sábado, 20 de fevereiro de 2021

Teologia dos pactos


 


Introdução

 

Certa vez Spurgeon afirmou:

“Tem sido dito que aquele que entende bem a distinção  entre o pacto das obras e o pacto da graça é um mestre em teologia. Estou persuadido que a maioria dos enganos que os homens cometem concernentes às Sagradas Escrituras é baseada sobre os erros fundamentais com respeito ao pacto da lei e da graça”.

 

Na verdade há uma enorme confusão sobre a questão destes dois pactos. A pergunta inicial para qualquer analise é a seguinte: O Antigo Testamento estava debaixo da Lei ou da Graça? Para muitos, o fundamento do AT é a Lei, e que a Graça só surge no NT, entretanto, este é um equivoco clássico, que dificulta a compreensão da unidade da Bíblia.

 

Várias teorias são desenvolvidas sobre a relação do crente com a Lei:

A.   Antinomismo – O coração do cristão se torna seu guia, portanto, a lei é dispensável.

B.    Teologia Liberal: Nos tempos da graça, o que vale é a lei do amor.  Todos tem direito a serem felizes. Portanto, o divórcio, homossexualismo e outras posições éticas são justificadas se o que fundamenta é o amor (paixão).

C.    Dispensacionalismo

a.     No AT o homem é salvo pela lei: “faço, logo sou aprovado!” A Lei  o cumprimento da lei é o caminho da salvação.

b.     No NT. Homem salvo pela graça.

D.   Ética situacionista:

a.     Ética não é absoluta, mas depende da situação. Assassinar, roubar, mentir, podem ser aceitas, se há um contexto no qual se justifica.

b.     A Lei não tem qualquer papel determinante na ética, e sim o “princípio do amor”. Se eu “sinto”, me autentico.

 

O que a Confissão de Fé de Westminster propõe?

Para entender o papel da lei, precisamos entender o Pacto das Obras e o Pacto da Graça.

Pacto é a forma de relacionamento adotado por Deus para com suas criaturas. “Aliança bíblica é um pacto de sangue soberanamente administrado (Palm Robertson).

 

Pacto das obras

§  Pacto operante, antes da queda

§  Resultado: Pecaram e incorrem na maldição que trouxeram sobre si (Gn 2.17).

 

Pacto da Graça

§  Pacto realizado em Cristo

§  Ele cumpre toda Lei.

 

Por conseguinte, só existem dois tipos de Pactos. “O Pacto feito com os pais diferente do nosso pacto, somente no que diz respeito à sua administração.” (Calvino). Existem diferentes administrações:

§  Noé  Gn 9.9

§  Abraão Gn 17.7

§  Moisés Dt 29.10-15

§  Davi 2 Rs 23.5

 

O pacto da graça possui algumas características:

A.   Superior Aliança – Hb 8.6

B.    Segunda Aliança – Hb 8.7

C.    Nova aliança  – Porque foi administrada de forma diferente.

 

Os Elementos do pacto da graça

 

a)    As partes pactuantes:

a.     Na Lei: Adão e toda humanidade

b.     Na Graça: Cristo e os eleitos

A graça nos foi dada em Cristo, antes dos tempos etenros (2 Tm 1.9; Ef 1.6-7)

 

b)    A Promessa

Gn 17.7 e Jr 31.33; 38.38-40: “Eu seire o seu Deus e eles serão o meu povo”

·       Justificação, perdão

·       O dom do Espírito

·       A glorificação final e eterna (Tt 3.4-7)

c)     As exigências

a.     Pacto das obras: Perfeita obediência

b.     Pacto da Graça: Perfeita obediência, mas em Cristo.

                                               i.     Ele é o mediador e nosso representante

                                             ii.     Ele cumpriu todas as exigências da lei

                                            iii.     Ele justifica e absolve o pecador

 

O que Deus exige de nós?

a.     Fé para aceitar as promessas.

b.     Obediência: possível apenas em Cristo, por meio da palavra e do Espírito Santo (Gl 5.22-23; 2 Tm 3.16-17)

 

Semelhanças:

 

ü  Os dois pactos possuem promessas comuns – Hb 8.10

ü  Os dois pactos eram caracterizados pelo sacrifício de um cordeiro Hb 9.22

ü  Os dois pactos são sancionados por sangue – Hb 9.18,22,28

ü  Os dois pactos possuem o mesmo livro da lei

 

Diferenças:

