Introdução
Existem alguns temas nas Escrituras que são difíceis de conciliar:
1. Como o Deus Pai, Filho, Espírito Santo podem ser três pessoas subsistindo em forma de uma só? Como explicar o mistério da Trindade?
2. Como a responsabilidade humana e a soberania de Deus podem andar juntas?
3. Se Deus sabe de todas as coisas antes que a peçamos, por que pedir, e ainda mais difícil: Se oração não muda o coração de Deus, por que orar?
4. Por que Deus permite o sofrimento, se ele tem todo poder para curar?
No Livro: Evangelização e soberania de Deus[1] Packer procura tratar destas questões. Ele indaga: Se Deus controla todas as coisas, por que evangelizar? A soberania de Deus enfraquece a evangelização? Há contradição entre Predestinação e Evangelização? Para Packer, estas duas verdades bíblicas, aparentemente paradoxais, são, na verdade, antinômios da revelação de Deus contida na Bíblia. Um antinômio não é um paradoxo, mas “uma contradição entre conclusões que parecem igualmente lógicas, razoáveis ou necessárias”. Naturalmente trata-se de uma contradição aparente, e há razões para se crer tanto numa quanto na outra. No paradoxo, não são os fatos que dão ideia de contradição, mas as palavras.
Eis alguns exemplos de paradoxos:
“Sou livre, quando sou escravo”;
“Entristecidos, mas sempre alegres”;
“Nada tendo, mas possuindo tudo”.
Nestes casos, diz Packer, a contradição é verbal, não real. Isto é paradoxo. A Bíblia afirmas duas coisas de forma simultânea, sem nenhuma crise.
O que é um paradoxo? Um paradoxo é uma declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica, ou a uma situação que contradiz a intuição comum. Em termos simples, um paradoxo é "o oposto do que alguém pensa ser a verdade".
Uma das melhores explicações que ouvi sobre paradoxos foi dada por um guia turístico que, falando do Parthenon Center, em Atenas. Ele explicou que estudiosos ainda estão admirados com a capacidade dos engenheiros que o construíram, porque, as colunas são simétricas, exatas, numa harmonia plena. Então ele disse que, por definição as retas paralelas são linhas que nunca se cruzam, são equidistantes em cada ponto correspondente, andam sempre juntas, mas não se tocam. Na matemática, as retas são linhas infinitas formadas por pontos e representadas por letras minúsculas indicando que não possuem fim. Isto é importante porque, as paralelas, que por definição não se tocam, contudo se tangenciam no infinito.
Esta é uma boa forma de entender os mistérios de Deus: duas coisas aparentemente irreconciliáveis, colocados na perspectiva infinita e eterna, fazem todo sentido. Embora não sejamos capazes de ver onde elas se tocam, por causa de nossa finitude.
Neste texto encontramos alguns paradoxos.
1. Como estar contente em tempos de descontentamento? Paulo afirma: “Entristecidos, mas sempre alegres.” (2 Co 6.1. )
Esta é uma ideia presente nas Escrituras. Debaixo de grande sofrimento é possível ver pessoas experimentando a graça incomensurável de Deus e uma alegria indizível. Paulo se refere à "paz que excede todo entendimento." Existe uma presença surpreendente de Deus em tempos de grandes lutas, que apesar de não transformar a situação em si, transforma o coração de forma profunda e maravilhosa.
Considere Paulo e Silas presos em Filipos. Apesar de torturados, ainda encontraram força interior para louvar a Deus. “Por volta da meia noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros da prisão escutavam.” (At 16.25) Eles não estavam cantando porque tudo estava bem. Todo o contexto era de dor, apesar disto eles estavam experimentando grande alegria celestial. A perseguição, pressão, o sofrimento, e a oposição, não roubam deles a alegria do céu.
Esta é uma contradição, um paradoxo. Assim como é muito comum encontrarmos pessoas, que vivem um paradoxo diferente: “são alegres, mas entristecidas.” Quando James Houston esteve no Brasil, com quase 90 anos e uma vitalidade surpreendente, ele foi hospedado na casa de um amigo meu, em Brasília, e havia algumas pessoas conversando com ele. Um dos visitantes fazia piada de tudo, e ria alto, espalhafatosamente. De repente, de forma surpreendente, Houston lhe perguntou: “O que você está escondendo detrás de toda esta aparente alegria?” E aquela pessoa, literalmente desmontou.
