Introdução
“Regozijai-vos sempre!” Que mandamento surpreendente! Que ordem desafiadora! É possível regozijar sempre? Não seria esta uma ordem meio de fora da realidade? Ocasionalmente termos nossos momentos de entusiasmo, celebração, e alegria, faz todo sentido, mas ter regozijo constante?
Quando lemos este mandamento, surgem quatro questões hermenêuticas:
- Trata-se de um mandamento. Isto é assustador. É um imperativo! É ordem de Deus. Deus nos ordena regozijar sempre. Ele não diz isto como se fosse uma opção, que você pode decidir ou não praticar. É ordem de Deus que nos regozijemos sempre
- A ênfase do texto quando diz que devemos regozijar “sempre”. Se fosse algo eventual, que praticamos de tempos em tempos, seria bem mais fácil, mas o mandamento de Deus é que sempre estejamos nos regozijando. Isto tem implicações muito sérias.
- A realidade de nosso coração: Tendência para a depressão, pessimismo, melancolia. Já consideraram como o nosso maior algoz somos nós mesmos?
- A realidade da vida: Muitas coisas causam sofrimentos diários. Vivemos num mundo caído, relacionamentos confusos, infidelidade, traição, doenças, enfermidades...
O autor de Eclesiastes, no meio de seu pessimismo, incredulidade e nihilismo ironiza até mesmo a alegria: “Do riso disse: é loucura! E da alegria. De que serve?” (Ec 2.1) Qualquer autor secular, existencialista, leria este texto com incredulidade e ironia. Como é possível regozijar-se sempre? Num mundo caótico, marcado por pressão, injustiça e angústia?
"Regozijar-se sempre" (1 Ts 5.16) é um chamado aos cristãos para cultivarem uma alegria constante em suas vidas, mesmo diante das dificuldades e desafios. Essa alegria não se baseia em circunstâncias favoráveis, mas sim em uma fé profunda em Deus e na esperança da vida eterna em Cristo. Precisamos entender a dimensão da alegria cristã da forma como requerida neste texto. Afinal, certamente temos momento de regozijos, mas sempre se regozijar é algo que transcende o ordinário.
É natural experimentarmos diferentes emoções, incluindo tristeza, raiva e frustração, isto sem contar com nossas variações de humor, estados de ansiedade e depressão, angústias e medo. Entretanto, Deus nos convida a não nos deixarmos dominar por essas emoções, mas buscar força nele para superar os desafios e cultivar uma alegria constante. "Regozijar-se sempre" é um chamado à ação, um convite para cultivarmos uma alegria profunda e duradoura em nossas vidas ainda que possa parecer irreal e até mesmo absurda.
São muitas as dificuldades para obedecer este mandamento. Passamos por doenças, perdas, traumas e situações dolorosas, a alegria pode parecer inatingível. O sofrimento físico e emocional pode nos levar à tristeza, desânimo e questionamentos. As pressões do trabalho, das responsabilidades familiares e das relações interpessoais geram estresse, ansiedade e frustração, dificultando o cultivo da alegria. As injustiças e a maldade no mundo, a pobreza, violência, guerras e outras formas de sofrimento humano podem abalar nossa fé e tornar difícil manter a esperança e a alegria. Além de todos estes fatores, temos lutas Internas: O pecado, as dúvidas e as tentações podem nos afastar de Deus e da alegria que Ele oferece, levando-nos à culpa, à vergonha e ao desânimo.
Como podemos nos regozijar sempre?
1. Precisamos entender a natureza desta alegria: Ela é ultra circunstancial. Não se baseia em circunstâncias favoráveis, mas sim em uma fé profunda em Deus e na esperança da vida eterna em Cristo.
Nunca teremos regozijo se dependermos das oscilações das circunstâncias. Problemas relacionais, financeiros, variações do mercado, são capazes de facilmente roubar nossa alegria. A verdadeira alegria não é apenas presença nem tampouco a ausência de coisas ruins. Estar alegre quando as coisas vão bem, até o ateu consegue.
