Introdução
Vivemos uma era de incertezas.
Os valores morais estão todos sendo questionados. Algumas vezes você tem a sensação de que, fazer a coisa certa é a coisa errada. Uma ovelha minha me procurou perguntando, e ela estava sendo sincera, se havia alguma coisa errada em namorar sem ter sexo antes do casamento. Rapazes e moças da igreja, parecem estar errados por terem convicções morais certas, e manterem a pureza moral.
A incerteza e dúvida, trazem vários problemas. O que devemos crer? Será possível ter convicções num mundo onde faltam convicções? É possível estar certo de alguma coisa? Poder afirmar que é verdadeiro isto ou aquilo? No campo da politica e mesmo da ciência, cada um diz o que quer. A verdade é verdade se você acha que é verdade (relativismo), e a verdade está dentro de você (subjetivismo), e cada um tem a sua verdade (pluralismo).
Mas este texto chama a atenção por algo claro na concepção bíblica. No vs 6, a Bíblia afirma: “Estou plenamente certo!” Em outras palavras, precisamos ter algumas certezas na vida espiritual que sejam inalienáveis. Convicções que nos sustentem. Paulo afirma que estava “plenamente certo”.
Um dos grandes problemas dos seguidores de Cristo é a dificuldade em ter valores claros em suas mentes. As pessoas não sabem mais em que creem. Na primeira crise que enfrentam, porque as convicções não estão claramente estabelecidas, facilmente entram em desespero e crise. Parecem órfãos, não filhos amados.
Será que podemos ter certeza? “Se Deus não disse o que teria dito, porque não disse o que teria de dizer?” Se a Palavra de Deus não é suficiente, inspirada, inerrante, onde poderemos colocar nossa confiança? Se não podemos confiar no que Deus diz, vamos confiar em quê?
O autor da carta aos hebreus fala da importância dos princípios básicos estarem claros em nossas mentes: “A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal.” (Hb 5.11-14).
Ficamos no ABC da fé cristã. Não assimilamos nem os “princípios elementares dos oráculos de Deus.” Gostamos de eventos na igreja, mas “eventos apenas provocam crescimento. O que gera transformação é o discipulado.” Isto acontece quando nossa forma de pensar e agir, estão sendo moldados pela Palavra de Deus. Estes fundamentos são essenciais. Precisamos ter algumas certezas em nossas mentes para que a obediência a Cristo nos leve à maturidade emocional e espiritual.
Certa vez estava observando a mocidade da nossa igreja jogando voleibol. Como nunca fui bom jogador deste esporte, fiquei admirado com a capacidade deles em levantar a bola. Eu quase quebro meus dedos todas as vezes que jogo... e eles possuem leveza, tocam gentilmente na bola. Então comentei com um presbítero que estava ao meu lado sobre isto. Ele me respondeu tranquilamente: “O que faz diferença são os fundamentos”.
Paulo afirma neste texto: ‘Estou plenamente certo!”
De que ele estava certo?
1. Estou plenamente certo de que Deus completará sua obra em mim –“Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus.” (Fp 1.6)
Deus não é um Deus de obra incompleta. Sua estratégia não é de políticos corruptos que nunca completam os projetos e desperdiçam recursos e dinheiro da sociedade. Deus completa o que ele começou.
Quando recebemos a Cristo pela fé em nosso coração, o Espírito Santo passa a habitar em nós. É um longo processo de santificação. O Espírito vai nos despojando do velho homem, velhas manias, velhos valores. Ele deseja realizar uma obra nova. Criar um novo homem “em justiça e retidão procedentes da verdade.” O velho homem resiste. A carne é forte! Ela tem desejos, quer ser alimentada na sua lascívia, luxúria e corrupção. Mas o processo de Deus em nós tem objetivos claros e tem o prazo certo para completar.
Deus está fazendo sua obra e “há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus.” Antes de nossa morte, esta obra completa será concluída.
A obra de salvação é completa porque:
A. Quem nos salva é Cristo – Salvação não está baseada em nossa moral, ou na justiça própria, nem no que fazemos, mas no que Cristo fez.
O autor da carta aos hebreus afirma que Jesus é o "autor e consumador" da nossa fé. Sendo o autor, ele inicia o processo da salvação. Como consumador, ele é que leva a nossa salvação a bom termo. Esta doutrina é chamada de "perseverança dos santos". É uma das cinco doutrinas da TULIP, que são os pontos essenciais do Calvinismo. Na verdade podemos chamar esta doutrina de "perseverança de Deus", porque é ele quem persevera em nós seu cuidado e nos mantém no caminho dos céus.
B. A garantia da salvação é o Espírito
A Bíblia afirma que “fomos selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.” (Ef 1.13,14).
Há duas figuras neste texto: O selo e penhor.
Primeiro: Nós fomos “selados”. O que é este selo?
Antigamente os reis enviavam cartas para as províncias, assinando com um anel e selavam assim a correspondência. As cartas eram invioláveis, ninguém podia romper o selo porque nela havia a marca do rei. Quanto mais poderosa não é a marca que o Espírito Santo de Deus fez em nós, quando fomos regenerados.
