sábado, 25 de maio de 2019

Ester - Missionária do cotidiano (Et 4.12)


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Missionários do cotidiano                      
Ester 4:14 "Quem sabe se para tal conjuntura como  esta  é  que  foste
elevada a rainha ?"







As formas estranhas de Deus agir...

O grande projeto de Deus para o universo sempre foi o da infiltração e encarnação.
Quando Deus quis transformar a história, ele enviou Jesus para viver entre os homens, caminhar com eles, andar pela sua geografia, comer com eles. Da mesma forma, quando Deus deseja fazer mudanças históricas, ele usa seus servos, e por meio deles atinge os seus propósitos.

O contexto do livro se Ester se dá no apogeu do império dos Medos e Persas (atual Irã), na Cidadela de Susã. A mesma na qual  Neemias se sente chamado para a reconstrução dos muros de Jerusalém.  Ali era o centro de uma das maiores potências militares daqueles dias, que foi capaz de destronar o poderoso império babilônico. Parte destes relatos estão narrados em Daniel, Esdras, Neemias, que passam por alguns destes poderosos imperadores. Daniel chegou a ser conselheiro tanto da Babilônia quando dos Medos e Persas, quando Dario I, destronou Belsazar (Dn 5).

A Cidadela de Susã, era na verdade uma cidade em torno do palácio. Ali Assuero decidiu morar. Era sua residência oficial nos dias de inverno,  pelo  seu  excelente clima. O rei Assuero tinha sobre seu comando 127 províncias (Et 1.4). Seu domínio era vastíssimo, indo da Índia até a Etiópia, portanto de controle geográfico inimaginável.

Assuero era um rei folclórico e festeiro, e decidiu fazer uma festa  para seus assessores que durou 6 meses. É bom lembrar que alguns destes governantes que estavam com ele gastaram cerca de três meses para chegar ali, portanto, era algo realmente magistral, e para o seu próprio povo a festa  durou sete dias durante os quais os  súditos  deveriam  beber  e  comer  "sem constrangimento" (Et 1.8).

Um incidente, porém, causou um mal estar violento. A rainha Vasti frontalmente se recusa a comparecer perante  o rei quando este solicita. Para um homem tão  poderoso como Assuero, aquela afronta foi imperdoável. Na verdade, foi “o primeiro movimento  feminista” registrado na história, e por isto Vasti foi deposta da sua posição de rainha, e decidiram procurar uma nova rainha.

Este evento aparentemente tolo e corriqueiro, torna-se a possibilidade de Deus para libertar seu povo oprimido, escravizado e massacrado numa terra estrangeira. Ao escolherem uma nova rainha, chegaram à conclusão de que nenhuma era tão bela e com tanto conhecimento e desenvoltura quanto Ester, uma garota judia, órfã de guerra e exilada que foi criada pelos seu tio Mordecai (ou Mardoqueu). Seu nome judeu era Hadassa, mas agora em terra e língua estrangeira, adotara um novo nome.

Talvez a necessidade de sobrevivência em tempos tempestuosos tenha sido o método de Deus para que Ester se tornasse tão simpática e agradável. Passou num concurso de beleza com nota dez (deveria ser de uma beleza estupenda), mas muitas outras jovens eram igualmente bonitas, e certamente o que impressionou a comissão de procura de uma rainha, foi seu temperamento e sua inteligência.

O que sabemos de Ester além deste fato é bem pouco,  era  ela  de  boa aparência e formosura (Et 2.7) e muito simpática, caia na simpatia das pessoas por onde passava, desde as jovens que a preparavam até Hegai, o Eunuco de confiança do rei (Et 2.15), não basta ter rosto e corpo bonito, é preciso ter charme e personalidade para ser rainha. O fato é que ela impressionou desde o Eunuco  chefe e todos os demais observadores.  Com sabedoria, não  fêz exigências nem demandas, e isto marcou tremendamente os conselheiros (Et 1.15).

Enquanto isto...

Enquanto isto, outra narrativa caminha paralela a esta. Enquanto o rei procura uma nova rainha, e os conselheiros se afadigam na busca pela “mulher nota dez”, para a função de rainha; Hamã, um respeitado conselheiro do rei, e segundo no trono de Assuero, aos poucos vai criando uma obsessão com a atitude afrontosa de um judeuzinho empertigado, que se  recusava a se curvar diante de Hamã, quando este passava na porta do palácio. As razões de Mordecai, podem ir de questões de foro íntimo ou religiosas, até mesmo à uma estranha atitude de desafio. A escravidão do povo judeu, da qual ele fazia parte, não o intimidava.

