sábado, 3 de julho de 2021

Hc 2.1-4 Ponha sua mente no lugar certo!

 




Introdução

Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da paz em 2014, é uma conhecida ativista paquistanesa, que pela defesa dos direitos humanos e das mulheres no nordeste do Paquistão, se tornou a pessoa mais nova a ser laureada com um prêmio Nobel. Aos 15 anos, numa tarde de 9 de outubro de 2012, Um homem armado chamou-a pelo nome, apontou-lhe uma pistola e disparou três tiros. Uma das balas atingiu o lado esquerdo da testa e percorreu o interior da pele, ao longo da face e até ao ombro. A tentativa de assassinato desencadeou um movimento de apoio internacional. Ao ser premiada aos  17 anos afirmou: “Eu conto a minha história, não porque ela seja única, porque não é”.

 

De fato, ela não é a única a passar por grandes aflições. A vida não é fácil. Riobaldo, personagem do clássico Grande sertão: Veredas de Guimarães Rosa sintetiza isto: Viver é muito perigoso, porque ainda não se sabe e porque aprender a viver é que é o viver mesmo.”

 

Ao lermos as Escrituras Sagradas, observamos como a história bíblica está marcada por situações sofrimento e tribulação. A Bíblia não é romântica sobre o sofrimento. Jesus afirmou: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Jo 16.33). Não sem razão, dos 150 salmos, 64 são considerados salmos de lamentos, e alguns deles até mesmo imprecatórios, isto é, na oração, homens de Deus pediam até mesmo a morte, de forma cruel de seus inimigos (Sl 55.15; Sl 137.8,9). Viver é difícil!

 

As narrativas bíblicas relatam as lutas e aflições do povo de Deus. No livro de Habacuque somos colocados frente a frente com esta dura realidade. A fé do profeta é provada. Ele verbaliza a sua incompreensível dor procurando descobrir o sentido da história. Ele ora e questiona a misteriosa forma de Deus agir. Ele insiste para que Deus olhe para a dor de seu povo. Para que Deus intervenha. Mas Deus responde exatamente o contrário do que ele pede. Ele clama por livramento (Hc 1.2), e Deus responde com julgamento (Hc 1.5-7).

 

O profeta se espanta! Como entender o plano de Deus em usar a Babilônia para exercer juízo contra seu próprio povo? A realidade não parece fazer sentido, e o profeta tem a ousadia de verbalizar seu sentimento: “Tu és tão puro de olhos que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?” (Hc 1.13). Sua confusão e dor é semelhante às situações doloridas, confusas e não equacionáveis com as quais nos deparamos.

 

§  Como conciliar o poder de Deus com a realidade do mal?

§  Como manter a fé firme diante do sofrimento?

§  Por que Deus parece insensível e distante?

§  Por que pedimos livramento e Deus responde com julgamento?

§  Por que oramos por alívio e Deus permite tribulação?

 

Coloque sua mente no lugar certo!

 

Habacuque procura uma âncora segura, onde ele possa permanecer firme.

O mesmo se deu com Lutero, quando teve que se expor diante da Dieta de Worms, em 1521, quatro anos depois de der afixado as suas 95 teses em Wittemberg. Ele foi levado diante das autoridades religiosas para que se retratasse de suas posições. O que Lutero fez?

Esta frase, provavelmente é sua mais famosa citação feita quatro anos depois, no Reichstag em Worms em 1521,  se recusou a revogar suas críticas à Igreja, afirmando: “Como Vossa Majestade e Vossas Altezas exigem de mim uma resposta simples. Caso não seja convencido por testemunhos da Escritura e por motivos racionais evidentes, a minha consciência está presa à Palavra de Deus e não posso, nem quero, revogar qualquer coisa, pois não é seguro, nem honesto, agir contra a consciência. De outra maneira não posso, aqui permaneço, que Deus me ajude, amém.”

 

“Aqui permaneço!”. O que ele disse na verdade foi o seguinte: “Esta é a rocha na qual me firmo!”, referindo-se ao testemunho da Palavra de Deus e à sua consciência. Todos nós precisamos de terrenos sólidos, no qual possamos confiadamente colocar nossos pés e ficar seguro. Somente em Deus e nas verdades reveladas podemos continuar firmes.

 

A vida carece de pressupostos seguros. O que pode sustentar-nos em tempos de angústia? Nas horas de dor, precisamos de verdades que nos mantenham de pé. O grande problema ao enfrentar doenças é conseguir equilibrar as emoções, colocar a mente no lugar seguro, já que sempre antecipamos o pior, imaginamos o trágico, e a fragilidade emocional, se torna maior que o problema em sim. Por isto, Larry Crabb afirma que o papel do conselheiro é sempre “colocar a mente no lugar”.

