Introdução
Vocês já perceberam como determinadas pessoas são elegantes? Eu tive e tenho ovelhas que sempre acho muito elegantes. Elas não são pedantes, nem arrogantes, nem tentam transmitir uma ideia de superioridade, elas simplesmente agem assim. Independente do ambiente em que estiverem, elas serão elegantes. Não fazem força para viver e agir assim. Isto faz parte do seu estilo de vida. É o seu modo de viver.
Nestes versículos, ao contrário da ênfase autobiográfica que até aqui percebemos na carta aos Filipenses, Paulo faz recomendações à igreja sobre o seu modo de viver. O Evangelho nos convida a adotarmos um estilo de viver coerente com nosso chamado, por isto diz: “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (1.27).
A Bíblia usa muitas vezes a ideia de andar para ilustrar a vida cristã:
ü “Andai do modo digno da vossa vocação” (Ef 4:1).
ü “Não andeis com os gentios” (Ef 4:17).
ü “Andai em amor” (Ef 5:2).
ü “Andai como filhos da luz” (Ef 5:8).
Que modo é este? Que estilo de vida a Bíblia nos desafia a ter quando afirma: Vivei, de modo digno doe Evangelho?
A fé cristã exige determinados procedimentos e condutas. É a ética bíblica. Você pode ouvir um descrente contar uma piada suja e falar um palavrão, e se sentir desconfortável com sua postura e língua suja, mas você relega porque não se espera uma ética bíblica para quem não é discípulo de Cristo, mas você se assusta quando vê os seguidores de Cristo fazendo a mesma coisa. Publicar no instagram vídeos com poses insinuadoras e provocativas é algo natural em pessoas que não temem a Deus, mas quando você vê uma pessoa, membro de sua igreja, com roupinhas provocantes e sensuais, você fica assustado. Você espera uma atitude mais modesta e ponderada. Dar OK e “likes” em publicações com conteúdo anti cristãos é comum na internet, mas quando você vê algum discípulo de Cristo, dando “likes” a determinadas publicações, achando lindo aquilo que Deus não aprova, você fica se perguntando o que está acontecendo, ou se as pessoas estao realmente entendendo o que está acontecendo.
Neste texto lemos que o povo de Deus deve viver, “acima de tudo, por modo digno do Evangelho” (Fp 1.27). Precisamos andar de modo digno porque somos filhos da luz, e não filhos das trevas. Espera-se que um discípulo de Cristo tenha uma ética e um procedimento diferenciado. Seu procedimento deve corresponder à mensagem do evangelho.
Uma tradução alternativa e interessante deste texto seria: “Acima de tudo, comportem-se como cidadãos [gr. politeuesthe] dignos do evangelho de Cristo”. A NVI traduz este texto da seguinte forma: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo.” A ordem é que vivamos de uma forma condizente com o reino ao qual afirmamos pertencer.
Como podemos viver de modo digno do Evangelho?
- Seja consistente em todas as áreas – Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo (Fp 1.27)
O comportamento do cristão precisa ser condizente com a cidadania cristã. A Lei Magna que rege a vida de um discípulo de Cristo é a lei do reino de Deus. Por isto “Importa obedecer a Deus que aos homens.” Não é a cultura, a educação, nem a direção politica de um país que determina o que devemos fazer e qual estilo de vida devemos adotar. Muitos servos de Deus perderam sua vida exatamente pela recusa em se submeter a um sistema político que obriga seus cidadãos fazer algo que Deus diz que não devemos fazer. Os exemplos clássicos na Bíblia são de Daniel e seus amigos na Babilônia.
Somos regidos pela ética estabelecida por Deus.
Portanto, precisamos ser cristão no trânsito, praticando esporte, namorando? Fazendo negócios. Por causa da incoerente ética que muitos cristãos tem adotado, muitas vezes o evangelho é tão desprezado e o cristianismo tem sido tão rejeitado. O que fazemos fala tão alto que as pessoas não conseguem ouvir o que dizemos. Devemos viver, não apenas de modo digno, mas, de modo digno do Evangelho. O nosso padrão não é humano, mas celestial.
Madre Francisca Lechner, uma alemã nascida no século XIX, criou uma ordem de freiras chamada de Congregação das Filhas do Amor Divino, e desenvolveu um “programa de vida” sob os valores do Reino de Deus:
- Nenhuma manhã sem oração fervorosa –Priorize Deus em seu dia.
- Nenhum trabalho sem boa intenção –O uso indevido do nosso tempo no trabalho, prejudicam outras pessoas e instituições.
- Nenhuma alegria sem um “muito obrigado” a Deus.
- Nenhuma palavra sem se lembrar do Onipresente.
- Nenhum sofrimento sem serena paciência. Ao invés de murmurar e rejeitá-los, devemos orar por mais por força, fé e esperança.