Hamã  se indignava por isto, pois lhe parecia uma afronta destinada a aborrecê-lo. De fato a atitude de Mordecai era desafiadora, mas Hamã começa a adoecer com isto. Ele podia ignorar sua atitude ostensiva, mas não conseguia. Em um determinado momento, estas duas histórias se mesclarão de forma providencial, Na verdade, só a ação de um Deus que controla todos os eventos, poderia fazer com que estas duas histórias se tocassem.

O livro de Ester vai nos ensinar algumas princípios bíblicos, e por serem princípios, precisam nos orientar. As verdades contidas neste livro nos revelam como Deus age na história.

Primeiro, Ele tem um plano para a história (Et 4.14)

Os eventos aparentemente despropositais, e alguns deles estranhos, fazem parte de um projeto maior.

Por que a rainha Vasti decide afrontar o rei de forma tão direta, num momento especial de um rei tão poderoso? Por que desafiar seu marido diante de todos os nobres e princípes que vieram participar desta festa composta de gente tão importante? “os nobres e príncipes das províncias esavam perante ele” (Et 1.3).

Por que o rei decide fazer uma “loteria” para procurar uma rainha? Por que um voto “popular” deixando nas mãos dos conselheiros a decisão de providenciar uma esposa para si? Homens gostam de conquistar, e certamente não faltariam princesas dispostas a se casar com alguém tão poderoso.

Como estes conselheiros chegaram àquela menina pobre, periférica, de um povo estranho, e a escolheram?  O que havia nela que a tornou tão simpática aos olhos de todos? Não parece isto um “conto de fadas”?

M. L. Jones, no seu livro, Do Temor à razão, faz as seguintes declarações sobre Deus:

  1. A história está sob controle divino – As pessoas fazem aquilo que Deus quer. Deus em nenhum momento, deixou de ter controle da história. A história “humana” é história de Deus. Os homens fazem as coisas, mas Deus está no controle divino, e vai realizar aquilo que Deus deseja através dos agentes que ele mesmo interpõe na história, mesmo quando os homens não tem consciência desta verdade.

  1. A história segue um plano divino:  As coisas não acontecem por acaso. Os incidentes não são acidentais. Há um plano definido para a história.  Deus vê o fim desde o princípio.

  1. A história segue um horário divino – Este é um dos dilemas mais pesados para nós. Muitas vezes achamos a intervenção de Deus demorada. Veja o que Pedro nos diz: "Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrario, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento" (2 Pe 3.9). A razão da aparente demora de Deus é porque ele ainda está dando tempo para que nos voltemos para ele, e sejamos salvos.


Segundo, Ele usa agentes incomuns e inesperados.

Depois desta agitação social nos arraiais do grande Assuero, Ester finalmente é coroada rainha. Aquela garota excluída é agora colocada em destaque. Mas para que? O propósito de Deus era apenas resgatar do anonimato e da exclusão a vida de uma garota com tantos traumas? Certamente esta já seria, em si, uma razão para não ser menosprezada, mas Deus estava com projetos muito maiores. Ester, sem imaginar, seria colocada no centro de uma disputa política, que seria catastrófica para o povo judeu, se ela não estivesse na posição de rainha.

Hamã, aproveitando do respeito junto ao rei, resolve jogar toda sua cartada, e ardilosamente conspira contra o povo judeu, que para o rei era apenas um grupo de uma província distante e insignificante, que segundo Hamã estava causando mau estar no reino. Ele prometeu ao rei exterminar aquele povo e ainda trazer fundos para os cofres reais.  Na verdade, o povo judeu era politicamente sem influência, pois salvo alguns que se destacaram na política, tinham o status de escravo e de povo exilado, sem qualquer organização política e social.

Hamã consegue a aprovação do rei, e desta forma tinha agora a autorização real para atingir Mordecai, seu desafeto. O Edito real tinha uma grande abrangência, e autorizava os súditos a matarem e ficarem com a propriedade dos judeus. O esquema estava montado...a notícia foi pavorosa para os judeus. A condenação era certa: tinha dia e hora para ser executada e com a chancela real.

Mordecai decide entrar em contato com Ester e manda-lhe um mensageiro. Ester reage de forma defensiva:

Primeiro, manda roupas Mordecai que estava vestido de pano de saco e cinza, em forma de dor e protesto.