Há muitos avatares da alegria hoje em dia, vivendo sob falsa alegria. Aparentemente alegres, mas o coração triste. Fotos alegres no Instagram, mensagens positivas no facebook, mas por dentro uma alma triste, mal resolvida, vivendo o seu pavor silencioso, sem alegria, sem paz, sem benção. Mas o texto aqui está falando de pessoas fustigadas, privadas de seus direitos, espoliadas de seus bens, mas que ainda assim conheciam uma alegria celestial. Este é o primeiro paradoxo que encontramos no texto.
O segundo paradoxo é:
2. Como viver em escassez, e ainda ser rico? “Pobres, mas enriquecendo a muitos.” (2 Co 6.10).
Este texto nos ensina que existem pessoas ricas que são pobres, e outras pessoas que são pobres, mas com grande riqueza.
Por exemplo: considere a declaração de Jesus acerca das igrejas de Esmirna e Laodicéia. Sobre a primeira diz: “Conheço a tua pobreza, mas tu és rica.” (Ap 2.9), e sobre Laodiceia diz: “Vocês afirmam: estou rico e abastado, e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu.” (Ap 3.17) Viram só? É uma questão de perspectiva. Há muitos que se acham pobres e Deus os acha ricos; e muitos que se acham ricos, mas aos olhos de Deus são pobres.
Sobre a Igreja de Esmirna, Deus diz: “Conheço a tua pobreza, mas tu és rica.” (Ap 2.9) Ninguém é pobre, quando Deus declara que é rico. Esta igreja, atribulada, perseguida pelo Estado, é declarada rica diante de Deus, ainda que ignorada pelos homens. Curiosamente Jesus afirma no presente e não no futuro: “tú és rica”, e não “tu serás rica!” Deus tem uma forma diferente de avaliar a situação. Laodicéia achava que era rica, mas era pobre. Esmirna era pobre, mas Jesus a declara rica. A igreja de Filadélfia tinha pouca força, mas Jesus colocou diante dela uma porta aberta.
Como estamos nós, ricos, mas pobres; ou a despeito da pobreza, ricos? Esmirna aparentemente era pobre, mas na verdade era rica. Embora fosse pobre financeiramente, era rica de recursos espirituais. Não tinha tesouros na terra, mas tinha tesouros celestiais. Era pobre diante dos homens, mas rica diante de Deus. A riqueza de uma igreja não está na beleza do seu templo e no mobiliário, nem na grandeza a do seu orçamento, mas na benção e aprovação divina.
Outro episódio a ser considerado encontra-se em 2 Crônicas 25. O rei Amazias contrata um exército, cujo rei era infiel a Deus, para lutar com ele numa batalha, pagando uma grande quantia. Eram 100 talentos de prata, algo não desprezível. Cada talento pesa 15 Kgs. Um profeta enviado por Deus disse ao rei para desconsiderar a ajuda daquelas pessoas e não deixasse que elas fossem à guerra. Ele tinha feito um contrato e havia pago. Ele precisava decidir se levava o rei infiel como aliado dele, ou perdia o dinheiro que pagou. Ele decidiu obedecer, porque entendeu que a perda destes bens implicava na benção de Deus. “Disse Amazias ao homem de Deus: Que se fará, pois, dos em talentos de prata que dei às tropas de Israel? Respondeu-lhe o homem de Deus: Muito mais do que isso pode dar-te o Senhor” (2 Cr 25.9). E o profeta respondeu: “Mais do que isto pode dar-te o Senhor.”
Existem perdas que são verdadeiros ganhos. O tempo vai mostrando isto. Quantas perdas abençoadas que trouxeram bençãos e ganhos reais, profundos e duradouros.