ü  O Antigo era condicional e o novo incondicional

ü  O antigo era inferior e imperfeito Hb 7.11

ü  O antigo: Deus e o homem

A.   O novo: Deus e Cristo. O Pacto da Graça (estabelecido com Jesus, no qual o próprio Deus é o fiador).

 

 

O papel da Lei: Gl 3.19

A.   As promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Quem? Cristo (Gl 3.16,19)

B.    Qual o objetivo da lei dada a Moisés? Gl 3.19

                                               i.     Adicionada por causa do pecado

§  A lei rege as relações humanas (civis)

§  A lei estabelece valores : certo & errado

§  A lei pune o pecado Gl 3.19

§  A lei se tornou o aio até a vinda da Cristo Gl 3.23-25

 

A lei ainda se aplica a nós? Naturalmente que sim! No que tange aos aspectos morais.

A.   Obediência pela fé

B.    Obediência pelo amor: “Vós sois meus amigos se fazes o que vos mando” (Tg 1.22; 4.17).

 

Podemos entender ainda melhor a Eterna Aliança, observando a vida de Abraão e a forma como Deus o tratou. Como vimos, a mesma aliança abraâmica, é a que se aplica a nós. Deus disse a Abraão: Farei uma aliança entre mim e ti e te multiplicarei extraordinariamente” (Gn 17.2). Precisamos entender que a Bíblia não é um livro de regras morais, mas de relacionamentos, por isto um dos termos mais presentes na Bíblia é “aliança”. Diferente de um contrato, com cláusulas, adendos, restrições e punições, Deus se revela como um Deus que deseja intimidade com seu povo e estabelece uma caminhada com os homens através de pactos. Van Groninken afirma que a palavra mais presente nas Escrituras é Aliança.

 

Em Gênesis 17, vemos Deus firmando um pacto eterno com Abraão, que é o nosso “Pai da fé”. Este pacto é tão profundo com a humanidade, que o Novo Testamento nos afirma que nem mesmo a Lei, pode mudá-la.: “E digo isto: uma aliança já anteriormente confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, de forma que venha a desfazer a promessa.”(Gl 3.17). Eugene Peterson, numa livre tradução afirma: “Quero explicar este texto: Um testamento mais tarde ratificado por Deus, não é anulado por um acréscimo anexado quatrocentos e trinta anos mais tarde. A promessa contida no testamento não foi negada. O adendo, com suas instruções e regras, não diz respeito à herança prometida no testamento”. (Gl 3.17)
Isto demonstra que ainda estamos debaixo do mesmo pacto sob o qual todas as pessoas do Antigo Testamento estiveram. As pessoas do AT também eram salvas, não através das obras, mas através da graça, crendo nas promessas que Deus lhes havia feito e que se cumpririam em Jesus, e não por cumprirem a Lei, os ritos e mandamentos. Talvez isto surpreenda muitos estudantes da Bíblia, e especialmente os dispensacionalistas que tentam encontrar na Bíblia vários pactos, que foram meras alianças transitórias e temporárias de Deus com determinadas pessoas, para atender uma necessidade específica de um tempo específico.

 

Precisamos entender quais são os fundamentos desta aliança, para compreender como Deus se relaciona conosco, o seu povo firmado através deste pacto.

 

O Pacto das Obras

Baseado na obediência. Deus deu a tarefa a Adão de obediência. Se Adão conseguisse obedecer, ele seria justificado pela sua resposta a Deus, com base nos seus merecimentos, mas todos sabemos o que aconteceu com Adão. Ele foi rebelde e quis viver de forma independente, e o resultado foi a queda. O pacto das obras se baseia no seguinte ponto: Faço, logo sou aceito. Neste caso, a base são as obras, a justiça pessoal e o desempenho espiritual e moral. Deus justifica o homem pela capacidade que ele tem de, por seus esforços espirituais, agradar a Deus e satisfazer as exigências legais e morais. Deus, aceitaria a performance espiritual do homem. Todas as religiões do mundo, equivocadamente, colocam a salvação neste pilar. Salvação é uma conquista espiritual baseada na bondade e no currículo espiritual que o homem constrói. O homem se salva por seu esforço pessoal. O lema do cristianismo é “Sou aceito, logo faço”. O cristianismo bíblico rejeita a proposição de que os homens são salvos pelos seus méritos.

 

O Pacto da Graça

O segundo pacto que a Bíblia ensina é o da graça. Um favor imerecido de Deus. Salvação não é algo meritório, mas obra exclusiva da graça e da misericórdia de Deus. O homem não é aceito diante de Deus com base nos seus merecimentos. “Pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não fé de vós, é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie” ((Ef 2.8-9). O homem não consegue atender as exigências de um Deus santo, e por isto suas boas obras são insuficientes para lhe dar a salvação.