Segundo, se defende dando a entender que nada podia ser feito: “Todos os servos do rei, e o povo das províncias do rei, bem sabem que todo o homem ou mulher que chegar ao rei no pátio interior, sem ser chamado, não há senão uma sentença, a de morte, salvo se o rei estender para ele o cetro de ouro, para que viva; e eu nestes trinta dias não tenho sido chamada para ir ao rei”(Et 4.11).

Entendendo o meu lugar na história

Quando Ester se esquiva da responsabilidade, Mordecai lhe mostra que a omissão e o silêncio, não eram opções. Ela não podia ficar em silêncio diante da tragédia iminente.

Então Mardoqueu mandou que respondessem a Ester: Não imagines no teu íntimo que, por estares na casa do rei, escaparás só tu entre todos os judeus. Porque, se de todo te calares neste tempo, socorro e livramento de outra parte sairá para os judeus, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para tal tempo como este chegaste a este reino?”(Et 4.13,14).

Mordecai mostra que Deus nos proibe fechar os olhos e ficar em silêncio. "se de todo te calares neste tempo..." Ester teve o impulso de se servir do cargo para benefício próprio mas Mordecai tenta colocar sua perspectiva na direção certa. Será que Ester estava conseguindo ter a visão de todo cenário? A vida do palácio a isolara da solidariedade e luta. A ascensão social pode nos tornar insensíveis e apáticos.

Certa vez, M.L.King Jr. declarou:  "A história terá que registrar que  a  maior  tragédia  deste período de transição social não foram as palavras e atos  violentos  de gente ruim, mas o silêncio e a indiferença de gente boa. Nossa geração terá que se arrepender, não só das palavras e atos dos filhos das trevas mas também dos receios e apatias dos filhos  da  luz". Uma paráfrase disto é: “Deus vai julgar não apenas a maldade dos homens maus, mas o silêncio dos bons”.

Ester entende que lutar por direitos, pode por em risco sua integridade física, mas quando percebe seu lugar, não mais se omite. Por isto toma uma posição corajosa: decide procurar o rei e interceder pelo seu povo.
Vários fatores representavam riscos:
Ela não havia sido chamado pelo rei para comparecer diante dele por trinta dias, e ir sem ser chamada poderia ser perigoso; ele não conhecia sua história, e quem era seu povo.
Por ter sido uma menina criada naquela cultura, ela se vestia como qualquer outra jovem, não tinha sotaques de outra língua, e assimilara perfeitamente a cultura dos Medos e Persas, por isto o rei não fazia ideia do que ela já havia vivido, seu abandono e sofrimento. Mas ainda assim, ela vai, ousadamente.

Para fazer isto ela toma algumas decisões:
  1.  “Ela pede para que as pessoas orem – Vai, ajunta a todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais nem bebais por três dias, nem de dia nem de noite” (Et 4.16). Decisões radicais exigem atitudes radicais. Não é possível ação efetiva sem posicionamento firme diante de Deus.
Talvez seja isto que precisemos neste momento da nação. Nenhuma decisão será eficaz sem engajamento comunitário.

Não temos orado como povo, intencionalmente, pela situação de nosso país. “muito pode, por sua súplica, a oração do justo”.

  1. Ela ora – “Vai... jejuai por mim... e eu e as minhas servas também assim jejuaremos” (Et 4.16). Não apenas os outros deveriam orar, mas ela também deveria se comprometer.
Creio que oramos tão pouco, por crermos muito pouco no poder da oração.
Temos dificuldade de crer que, de fato, Deus “galardoa aqueles que o buscam”. Somos incrédulos quando o assunto é oração.

Conclusão:

Três dias de jejum, mudaram a história já tida por certa. Apenas três dias de intensa oração. Se crêssemos que Deus poderia nos dar alguma coisa se nos consagrássemos à oração, será que não nos disporíamos e sacrificiariamos por isto?

Quais foram os efeitos da oração? A sorte do povo judeu mudou.
A Bíblia mostra que os judeus, de vítima, tornam-se executores. “Porque Hamã, filho de Hamedata, o agagita, inimigo de todos os judeus, tinha intentado destruir os judeus, e tinha lançado Pur, isto é, a sorte, para os assolar e destruir. Mas, vindo isto perante o rei, mandou ele por cartas que o mau intento que Hamã formara contra os judeus, se tornasse sobre a sua cabeça; pelo que penduraram a ele e a seus filhos numa forca. Por isso àqueles dias chamam Purim, do nome Pur; assim também por causa de todas as palavras daquela carta, e do que viram sobre isso, e do que lhes tinha sucedido” (Et 9.24-26).