A fé em Deus é fundamental para cultivar a alegria. Acreditar que Ele está no controle de todas as coisas, mesmo quando não entendemos o que está acontecendo, traz paz, esperança e alegria. Por isto a Palavra de Deus nos ensina: “Alegrai-vos sempre no Senhor, outra vez digo: alegrai-vos!” (Fp 4.4)
Essa alegria não depende das circunstâncias, mas de Deus. Vai além das emoções passageiras ou da felicidade dependente de fatores externos. Ela se fundamenta em uma relação íntima com Deus, na certeza de sua graça e amor incondicional, e na esperança da salvação em Jesus Cristo.
O que mais rouba nossa alegria são circunstâncias. Esperamos que as coisas andem sempre bem, que nada de mal nos aconteça, que não passemos por qualquer perda, tribulação ou dano, mas a vida não é assim. Jesus advertiu seus discípulos: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo passais por aflição, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.” (Jo 16.33)
Infelizmente colocamos nossa alegria nas circunstâncias favoráveis, mas as circunstâncias mudam, os eventos mudam. Se dependemos dos acontecimentos para a felicidade, viveremos constantemente em uma gangorra emocional.
A frase proferida pelo apóstolo Paulo: "aprendi a viver contente" (Fp 4.11) nos diz que contentamento é um aprendizado, não é algo natural. Ele diz que “aprendeu” a viver desta forma. Sua afirmação expressa um estado de maturidade espiritual alcançada que consegue experimentar contentamento em qualquer circunstância, seja em fartura ou necessidade, honra ou humilhação. Essa condição transcende as emoções passageiras e se fundamenta em uma profunda confiança em Deus e na certeza de que Ele supre todas as nossas necessidades.
A base do contentamento reside em uma fé inabalável em Deus. Em reconhecer que Ele é o provedor de tudo o que necessitamos, tanto material quanto espiritual, e que Ele está no controle de todas as coisas. Essa confiança nos liberta da ansiedade e preocupação com as coisas presentes e futuras. As dificuldades e sofrimentos da vida presente são passageiras em comparação com a glória eterna que nos espera em Cristo. Essa perspectiva nos ajuda a manter uma atitude positiva e grata, mesmo diante das adversidades.
Paulo demonstra sua apreciação pelas coisas simples. Ele não se apega às riquezas ou bens materiais, mas sim às coisas essenciais da vida, como a comunhão com Deus, o amor da família e dos amigos, e a oportunidade de servir aos outros.
2. Precisamos cultivar gratidão
A questão essencial não é o que a vida faz conosco, mas o que fazemos com a vida. Nem sempre a vida nos é favorável: Enfrentamos incompreensões, injustiças, abusos. A interpretação que damos ao que nos acontece dependerá das lentes que usamos. Tempos maus são solos perfeitos para o fortalecimento interior. Ao invés de deixar que tempos ruins nos derrubem, precisamos aprender a continuar andando e olhando para as coisas boas que estão escondidas.
Bill Bunting afirma: “A vida é pródiga em recompensar a pessoa que aprendeu a ser grata em toda e qualquer situação”. Já viram como pessoas mal-humoradas são infelizes? Elas se sentem inferiorizadas e estigmatizadas todo tempo e olham a vida com a ótica do zangado dos sete anões. Tudo é analisado pela ótica da bronca e da raiva. Por isto, o contrário da gratidão é a murmuração e a amargura.
“Pesquisas revelam que pessoas diariamente agradecidas tem um nível mais alto de percepção, mais entusiasmo, determinação, atenção e energia” (Robert A. Emmons, professor de Psicologia da Universidade da Califórnia). Não é sem razão que as Escrituras Sagradas afirmem: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus”. Ser agradecido faz todas as coisas melhores. Um coração grato consegue celebrar a vida, ao invés de ficar reclamando de tudo e todos. Gratidão é uma força poderosa.