 

Na busca por uma resposta, Habacuque caminha por algumas trilhas significativas:

 

1. Ele conversa abertamente com Deus.

Nos primeiros versículos de Habacuque, ele não teme em desabafar. Sua dor é grande e ele expressa sua opinião abertamente com Deus. Eis algumas das perguntas que ele faz:

 

A. “Até quando Senhor?” (Hc 1.2)

B.   “Por que me mostras iniquidade e me fazer ver a opressão?” (Hc 1.3)

C.  “Por que, pois, toleras os que procedem perfidamente?” (Hc 1.13)

D.  “Por que fazer os homens como os peixes do mar, como os repteis, que não tem quem os governe?” (Hc 1.14)

 

É interessante notar o anseio do profeta por uma resposta filosófica, ou, se preferirmos, teológica. “Porquê?” Queremos e desejamos respostas plausíveis, equacionáveis, justificáveis para dar coerência ao caos e ao aperto que enfrentamos. Então, ele corre para Deus e derrama diante dele suas queixas, indagações e lamentos. O problema é que, não raramente, quando enfrentamos problemas não corremos para Deus, mas corremos de Deus.

 

 

2.     Ele resgata sua compreensão de quem Deus é

 

A segunda estratégia que ele usa para se manter em pé foi lembrar quem Deus era, e nisto ele se firma. Este é o seu fundamento! Bill Bright certa vez afirmou: “Tudo na nossa vida cristã é determinado, ampliado e enriquecido pela visão que temos de Deus.  Nos cinquenta anos que tenho andado com ele, compreender os seus atributos tem sido a mais importante lição que aprendi".

 

Habacuque afirma quatro coisas sobre Deus:

  1. Deus é Eterno – (Hc 1.12) Nada é mais consolador, quando estamos no meio da crise, lembrar que Deus transcende a história.

J.I. Packer no livro, “O Conhecimento de Deus” diz 5 coisas que são derivadas desta imutabilidade:

(a) A vida de Deus não muda

(b) Seu caráter não muda

(c) Sua verdade não muda

(d) Os caminhos de Deus não mudam

(e) Os propósitos de Deus não mudam.

 

  1. Deus é Santo – (Hc 1.12)  Ele é total e absolutamente santo. Deus é luz e nele não há treva alguma. Por isto não pode cometer injustiça.
  2. Deus é Todo-Poderoso- (Hc 1.12) A palavra "Todo Poderoso" tem a ver com majestade, um termo que vem do latim e significa grandeza. É muito fácil, diante das crises, desconsiderarmos o tamanho de Deus, e seu poder maravilhoso.
  3. Deus é Fiel - Quando ele faz uma promessa, ele não pode quebrá-la. Lembre-se das promessas de Deus.

 

Habacuque se sustenta em fundamentos sólidos. Ao invés de focalizar no problema ele se volta para aquilo que é básico: Seu conhecimento de Deus. As verdades bíblicas sobre Deus, nos mantém seguros, quando passamos por crises existenciais.

 

3. Ele descobre que o silêncio é fundamental diante do mistério.

 

Incapaz de “entender” a mente de Deus, ele decide se calar diante do inexplicável. Hora do silêncio. Hora da reclusão. O mistério não é apreendido pela mente, mas pela visitação de Deus. “Pôr-me-ei na minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa” (Hc 2.1).

 

C. S. Lewis afirma que não oramos para mudar o coração de Deus, mas oramos para que nosso coração seja transformado. Habacuque entende que há um lugar especial na vida do adorador. Estar na presença de Deus. Colocar-se na torre de vigia e aguardar... em muitos momentos apenas o silêncio diante de Deus, o silencio da alma, pode amainar os barulhos de lado de fora. Quando você perceber que há muita dor, desequilíbrio, vozes externas, volte-se para o silêncio e para a presença de Deus. A presença de Deus não elimina o problema, mas ilumina os lados sombrios do coração.

 

4. Ele não compreende tudo, mas entende o essencial.

 

Deus não responde às suas indagações intelectuais e aos “porquês” do profeta, mas sua resposta toca no elemento central da vida cristã: “O justo viverá pela sua fé”. (Hc 2.4). Habacuque está passando por uma grande crise na fé – e Deus lhe diz algo essencial, e pede que seu profeta coloque esta frase num local tão visível, que até mesmo as pessoas que passassem correndo, pudessem lê-las, num “outdoor”. Deus se instala como o primeiro agente publicitário: O JUSTO VIVERÁ PELA FÉ!" As notícias não eram boas, a catástrofe era inevitável, mas Deus faz o seu servo ponderar sobre o essencial: "O Justo viverá pela fé" (Hab 2.4). O cristão deve andar pela fé, vendo o invisível, crendo contra a esperança, vendo graça em situações onde existem tragédias, vendo Deus no meio do caos, vendo luz na escuridão.

 

A fé cristã não se baseia no que vemos, nem nas emoções ou circunstânciasTudo pode estar caótico, mas vivemos pela fé em Deus, e não nas pessoas. É preciso viver pela fé.

 

Esta declaração de Deus a Habacuque tem sido revolucionária na história. Todas pessoas que a entenderam foram transformadas por ela. Ela é a base da doutrina da justificação pela fé. Ela nos convida a confiar em Deus para nossa salvação, apenas na suficiência de Cristo. Quem entendeu que “o justo viverá pela fé”, na obra plena e suficiente de Cristo realizada no calvário, entendeu a essência do cristianismo.

