sábado, 4 de março de 2023

2 Co 5.18-21 Tudo provém de Deus!

 




 

 

 

Introdução

 

 

Paulo inicia este texto com uma afirmação central para a compreensão da teologia da redenção e tema central na teologia reformada: “Tudo provém de Deus!” Os teólogos chamam isto de monergismo.

 

Toda teologia humanista coloca sua ênfase no poder do homem, nas suas capacidades morais e espirituais. O arminianismo, que afirma que a salvação depende do esforço humano e não da ênfase última na graça de Deus, também coloca o homem no centro.

 

O calvinismo afirma que o homem é incapaz de ir em direção a Deus por causa de sua condição espiritual e sua total depravação, o ser humano é incapaz de buscar a Deus por vontade própria, precisando que Deus aja em sua vida para que ele creia em Cristo, o arminianismo afirma que a salvação depende da vontade do homem. Em última instância a salvação depende do homem.

 

O Calvinismo afirma a eleição incondicional. Deus escolhe aqueles a quem Ele quer regenerar e salvar, para que a glória dEle seja manifestada. Dessa forma, a eleição não está condicionada à vontade do homem, mas a de Deus. Para o arminianismo, a Eleição é condicional. Depende do homem. Deus elegeu para salvação aqueles que Ele sabia que aceitariam a salvação. Sendo assim, trata-se de uma eleição condicionada à ação do homem, que somente precisa ter fé para ser salvo. A salvação está mais uma vez centrada no homem, que toma a iniciativa, não em Deus. O calvinismo afirma que apenas Deus é capaz de gerar fé no coração do pecador que está morto em seus delitos e pecados.

 

Para os arminianos, o ser humano pode resistir à ação do Espírito Santo em sua vida, ou seja, escolher não ser atraído por ela para a salvação em Cristo. Sendo assim, para ser salvo, primeiro o homem precisa escolher ir em direção a Deus e depois aceitá-lo. Tudo provém do homem. Para o Calvinismo, a graça de Deus é irresistível. Primeiro Deus age nos eleitos, mudando sua orientação pecaminosa, para que assim o homem consiga ter fé e ser atraído de forma irresistível pela graça de Deus. Já que o homem é caído em pecado (depravação total), como ele pode ir voluntariamente em direção a Deus? A vontade humana é incapaz porque é escravizada pelo pecado. O homem natural não se move em direção ao Espírito, mas em direção à carne, a não ser que Deus o desperte pelo Espírito Santo.

 

Charles Haddon Spurgeon afirma: “É um efeito da Queda o fato do homem amar o pecado mais que a justiça, e os caminhos do mundo mais que os caminhos de Deus.”

 

Em 2 Co 2.15 Paulo faz uma pergunta intrigante: “Quem, porém, é suficiente para estas coisas?”. E deixa sem resposta. A conclusão de seu pensamento só aparece adiante quando afirma: “Nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança.” (2 Co 3.5). Aqui neste texto, Paulo retoma sua temática para afirmar: “Tudo provém de Deus!”

 

Em toda bíblia, a iniciativa da salvação começa em Deus. É ele quem vem em direção ao pecador, e não o pecador em direção a Deus. O pecador só pode ir em direção a Deus se o Espírito Santo iniciar este processo que nos chamamos de regeneração, apenas o Espírito Santo pode converter o coração do homem, e incliná-lo em direção a Deus. É isto que este texto nos ensina. Ele nos reconciliou consigo mesmo!

 

O que é interessante é que Deus é o ofendido, nós ofensores. Mas é o ofendido quem toma a iniciativa de restauração. A boa nova não parte do homem. Não há nada do homem a não ser fraquezas, fracassos e rebeldia. O texto bíblico não deixa margem para nenhuma dúvida sobre este assunto. “Não que por nós mesmos sejamos capazes de alguma coisa, como se surgisse de nós...” (2 Co 3.5).

 

Nós estávamos escravizados ao pecado. Escravos estão sujeitos à servidão, debaixo do jugo do seu opressor. O homem sem Deus é escravo de sua vontade, de seu pecado e do diabo. Lutero chamava isto de “escravidão da vontade”. Uma pessoa dominada pelo pecado não possui vontade própria. Ela está subjugada e não tem interesse pelas coisas de Deus.

 

A Bíblia afirma que “estávamos mortos em nossos delitos e pecados, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos.” (Ef 2.1) Os sentidos espirituais não funcionam nos mortos. Precisamos da ação do Espírito para nos ressuscitar dentre os mortos, nos despertar e nos tirar do estado de inconsciência e letargia espiritual. Só o Espírito de Deus pode fazer isto. Tudo provém de Deus!