A formula da felicidade: Felicidade = Realidade menos Expectativa.
Quanto maior a expectativa e quanto mais ela se afasta da realidade, maiores as chances de você se decepcionar e ficar infeliz. Se você tem expectativas altas demais e realidade de menos, o resultado será uma sensação de vazio e impotência. Quanto maior é a sua expectativa em relação àquilo que você não tem, maior será a possibilidade de tristeza. O aumento das expectativas tem sempre impacto negativo sobre a felicidade, já que existe uma correlação inegável entre felicidade e expectativa. Estar feliz é ver que a realidade está à altura do que esperávamos. Por esta razão, pessoas com muito pouco podem ter muita alegria e gratidão!
Contentamento vem pela gratidão. Alguns até perguntam: Pessoas felizes são gratas ou pessoas gratas é que são felizes? Penso que as duas premissas são corretas, mas gosto de recordar de uma frase de Norman Vincent Peale quando ele diz que “ser agradecido faz todas as coisas melhores.” A equação é simples. Pessoas gratas são felizes. Gratidão é o segredo do contentamento.
Ao somarmos realidade, subtraindo expectativa, teremos uma boa fórmula para a felicidade, que nos conduzirá, inexoravelmente, à gratidão. Por isto a Bíblia diz: “Contente-se com o que você tem, pois Deus afirma: nunca te deixarei, jamais te abandonarei.” (Hb 13.5) A presença de Deus é a nossa maior benção.
3. Precisamos entender quem é o Deus das Escrituras Sagradas. A fé em Deus é a base da alegria cristã. Acreditar que Ele está no controle de todas as coisas, mesmo quando não entendemos o que está acontecendo, nos dá paz, esperança e força para superar os desafios.
Paulo afirma: “Eu sei em quem tenho crido.” O salmista afirma: “Agora, sei que o SENHOR salva o seu ungido; ele lhe responderá do seu santo céu com a vitoriosa força de sua destra.” (Sl 20.6).
Nossa alegria é uma pessoa. Se quisermos encontrar alegria precisamos olhar para Deus. Nossa força e alegria encontram-se em Deus. A Bíblia não diz apenas, alegrai-vos sempre, mas, “Alegrai-vos sempre no Senhor.” Deus é a fonte do contentamento. Não há alegria fora de Deus. O problema é que queremos ter alegria sem a fonte da alegria; queremos paz, sem o Deus da paz. Queremos benção sem o Deus da benção.
Habacuque em meio a uma crise histórica sem precedente, que culminou no massacre do povo de Deus, a destruição de Jerusalém, do culto e da nação judaica, com crianças violentadas de todas as formas, famílias destruídas, mães mortas, fala de algo ultra circunstancial.
“Ainda que a figueira não floresça e não haja frutos nas videiras, ainda que a colheita de azeitonas não dê em nada e os campos fiquem vazios e improdutivos, ainda que os rebanhos morram nos campos e os currais fiquem vazios, mesmo assim me alegrarei no Senhor; exultarei no Deus de minha salvação!” (NVT) (Hc 3.17-18)
Você já passou por situação idêntica? Todas as perspectivas são péssimas. Numa economia baseada na agricultura e nos rebanhos, tudo o que ele poderia imaginar de ruim acontece:
Þ Figueira não floresce.
Þ Uva não produz
Þ Azeitona falha, não nasce
Þ Campos não produzem - seca, chuva, excessiva
Þ Ovelhas arrebatadas - ladrões, saques
Þ Não há gado nos currais.
Vamos traduzir isto para nossa economia: Existe uma crise de dinheiro, você perde o trabalho, funcionários começam a ser demitidos mais e mais. Você tem o aluguel para pagar, vem a doença, faltam recursos para compra de coisas básicas para casa. E agora?
O texto de Habacuque nos faz refletir sobre a teologia da Cruz: A teologia do “ainda que”. A teologia que não depende das circunstâncias. Está acima delas, porque Deus é fortaleza. Pode não acontecer nada de bom, todavia eu me alegro no Senhor.
