"Pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e admoestação do Senhor"(Ef 6.4).
Col 3.21 - "Pais não irriteis os vossos filhos, para que não fiquem desanimados".
Introdução
As relações familiares nem sempre são amenas e muitas vezes são marcadas por grandes discórdias, e até mesmo ira. Não temos dúvida em afirmar que família é uma grande benção de Deus, mas isto não impede que famílias sejam marcadas por disfuncionalidades, neuroses, angústias e abusos. Portanto, as exortações bíblicas "Pais, não provoqueis vossos filhos à ira”, e "Pais não irriteis os vossos filhos” é mais do que apropriada.
O termo “pais” que aparece aqui, não se refere a pai e mãe, mas unicamente ao pai, portanto, está focado apenas na figura masculina, embora, certamente possa ser aplicado aos dois. Quando o texto fala de “pais”, está se referindo aos homens.
A exortação bíblica é que os pais não devem provocar seus filhos à ira, nem irritar os filhos para que não fiquem desanimados. Uma tradução inglesa, afirma: “Pais, não irriteis vossos filhos para não perder os seus corações.” (NASB) A palavra grega para “irritar” seria ainda melhor se fosse traduzida por “não torná-los amargurados.” Calvino preferiu traduzir da seguinte forma: "para que sejam criados amorosamente".
Por que a Bíblia é tão enfática sobre este assunto? E por que ela se centraliza de forma tão direta à figura masculina? Quais são os fatores que tornam a relação dos pais para seus filhos uma experiencia de irritabilidade e amargura?
O que irrita os filhos?
1. Incoerência dos Pais
Steve Farrar, autor do best-seller “The point Men”, afirma que um dos fatores que mais gera irritabilidade nos filhos é a “injustiça”. Pais podem não ser justos na aplicação da disciplina e no tratamento que dão aos filhos.
Alguns anos atrás aconselhei um homem que estava traindo sua esposa, e seu filho, de apenas cinco anos estava percebendo tudo, até que um dia lhe disse: “Pai, o senhor não pode fazer isto... o senhor é um homem casado”. E isto foi um soco na atitude daquele homem que não estava percebendo que seu filho seria capaz de censurá-lo, e isto o fez repensar e retornar à sua família e sua esposa.
Filhos se tornam irritados e ressentidos quando pais tratam as situações de forma injusta. Alguns de vocês certamente se lembram o quanto foi dolorido receber tratamento incoerente ou injusto. Algumas vezes este tipo de tratamento deixa marcas tão profundas que acompanham a vida dos filhos para sempre.
A habitual contradição na educação ou injustiça no tratamento recebido, pode causar um acúmulo de ira que amargura a relação com os pais. A disciplina incoerente fere os filhos. O favoritismo por um dos filhos também pode ser uma forma de tratamento injusto, especialmente quando tal preferência se torna explícita.
2. Desencorajamento
Esta é outra maneira perigosa de irritar os filhos e gerar grandes danos a alma da criança. Isto é mais explícito na falta de apreciação dos pais pelas boas atitudes dos filhos. Existem pais sempre prontos a criticar, mas como muita dificuldade de apreciar o que o filho faz de bom. Frases como: “Você não presta pra nada!”, “você não faz nada certo!”, “você só me dá desgosto!”, “você é imprestável!”, “você é burro!” penetram na alma de uma criança como uma nódoa, trazendo sofrimento anos a fio. Esta é uma das formas mais fáceis de trazer irritação e amargura ao coração dos filhos.
John Eldridge no livro, “Coração selvagem” afirma que uma das maiores expectativas do filho em relação ao seu pai é saber se ele tem valor. Eldridge afirma que as mães não outorgam masculinidade, mas apenas o homem. A criança do sexo masculino está sempre querendo saber o que seu pai acha do que ele fez, e sempre espera a apreciação que muitas vezes nunca chega, um elogio que sempre é negado. Lamentavelmente pais encontram muita dificuldade em apreciar o que o filho faz de positivo. Muitas palavras ditas com críticas e desprezo são sentenças pesadas que duram por muitos anos.
É fácil depreciar, ridicularizar, irritar. Filhos, precisam ser encorajados.
3. Negligência e descuido
William Hendriksen coloca a negligência como um dos fatores que trazem amargura ao coração dos filhos. Robert Coles afirma: “Penso que o que os filhos precisam desesperadamente nos dias de hoje é um propósito moral. Os pais estão preocupados em conduzi-los ao colégio certo, comprar melhores roupas, morar em uma boa vizinhança, dar-lhes melhores brinquedos, fazerem viagens interessantes, e embora tais coisas sejam importantes, os pais não estão gastando tempo com seus filhos, pelo menos o suficiente”.