Nem toda vitória traz ganhos reais. Amazias vai para a guerra, perdendo 100 talentos de prata, confiado na palavra do Senhor, e o resultado é a vitória do povo de Deus. Dinheiro não pode ser critério absoluto de decisões. O único ponto que interessa é se Deus está ao nosso lado.
As maiores perdas e os maiores ganhos não são temporais, mas eternos. Tem a ver com a eternidade. Jesus relatou certa vez a parábola de um homem que se julgava próspero, autossuficiente e abastado. E no final da estória Deus lhe perguntou: "Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?" Aquele homem, depois de agir com arrogância dizendo: “Tens em deposito muitos bens, come, bebe, regala-te!” Ouviu o seguinte: "louco, esta noite te pedirão tua alma, e o que tens preparado para quem será?"
Paulo entendeu muito bem este paradoxo de perder e ganhar:
"Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo." (Fp 3.7-8).
Em Cristo, Paulo encontrou seu maior bem. O grande ganho de sua vida não consistia em bens materiais, prosperidade, status, posição social, bom salário. Seu maior ganho era Jesus. Quando ele o descobriu, perdeu tudo por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo. Novas prioridades foram estabelecidos em sua vida, e um novo critério de valor foi estabelecido.
Nem todo lucro é ganho, e nem todo fracasso é perda!
3. Estar contente em tempos de desapontamento – “Nada tendo, mas possuindo tudo.” (2 Co 6.10) Este é o terceiro paradoxo.
Paulo fala de um terceiro paradoxo que muda nossa vida: Estar contente quando tudo poderia nos tornar tristes. “Nada tendo, mas possuindo tudo.” Precisamos de algo que se constitua nosso tesouro maior, e isto não pode ser encontrado em bens que possuímos. Precisamos de algo maior que os bens materiais.
Somos uma geração marcada pelo descontentamento. Nada é suficiente! Temos cada vez mais, mas infelizmente continuamos vazios e tristes. Fazemos viagens caras, compramos carros bons, temos casas bonitas, algumas verdadeiras mansões, mas nem sempre estas coisas maravilhosas fazem qualquer sentido. Continuamos vazios e descontentes. Somos uma geração descontente. Crianças e jovens descontentes com seu corpo, com a vida e com Deus. Vivem na rua da amargura lamentando, lamuriando. Tornam-se autocentrados, obcecados consigo mesmos e descontentes.
Um dos grandes problemas da humanidade é o descontentamento. Este sentimento é quase universal. Não há limites para a cobiça e para a insatisfação. Em Provérbios 1.19 lemos: “Tal é o espírito de todo ganancioso, e o espírito de ganância tira a vida de quem o possui.”
Psicólogos reunidos alegaram que o apóstolo Paulo foi o homem mais feliz da vida, pela seguinte declaração: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação”.
Os mais pobres acham que ganhando dinheiro, resolveriam o problema da felicidade, os mais ricos percebem que o dinheiro não trouxe o sentimento de plenificação que queriam, e muitas vezes continuam com a alma ainda vazia. Os altos, se sentem complexados em relação à altura, os baixinhos gostariam de serem mais altos. Reclamamos do calor quando vem, do frio quando chega, da neve quando cai, da chuva e do sol. Parece que não há limite para nossa insatisfação, e isto tem a ver com algo mais profundo: Nossa alma está insatisfeita, nosso coração está inquieto. Falta alguma coisa...
A questão essencial, não é o que você tem, nem o que você faz, nem como você é visto pelos outros. O problema essencial não é a tempestade do mar, mas a tempestade do coração. O nosso eu mais profundo é o que dá sustentação à nossa alma. Paulo quando disse: “Aprendi a viver contente”, não estava em viagens de férias no Caribe, mas estava preso pela sua fé.
Falta alegria simples, genuína e profunda! Parece que Jesus detectou este mesmo sentimento nos seus discípulos ao lhes perguntar: ‘‘Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso de sua vida?’’ Côvado é uma medida. Estaria Jesus se referindo a alguns discípulos que tinham problema com alto imagem e incomodados com sua estatura?