Segundo, o texto de Efésios ainda nos ensina que o Espírito Santo é o penhor.
Ainda hoje, alguns bancos recebem joias e bens como “garantia” de que o dinheiro que emprestaram será pago. Tais bens, se forem joias, ficam guardadas pelo banco, e se forem outros bens estarão penhorados. É como se fosse um bem alienado, ele não pode passar para a mão de terceiros, porque está preso judicialmente. Nós estamos penhorados diante de Deus. Há uma garantia para nossa salvação. Quem é esta garantia? “O Espírito Santo é o penhor da nossa herança, até o dia do resgate de sua propriedade.”
Precisamos estar certos disto...
A obra que Jesus começou estará completa até o dia de Cristo Jesus, até o nosso encontro com ele e Deus está trabalhando em nós pelo Espírito Santo. Nós fomos selados pelo Espírito Santo, e a garantia nossa não é paraguaia: ”La garantia soy yo.” Quem nos garante é o Espírito Santo.
Quando alguém me pergunta se podemos perder a salvação, tenho duas respostas:
Primeiro: você ganhou a salvação? Tanto perder como ganhar tem a ver com nossas capacidades pessoais. Se a salvação é conquistada pelo homem e não uma dádiva de Deus, você poder perder e ganhar.
Segundo: depende! Se a salvação está centrada em você, claro que sim. Na verdae, neste caso, você nunca teve salvação. Nenhum homem é suficientemente capaz de ser salvo por si próprio. “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” (Rm 6.23). Por isto salvação é obra de Deus. Jesus teve que morrer em seu lugar na cruz, para lhe dar salvação. Salvação não é conquista, é dádiva. Não é mérito, é graça!
Deus está fazendo uma obra em nós. Seu processo de santificação diário. Por isto todo cristão deveria colocar na sua testa a seguinte frase: “Seja paciente para comigo, Deus ainda não me completou”.
Quando nos convertemos ocorre uma santificação inicial: somos regenerados e convertidos a Deus. Primeiro, dos deuses falsos para o Deus verdadeiro, depois do nosso ego independente para um ego rendido e submisso a Deus, depois, dos nossos valores, prioridades e projetos pessoais para valores do reino de Deus e da sua justiça. Deus está trabalhando em nós. Ele faz isto gerando arrependimento e tristeza em relação aos nossos pecados. A características de alguém convertido não é que tal pessoa não peca, mas porque ela não mais tem alegria em viver em pecado. Pecado traz tristeza.
Neste processo de conversão, eventualmente percebemos que damos “três passos para a frente e dois para trás.” Mas ainda assim, estamos avançando. Muitas vezes ainda tropeçamos em velhos hábitos da carne e da mente. Mas voltamos para a cruz, pedimos a graça de Deus, e Deus vai renovando continuamente nosso ser em relação a ele.
Por esta razão lemos na Palavra de Deus:
“Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado. Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.” (2 Co 3.16-18)
A obra de Deus começa quando cai o véu da incredulidade, da justiça própria, e começamos a colocar nossa confiança na obra de Cristo para salvação. Assim o Espírito de Deus iniciou sua obra em nós. Aos poucos ele traz liberdade da culpa, do pecado e do diabo, e com o rosto desvendado, “somos transformados de glória em glória.” Deus vai nos transformando. Podemos afirmar como Martin King Jr.: “Eu não sou quem eu gostaria de ser; não sou quem eu poderia ser, e ainda não sou quem eu deveria ser. Mas graças a Deus eu não sou mais quem eu era!”
Precisamos estar certos disto...
2. Somos participantes da graça de Deus – Esta é a segunda coisa da qual precisamos estar “plenamente certos.” “Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós, porque vos trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e confirmação do evangelho, pois todos sois participantes da graça comigo.” (Fp 1.7)
Quero enfatizar aqui a expressão: “Pois todos sois participantes da graça comigo.” A graça de Deus nos alcançou individual e comunitariamente. Deus nos fez participantes da sua graça.
Preste atenção. É a graça de Deus operando em nossas vidas. Não é algo que fazemos para Deus, mas é algo que Deus fez por nós. Não é esforço, nem mérito, é graça. “Pela graça sois salvos mediante a fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não de obras para que ninguém se glorie.” (Ef 2.8,9).
Deus fez algo absolutamente gratuito em minha vida. Esteja certo disto! Quando não entendemos a doutrina da graça começamos a acreditar que quem faz somos nós. Ora, se somos nós que fazemos, não há razão de glorificar a Deus: o mérito é nossa, trata-se de uma conquista pessoal. Mas se é Deus quem faz, então, toda glória é dele.
Paulo reconhecia tão bem isto: “Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.”(1 Tm 1.15). É o triunfo da graça em nós. Ele nos atraiu a ele, o Espírito Santo nos convenceu de nossa condição miserável, e da necessidade de um salvador. Quem nunca se percebeu um pecador, nunca sentirá necessidade de um salvador. Para que preciso de um salvador se eu mesmo posso me salvar?