Deus muda os rumos históricos quando seu povo ora. Compare Et 8.5 com Et 9.22-24. Como o cenário muda, de uma hora para outra, quando o povo de Deus clama ao Senhor. De "Pur", cujo significado é “sorte”(Et 9.24), para "purim", libertação (Et 9.32).

"Quando oramos movemos os céus, o inferno treme, e alguma coisa acontece na terra" (Jeremias Silva).

A oração de Ester e do povo teve um efeito poderoso no rei, que tendo insônia, pede para que leiam uma das crônicas sobre sua vida. Sua insônia gerou nostalgia, e quando leem o texto, cai exatamente sobre o livramento que teve o rei pela intervenção direta de Mordecai. Como é tremenda a providência de Deus: A insônia, a página em que é aberto o livro diário do rei, o seu desejo de homenagear Mordecai. Isto tudo se deu depois da oração do povo. Deus estava agindo poderosamente.

A obra de Cristo
Deus transforma Ester numa missionária do cotidiano.
Assim Deus deseja fazer conosco.
O lugar onde ele nos coloca, a função e o cargo que ele nos dá, as atividades profissionais que exercemos, as orações que fazemos. Deus quer nos usar para sua glória. Ele nos coloca em posições para nos usar no seu reino. Deus está escrevendo sua história, e decidiu fazer isto, usando seus instrumentos.
Você sabe o que Deus deseja que você faça, na função que você exerce? Por que você está vivendo em sua cidade (e não em outra), fazendo o que você faz (e não outra coisa)? A pergunta que Mordecai, em certa medida, se aplica a todos nós: “Quem sabe se para tal conjuntura como esta, foste elevada à rainha?”. Estamos neste lugar, porque Deus quer que estejamos aqui para sermos seus instrumentos.
Somos, portanto, missionários do cotidiano.

Mas o maior projeto de Deus na história se daria na cruz.
Ali, naquele lugar de condenação e morte, seu Filho Jesus foi entregue à morte. As trevas aparentemente foram vitoriosas. Jesus é humilhado e morre.
Aquele mesmo Jesus, a quem Deus o inseriu na história, agora parece fracassar ao ser levantado numa tosca cruz. Vitória das trevas, vitória de Satanás. Os poderes históricos aliados ao diabo.

O que aconteceu, porém, foi extraordinário:
Naquela cruz, Deus mudou nosso status de condenado, para justificado. De escravo para livre, de sentenciado a resgatado. Ali na cruz, a nossa sorte que estava lançada, com o veredicto da condenação, o nosso pur, se transforma em purim. Ali na cruz, Deus decretou nossa redenção, não mais condenados à execução e à morte eterna, mas libertados para seus propósitos e para sermos filhos amados. 

A cruz revela, mais uma vez, que Deus tem o controle da história. Que os estratagemas do inferno não são eficientes para decretar os rumos de nossa vida. A cruz, lugar de maldição, torna-se, lugar de resgate.

Em Cristo, nossa sorte foi mudada. “Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens” (Ef 4.8). Não mais cativos, mas livres. Não mais escravos, mas reis; não mais condenados, mas libertos; não mais pur, mas purim.

Aleluia!!!

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Gn 47.8,9 Quantos, e como, são os dias da tua vida?







Introdução:

