e resgata a visão dada por Cristo, ou retrocede e se perde na visão do reino de Deus para a história. O que vai acontecer agora é extremamente importante.
Felizmente a igreja se convenceu e aquiesceu à perspectiva que Pedro traz na argumentação teológica que apresenta.

Este texto nos ensina algumas lições importantes para administrar conflitos na igreja:

Primeiro, precisamos reconhecer que os conflitos são inevitáveis Diferenças sempre surgirão: sejam elas pessoais, administrativas, litúrgicas ou teológicas.
Toda comunidade tem conflitos e o que determina sua saúde não é a ausência ou presença deles, mas como tais conflitos são resolvidos. A tensão não é de todo ruim, até porque, nas diferenças torna-se visível os corações e motivos. Nada melhor que uma controvérsia para mostrar o caráter e a integridade da pessoa. Conflitos servem ainda para colocar em check o conforto e a estabilidade da igreja.

Segundo, conflitos ajudam a aprofundar a compreensão sobre o assunto- A exposição de Pedro, é uma verdadeira aula de quebrantamento, confissão e percepção espiritual. Ele relata pormenorizadamente o que aconteceu e isto dá a visão do todo ao grupo que até então encontrava-se defensivo e reativo (At 11.16). Pedro estava sensivelmente acuado, e não sem razão levou consigo seis irmãos para lhe servirem de testemunha (At 11.12). 

Terceiro, conflitos podem nos ajudar a entender aspectos teológicos muitas vezes desprezados ou esquecidos – O assunto sobre a questão dos gentios, abre compreensão sobre outros assuntos:

A.     O Evangelho alcança toda família – (At 11.14) A mensagem do anjo a Cornélio incluía toda sua família no plano da salvação. “O qual te dirá palavras, mediante as quais serás salvo, tu e toda a tua casa” (At 11.14). Pregações sobre a família do pacto tem sido grandemente esquecidas em nossos púlpitos. Ouvimos centenas de pregações sobre maldição hereditária, mas raramente ouvimos sermões sobre  “A Família do Pacto”, ou da “benção geracional” com afirma Susan Hunt. Você entende que sua família está debaixo das promessas de Deus e que seus filhos precisam ser trazidos perante ele porque eles pertencem a Deus?

B.     O Evangelho se manifesta com poder – (At 11.15). Na hora do derramamento, Pedro se lembrou das palavras de Jesus: “João, na verdade batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo” (At 11.16). Na hora daquela manifestação, Pedro se lembrou: “Foi exatamente isto que meu mestre disse. Quem crê é batizado com o Espírito”. A afirmação “caiu o Espírito sobre eles” (At 11.15), me desafia teológica e existencialmente. O que quer dizer isto? Eu não posso explicar todo o significado desta verdade, mas sei que se trata de uma  experiência maravilhosa. Deus sendo despejado, derramado sobre um grupo de pessoas. Quem sabe você possa receber esta experiência nesta hora, orando em espírito e dizendo para que Deus o visite de forma assim poderosa e graciosa. Nossa conversão só é possível quando o poder do Evangelho atinge nossa vida por inteiro.

C.     O Evangelho atinge todas as raças – (At 11.17). “Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou”. Agora Pedro chega ao cerne da controvérsia. Isto quebra toda a barreira de raça. “Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 11.34-35).

Pedro afirma que o primeiro a ser convertido a esta visão era ele mesmo, e ele foi transformado. Pedro descobriu, de forma prática, que Deus não era apenas dos judeus. Não há exclusividade no DNA de uma raça, ou superioridade moral e espiritual de um povo. O critério é outro: “Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida” (At 11.17). Não interessa sua história, se seu pai era macumbeiro, idólatra ou ateus, sua ascendência não interessa: “Aquele que faz o que é justo, lhe é aceitável”, pois, “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”(Rm 10.13).

Quarto, conflitos não devem se transformar em questões pessoais, pois não tem a ver comigo ou com o outro, mas com a glória de Deus.