 

A compreensão deste fato provoca em nós um sentimento de gratidão, por termos sido alcançados por um amor tão espontâneo e gracioso. Joao afirma que “nós amamos porque ele nos amou primeiro.”

 

Tive uma aluna de formação arminiana, que me ouviu falando destas verdades bíblicas, e ficou muito chateada com o que ouviu. Ela não concordava com nenhuma das minhas posições teológicas, embora não tivesse coragem de discordar de mim. Ao chegar em casa, chateada, foi conversar com sua mãe, uma assembleiana raiz, e quando ela comentou com sua mãe, ela colocou suas mãos nos quadris e lhe disse: “Se dependesse de mim, eu jamais teria vindo pra Deus! Justo eu, que gostava da farra e forró, que não tinha nenhum interesse pelas coisas espirituais, e que nunca havia procurado conhecer nada das coisas de Deus. Graças a Deus ele veio ao meu encontro, me chamou, me converteu, e me trouxe pra perto dele.” Esta aluna comentou comigo, que depois desta conversa com sua mãe, todas as suas barreiras sobre a ideia de que Deus é “autor e consumador da fé”, desapareceram. Ela finalmente entendeu que “Tudo provém de Deus! “

 

O que Deus fez por nós? Este texto é um dos mais preciosos para entendermos a graça de Deus.

 

  1. Ele nos reconciliou consigo mesmo. Ora, tudo provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação.” (2 Co 5.18)

 

A condição natural do homem é o afastamento de Deus. A grande tentação e talvez o nosso grande pecado é viver uma vida distanciada de Deus. Por isto resistimos à oração, qualquer entretenimento e atividade é mais atraente que a devoção. Achamos que podemos fazer as coisas por nossa força e vontade e dependemos pouco de Deus. É a carne na sua expressão mais sutil e poderosa

 

Em Efésios, Paulo afirma a condição humana:

 

Naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo.” (Ef 2.12)

 

Ele revela a condição humana não regenerada em cinco pontos:

  1. Sem Cristo
  2. Separados do povo de Deus
  3. Estranho às alianças da promessa
  4. Sem esperança
  5. Sem Deus.

 

Ora, o nosso pecado, nos afastou de Deus. A obra de Cristo tinha este claro objetivo: reconciliar o homem perdido a Deus. Restaurar sua condição. A obra da redenção é central nas Escrituras. “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo.” (2 Co 5.19)

 

Por isto Jesus fala tanto da alegria da reconciliação do filho pródigo. Aquela parábola reflete o coração de Deus em relação a um filho que retorna ao Pai.  “Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.” (Lc 15.32). Este é o coração de Deus, esta é a missão de Cristo, trazer paz, aproximar o homem perdido, restaurar sua criação que estava tão afastada de Deus por causa de seu orgulho e rebeldia.

 

“Ora, tudo provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo. “O ofendido (Deus) procura o ofensor (o homem) para resolver a pendência. Que amor singular!

 

  1. Ele não imputou aos homens aos homens as suas transgressões – “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões.” (2 Co 5.19)

 

Imputar” significa, “lançar na conta”. O texto aqui enfatiza que Deus tirou a dívida da nossa conta bancária espiritual. Por meio de Cristo, Deus não imputa aos homens as suas transgressões, Deus perdoou nossas dívidas, anulou nossos débitos.

 

O Deus justo precisava aplicar justiça a nós, pecadores. Todos nós somos devedores e nossa conta espiritual diante do Deus justo é impagável. O que Deus fez? Jesus assumiu nossa dívida e morreu pelos nossos pecados.

 

O texto adiante dirá:

Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Co 5.21) Olha que afirmação maravilhosa: Jesus se fez pecado por nós. Toda ira de Deus contra nosso pecado foi colocada em Jesus. Toda nossa condenação foi colocada sobre ele, toda acusação contra nós foi colocada nEle. Ele assumiu o nosso lugar.

 

Em contrapartida, Deus fez ainda outra coisa: “...para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” Ele nos deu a justiça de Cristo. Tudo que Jesus conquistou na cruz, é direito nosso, é nossa herança. Ele assumiu nosso lugar, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, foi colocado na cruz, e nos deu sua justiça. Sua herança, seus méritos, tudo que é de Jesus, foi colocado sobre nós.