Infelizmente algumas das crianças e adolescentes mais amarguradas que encontramos procedem de lares ricos e abastados. Não seria por causa da negligência e atenção que os pais deveriam dar aos filhos? Sua preocupação exagerada em ganhar dinheiro, dar uma boa vida, pode facilmente levar o pai a estar sempre ausente de casa e nunca gastar tempo com seus filhos. Sua falta de tempo, negligência, descuido e desatenção, em não participar da vida do filho, e observar o que está acontecendo impossibilita os pais de perceberem a direção que o coração dos filhos está seguindo e ajudá-los nas suas escolhas morais e espirituais e no seu processo de amadurecimento. São pais passivos e ausentes.
Se você quiser estudar um pouco do resultado do descuido na criação de filhos, leia atentamente a história de Davi. Sua incoerência e ausência em relação aos seus filhos foram fatais na vida dos filhos. Ele não repreendeu seu primogênito Amnon, seu provável sucessor do seu reinado, quando este abusou de sua irmã; Ele não protegeu sua filha Tamar quando foi violentada, ele não tratou da alma de seu filho Absalão, que desenvolveu uma relação de ódio declarada contra ele. Com um mínimo de sensibilidade e bom senso, a família de Davi teria sido poupada das tragédias shakespearianas que aconteceram na sua casa. Mas Davi ignorou a dor de seus filhos e as lutas que eram travadas em seus corações.
A recomendação bíblica segue em duas direções: “Criai-os na disciplina e admoestação do Senhor”.
Criai-os na disciplina
Disciplina tem a ver com correção. A disciplina tem a função de estabelecer os limites. Crianças geralmente não tem noção do que é perigoso e podem sofrer graves acidentes. Certamente vocês já viram cenas de crianças correndo riscos em lugares perigosos e os pais desatentos. Quando meu filho Matheus tinha dois anos de idade, no dia da mudança para a cidade de Brasília, eu o encontrei assentado na janela do quarto andar do apartamento onde iriamos morar.
Ao crescerem, embora os limites sejam de outra natureza, precisamos ajudá-los na vida. Eventualmente eles nos questionarão, não concordarão com a decisão que tomamos como pais, mas uma das funções claras na Bíblia é que os pais devem criar os filhos sob disciplina, e evitar que sejam “desordenados” (1 Tm 3.4-5). Muitos filhos são desorganizados, indisciplinados, sem noção de certo e errado, de limites. Chutam canela dos pais, batem no rosto dos pais, cospem nas pessoas. Conheço famílias que hoje não convidam amigos para irem para suas casas porque os filhos vão literalmente destrui-la.
Por outro lado, muitas crianças são cheias de exigência, não obedecem a nenhuma regra e não recebem qualquer limite de seus pais. Muitas xingam, desobedecem frontalmente, e os pais dizem que não conseguem fazer nada. São pais inseguros em relação a sua tarefa, que deixarão seus filhos inseguros em relação ao comportamento que precisam ter.
Atualmente há uma negligência clara quando se trata da disciplina. Mas se você deseja obedecer à Palavra de Deus, você disciplinar seus filhos. Um lar cristão não deve rejeitar este mandamento. Filhos precisam entender o que significa “não”, quais são seus limites, como devem se comportar. A Bíblia adverte que “a vara da correção dá sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe." (Pv 29.15) Em provérbios lemos ainda: “Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do inferno.” (Pv 23.13,14) Muitas vezes a disciplina envolve punição e castigo. Os judeus afirmam que as crianças têm ouvido nas costas.
A palavra disciplina que aparece neste texto vem do grego paideia, de onde surge o termo pedagogia em português, e significa “cuidar, possuir a força de punir, castigar, direcionar”. Mas disciplina possui uma ideia ainda mais profunda: orientar, dirigir, dar direção.
Criai-os na admoestação do Senhor
Os filhos não apenas devem ser criados na disciplina, mas também na admoestação, conselho, orientação, palavra de direção que venha de Deus. Filhos precisam saber onde podem e não podem ir, o que podem e o que não podem fazer, tendo como fundamento os princípios do Senhor.
A Palavra de Deus torna-se o manual para a orientação que deve ser dada aos filhos. Ela precisa ser ensinada. A palavra “admoestação” que aparece no texto vem de nouthesia, cuja raiz da palavra é “nous” (mente), que significa colocar a mente no lugar. Jay Adams fala muito do aconselhamento noutético afirmando que o grande desafio do conselheiro cristão é ajudar as pessoas a pensarem de acordo com as Escrituras Sagradas.
