Um dos grandes perigos da igreja moderna é deixar de ser uma igreja repleta de discípulos, seguidores de Cristo, e se transformar numa igreja consumidora, que se aproxima da comunidade para receber, e não para servir.
Este texto narra a multiplicação dos pães.
De forma maravilhosa Jesus lida com um problema muito comum na vida de muitas pessoas em tempos de escassez. Ele alimentou cinco mil homens, por causa do seu maravilhoso poder. Embora estejamos certos de que o milagre seja resultante de uma operação sobrenatural de Deus, é importante observar alguns princípios aplicados por Jesus neste texto.
Como vencer a escassez?
Jesus usa quatro princípios aplicáveis a cada um de nós, em qualquer realidade que estejamos vivendo.
1. Organização – “Disse Jesus: fazei o povo assentar-se” (Jo 6.10). Princípio simples. Em tempos e situações de escassez, com dinheiro curto, recursos limitados, é importante dar um pouco de ordem ao caos. Um pequeno planejamento pode gerar grande efeito.
Muitas pessoas estão com suas contas bancárias estouradas, devendo no cartão de crédito e cheque especial, a juros exorbitantes, sem saber como pagar, sofrendo pressões e angustiado por seus débitos, dando mau testemunho, perdendo sono, enfraquecendo o testemunho do evangelho. Precisam organizar a vida.
Jesus sabia que se não fosse estabelecida uma mínima ordem naquele ambiente de pessoas cansadas e com fome, seria impossível resolver o problema. Então seu primeiro princípio foi: “sente e organize!”
Quando assentamos, avaliamos, pensamos, descobrimos o que é supérfluo e necessário, repensamos prioridades, fazemos cortes e diminuímos gastos. Quando assim fazemos, descobrimos que é possível viver com menos, e mais simplicidade, podendo desfrutar tempo de refrigério. Sem organização não é possível ter ideia de como as coisas estão. Não há economia que funcione quando se gasta mais do que se recebe, quando as despesas são maiores que as receitas.
Isto se aplica não apenas a questão financeira, mas à dinâmica geral de nossa vida. Muitas vezes estamos desordenados nas nossas relações, com nosso tempo, com as demandas que a vida nos traz. É preciso avaliar. “Uma vida não analisada, não é uma vida digna de ser vivida”, afirmou Kierkegaard.
2. Gratidão – “Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribui-os entre eles.” (Jo 6.11).
Jesus agradece o pão que eles ainda não possuíam. Para resolver qualquer problema, a primeira coisa a fazer é orar.
Deus abençoa fidelidade. Quando as pessoas dependem de Deus, e levam sua gratidão e oração a Deus, muita coisa linda acontece. A botija de azeite começa a jorrar. A oração multiplica os recursos. Considere, porém, que não adianta orar sem organizar. Há muitas pessoas orando e gastando, com a contabilidade destroçada e sem planejamento, mas mesmo estouradas financeiramente, não deixam de ir ao shopping e restaurantes caros. Precisamos pedir graça, mas considerando a real situação que temos.
Em relação ao dinheiro, pelo menos dois princípios, duas regras simples, podem ser apreendidas na Bíblia:
a. Deus abençoa pessoas que tratam seus bens com seriedade. Sabem viver dentro dos seus limites. Como Deus pode abençoar uma pessoa desregrada?
b. Deus abençoa pessoas fiéis. O princípio da fidelidade na Bíblia está sempre associada com prosperidade e benção. São muitos textos bíblicos, tanto no AT, como no NT, que trazem promessas àqueles que colocam seus bens a serviço do reino. Como Deus abençoaria a infidelidade?
3. Generosidade - “Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribui-os entre eles.” (Jo 6.11) Jesus olhou os parcos recursos e fez algo impensável: mandou seus discípulos distribuírem.
É comum retermos quando passamos por dificuldades financeiras. Um conhecido ditado nordestino afirma: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Jesus contraria este princípio, ao tomar cinco pães e dois peixes, e distribuir. Este é o poder da generosidade, assim funciona a lei da semeadura. Quem quer colher, planta... para plantar é necessário abrir mão da semente. Muitos ainda insistem em comer a semente... (2 Co 9.10)
Mas podemos também retermos quando temos muito. Não é questão de quanto temos, mas de como tratamos a questão da doação. Por isto a Bíblia ordena a questão da proporcionalidade nas nossas doações. Quem tem muito deve abrir a dar, este é o princípio do reino.
