quinta-feira, 8 de julho de 2021

Mc 6.24-32 Vinde, repousar

 



 

 

Introdução

 

Embora não sejamos uma máquina, precisamos admitir que nosso corpo é uma máquina. Bem ajustada, flui muito bem; mal ajustada traz danos e entra em pane. Sou grato a Deus pela máquina que ele me deu, tem dado alguns sinais de desgaste, mas nunca fiz uma cirurgia, a não ser de menisco. É uma benção nesta idade não ter nenhuma doença crônica.

 

Mas tenho que admitir que cada vez precisa  de mais manutenção. Muitas vezes temos mais cuidado com nosso carro que com nosso corpo. Temos mais cuidado em fazer sua revisão e de forma mais frequente do que da nossa saúde. Assim também temos mais preocupação com as finanças que com nossa saúde. Não paramos para considerar que se tivermos boa saúde o que adianta ter muito dinheiro?

 

A famosa citação de origem latina: “Mens sana in corpore sano”, (uma mente sã num corpo são), procura nos lembrar que é necessário encontrar o equilíbrio entre corpo e mente. Quando o corpo dá sinais de que alguma coisa não está indo bem, é hora de pensar em novas atividades que nos ajude a encontrar esta homeostase. O equilíbrio entre corpo e mente é fundamental pra atingir os objetivos e estar com a saúde em dia.

 

Somos uma geração forjada para o estresse. As exigências e demandas da vida presente são enormes, não apenas para viver, mas amontoar, ter conforto, por isto temos dificuldade em lidar sabiamente com o tempo. Vivemos como ratos de laboratório, desesperadamente tentando encontrar uma saída para o labirinto no qual fomos colocados.

 

Contexto


O texto citado acima de onde extraímos nossa reflexão relata o angustiante momento que Jesus e seus discípulos tiveram que enfrentar com a morte de João Batista. O incidente relacionado a esta tragédia foram cuidadosamente descritos nos Evangelhos (Mc 6.14-29). A decapitação de João Batista foi absolutamente leviana e cruel. Revela o quanto as pessoas desvalorizam a vida.

 

Podemos dizer três coisas sobre a morte de João Batista


A.   Ela foi assustadora. Ele estava preso, mas ninguém esperava um desfecho tão devastador. Ele era considerado um profeta e tinha o respeito da opinião pública.


B.    Ela foi ameaçadora. A lógica é simples. Se Herodes fez isto com João, o que podemos esperar de nós? Depois deste incidente entenderam que ninguém estava seguro.


C.    Ela  foi desestabilizadora. Emocionalmente todos ficaram esfacelados. Jesus e seus discípulos estavam devastados e angustiados.

 

Neste contexto Jesus convida seus discípulos para fazer um retiro espiritual. Era necessário organizar a mente, as emoções. “Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto” (Mc 6.31).

 

Este convite de Jesus é importantíssimo para nossas vidas, por vários motivos.


1.     Precisamos de descanso para equilibrar nosso corpo.

 

Wayne Cordeiro, conferencista havaiano, escreveu um livro de auto ajuda cujo titulo é “Andando com o tanque vazio? Encha o tanque e renove a paixão”. Ele conta sua experiência de passar três anos por um período de esgotamento extremo, sentindo-se esmagado pelas demandas. Um dia, fazendo uma corrida leve no parque da cidade, assentou-se desolado, chorando no meio fio e teve que ser levado às pressas para o hospital mais próximo. Ele foi diagnosticado com burnout”, um estresse muito forte, e levou cerca de seis meses até conseguir restabelecer o equilíbrio de seu corpo e voltar plenamente às atividades. Neste livro ele dá alguns conselhos sobre como evitar o esgotamento emocional. Na sua palestra disponível no youtube, “Líderes correndo, porém mortos” ele conta detalhes da sua dolorida experiência.