 

Esta verdade revolucionou e sustentou a vida de Habacuque. Depois fez uma mudança radical no coração do apóstolo Paulo, que a cita em Rm 1.16, aplicando-o ao contexto da salvação do homem, reconhecendo que esta é a essência do Evangelho. Quem entendeu esta verdade, entendeu o Evangelho, quem ainda não  a entendeu, vai continuar achando que salvação é uma questão de esforço pessoal, de mérito individual.

 

Esta mesma verdade revolucionou o pensamento de Agostinho (354-430- Bispo de Hipona, nascido na Argélia, Norte da África), profundamente impactado pela doutrina da justificação pela fé no Filho de Deus. Posteriormente atingiu a vida de Lutero (Eisleben, 1483-1546), mudando seu coração. Ela descobriu que “A justiça de Deus não é algo que ele requer, mas é algo que Ele próprio nos concede.” Lutero certa vez afirmou: “Quando olho para mim, sei que é impossível me salvar; mas quando olho para Cristo, reconheço que é impossível que eu me perca”.

 

Dois séculos depois, John Wesley (Londres, 1703-1791), também entendeu que “Esta doutrina significa o fim de qualquer ilusão a nosso próprio respeito (Bondade, boas obras, moralidade, esforços). Não preciso fazer nada para minha salvação, apenas descansar na sua justiça. Existe apenas uma espécie de justiça que agrada a Deus, e esta era a justiça perfeita criada por Jesus.”

Portanto, a mente de Habacuque foi colocada em ordem quando ele entendeu que não iria compreender todas as coisas, mas Deus lhe revelou o que era essencial: “O justo viverá pela fé”.

 

5.     Ele ora por avivamento. No meio da sua dor, ele ora por restauração. Não parece estranho? “Tenho ouvido, ó Senhor, as tuas declaração e me sinto alarmado; aviva a tua obra, ó Senhor, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida” (Hc 3.3)

 

A quinta forma dele colocar sua mente em ordem foi orando, não mais por si mesmo, e pelo sofrimento que ele enfrentava, mas para que Deus visitasse o seu povo com avivamento.

 

Por que ele ora por avivamento?

Na maioria das vezes oramos por mudanças das circunstâncias, como inicialmente fez Habacuque, mas o grande desafio é orar pelo reino. Vemos isto claramente no livro de Atos. Quando perseguidos, os discípulos oraram. (At 4.24-30). Mas o conteúdo de suas orações difere radicalmente das nossas orações atuais. Nós oramos por livramento, para Deus nos tirar da angústia, diminuir a pressão, mas os apóstolos em nenhum momento pedem para que as circunstâncias mudem, mas pedem por ousadia e intrepidez para serem testemunhas no meio da perseguição. Não é de se admirar que depois desta oração, o lugar onde estavam tremesse e todos ficassem cheios do Espírito Santo (At 4.31).

 

6.     Ele encontra uma alegria não-circunstancial. “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado. (Hc 3.17).

 

A mente do profeta conseguiu se organizar, enquanto ele a colocava no lugar certo, e o resultado foi surpreendente: Ele experimentou uma alegria a despeito de todo sofrimento. O cenário histórico de seus dias era caótico, mas o que o profeta afirma: “Todavia eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação.” (Hc 3.18) A fonte de sua alegria é ultra-circunstancial, não fundamentada em condições favoráveis, mas no Deus da sua salvação. Ele descreve o pior cenário de todos, no qual tudo está fora de seu lugar. A lavoura, principal fonte de renda do povo judeu acabou, as ovelhas não mais existem, contudo, apesar de tudo, todavia, ele relata que se alegraria no Senhor, e exultaria em que? “No Deus da minha salvação.”

 

Sua alegria não era condicionada a nada, mas era transcendente. Estava além da dor e do fracasso. Não depende de fatores humanos e externos, mas dependia completamente de Deus.

 

Conclusão: Mantendo-se firme

 

A Babilônia atingiu violentamente a nação santa, ferindo o povo escolhido. Tente se colocar no lugar de Habacuque: pessoas queridas morreram, a nação foi massacrada, o templo destruído e muitos levados cativos. Faltavam recursos essenciais. Assim como aconteceu com Lutero, Habacuque encontrou sua firmeza na Rocha, que é Deus  (Hc 2.12). O profeta olha para Deus. Esta era sua Rocha. Nesta Rocha ele estava firmado.

 

O que pode sustentar-nos diante das questões angustiantes da alma?  Quando as provações são maiores que nós? Apesar da crise o profeta diz: Senhor, estou olhando para aquilo que tu és…Olhando para Deus Habacuque se mantem firme. Olhando para as verdades da Bíblia.

 

E você? Quais são os pressupostos bíblicos que sustentam sua vida?

Onde você tem colocado sua mente em tempos de aflição?

 

Você agirá de acordo com aquilo que tem pensado. Sua mente vai determinar. Se você está colocando sua confiança em pressupostos frágeis, o resultado será instabilidade, desconfiança, insegurança e medo. Mas se você colocar sua mente em lugares corretos, sua reação será de firmeza e confiança.

 

 

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