 

Quando Deus nos vê ele não nos olha como pecadores condenados, mas como justos absolvidos. A justiça de Cristo está sobre nós. Fomos resgatados, redimidos, perdoados, reconciliados e recebemos a herança que é de Jesus. Toda sua justiça é minha.

 

“Essa é a doutrina da justificação pela fé. O homem deixa de ser considerado pela justiça de Deus como um ser culpado. No momento em que ele crê em Cristo, toda sua culpa é lançada fora. Mas vou a um passo mais à frente. No momento em que o homem crê em Cristo ele deixa de ser culpado pela estima de Deus. Mais do que isso, ele torna-se justo, ele torna-se merecedor, pois no momento em que Cristo assume seus pecados, ele assume a justiça de Cristo. Então quando Deus olha para o pecador, que uma hora atrás estava morto em pecados, ele olha com tanto amor e afeição como se ele mesmo olhasse para seu Filho. Ele mesmo disse isso: “Assim como o pai me amou, eu amo você”.” (Charles Spurgeon).

 

Ao invés de Deus imputar pecados sobre os homens, o que seria justo, ele imputou justiça. Isto é graça! Zerou nossa conta devedora, não imputando as transgressões e nos perdoando, e colocou saldo imputando justiça. Somos justos aos seus olhos!

 

A justiça de Cristo é uma justiça estranha. Ela não vem de nós, vem de Deus! Em Cristo, fomos feitos justiça de Deus?  

 

No filme, o leão, o feiticeiro, e o guarda-roupa, há uma cena interessante. Edmundo, traiu o grupo, aliando-se à feiticeira, e trazendo muita dor para Nárnia. Para resolver a necessidade de aplicar a pena sobre Edmundo, o leão morre em seu lugar e assim a justiça é feita. No final do filme, Edmundo já restaurado, participação do ato da coroação, e curiosamente, ele é declarado justo. Como assim? Justamente Edmundo que quebrou as regras e foi responsável pela morte do leão? Por tudo que fez, ele deveria ser a última pessoa que poderia receber tal título. Ele havia sido o traidor.

 

A doutrina da expiação é muito pouco pregada e muito pouco entendida em nossos dias. Jesus assumiu nosso lugar. Esta é a essência do evangelho. (Rm 3.25) O Cordeiro assumiu o lugar do pecador. Em Rm 4.6 lemos que Deus “atribuiu justiça” a Abraão. Nem Abraão era justo aos olhos de Deus. Deus colocou uma justiça em Abraão que ele não tinha. Que justiça temos? O texto deixa claro que ele imputou a justiça do Cordeiro. Jesus entra em seu lugar. Assim fez Jesus conosco. Na cruz, ele satisfez toda justiça de Deus, assumindo nosso lugar como substituto.

 

Em Rm 4.8 lemos: “Bem-aventurado o homem a quem o senhor, jamais imputará pecado”. Esta frase é tão forte que Agostinho mandou encravá-la na sua cama, para que todo dia ele se lembrasse do que Deus fez por ele. Sou absolvido, não estou mais debaixo de condenação alguma. Por meio de Cristo, Deus nunca nos imputará pecado, porque o nosso pecado foi colocado sobre Jesus. Afinal, “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus, é Deus que os justifica” (Rm 8.33)

 

Tudo provém de Deus!

Como devo responder a esta tão grande salvação?

 

  1. Reconcilie-se com Deus - “Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus.” (2 Co 5.20)

 

Como ficar distante e alheio a esta grande dádiva que nos foi concedida por meio de Cristo. Como recusar a oferta do amor do Pai?

 

O autor aos hebreus fala de forma interessante:

Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram.”(Hb 2.3). como recusar a oferta amorosa de Deus?” (Hb 2.3)

 

Como ouvir estas verdades tão maravilhosas e ficarmos sem responder ao amor de Cristo? Como escaparemos se formos negligentes com tamanha graça.

 

  1. Assuma o ministério da reconciliação – “...E nos confiou a palavra da reconciliação.” (2 Co 5.19) Deus nos deu o ministério da reconciliação.

 

Precisamos entender o que Deus nos fez e como devemos responder ao amor de Deus. Ele nos perdoou, ele nos deu a justiça de Cristo, ele nos reconciliou com Deus. Muita gente para aqui neste ponto. Mas devemos perguntar o que faço com tudo aquilo que Deus me fez. Que resposta de amor devo dar a este tão grande amor?