Neemias afirma: ‘‘A alegria do Senhor é a vossa força.’’ (Ne 8.10) O que isto quer dizer? Aplique isto à primeira pessoa do singular: “A alegria do Senhor é a minha força”. Será que tenho experimentado esta preciosa dádiva em minha vida? Precisamos ser ‘‘contaminados’’ com este poder sobrenatural que dá alegria em tempos normais e nos dias calamitosos e de perplexidade.
A palavra de Deus afirma:
‘‘Grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento.’’ (1 Tm 6.10) Talvez Paulo estivesse tentando corrigir o mau humor e a melancolia de pessoas com as quais Timóteo trabalhava, mas que apresentavam sempre um quadro de desânimo e desencanto. É possível piedade (vida com Deus) e ainda assim sermos descontentes? Infelizmente muitas pessoas já receberam o amor de Deus, mas ainda vivem descontentes, sem gratidão pelo que tem recebido.
Neste texto que estamos analisando, da 2 Carta de Paulo aos Coríntios, o apóstolo descreve a dura realidade que estava enfrentando:
“Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas; por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama, como enganadores e sendo verdadeiros; como desconhecidos e, entretanto, bem-conhecidos; como se estivéssemos morrendo e, contudo, eis que vivemos; como castigados, porém não mortos.” (2 Co 6.4-9).
Apesar de todo cenário, tão negativo, a alegria de Paulo é contagiante, mesmo vivendo momentos de desapontamento e angústia. Este paradoxo só pode ser experimentado por quem paira acima das circunstâncias, não está restrito nem limitado às forças da história nem da pressão de homem ou situações favoráveis, mas se percebe amado de Deus e tem experimentado o consolo do Espírito Santo.
Conclusão: O maior dos paradoxos
Neste texto consideramos alguns paradoxos:
1. Como estar contente em tempos de descontentamento? “Entristecidos, mas sempre alegres.” (2 Co 6.10)
2. Como viver em escassez, e ainda ser rico? “Pobres, mas enriquecendo a muitos.” (2 Co 6.10).
3. Como estar contente em tempos de desapontamento – “Nada tendo, mas possuindo tudo.” (2 Co 6.10).
Mas nas Escrituras Sagradas, o maior dos paradoxos é encontrado na cruz.
Há dois mil anos atrás Deus permitiu que seu Filho fosse submetido à morte mais cruel e dolorosa já criada pelo homem — a crucificação em uma cruz romana — para que Ele pudesse redimir todos aqueles que Ele escolheu. Esse ato apresenta um paradoxo final: Deus morrendo de modo sacrificial para que os homens possam obter a vida eterna. A cruz está repleta de contradições:
A. Maldição x benção – Aquele lugar maldito torna-se o lugar da redenção e da graça mais profunda.
B. Injúria e impropérios x perdão e amor. Os soldados e até mesmo um dos ladroes lançam impropérios, mas o que sai da boca de Jesus é o perdão transformador: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” (Lc 23.34)
C. Derrota x maior vitória. Aparentemente é a derrota do bem. Um sistema perverso de julgamento, juízes que dão sentenças iníquas. Aparentemente o mal e o diabo venceram. Entretanto, a cruz é o lugar da vitória da luz contra as trevas; do bem contra o mal; de Deus contra o diabo. A maior vitória de Cristo na cruz não foi contra o sistema perverso e as enfermidades, mas contra as forças do mal.
D. Morte x Vida. O autor da vida é crucificado. Deus morre... que contradição... Deus, autor da vida, morre numa cruz. Aparentemente a morte venceu prevaleceu. Entretanto, o inimigo foi ali derrotado . Jesus morreu, mas ele ressuscitou ao terceiro dia. Na cruz, a maldição virou bênção; a derrota se transformou em vitória; a morte se fez vida; e a tristeza se tornou em alegria.
Quando você enfrentar seus paradoxos, quando a vida não fizer sentido, olhe para a cruz. Quando a derrota e a tristeza parecerem dominar sobre sua vida e sua realidade for de trevas e medo, contemple a Cristo crucificado e ressurreto, olhe para o Cordeiro de Deus que foi morto, mas está à direita de Deus Pai e vive pelos séculos dos séculos.
Que texto maravilhoso. Deus o guarde Pastor.
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