 

No texto de Gênesis que estamos estudando, vemos que Deus faz um pacto com Abraão. Este pacto é o mesmo válido até hoje (Gl 3.15-29), e nem mesmo a lei, que veio 430 anos depois, pode quebrar a aliança e anular a promessa (Gn 3.17). A lei foi apenas um parêntese, até a vinda de Jesus. Foi um meio de estabelecer regras para que o homem não ficasse sem nenhum controle, ainda que meramente externo, e era baseado em recompensas e punições, impedindo assim que o homem vivesse de forma desenfreada.

 

Sendo este pacto válido até hoje, precisamos saber de suas características:

 

  1. Deus é o iniciador do pacto – Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1). Deus se aproxima de Abraão e dá suas credenciais, e a partir de então, anuncia o que estava para fazer.

 

Na bíblia não vemos os homens indo ao encontro e na direção de Deus, mas vemos Deus vindo em direção ao homem. O Pacto da graça consiste no fato de que Deus faz uma aliança consigo mesmo e é fiel em cumpri-la. Ele é o iniciador do pacto. É Deus quem atrai e santifica um povo eleito para sua exclusiva autoridade e para seu louvor, propondo santificar este povo (Ft 7.6-8; Ez 37.28; Jo 15.16; Ef 1.3-4; 1 Pe 2.9).

 

  1. Este pacto tinha propósitos específicos – Deus mostra a Abraão propósitos bem específicos e claros sobre seu plano, presentes nesta aliança.

 

i.               Comunhão – “Anda na minha presença” (Gn 17.1). Ele convida Abraão para um relacionamento de amor. Em Mc 3.13-15, quando Jesus está escolhendo seus discípulos, o texto afirma que ele chamou os que ele mesmo quis, e os designou para estarem com ele. O chamado era para companheirismo e amizade. A missão que eles viriam a realizar seria decorrente desta relação com Jesus.

 

ii.              Santidade – “Anda na minha presença e sê perfeito”  (Gn 17.1). O mandamento que Deus dá ao seu povo no AT é o mesmo que é dado por Jesus no NT. “Sede perfeitos como perfeito é vosso Pai celeste” (Mt 5.48). No AT vemos uma declaração também constante: “Eu sou o Deus que vos santifico”. Deus deseja imprimir seu caráter em nós, fomos chamados para sermos discípulos de Cristo e sermos seus imitadores. Portanto, a promiscuidade, mentira, perversão, vida de pecado é oposta ao estilo de vida do discípulo de Cristo.

 

3.     Deus queria abençoar Abraão por meio deste pacto – “Te multiplicarei extraordinariamente” (Gn 17.2). Sua benção é colocada no superlativo “extraordinariamente”, adjetivo este que aparece duas vezes nos vs 2,6. Deus quer abençoar seu povo de forma maravilhosa. Neste caso, corremos dois riscos históricos de distorcer esta promessa:

 

                                     i.     Buscar a Deus apenas por causa das bençãos e não por causa de Deus mesmo. Neste caso buscamos as bençãos de Deus mas não o Deus das bênçãos; Kleber Lucas apropriadamente diz: “Eu não correrei atrás de bençãos, sei que elas vão me alcançar”.

 

                                    ii.     Violar os princípios de Deus e ainda assim esperar as bençãos de Deus. Andy Stanley afirma: “Nunca viole os princípios de Deus se você deseja ganhar ou manter as bençãos de Deus”. Transgredimos, violamos e pervertemos os caminhos de Deus, e ainda assim achamos que podemos esperar as bênçãos de Deus. Deus não tem compromisso com a infidelidade. Ele eventualmente quer nos abençoar, mas se o fizer estará apenas reforçando nossos caminhos, e por isto não o fará.

     

  1. Deus queria abençoar o mundo através deste Pacto – “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3).

 

Deus queria formar um povo para abençoar as nações. A aliança não era apenas para ter um povo que seria fortalecido e teria bênçãos de Deus. Isto também seria verdade. Entretanto, Deus queria forma uma “reino de sacerdotes” (1 Pe 2.9), de pessoas que seriam instrumentos de Deus para trazer vida e benção às outras nações pagãs. Deus queria abençoar “todas as famílias da terra”, através de Abraão. Não apenas trazer benção para Israel, mas para o mundo.