 

Muitas pessoas se tornam consumidoras da fé. Veem a igreja como um grande supermercado no qual vamos até à prateleira e nos servimos dos produtos que desejamos. Mas Deus não nos chamou para apenas desfrutar as bençãos dele para nossa vida. Ele nos chamou para uma santa vocação. Pessoas reconciliadas com Deus precisam ser instrumentos para ajudar outros no processo de reconciliação com o Pai celestial. Ele nos deu um “ministério.”

 

Toda igreja lida profundamente com a questão do voluntariado e do serviço. Boa parte das pessoas não quer se envolver, dar do seu tempo, investir seus talentos no reino de Deus. Mas o texto diz que Jesus perdoou nossos pecados e nos deu ministério. Toda nossa vida deve ser um esforço para levar jovens, crianças, adolescentes, idosos, à reconciliação com Deus. Nosso chamado é para exercer um grande ministério.

 

  1. Assuma postura de embaixador: “De sorte que somos, embaixadores em nome de Cristo.”

 

Somos embaixadores”. (5.20).  Fomos chamados por Deus proclamar esta verdade para que os homens a ouçam e sejam libertos por ela. O embaixador representa seu país. Deus exorta por nosso intermédio.

 

Mathew Henry afirma: “Um embaixador é um representante oficial de um país em outro. Como crentes, somos embaixadores de Cristo, enviados com sua mensagem de reconciliação ao mundo.” F. F. Bruce: “Paulo destaca a dignidade do seu ofício ao se autodenominar “embaixador”, o termo legal para designar um emissário de César, que não fala somente “a favor de”, mas “no lugar do” seu senhor.”

 

Barclay afirma:

 

  1. Um embaixador é um cidadão de seu país num país estrangeiro. Vive entre gente que quase sempre fala um idioma diferente, que tem uma tradição diferente e um estilo de vida diferente também. O cristão é sempre assim. Vive no mundo; toma parte de toda a vida e tarefa do mesmo; mas é um cidadão do céu. Até este ponto é um estranho. O homem que não está disposto a ser diferente não pode ser cristão.

 

  1. Um embaixador fala por seu país. Quando o faz, sua voz é a de sua pátria. Transmite a mensagem, a decisão e a política de seu país. Há momentos em que o cristão tem que falar por Cristo. Nas decisões e conselhos do mundo sua voz deve ser a que ofereça a mensagem e a palavra de Cristo à situação humana.

 

  1. A honra de um país está em mãos de seu embaixador. Julga-se o seu país através dele. Ouvem-se suas palavras, observam-se suas ações e as pessoas dizem: "Essa é a maneira em que esse país pensa e age." Julga-se o seu país através dele.

 

Lightfoot, o bispo do Durham: "O embaixador, quando age, não só o faz como agente, mas sim como representante de seu soberano... O dever de um embaixador não só é o de dar a conhecer uma mensagem determinada e desenvolver uma política definida; está obrigado a buscar as oportunidades, a estudar as pessoas, considerar maneiras para apresentá-los perante seus ouvintes da maneira mais atrativa." Paulo lhes roga que não aceitem a graça de Deus sem um propósito.


Barclay usa uma ilustração para entendermos a exortação bíblica: “Pensemos no assunto em termos humanos. Suponhamos que um pai se sacrifica e trabalha em excesso para dar a seu filho todas as oportunidades na vida, rodeia-o de amor, planeja cuidadosamente seu futuro e faz todo o humanamente possível para equipá-lo para a vida. E logo suponhamos que o filho não sente sua dívida de gratidão; nunca sente a obrigação de retribuir por receber tudo isso. Suponhamos que fracasse, não porque não tenha capacidade, mas sim porque não se esforça, porque se esquece do amor que lhe deu tanto, e segue seu próprio caminho irresponsável. Isso destroça o coração de um pai; ali está a própria essência da tragédia.”

 

Todos os cristãos, aceitando ou não essa comissão, são embaixadores de Cristo. Certifiquemo-nos de que nossa mensagem, métodos e motivos sejam corretos para que nosso trabalho seja duradouro e passe no teste de fogo quando estivermos diante do Senhor.

 

Nossa resposta é resposta de gratidão. Afinal, tudo provém de Deus. Ele iniciou o processo de redenção, ele nos livrou da culpa e condenação e nos imputou a justiça de Cristo. Como não responder amorosamente a este grande amor de Deus?

 

 

 

 

 

 


Um comentário:

  1. Todo mundo precisa ler este texto.. e ler devagarinho... Deus te abençoe Pastor Samuel

    ResponderExcluir