Erick Erickson, conhecido psicólogo afirma que chegamos ao final da vida com duas atitudes: Gratidão e celebração ou amargura e desistência. No primeiro caso, olhamos a vida com pessimismo, cinismo, tendência ao vitimismo e autocomiseração; No segundo, olhamos a vida como benção e como dádiva de Deus e como experiência da graça.
Não é muito difícil desenvolver uma atitude de ressentimento com a vida e as pessoas, eventualmente com o próprio Deus. No filme “Num lago dourado” (Hery Fonda e Jane Fonda), um homem está completando 80 anos (Henry Fonda), e é conhecido pelo seu mau humor. Seu genro, querendo parecer-lhe simpático, pergunta-lhe como se sente nesta data e ele responde secamente: “Duas vezes pior que 40”.
Por outro lado, é possível viver com celebração. Quando estava com 101 anos e seis meses, a revista Ultimato/78 entrevistou o Missionário Haroldo Cook e lhe perguntou se sua vida fora como a de Jacó, que respondeu: “poucos e maus foram os dias da minha vida”, e ele respondeu com humor. “Não! bons e longos tem sido os meus dias”.
Jacó estava vivendo seu momento de glória. Para trazê-lo de Canaã José, agora um homem com cargo muito relevante no Egito, mandou os melhores carros para buscá-lo, e ele teve uma recepção principesca, digna da diplomacia dos grandes impérios, indo para encontrar-se com o filho que julgava morto há muitos anos. Uma das primeiras atividades dele seria o encontro com Faraó, que na época de então governava o mais poderoso império do mundo.
No encontro, Faraó lhe pergunta "Quantos são os dias dos anos de tua vida?" E a resposta de Jacó foi: "Os dias dos anos de minhas peregrinações são cento e trinta anos; poucos e maus foram os dias dos anos de minha vida e não chegaram aos dias dos anos da vida de meus pais, nos dias de suas peregrinações" (Gn 47.8-9).
Jacó não responde apenas quantos anos viveu, mas responde também o "como" viveu.
Sua resposta revela amargura e tristeza com a vida. Na verdade, Faraó não havia perguntado “como” fora sua vida, mas “quantos anos” ele tinha, entretanto, Jacó enfatiza a qualidade: "Poucos e maus foram os meus dias na terra". Apesar de já ter vivido 130 anos e tendo ainda alguma expectativa de vida, estava descontente. Ele afirma que havia vivido pouco – o que não era verdade – e a qualidade de sua vida não fora boa.

O que fez seus dias se tornarem "maus" pode nos ajudar a entender o que pode fazer nossos dias também parecerem maus:

1. Um lar desestruturado

O lar de Jacó era profundamente desequilibrado e desestruturado. No mínimo poderia ser considerado neurótico e disfuncional.
Isto já pode ser percebido pelo nome que lhe dão ao nascer. Jacó significa enganador ou embusteiro. Sua família coloca-lhe um estigma, uma marca que como nódoa vai andar com ele. Na própria escolha do nome, vemos um lar que nega a benção, deixa de afirmar algo positivo sobre o filho e coloca-lhe uma marca.

A Bíblia registra ainda alguns ângulos tenebrosos desta casa:

O péssimo exemplo de seu pai, Isaque
Seu pai entrega sua mãe, Rebeca, ao rei Abimeleque, dando-lhe a entender que era sua irmã apenas para não ser ameaçado. Talvez por isto, Rebeca nunca confiava no marido e isto pode ser percebido pela sua atitude bisbilhoteira, escutando secretamente as conversas de Isaque (Gn 27.5).

O relativismo de sua mãe, Rebeca
Rebeca, sua mãe, revela-se incoerente quanto aos seus princípios e valores ao ordenar a Jacó que enganasse o pai (Gn 27) apesar da reação coerente de Jacó ao dizer que não podia fazer isto. Mas Rebeca, assumiu uma atitude autoritária, induzindo o filho a mentir e enganar o pai.

A leviandade de seu irmão, Esaú
Sua atitude errada parece ter dado certo, mas Esaú, seu irmão, ao perceber o que Jacó fizera, decide matá-lo, tão logo seu pai fosse sepultado. Rebeca descobre seu plano e o manda fugir. Sua vida daí por diante é marcada por uma inimizade histórica com o seu irmão leviano, de quem já havia negociado o direito de primogenitura. Esaú decide se vingar dos pais e se tornou um filho birrento, que descobrindo que seus pais não gostavam de algumas meninas dos povos vizinhos, resolveu se casar justamente com uma delas, por uma atitude clara de pirraça ( Gn 27.41).

A tensão com seu sogro, Labão
Já em Padã-Harã, onde atualmente fica o Iraque morava os parentes de sua mãe, e ele encontra abrigo na casa de seu tio, Labão, onde vai viver uma relação complicada, ambos tentando sempre enganar o outro. O seu tio trapaceiro muda seu salário sempre que Jacó tinha oportunidade de receber um pouco melhor. Jacó afirma: "dez vezes me mudaste o salário" (Gn 31.36-41). Labão barganha suas filhas e esta manipulação fizeram-nas revoltosas contra o pai (Gn 31.15). Finalmente Jacó precisa sair da casa de seu sogro, e as relações estavam tão estremecidas que ele sai de noite, na surdina, sem se despedir. Uma das mulheres de Jacó (Raquel) rouba de seu pai os ídolos do lar, e Labão vem atrás para reaver seus bens, e o clima não foi dos melhores, com acusações e ameaças de ambos os lados (Gn31.34).