 

Para Wayne, precisamos identificar aquilo que enche o nosso tanque emocional e aquilo que drena o nosso tanque. Ele nos leva a imaginar a vida emocional, como um recipiente que você pode encher com aquilo que dá equilíbrio e energia, ou esvaziar com atitudes que roubam energia. E nos encoraja a fazer uma lista de coisas que nos enchem de alegria e aquilo que nos esvazia. É um exercício interessante.

 

Pegue uma folha de papel e escreva de um lado: “O que enche meu tanque?” E de outro, “O que esvazia meu tanque?”. É uma dinâmica rápida, mas altamente produtiva. Eu descobri algumas coisas interessantes para minha vida.

 

Nosso corpo possui os chamados hormônios da felicidade, neurotransmissores capazes de gerar sensações como alegria, recompensa e bem-estar. Todos eles são produzidos pelo próprio corpo e liberados em situações específicas, como a prática esportiva, a meditação, a oração, o lazer . Entre os hormônios da felicidade mais importantes estão a serotonina, a endorfina, a dopamina e a ocitocina. Por outro lado, a adrenalina, um hormônio produzido pelas glândulas supra renais, prepara o organismo para realizar atividades físicas e esforços físicos, e gera estresse no organismo. Se tivermos carga constante de adrenalina, o corpo entra em colapso. É necessário equilibrar estes hormônios.

 

Eu descobri algumas coisas que me fazem bem emocionalmente. Acordar sem ter uma agenda para cumprir, ler um bom livro, sem pressa, conversar com amigos ao redor de um churrasco ou tomando café com leite e comendo pão de queijo, viajar e especialmente pescar. Estas coisas me “energizam”.

 

Aprendi também que atividades como uma boa caminhada, um tempo para cuidar da minha alma, como ir à igreja e exercitar minhas práticas devocionais, orar (falar com Deus) e meditar (refletir de forma serena sobre minha vida) me ajudam a caminhar.

 

É preciso encher o tanque emocional. Quando Jesus passou pela dura experiência da notícia de seu amigo João Batista, brutalmente decapitado pelo rei Herodes, ele chamou seus discípulos e lhes disse: ”Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto” (Mc 6.31). Era importante ajustar as emoções. Recarregar as baterias. Se não ajustarmos a pressão, podemos explodir, como uma panela de pressão.

 

Foi exatamente isto que Jesus fez ao dizer aos seus discípulos: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto”. Precisamos de descanso para equilibrar nossos corpos.

 

2.     Precisamos de descanso para concentrar nosso foco em coisas essenciais.

 

Numa entrevista recente (Junho 2021) do Dr. Tim Keller analisa os efeitos da pandemia na vida das pessoas e das igrejas. Ele afirma que temos sido exposto a uma forte situação de esgotamento, não apenas pelo isolamento social, mas pela necessidade de mudar a rotina de trabalho, e as adaptações que tivemos que fazer. O estresse atingiu famílias, crianças, adolescentes e idosos. Uma vez que somos seres relacionais, precisamos de contato face a face, precisamos de abraços e toques, e não apenas de uma telinha que nos transmita um punhado de informações. 


Estudiosos tem analisado isto na questão educacional. O distanciamento de crianças e adolescentes das aulas presenciais. A escola não fornece apenas conteúdo curricular, mas experiência e vivência comunitária. Ninguém sabe ao certo quais os efeitos do isolamento social na vida das pessoas. Os idosos precisam de abraços e toques. Quais são os efeitos do distanciamento destes dias de pandemia? 

 

Esta tem sido minha experiência. Já vi várias pessoas chorando ao retornar ao culto, no domingo passado (04 de Julho,2021), uma irmã que teve recentemente um câncer, ficou um ano e meio sem frequentar a igreja. Naturalmente ela estava chorando ao participar da ceia do Senhor.