A teologia bíblica é não do tipo masoquista: “Aleluia, estou com câncer!” Enfrentar com fé os problemas não quer dizer que estamos felizes com o caos, com a desordem, nem com a crise, mas fala de alguém que encontra sentido e alegria além das circunstâncias: “Todavia, eu me alegro no Senhor”.
Não há nenhum otimismo ingênuo, mas um profundo realismo. A situação parece conspirar, os fatos e as notícias são as piores, as coisas estão confusas e emaranhadas, mas existe um Deus que controla a história, e que sustenta a vida. Não é resignação, comodismo ou escapismo, mas alegria positiva no meio da dor e da ameaça. É possível regozijar-se na tribulação e ser triunfante a despeito da crise quando olhamos para Deus e não para os eventos.
4. Precisamos colocar a fonte da alegria no único que pode ser a fonte de nossa alegria. “Todavia, eu me alegro no Senhor e exulto no Deus da minha salvação” (Hc 3.18).
Mais uma vez citamos Habacuque. Ele estava com medo, alarmado, mas ainda que o pior acontecesse, o que de fato aconteceu, ele acredita que tem o melhor! Ele está com Deus. A mesma ideia é expressa em Paulo.
Todas as vezes que temos a ordem de nos alegrarmos, ela está relacionada à fonte da nossa alegria. Paulo afirma: “Alegrai-vos no Senhor, outra vez digo, alegrai-vos!” (Fp 4.4) Ele mesmo faz uma declaração maravilhosa sobre sua vida: “Alegrei-me sobremaneira no Senhor.” (Fp 4.10) O segredo deste estilo de vida só pode ser encontrado em Deus. Foi esta a experiência de Moisés. A Bíblia afirma que diante dos desafios e obstáculos quase intransponíveis, ele “permaneceu firme como aquele que vê o invisível.” (Hb 11.27). Seu olhar estava em Deus. Precisamos colocar nosso olhar em Deus.
Conclusão
Contentamento não significa negar as dificuldades da vida ou fingir que estamos sempre felizes, mas é uma experiência com o Deus que está acima da história, intervém na história e conduz a história. Esta alegria só será experimentada com a presença de Deus.
Quando pastoreava nos Estados Unidos, acompanhei uma mulher que se converteu e eu tive o privilégio de batizar. Ela era casada com uma pessoa de nossa comunidade e foi diagnosticada com uma enfermidade pesada. Ela sentia dores imensas. Um dia, conversando com ela já no seu estado terminal, ela relatou que quando a dor se tornava insuportável, ela saia do seu quarto para não perturbar seu marido, ia pra sala, para conversar com Deus e cantar louvores. Ela afirmou que no meio de todo sofrimento, ela encontrava uma alegria indizível, um gozo sobrenatural, pela visitação de Deus na sua vida.
Creio que é sobre isto que este texto está querendo nos ensinar, ao dizer: “Regozijai-vos sempre!” ninguém conseguirá entender o gozo e a alegria que homens e mulheres de Deus experimentaram na história, no meio de perseguição e angústias. A presença de Deus, e somente ela, é capaz de gerar regozijo em nossa alma.
Assim foi com Jesus. Há um texto de Isaias que diz: “Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte.” (Is 53.9) Esta é uma expressão quase desapercebida no relato do servo sofredor. Entretanto, Jesus, no meio da sua dor, ao morrer pelos nossos pecados, estava sendo visitado por Deus. Além do mais, ele não via sua morte como mera morte, nem sua dor como mera dor. O texto ainda afirma: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si.” (Is 53.11).
A glória de Jesus, seu regozijo e contentamento, não estava no espancamento que sofria, mas na beleza da sua obra de redenção, por meio da qual ele nos justificava diante do Pai, levando sobre si nossa iniquidade. Saber traduzir a dor e o sofrimento, é fundamental pra entendermos o que Deus fez em Cristo, e o que ele deseja fazer em nós.
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