A competitividade familiar
Ao chegar no local onde fixaram sua residência, o clima de tensão familiar estava sempre presente. Suas esposas competiam o amor do marido e brigavam entre si. Os filhos tomavam as dores das mães e sua casa vivia num ambiente de desconforto agravado pela atitude de Jacó que explicitamente revelava predileção por José, dando-lhe presentes especiais que nenhum outro filho tinha recebido. Os irmão de José decidem vende-lo como escravo a um bando de mercadores que o levaram ao Egito. Ao voltar para casa, os dez irmãos afirmaram que um animal havia dilacerado José, e quando Jacó recebeu a noticia, passou a viver num luto permanente, recusando a ser consolado (Gn 37.35). Esta família, a partir de então vive com um segredo, numa relação de co-dependência que se arrasta por mais de 20 anos. Apesar de saberem da verdade, ninguém era capaz de romper esta mentira e denunciar o engano.
Uma família assim, certamente traz muitas dores.

A luxúria de seu filho, Ruben
Rúben, o filho mais velho de Jacó, se envolveu com uma das suas concubinas, uma aberração moral, não apenas para aqueles dias, mas até para os dias de hoje. Aquilo foi tão grave que na hora da benção, preparando-se para morrer, Jacó faz uma pesadíssima sentença sobre ele. "Rúben, tu és meu primogênito, minha força e as primícias do meu vigor, o mias excelente em poder. Impetuoso como a água, não serás o mais excelente, porque subiste ao leito de teu pai e o profanaste; subiste à minha cama" (Gn 49.3,4).

Uma família desestruturada destrói a alegria de viver. Bíblia afirma: "O filho sábio alegra seu Pai, mas o insensato é a tristeza de sua mãe" (Pv 10.1). Nada é mais destrutiva que filhos rebeldes, lares desencontrados, filhos crescendo com a auto estima destruída, amarguras, medos, mentiras, farsas e temores dentro de um lar. São mulheres que não conseguem amar nem confiar em homens porque viram seu pai maltratando sua mãe, enganando e traindo. São meninos que crescem desconfiados do amor sempre buscando o amor e a atenção dos pais.

Lares precisam ser reduto da graça e da paz, um ninho para acolhimento da alma cansada, refrigério diante da competitividade, uma ilha de descanso para a vida agitada, para uma sociedade frenética e corações inquietos. Se nosso lar se transforma num cantinho do inferno, nossos dias serão maus, ainda que sejam muitos.

2. Uma vida equivocada

Outro aspecto que faz a vida de Jacó ser tão pesada são as suas próprias escolhas pessoais e atitudes diante da vida. Ele nasceu num lar complicado, é verdade. Nasceu com uma sombra na vida e assim passou a viver, tinha sempre que lembrar o estigma que seus pais lhe impuseram ao lhe dar um nome que significava “trapaceiro, embusteiro e enganador”. Sua vida seria sempre marcada pela negação da benção, correspondendo ao seu nome.

Uma vida de trapaça

Por duas vezes trapaceou seu irmão Esaú, tomando-lhe o direito de primogenitura e roubando a benção. Ele trapaceia seu pai, mentindo-lhe, e engana o seu sogro criando mecanismos que o levavam a viver numa vida de “espertezas” e desonestidades.
Tenho visto muitas pessoas optando por viver um estilo de vida na linha da marginalidade. Enganando e sendo enganados. Vivendo de negócios escusos, enganando sua esposa e filhos, tratando a questão do dinheiro com falsidade, mentindo, enganando, não inspirando confiança. Pessoas assim “enfiam os pés pelas mãos”. Transformam sua vida num peso. Os dias se tornam curtos e maus como se tornaram os dias de Jacó.

A Bíblia nos adverte sobre isto:
"O caminho dos perversos é como a escuridão; nem sabem eles em que tropeçam. Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito" (Pv 4.19,18). 

Esta é a colheita do pecado à qual se refere Paulo: “Naquele tempo, que resultado colhestes, somente as coisas de que agora vos envergonhais porque o fim delas é a morte” (Rm 6.21). A colheita do pecado é tristeza, confusão, vergonha, embaraços.