- Nenhuma ofensa sem perdão.
- Nenhuma falta sem arrependimento.
- Nenhuma boa ação sem humildade.
- Nenhum pobre sem auxílio.
- Nenhuma pessoa em sofrimento sem uma palavra de conforto.
- Nenhuma noite sem exame de consciência.
Uma irmã comentou que daqui a pouco os vizinhos a chamarão de louca porque ela tem orado em voz alta no banheiro de sua casa. Ai eu lhe respondi: “Eles já acham que você está louca, mesmo que você não diga nada, pelo simples fato de submeter sua vida a um Deus que se fez carne e morreu em uma cruz”.
John Stott afirma: “Nossa conduta deve ser coerente com o nosso chamado. Não pode haver dicotomia entre aquilo que dizemos e aquilo que somos, e sim uma consistência fundamental.”
- Seja coerente em todas as circunstâncias – “...para que, ou indo ver-vos ou estando ausente” (Fp 1.27)
O segundo aspecto a ser considerado no exercício desta cidadania ter a ver com a integridade. Não ter duas formas de agir, não fazer apenas quando os holofotes estão direcionados para nossas atividades, não fazer apenas para ser visto pelas pessoas e receber os elogios dos homens. A motivação maior deve ser o amor a Cristo. Alguém já definiu integridade como a característica daquele que não é dividido, fracionado. Ele é integro, não fragmentado ou esquizofrenizado. Isto é integridade. Outra definição que gostei de caráter é aquela que diz: “Caráter é aquilo que você faz no escuro.”
Precisamos cuidar para que nosso viver não seja compartimentalizado, uma vida do tipo médico e monstro. Neste clássico da literatura e do cinema, O Dr. Jekyll fazia experiências com a natureza humana e acreditava que o lado bom e ruim de cada personalidade podia ser alterado quimicamente. O estilo cristão deve ser o mesmo, porque sua reputação não deve ser buscada nos homens, mas em Deus. Só Deus pode realmente dizer quem você realmente é. Portanto, sua forma de ser e agir não pode estar pautada pelas circunstâncias.
Quando Stalin recebeu seu aliado da primeira guerra mundial, ele mandou pintar as ruas e casas por onde haveriam de passar, construiu fachadas de prédios que não possuíam nada dentro, para dar a impressão de ordem e beleza em seu país. Esta é uma imagem de vidas caricaturais, de darmos a impressão de sermos o que não somos. Esta atitude política, não pode ser a norma da vida de um cristão autentico. Deus não tem interesse em nossas máscaras. Deus odeia a duplicidade. Ele procura adoradores que o adorem em espírito e em verdade. O salmista afirma: “Aborreço a duplicidade, mas amo a tua lei.” (Sl 119.113)
Por esta razão, é preciso ser coerente em todas as circunstâncias. Quando estamos pertos ou longe dos outros. Não devemos viver a vida para os outros, mas para Deus. Obviamente somos tentados a ser moralistas diante dos outros, a vender uma imagem quando estamos sendo observados, mas a consistência tem a ver com integridade, e isto não é apenas um acessório da vida cristã, mas sua essência. Integridade tem a ver com uma pessoa que não se divide.
Viver de modo digno implica em ser um cidadão que cumpre seus deveres baseado em seus valores. O evangelho é o meio com o qual temos a possibilidade de modelar a nossa vida com os valores do Reino. Estes valores determinarão a forma de viver de cada um. Isso só é possível sendo um cidadão que modela sua vida de acordo com os valores de Cristo.
- Busque a unidade de forma intencional – “...que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica.”
A Igreja de Filipos estava experimentando alguns problemas relacionados à comunhão. Apesar de ser uma igreja generosa e missionária, sendo a única que investiu no projeto missionário de Paulo, ela enfrentava alguns problemas sérios no relacionamento entre os irmãos. Paulo estava na cadeia e alguns irmãos, por inveja e porfia, pura discórdia, resolveram pregar o evangelho para provocar as autoridades a fim de que Paulo fosse mais severamente punido (Fp 1.17); Paulo enfatiza a unidade do corpo provavelmente por causa dos problemas latentes na igreja (Fp 2.14); Duas irmãs da Sociedade Feminina da Igreja viviam em constante tensão e disputa, e Paulo chama a atenção das duas para a reconciliação. (Fp 4.2).
Neste texto Paulo os exorta a estarem firmes, em um só espírito, uma só alma, lutando juntos. Pelo que vimos na carta, isto não era tão fácil e natural entre aqueles irmãos de sangue quente, afinal, eles eram espanhóis, e era fácil sair faísca. Apesar de serem generosos e cuidadosos com Paulo na obra missionária, eram competitivos e briguentos.