Quando reconheço que é Deus quem faz, isto gera louvor e adoração em minha vida. Ele fez! Glórias seja dada ao seu nome! Mas se fui eu quem fez, porque deveria ter gratidão a Deus? Quanto mais entendo a graça, mais adoração tenho no meu coração. Quanto mais justo me sinto por meu esforço e mérito, menos louvor darei a Deus.
Richard Lovelace afirma:
“Em nossos dias, apenas uma fração de cristãos professos está se apropriando substancialmente da obra justificadora de Cristo na vida deles. Muitos (...) tem um compromisso teórico com essa doutrina, mas no dia a dia se apoiam na santificação para receber a justificação.” O que acontece então? Não nos apropriamos do que Cristo fez. Ainda estamos firmados em nós mesmos. Isto é o anti-evangelho.
“O Evangelho não diz respeito ao que fazemos, mas ao que foi feito por nós” (Tim Keller, Igreja centrada, pg 37).
A graça de Deus nos alcançou, ela nos inseriu no seu projeto. Nós somos participantes da graça de Deus. E se é graça não é mérito; se é mérito, não é graça. Esteja certo de que você é participante da graça de Deus. Esta graça perdoadora, justificadora, restauradora. Você é bem pior do que você imagina, mas a graça de Deus é muito maior do que você imagina que ela seja.
Esteja certo disto...
E a terceira verdade da qual precisamos estar certos é a seguinte:
3. O evangelho sempre impacta nossos afetos. “Pois minha testemunha é Deus, da saudade que tenho de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus. E também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção.” (Fp 1.8,9)
Uma das coisas mais impressionantes do evangelho é como ele tem poder para impactar nossa forma de se relacionar com as outras pessoas. Neste texto Paulo está falando da “saudade” que sentia dos irmãos e ora para que o “amor aumente mais e mais.” São palavras relacionadas aos afetos.
Noutro lugar ele afirma: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.” (Co 3.12). Esta linguagem bíblica é muito marcante. “ternos afetos de misericórdia”. O coração de alguém que é tocado pela graça de Deus é impulsionado a uma vida de ternura e afetividade.
Culturalmente temos muito problema com a linguagem de Paulo aos Coríntios: “Saudai-vos uns aos outros com ósculo santo.” (2 Co 13.12). Paulo recomenda que os irmãos beijem os outros irmãos. Esta era uma forma cultural entendida pelos seus leitores, eles se cumprimentavam com beijo. Em essência, o que a Bíblia está afirmando é que, no corpo de Cristo, não há lugar para frieza e indiferença.” É proibido ser frio! O coração de alguém que é tocado pelo evangelho é marcado pela disposição em acolher o outro, reconhecer o irmão.
Em tempos de isolamento social e de uma sociedade que busca cada vez mais o seu direito à privacidade e à individualidade e o distanciamento nos é imposto por razão sanitária, corremos o risco de nos tornarmos frios, distantes e indiferentes.
Esteja plenamente certo de que Deus tem chamado você para uma experiência comunitária, que deve ser compartilhada, vivida e experimentada.
Certa vez, num encontro de liderança em Vitória, estava falando de espiritualidade e afetividade e provoquei uma discussão sobre o seguinte aspecto. Eu indaguei na palestra, e depois dei a tarefa para discussão em grupo, sobre o que aconteceria se nossos líderes fossem escolhidos não pelo critério da ortodoxia (doutrina correta), mas para ortodopraxia (atitude correta), e se os pastores e lideres não fossem escolhidos não só por serem teologicamente ortodoxos, mas pela afetividade. A forma como tratam as pessoas, a família e os colegas (funcionários) do trabalho. Preciso admitir que a discussão se tornou bem mais acalorada que eu esperava.
Esteja plenamente certo de que o evangelho tem o poder de mudar sua forma de ser e agir, de tratar as outras pessoas.
Conclusão
Em Malaquias 4.5-6, os últimos versículos do antigo Testamento, Deus afirma o seguinte: ““Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor. Ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição.” (Ml 4.5-6). É interessante refletir nesta grande verdade de que o ministério de Cristo tangencia os afetos. A promessa de Deus para seu povo é que Cristo faria “conversões horizontais”, e não apenas verticais. Convertendo o coração dos pais aos filhos e filhos aos pais.
Esta é uma obra maravilhosa de Cristo. Nos converter uns aos outros. Nem sempre isto é fácil. Muitas vezes esta questão é tensa e difícil. Mas preste atenção. O texto não diz que você se converterá, mas afirma: “Ele converterá!” Trata-se portanto de algo que Deus faz em nós por meio do seu Espírito. Tudo vem de Deus. Você não é regenerado por si mesmo, não se converte por si mesmo, não é santificado sem a obra do Espírito, e não será glorificado sem a completa ação de Deus.
Esteja pois certo das seguintes verdades:
A. Deus completará sua obra em nós.
B. Somos participantes da graça de Deus
C. O evangelho sempre impactará nossos afetos
Amém. Glórias a Deus por sua vida Pastor Samuel. Texto maravilhoso.
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