Aprenda a dar, contribuir, distribuir. Desafie-se a abençoar outros, a investir no reino de Deus. Use seus bens para glorificar a Deus, edificar o reino de Deus e abençoar outras vidas.
4. Não desperdice – “E quando já estavam fartos, disse Jesus aos seus discípulos: recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca.” (Jo 6.12)
Jesus tinha poder para multiplicar muito mais, e parece ser um contrassenso mandar recolher o que sobrou, mas foi o que ele teve cuidado de fazer.
O princípio aqui é de que não podemos jogar fora a benção daquilo que Deus nos dá. O Brasil tem sido campeão de desperdício. Ha muitas famílias com dificuldade de ajudar, mas com grande facilidade em desperdiçar. Compra-se o que não precisa, joga comida fora, vive na cultura do supérfluo. Isto não se encaixa com a visão do reino de Deus, como nos ensina Jesus.
Há um provérbio que diz: “Compramos coisas que nao precisamos, com dinheiro que não temos, para impressionar pessoas que não gostamos.”
No final do texto, há uma lição de bom senso: “E encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada, que sobraram aos que haviam comido.” (Jo 6.13). O reino de Deus é lugar de abundância, mas não de desperdício.
Os consumidores
Depois de toda esta experiência maravilhosa da multiplicação, o texto narra a interessante reação de um grupo: “Vendo, pois, os homens, o sinal que Jesus fizera, disseram: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo. Sabendo, pois, Jesus, que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamaram rei, retirou-se novamente, sozinho, para o monte” (Jo 6.15).
No meio de todo este milagre, surge uma vertente curiosa: Os adoradores, que reconhecem a majestade de Cristo como Senhor, agora se confundem com os consumidores, que se aproximam de Jesus para tirar proveito dele.
Surge aqui o grupo dos adoradores/consumidores.
Na verdade não há adoradores que sejam consumidores, pois estas duas formas de se aproximar de Deus são antagônicas e inimigas, mas no meio dos adoradores, surge gente interessada em outra coisa. Eles viram Jesus como um produto, para alcançar e atingir determinadas ambições pessoais.
Esta é uma grande ameaça à fé em Cristo na pós-modernidade.
Ovelhas estão se transformando em clientes, consumidores, que buscam a igreja para receber os benefícios da fé, mas que não entenderam a importância do serviço, do arrependimento, do discipulado, nem a necessidade de seguir Jesus. Transformam Deus em servos. São apenas consumidores.
Uma música do grupo logos diz:
Eu
sinto verdadeiro espanto no meu coração
Em constatar que o evangelho já mudou
Quem ontem era servo agora acha-se Senhor
E diz a Deus como Ele tem que ser
Mas
o verdadeiro evangelho exalta a Deus
Ele é tão claro como a água que eu bebi
E não se negocia sua essência e poder
Se camuflado, a excelência perderá
(Grupo Logos: O Evangelho)
Eugene Peterson, faz a seguinte afirmação:
“Essa mentalidade de igreja-loja, onde esperamos encontrar um sabor que sacie cada preferência é espiritualmente destrutiva. Não vejo nada de bom surgindo do louvor de uma igreja que atende nossa preferência de adoração”.
Podemos distinguir algumas marcas deste tipo de adoradores:
Primeiramente, é um grupo exigente, sofisticado
Tem uma agenda pessoal sobre o tipo de produto que deseja, buscando melhor preço, comodidade e um bom custo/benefício.
Frequentam a igreja como se vai a um supermercado. Em busca de melhores disposições das prateleiras, melhores preços e ofertas. Se encontrarem outra igreja servindo Coca-Cola no bebedouro, com dízimo de 8%, vão se mudar de comunidade. Não são discípulos, mas consumidores.
Querem uma música de qualidade, uma boa palavra (que, preferencialmente não os incomode, não fale de seus pecados), mas não querem pagar por isto. Não contribuem, mas são críticos; não ofertam, mas reclamam do calor e do banco duro. Tem bom gosto, mas não querem servir como garçons e preferencialmente se assentam como clientes de um restaurante, trazendo seus guardanapos para serem servidos ao invés de virem à igreja com avental, prontos para servir.