 

Todos sabemos que Israel falhou na sua vocação. Ela acreditava que Deus era tribal, e que estava apenas interessado em abençoá-los, como de fato Deus fez com a nação israelita. Mas perder a compreensão de que Deus estava formando um povo para abençoar o mundo, foi uma tragédia. Perderam o sentido de sua vocação e propósito.

 

5.     Este Pacto seria geracional – Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso de suas gerações, para ser o teu Deus e o da tua descendência” (Gn 17.7). A

 

A teologia moderna tem esquecido este importante tema das Escrituras. Deus afirma seu desejo de fazer uma aliança não apenas com Abraão, mas com seus filhos e filhas.

 

Fico intrigado quando me recordo que na década de 1980/90, tivemos um fenômeno religioso nos arraiais evangélicos brasileiro. Milhares de pessoas obcecadas e atraídas pelo tema da maldição hereditária, e que estavam plenamente convencidas que deveriam criar ritos para quebrar as maldições. Alguns pregadores se tornaram famosos porque faziam tais ritos com igrejas lotadas de pessoas querendo romper com a maldição que estava sobre eles, mesmo sendo pessoas realmente convertidas e lavadas pelo sangue de Cristo. nunca fizeram uma pergunta razoável: “Como posso estar debaixo da maldição, se o sangue de Cristo já me purificou de meus pecados, se sou nova criatura, se o Espírito Santo habita em minha vida?” Muitos pregadores midiáticos criaram técnicas para expulsar o demônio da ancestralidade, mesmo de pessoas já convertidas a Jesus, mas nunca ouve sequer um pregador falar da maravilhosa benção de que Deus não apenas quer nos abençoar, mas deseja alcançar também os nossos filhos.

 

Apenas no livro de Isaias, encontramos uma enorme quantidade de promessas extensivas aos filhos: Is 54.13; 65.23,24; 61.9; 66.22. Deus está chamando famílias, e não apenas indivíduos, para um relacionamento de amor.

 

Este pacto seria marcado por um ritual dado por Deus. Todo macho deveria ser circuncidado no oitavo dia (Gn 17.9-14). “Minha aliança estará na vossa carne” (Gn 17.13). Quando batizamos os filhos ainda hoje, o fazemos baseados no fato de que este pacto de Deus conosco, deseja inserir nossos filhos. Muitos alegam que as crianças não podem fazer votos por não terem consciência do que estão fazendo, mas será que as crianças do AT, circuncidadas ao oitavo dia, tinham consciência? Ou será que Deus ignorava esta particularidade de um infante? Quando trazemos nossos filhos a Deus e os consagramos, cremos que nossos filhos fazem parte deste pacto geracional, que Deus tem interesse não apenas nos crentes, mas também nos filhos dos crentes e faz promessas extensivas aos mesmos.

 

  1. O Pacto seria eterno – Aliança perpétua” (Vs 7,9,19). A teologia reformada afirma que tanto os homens do AT como do NT encontram-se debaixo do mesmo pacto da graça. Como afirmamos acima, nem mesmo a lei que veio 430 anos depois, pode desfazer a promessa dada a Abraão (Gl 3.16-17).

 

A Bíblia ainda afirma que esta aliança foi feita com “o descendente”, Cristo (Gl 3.16). Antes que Cristo viesse ficamos subordinados a lei, mas a lei não é um pacto, mas um adendo que foi ministrado à humanidade para impedir o progresso do mal (Gl 3.19), mas vindo Cristo, não estamos mais subordinados à lei (regras, mandamentos, clausulas), mas debaixo do pacto feito a Abraão, e que se cumpriu completamente em Cristo (Gl 3.23-25).

 

Conclusão:

 

O Deus da Bíblia é um Deus de alianças e promessas. Deus fez um pacto de vida conosco, que consiste numa caminhada de intimidade com ele, uma vida de santidade e de benção. Nesta aliança, ele incluiu nossos filhos e todas estas promessas se cumpriram em Cristo. Apenas em Cristo se torna possível uma aliança com Deus, porque se dependesse de nossa performance seríamos excluídos. Por isto esta aliança foi feita com o sangue de Cristo. Ele entrou como oferenda em nosso lugar. Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Somente neste pacto, podemos ter certeza de que poderemos satisfazer as exigências de um Deus santo.

 

Esta eterna aliança foi feita por Deus, sendo ele mesmo aquele que garantiria sua efetividade. Se dependesse dos homens eles não seriam capazes.

 

Você tem uma aliança com Deus? Você já fez um compromisso de fé afirmando sua compreensão do que Cristo fez por você naquela cruz? Você está debaixo desta aliança e vive firmado no maravilhoso pacto que Cristo selou na cruz?

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