Assim como a disciplina, não deve ser limitada a punição, mas tem como foco o estabelecimento de princípios, valores e limites, admoestações não são broncas, mas orientação. Devemos orientar nossos filhos em relação à vida e decisões espirituais e morais que deverão assumir, e tudo referência dos princípios e valores deve estar fundamentado em Deus. A base ética da família é teocêntrica, está em Deus, por esta razão a pedagogia humanista e os valores morais decorrentes da cultura e da sociedade não servem de parâmetros para a instrução que devemos dar aos filhos.
Conclusão
As consequências da irritar os filhos são drásticas.
Trazem desencorajamento, frustração e desânimo. Isto pode desembocar em depressão ressentimento, violência e fortes atitudes reativas. Um exemplo bem claro disto está na vida de Esaú, filho de Isaque e Rebeca. Por causa das preferências familiares e da hostilidade dentro de casa, ele se tornou uma pessoa amargurada e birrenta. Por causa do conflito entre Esaú e seu irmão Jacó, as coisas ficaram muito difíceis em casa. Rebeca foi a causa direta da ruptura entre os irmãos. Veja o que aconteceu:
“E disse Rebeca a Isaque: Enfadada estou da minha vida, por causa das filhas de Hete; se Jacó tomar mulher das filhas de Hete, como estas são, das filhas desta terra, para que me servirá a vida?” (Gn 27.46).
O que então fez Esaú diante da preocupação de sua mãe e de seu pai?
“Vendo, pois, Esaú que Isaque abençoara a Jacó, e o enviara a Padã-Arã, para tomar mulher dali para si, e que, abençoando-o, lhe ordenara, dizendo: Não tomes mulher das filhas de Canaã; E que Jacó obedecera a seu pai e a sua mãe, e se fora a Padã-Arã;Vendo também Esaú que as filhas de Canaã eram más aos olhos de Isaque seu pai, foi Esaú a Ismael, e tomou para si por mulher, além das suas mulheres, a Maalate filha de Ismael, filho de Abraão, irmã de Nebaiote.” (Gn 28.6-9)
Saul de forma reativa e para ferir seus pais tomou a decisão de fazer exatamente o contrário que Rebeca, sua mãe, desejava. Um filho amargurado com os pais terá para sempre uma ferida no coração e será sempre rebelde, mesmo que isto traga danos a si mesmos. Filhos amargurados saberão como ferir seus pais. Uma criança abusada tende a abusar de outras pessoas também.
Por isto, a base do conteúdo deste ensinamento, encontra-se em Deus. Devemos criar nossos filhos na disciplina e temor do Senhor. A base deve estar firmada em Deus, no seu projeto, no seu plano. Fora disto o resultado será sempre catastrófico.
Conclusão
Somos constantemente desafiados nas Escrituras Sagradas a sermos modelos e referência espiritual, emocional e espiritual para nossos filhos. Como diz um poeta brasileiro, “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender.”
O grande desafio nosso não é saber as verdades de Deus, mas como aplicar estas verdades na nossa experiencia cotidiana. A Bíblia exorta aos maridos para amar suas esposas. Por que então não as amamos como a Bíblia ensina? Por uma razão complexa: Nossa realidade pecaminosa. Somos seres pecadores, carentes da graça de Deus.
Por isto Paulo exclama: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim.” (Rm 7.18-20).
Paulo percebia a dura realidade de sua vida. Um ser contraditório, ambíguo, que se desvia prontamente de Deus. Como temos errado na educação que damos aos nossos filhos, como falhamos na tarefa de não provocá-los ou irritá-los. Quantas vezes, querendo fazer o bem, nos equivocamos e fazemos o mal. Precisamos nos arrepender sim, de nossa atitude pecaminosa, mas precisamos também da graça e do poder de Deus para sermos o que ele deseja que sejamos.
Somente a graça e o poder do Evangelho são capazes de nos tirar dos condicionamentos psicológicos pecaminosos e nos levar novamente a refletirmos o caráter de Cristo. O evangelho não é sobre o que somos capazes de fazer, mas o que o Espírito Santo é capaz de fazer em pessoas pecaminosas como nós. Por isto nos aproximamos de Cristo, para receber socorro, graça e misericórdia, e assim refletirmos o caráter do Filho de Deus. Amando, perdoando, sendo misericordioso, generoso, amável. Precisamos de Cristo.
Educação de filhos na perspectiva do evangelho não é apenas um “manual behaviorista”, não é sobre nossa competência e habilidade. Precisamos de Jesus para abençoarmos nossos filhos e assim trazermos saúde emocional e glória ao nome de Deus.
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