Qualquer sacrifício é dolorido. Qualquer esforço, penoso. Querem o melhor que a igreja pode dar, mas não querem ser discípulos de Cristo. Por isto é fácil verem pessoas querendo cuidados especiais com seus filhos, mas que nunca se dispuseram para ajudar no berçário, nem no Ministério Infantil, jamais abriram suas casas para os pré-adolescentes se reunirem, jamais ofereceram um lanche, e nunca dispuseram de tempo para ajudar e apoiar os líderes de ministérios.
Consumismo é o gene do capitalismo. Os consumidores exigem e as companhias suprem suas exigência. É o que chamamos de On-Demand Society.
Em segundo lugar, estão sempre insatisfeitos
Parecem crianças mimadas, querendo satisfazer desejos e necessidades, mas não entenderam o evangelho. Jesus avalia seus seguidores e os critica exatamente por tal atitude. (Mt 11.16-19)
Crentes consumidores apreciam programas, estratégias, adrenalina nas programações, mas seus corações não estão sendo transformados pela submissão ao Evangelho e à Cristo. A adrenalina substitui a autêntica experiência com Deus. O consumismo religioso não é apenas uma força a ser domada, mas um sistema de valor antibíblico.
Não tem compromisso
Não sacrificarão nada de sua “boa vida”, para a obra do Senhor. Se a programação da igreja estiver num horário adequado, ele pode até atender, desde que não surja outra programação mais interessante. Nenhum sacrifício. A verdade, porém, é que fé que não custa nada, não vale nada.
Assentam-se confortavelmente em seus bancos, gostam do programa, do cardápio que a igreja oferece, mas se um programa infantil para seus filhos for melhor em outro lugar, se encontrarem um pastor com voz “mais aveludada”, que seja “politicamente correto”, que fale de um cristianismo soft , mudarão de endereço. A lógica é de um supermercado, o pensamento é de consumidor.
Conclusão
“Sabendo, pois, Jesus, que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamaram rei, retirou-se novamente, sozinho, para o monte.” (Jo 6.15)
Jesus percebe o movimento do coração destas pessoas e se afasta. Por que?
Jesus não quer ser rei de soluções terrenas, mas rei de seus corações. A obra de Cristo não é satisfazer o desejo político e consumista de alguns daqueles seguidores vorazes em sugar e ter ganhos pessoais.
Em seguida afirma: “Em verdade, em verdade vos digo: Vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes. ”(Jo 6.26)
Jesus censura a atitude consumista deste grupo, que se aproxima de forma interesseira, sem entender a centralidade de sua mensagem. São pessoas atrás de respostas rápidas, querem transformar Jesus naquilo que ele nunca quis ser. As pessoas estavam com uma visão equivocada sobre seu ministério. A proposta do evangelho era outra.
E então, Jesus adverte: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo.” (Jo 6.27)
A mentalidade consumista dos seguidores de Cristo precisa ser quebrada e confrontada.
Igreja não existe para atender todas necessidades e demandas de um povo consumista. Igreja é uma comunidade que deve ter a preocupação de transformar seus participantes em pessoas desejosas de servir, adorar, sacrificar e se necessário morrer para que o reino de Deus progrida.
A ordem de Jesus no grande mandamento é: “ide. Fazei discípulos de todas as nações.” ((Mt 28.19) Cristãos maduros devem ajudar aqueles que estão no processo de amadurecimento espiritual, a crescerem na graça de Deus, e que estes, por sua vez, cuidem de outros que serão alcançados pelo evangelho. É um processo contínuo de cuidado, amor, acolhimento.
É muito fácil transformar uma comunidade num supermercado, shopping ou restaurante, para onde vamos quando queremos, se quisermos, e se for conveniente. É necessário entender que há uma comida, pela qual você deve trabalhar. Jesus te convida para participar de seu reino, não como vassalo nem como nobres que precisam ser servidos, mas como súdito. O “reizinho”, exigente que governa sua vida precisa ser quebrado, para que a glória de Deus seja revelada.
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