Jacó não é vítima!
Ele também é responsável por sua história, pelas suas decisões, pelas suas atitudes.
Sua vida que já era difícil por causa do ambiente hostil dentro de sua casa, torna-se um inferno.

A Bíblia afirma: “Eis o que tão somente achei, Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (Ec 7.28). Estas astúcias são armadilhas, laços, decisões erradas, pecados. A vida reta que Deus nos deu para que andássemos e desfrutássemos harmonia e alegria, por causa do pecado torna nossa vida pesada, deprimente, angustiante.

Existem pessoas que possuem boas oportunidades na vida e as despreza; recebem boas propostas de emprego e fazem pouco caso; tem oportunidade de estudar e não aproveitam; recebem propostas de casamento e as menospreza. No entanto, são hábeis para fazer as piores opções para sua vida. Adotam um estilo de vida pecaminoso, desprezam princípios e valores, rejeitam a Deus, a fé, a boa consciência, a vida e parecem gostar das propostas do diabo, esquecendo-se que todas as maças do diabo são bonitas, mas todas tem bicho.

A trapaça, as mentiras, o descaso com as oportunidades, uma vida de desonestidade, de descaminhos, de rejeição de Deus fazem nossa vida um inferno. A gente faz, pensa que ninguém viu e aquilo estoura lá na frente como um câncer. No entanto, a vida tem uma regra simples: “Melhores atitudes geram maiores altitudes”.

3. Demora de um encontro real com Deus

Jacó nasceu numa família cristã
Jacó nasceu num lar cristão, num lar que temia a Deus, num lar marcado por pactos e por alianças. Isaque, seu pai, era um homem de oração, tinha hábito de levantar altares por onde passava. Poucos homens na Bíblia levantam tantos altares para adorar a Deus como Isaque. Era um homem que cria que Deus ouvia as orações de seu povo, e a Palavra de Deus nos diz que ele orou durante vinte anos para que Deus desse filhos à sua esposa Rebeca, que era estéril, e Deus lhe ouviu (Gn 25.20,26). Que experiência maravilhosa de um homem que ora sempre pela sua esposa, pela sua depressão e tristeza. Como este aspecto da vida de Isaque precisa nos desafiar em nossos dias.

Jacó viu as contradições da fé
Apesar de ter um lar devoto e religioso, paradoxalmente foi no seu lar que ele começou a desconsiderar as coisas de Deus na sua própria vida. Um dia sua mãe lhe pede para quebrar a lei de Deus por causa de interesse material, o induziu a mentir e enganar seu pai, ele a questionou, mas a vontade autoritária da mãe prevaleceu, e daquele dia em dia, alguma coisa parece ter desmontado dentro de sua alma. Passou a considerar as coisas de Deus como questões relativas, dessacralizando o sagrado em sua história. O resultado não poderia ter sido pior (Gn 27.12-13).

Jacó foi visitado por Deus
Na sua mocidade teve encontros arrebatadores com Deus mas nada mudava sua mente. Nem suas experiências carismáticas, sobrenaturais, lhe faziam ser o homem de caráter que precisava ser. Quando está fugindo de sua casa, depois de ter trapaceado seu pai roubado a benção que era de seu irmão, na sua solidão, com medo de ser assassinado pelo próprio irmão, ao atravessar o deserto tem uma linda visão. Sonhou que Deus estava naquele lugar, e os anjos de Deus desciam e subiam numa grande escada que dava aos céus. Quando acordou, sobre um profundo impacto, entendeu que aquilo era uma promessa que o Deus de seus pais estava fazendo, e que aquela terra seria a terra prometida de Deus para sua futura geração. Deus confirma sua promessa sobre sua vida: "Eu sou o SENHOR, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás deitado, eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua descendência será como pó da terra; estender-te-ás para o Ocidente e para o Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra" (Gn 28.13-14).

Mesmo diante do que havia acabado de vivenciar, a graça se revela e Deus lhe faz promessas. É a graça de Deus em ação. No entanto, nem sempre experiências transformam o caráter. Jacó continua seu estilo de vida de engano e falcatrua. Deus se manifesta mas ele não se entrega. Pelo contrário, faz barganhas: "Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então o Senhor será o meu Deus (...) e de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dizimo" (Gn 28.20-22). Em outras palavras, está dizendo: "Se me deres, pão para comer, roupa para vestir, segurança, vou ser fiel no dízimo" (Gn 28.22). Condiciona sua fidelidade ao sucesso.