Nem sempre a unidade da igreja acontece de forma espontânea. Existem pessoas pacíficas e igrejas pacíficas, mas existem pessoas barraqueiras e igrejas problemáticas. Parece que isto faz parte da natureza. Então, é preciso estar firmes, em “uma só alma”, para que a fé evangélica possa florescer. O Evangelho não cresce em um ambiente hostil, de constantes conflitos entre os irmãos. Igrejas assim facilmente se dividem, perdem o impacto evangelístico, e perdem sua energia na resolução de conflitos. Precisamos estar firmes como uma só alma para que a unidade do corpo de Cristo prevaleça.
- Não se intimide – “e que, em nada estais intimidados pelos adversários.” (Fp 1.28)
Os membros da igreja de Filipos deveriam estar assustados com a truculência das autoridades. Aliás, foi nesta cidade que Paulo e Silas levaram uma enorme surra em praça pública por pregarem o evangelho e foram levados para a cadeia onde ficaram cantando até altas horas da noite. Não é fácil ser crente em um ambiente tão hostil. É quase natural ficar amedrontado.
Tenho pensado nisto em nossos dias. Ainda não corremos risco de sofrermos agressão, mas hoje em dia, afirmar a fé num ambiente de escola de ensino médio ou universidade não é fácil. Resistir as provocações dos colegas porque você insiste em ter santidade no sexo, não é fácil. Certa vez uma garota de 15 anos me procurou porque na sua escola, não havia nenhuma garota de sua idade que ainda era virgem. Nestas situações, é fácil se intimidar, ficar acuado. Adolescentes estão numa fase em que buscam a aprovação dos colegas e desejam ser populares.
O apóstolo Pedro afirma: “Por isso, difamando-vos, estranham que não concorrais ao mesmo excesso de devassidão.” (1 Pe 4.4) Quando sofremos críticas por causa de nossa posição frente a temas polêmicos, quando insistimos em viver uma vida santa, a não entrar no jogo desonesto, e recusamos uma vida de luxúria e pecado, sofremos críticas. Mas não podemos intimidar.
Por não? Veja o que nos diz este texto: “o que para eles é prova de perdição, para vós outros, é de salvação, e isto da parte de Deus” (1.28).
Certa irmã me disse que daqui a pouco os vizinhos a chamarão de louca porque ela tem orado em voz alta no banheiro de sua casa. Ai eu respondi: “Eles acharão você louca, mesmo que você não diga nada, se entenderem que você põe a sua confiança e submete sua vida a um Deus que se fez carne e morreu numa cruz”.
- Reconheça que existe uma graça surpreendente no Evangelho: A graça do martírio. “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele,” (Fp 1.29)
Aqui encontramos um aspecto fundamental da genuína fé. A disposição de se entregar até à morte por causa de Cristo. Gostamos de falar da graça de Deus, de como somos aceitos incondicionalmente por meio de Cristo, de como a graça é poderosa e eficaz. Mas agora a Bíblia nos fala de outra graça. Não apenas a graça de crer em Cristo, mas de padecer por Cristo.
Portanto, devemos estar prontos a sofrer pelo evangelho. A afirmação de que a fé e o sofrimento são dois privilégios cristãos concedidos talvez nos surpreenda. Os filipenses foram testemunhas da perseguição que Paulo havia sofrido em sua cidade, e eventualmente eles também sofreriam por sua fé e muitos seriam atribulados e martirizados. Paulo faz questão de lembrá-los que nos“foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele.” (Fp 1.29)
Dietrich Bonhoeffer, que sofreu o martírio e foi morto por sua fé no governo de Hitler afirmou antes de morrer: “o sofrimento é a marca do verdadeiro cristão.” A verdade é que se você estiver sofrendo por Cristo isto é um privilégio. Russel Shedd afirmou: “Qualquer que seja a ameaça com que o inimigo consiga assaltar, não tema, Cristo é mais forte. Nunca se intimide diante do adversário, pois Cristo ganhará a batalha por você” (Shedd).
Conclusão
Estas são cinco marcas presentes na vida daquele que deseja viver no estilo de vida de Cristo.
- Seja consistente em todas as áreas (Fp 1.27)
- Seja coerente em todas as circunstâncias (Fp 1.27)
- Busque a unidade de sua comunidade de forma intencional
- Não se intimide (Fp 1.28)
- Reconheça que existe uma graça surpreendente no Evangelho: A graça do martírio. (Fp 1.29)
Isto só será possível se olharmos para Cristo. vendo como sua perfeita obra atingia cada um destes pontos. Cristo viveu uma perfeita vida, consistente, coerente, sem se sentir intimidade, e entregando-se até a morte por sua igreja. Cristo padeceu, para que nós, pudéssemos com sua graça e poder, viver a vida que Deus sempre planejou para nós.
Que Deus nos abençoe.