 

O descanso nos faz restaurar as energias e concentrar naquilo que é essencial. Muitas vezes ficamos dispersos por causa do excesso de trabalho, cansaço e esgotamento. Precisamos reorientar nosso coração e retomar o foco de nossa alma. Tenho refletido sobre o redirecionamento que Deus deseja dar a cada um de nós. Um texto que me levado muito à reflexão encontra-se em Atos 16, quando os discípulos quiseram ir para Bitinia e depois para a Ásia, mas nos dois relatos eles foram impedidos, curiosamente, pelo Espírito Santo, de irem para o campo missionário. É estranho ver o Deus que tem o coração missionário impedir avanços missionários. Entretanto, naqueles dias de espera, em Trôade, Deus lhes dá a visão de irem para a Macedônia. 


Em Troade nao há nenhum relato do trabalho missionário dos discípulos, contudo, foi ali que Deus lhes deu a visão de irem para a Europa. Tempos de descanso, reflexão e espera, além de serem restauradores física e emocionalmente, se tornam muitas vezes o tempo para recuperar a visão, para vermos as coisas com os olhos de Deus. Precisamos de descanso para concentrar o nosso foco naquilo que é essencial, e o que é essencial vem do coração de Deus.  

 

Não é sem motivo, portanto, que Jesus convide seus discípulos a se retirarem, para repousar. Ele os convida a irem a um lugar deserto, para que as tensões que estavam experimentando não tirassem deles o foco necessário.

 

3.     Precisamos do descanso, porque este é um princípio divino.

 

Pouco refletimos sobre o significado do sábado, o motivo dele estar nos Dez Mandamentos, e quando o fazemos, o transformamos numa lei opressora como os contemporâneos de Jesus fizeram. Jesus colocou o sábado no lugar certo: “O homem não foi feito por causa do sábado, mas o sábado por causa do homem”.

 

O sábado não é uma questão religiosa, uma forma de opressão humana, mas um princípio de Deus para regular nossas vidas. A Confissão de Fé de Westminster (Cap 21 & VII,VIII) afirma que “Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por ele” (...) Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o dia, um santo descanso de suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidades e de misericórdia.”

 

O sábado deve ser visto como instituição divina, como uma ordenação da criação. O sábado, portanto, não é uma  ordenança estritamente mosaica. Sua origem está enraizada na própria criação. Por que Deus fez o sábado? Qual era o objetivo? Porventura Deus estava cansado e precisava descansar? Não! A instituição do sábado é pedagógica e didática. Deus estava pensando em nós. Suas bênçãos temporais podem ser apreciadas por toda a humanidade, pertencem à ordem das coisas como elas foram desde o início antes da queda do homem no pecado. Por esta razão Deus descansou no sétimo dia.

 

Já refletiram sobre a importância do sábado para o equilíbrio da humanidade? O sábado era parte integrante da vida do povo judaico. Foi criado para proteger o povo de Deus, mas também possuía uma dimensão social, era uma forma de defender o fraco. Nem o servo poderia trabalhar neste dia. Possuía ainda uma dimensão ecológica: Nem o animal poderia trabalhar, e mesmo a terra deveria ser poupada no sétimo ano. Sábado estava ligado ao ciclo da natureza. Proteção ao homem, aos servos, aos animais, e mesmo à terra.

 

A compreensão de Jesus sobre o sábado é maravilhosa. Tratava-se de um tempo de adoração, reservado a Deus, tinha a ver com a experiência de viver: tempo de recuperar as forças. Os discípulos de Cristo precisam colocar a ideia do sábado no lugar certo. O descanso é um princípio divino, para nos proteger, abençoar os trabalhadores, cuidar dos animais e da natureza. Portanto, a falta de descanso na nossa vida é uma quebra do projeto de Deus para nossa vida, e o preço da desobediência em não descansarmos pode ser bem caro para nossas vidas.

 

Conclusão

 

Por esta razão, o convite de Jesus aos seus discípulos se torna tão relevante: "Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto”. Jesus estava respeitando sua humanidade e dor. Estava cuidando para que seus discípulos também não ficassem esgotados. Jesus se mostra cuidadoso com o desgaste emocional que eles deveriam estar vivenciando naquele momento de dor.