Jacó demorou a se render a Deus
Só muito tarde na vida, Jacó se rende, ou “rende a Deus”, que se permite vulnerabilizar numa épica e existencial batalha narrada em Gênesis 32, sobre o encontro de um homem e Deus. Curiosa e paradoxalmente, o Deus que é Senhor dos Exércitos se deixa vencer. Que descrição ambígua e ao mesmo tempo profunda...

Ali finalmente Jacó percebe a importância de ter Deus não apenas como o Deus de seus pais, não apenas como um conceito e uma experiência institucional e formal, e nesta luta existencial e profunda, finalmente não consegue mais prosseguir sem Deus. "Não te deixarei ir enquanto não me abençoares". Nasceu-lhe o sol em Peniel, e agora Jacó trazia cicatrizes, marcas do encontro, mas tinha um novo nome, um novo caráter: De suplantador (Jacó), tornou-se Israel (lutou com Deus e prevaleceu). É a primeira vez na história que o nome Israel aparece.

Conclusão:
"Quantos são os dias dos anos de tua vida?"
Parafraseando a resposta de Jacó, focalize no “como”  tem sido os seus dias e anos?

Jacó afirma que algumas realidades o sustentaram neste contexto tão disfuncional:

1.     O Deus de meus pais” (Gn 31.5) -  Uma das coisas fortes naquela família é a presença do Deus de seus pais. Jacó tem consciência de que Deus está sobre sua família, que estão debaixo de uma aliança, um pacto, um sinal maior, e que sua herança não era apenas de bens materiais, mas acima de tudo, espiritual. É uma grande benção ter pais que oram dando suporte aos filhos e abençoando-os. É uma benção fazer parte da família do pacto – não uma família perfeita, mas uma família abençoada e redimida.

2.     Altares levantados – (Gn 35.7) -  No meio de todo caos, Jacó nunca deixa de levantar altares para Deus. Ele aprendeu isto de seu pai que se destacou por abrir poços e levantar altares para Deus. A presença de Deus, certamente era incômoda no meio da mentira e da falsidade daquele lar, mas ainda assim é aquilo que a sustenta. Deus é sempre lembrado, e isto os mantém.

3.     Superação e perdão– (Gn 50) -  José parece ser esta pessoa que se interpõe e quebra o angustiante circulo do mal, como afirma Mirolasv Wolf no livro “O fim da memória”. José quebra e desmantela este círculo de engano, competição e ódio. Ele desarma o círculo de mentira que mais uma vez tentam repetir no final do capítulo 50, quando mentem em nome de seu pai, que agora já estava morto. José rompe com o ódio familiar, sepulta a ira  e refaz a história da família, tão habituada a mentir e a enganar.



Haroldo Cook, faleceu aos 101 anos e 6 meses. Viveu intensamente a sua vida. Amou a Deus, viveu a vida. Outros morreram jovens, mas foram igualmente abençoados. O que conta, no fim das contas, não é o número de anos de sua vida, mas a qualidade de sua vida. Para Jacó, seus dias haviam sido longos e maus, para o Rev Haroldo Cook, seus dias foram "Longos e bons".

Esta faz a diferença entre terminar os dias com celebração ou desistência.

Na verdade, o mais importante não é o quanto se vive, mas o “como” se vive. Jesus morreu aos 33 anos, mas viveu de forma intensa. Experimentou a dor de viver como ser humano, sofreu os reveses e paradoxos de sua humanidade, no entanto, concluiu a obra que lhe estava proposta pelo pai. Na cruz, ao expirar, afirmou: "Tudo está consumado!" ou, tetelestai, que foi a frase usada por ele em grego. A vida lhe fora plena.

O Evangelho nos mostra como Jesus deseja escrever uma nova história na nossa história tantas vezes confusa e complexa. Sua morte na cruz revela que Deus já fez tudo que era necessário para que uma nova história pudesse ser escrita na vida de pessoas confusas como o ladrão na cruz. Ali, Jesus revela que não importa o quanto tenhamos caminhado para longe de Deus, é sempre tempo e hora de voltar. “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso!” Hoje, agora, é possível retomar a história e refazer os caminhos.

Quando se experimenta Jesus na vida. A vida toma forma, cor, assume tonalidades mais fortes e mais plenas. Isto é o que conta!

Que Deus nos abençoe!