Alguns aspectos sobre este tópico podem ser libertadores quando estivermos discutindo determinados assuntos:

A.     Ou colocamos Deus no centro ou podemos colocar Deus de fora – A conclusão de Pedro é maravilhosa: “...quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (At 11.17). Se insistirmos em lutar por aquilo que não é luta de Deus, podemos perder a compreensão de quem é o Deus de nossa história.

Alguns anos atrás, um dos nossos seminaristas tinha concluído o seminário e iria para o presbitério, e muitas controvérsias e disputas pesadas estavam se dando ali. O nosso candidato era uma pessoa simples, crente, mas nada brilhante nas suas arguições e nas conversas que tivemos ele sempre deixava muito a desejar nas sabatinas teológicas. Eu teria que viajar exatamente nesta época e fiquei preocupado sobre como seria seu exame. Ele seria aprovado? Eu queria estar por perto para falar de seu testemunho entre nós, mas estaria viajando naqueles dias. Depois de orar, tive a seguinte percepção: Ele é de Deus...portanto, não tenho que defendê-lo! Deus é quem controla a história de nossa vida.
Seu exame de ordenação foi pesado, mas ele conseguiu responder com sabedoria e ser aprovado. Deus estava no centro da questão.

B.     Todo conflito precisa redundar em louvor a Deus. “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida” (At 11.18).  A paz é estabelecida, e Deus é glorificado.
Não devemos sair de qualquer embate na igreja, sentindo-nos ressentidos, amargurados, derrotados. Não tem a ver conosco, mas com Deus. O foco é ele, não nós. O que queremos é exaltar seu nome e não promover o nosso. Mesmo quando achamos que toda assembleia está errada, e muitas vezes grandes equívocos foram cometidos na história, precisamos entender que a glória de Deus é que interessa em todas estas coisas.

C.     Apesar do conflito resolvido, não significa que todos entenderam a orientação dada por Deus – Veja o que nos descreve At 11.19: “Então, os que foram dispersos por causa da tribulação que sobreveio a Estevão, se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus (At 11.19).

Viram a ênfase do texto bíblico?
Apesar de toda a compreensão e decisão, nem todos se submeteram à orientação da liderança da igreja. Muitos ainda decidiram fazer do seu jeito, ou porque era mais conveniente ou por rebeldia mesmo. Eles não anunciavam a palavra a ninguém, exceto os judeus. Continuavam pensando da mesma forma, faziam do antigo modo e não mudaram de ideia...
Por outro, lado, prevalece o bom senso e o consenso:
Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor” (At 11.21).

Apesar de alguns não se renderem às evidências, outros o fizeram, e o propósito de Deus prevalece, porque a obra é de Deus. Não devemos ficar transformando as diferenças em questões de tristeza. Deus vai usar quem ele quiser como e quando ele quiser.

Conclusão:
Alguns passos práticos para resolver conflitos internos na igreja

1.     Discuta ideias, não pessoas – É fácil transformar os conflitos em questões pessoais.

2.     Não deixe seu coração se amargurar por causa de diferença de opiniões – é muito fácil nos tornarmos ressentidos, vingativos, deprimidos, porque as decisões não foram como queríamos. O maior risco da vida de alguém é se tornar amargurado, perder a alegria.

3.     Entenda que a obra é de Deus, não sua. Muitas vezes transformamos um projeto da igreja em uma questão particular, de orgulho pessoal. Decisões não tem a ver contigo, você não está com esta bola toda como imaginava.

4.     Ore. Deus é dono da história. Mesmo quando as coisas andam de forma diferente daquilo que imaginamos ser o melhor, Deus usará isto para construção do seu reino. Mesmo quando José foi vendido como escravo, Deus o permitiu transformando “o mal em bem”.

5.     Siga a orientação de Deus sobre este assunto. Pedro não estava muito aberto, mas Deus mudou seu coração quando ele ouviu a Deus. O Concilio de Jerusalém estava fechado às mudanças que estavam acontecendo, mas decidiram “não resistir ao Espírito Santo”. Ouvir a Deus, na maioria das vezes, é algo muito subjetivo e perigoso, porque a vaidade, o controle e o poder estão sempre em evidência na comunidade, mas peça que Deus coloque humildade para ouvi-lo.

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