 

Jesus convida seus discípulos a repousar: Organizar a dor, colocar em ordem as emoções e a mente. Refletir sobre perdas. Não passar pela dor sem reflexão. Jesus não quer que os discípulos apenas produzam, cumpram tarefas e responsabilidades, mas deseja que eles aprofundem seu significado nas experiências que atravessam. Jesus sabe das demandas. Os discípulos não tinham tempo nem para conversar, mas ainda assim, Jesus os retira do burburinho e os leva a um lugar solitário. Deixar a alma encontrar com o corpo. Há um lugar de descanso ao lado do criador.

 

O conselho de pastores de Anápolis, se reunia durante a semana, e eu sempre estive presente participando das reuniões. Um dia, porém, mudaram para o sábado, e desde então eu não mais participei. O presidente que é meu amigo, me convida para participar e eu digo que não vou, porque sábado é o único dia da semana em que posso acordar mais tarde, fazer uma caminhada despreocupada longe das exigências e tarefas. Não gosto de marcar reuniões também com minha liderança neste dia da semana, excepcionalmente até faço isto, mas eu sei que este é o único dia em que estão realmente livres. Se eles tem compromisso com a igreja, certamente estarão no domingo na igreja, e por outro lado, trabalham todos os dias da semana. Então, entendo que o sábado é um dia para fazerem suas atividades extras, não teremos compromissos a não se com seu descanso.

 

Mas existe um descanso maior que Jesus promete aos seus discípulos. Talvez seja este o seu caso pessoal. Veja o convite de Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11.28-29).

 

Muitas vezes o nosso cansaço é decorrente da infidelidade. Podemos estar cansados por causa de nossos pecados (culpa), e por causa da ansiedade (que é também pecaminosa), porque não conseguimos descansar por não crer no cuidado dele pela nossa vida.


O pecado gera cansaço.

Eu sei um bocado sobre depressão, pois já lidei e estudei bem sobre o assunto. Sabemos que a depressão tem causas endógenas e exógenas. Ela pode ser gerada por causa de uma disfunção hormonal, problemas físicas, e pode ser gerada por um fator emocional: perda significativa nos afetos, traumas, etc. Mas tenho aprendido que o que muitas vezes chamamos de depressão, tem a ver com pecado não confessado. Davi afirmou: "Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos. Porque a tua mão pesava sobre mim e o meu vigor se tornou em sequidão de estio". Ele está afirmando que sua alma secou, porque ele não havia lidado bem com o pecado. Ele ainda não tinha se arrependido.


Por esta razão, muitas vezes vemos pessoas viajando, tirando férias, descansando e continuam cansadas. Seu problema não resolve. Ela precisa ser perdoada para que ocorra a cura.


Estamos precisando descansar espiritualmente. Encontrar o descanso que a presença de Cristo nos traz. Conhecer o descanso e o convite dele para cada um de nós, para experimentar a plenitude que existe nele. aprender a colocar nele a nossa ansiedade, nossos temores, nossas dores. Aprender que através de seu sangue somos sarados. Temos vivido afadigados, agitados, não temos sido capazes de descansar na provisão de Deus quanto ao alimento, o sustento, a saúde. Por isto ele está nos convidando para entrarmos no seu descanso. "Vinde a mim, todos". Estamos precisando de descanso para nossa alma.


Diante de Jesus talvez precisemos dizer como o Salmista: "Por que estás abatida, oh minha alma? Por que te perturbas dentro em mim. Espera em Deus pois ainda o louvarei. A ele, meu auxílio e Deus meu". 

 

Você está cansado? Precisando de repouso?

Jesus está nos convidando: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto

"vinde a mim todos... e achareis descanso para a vossa alma"

 

Gosto muito da experiência dos carregadores africanos, que ao serem pressionados disseram: “Precisamos ir mais devagar, porque ontem corremos demais, e precisamos dar um tempo para que nossa alma alcance nossos corpos. Nossa alma está agitada demais. Estamos demasiadamente tensos... precisamos do descanso de Deus. 

 

 

 

 

 

 

 

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