A Exclusividade do Evangelho
Gl 1.1-9
Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos,
2 e todos os irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia,
3 graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do [nosso] Senhor Jesus Cristo,
4 o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai,
5 a quem seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém!
6 Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho,
7 o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo.
8 Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema.
9 Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.
Introdução
O livro primeiro publicado por Martinho Lutero foi “A Escravidão da Vontade”. A tese central de Lutero é que a vontade humana é escrava do pecado e incapaz de se salvar por si mesma. A salvação, segundo o reformador, é um dom gratuito de Deus, obtido pela fé em Jesus Cristo. Para Lutero, o pecado afeta toda a natureza humana, incluindo a vontade. O homem, por natureza, é incapaz de realizar boas obras que o levem à salvação.
A obra de Lutero foi escrita em resposta a Erasmo de Roterdã, outro teólogo importante da época que defendia uma visão mais otimista da natureza humana, acreditando que o homem, com o auxílio da graça divina, poderia cooperar com Deus em sua própria salvação. Lutero, por sua vez, argumentava que essa visão subestimava a profundidade do pecado e a soberania de Deus.
"A Escravidão da Vontade" teve um impacto profundo na Reforma Protestante, ajudando a moldar a teologia protestante sobre a salvação. A obra de Lutero continua a ser estudada e debatida até os dias de hoje. Lutero oferece uma perspectiva que desafia a autossuficiência humana e destaca a soberania de Deus e sua graça irresistível na obra da salvação.
Nada é pior que falharmos em crer no Evangelho da graça, porque não há outra alternativa ou substituto ao Evangelho (Gl 1.6-7). Os cristãos de Gálatas estavam dentro da igreja, mas estavam perdendo o Evangelho. (vs. 6) Eles estavam criando “outro evangelho”.
É assustador pensar isto, porque esta igreja havia sido fundada há cerca de 20 anos atrás. Como conseguiram se desviar tanto? “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro evangelho”(Gl 1.6). Paulo está assustado. As distorções foram rápidas demais. Haviam se convertido há pouco tempo atrás e já estavam assumindo posições teológicas completamente opostas àquelas que lhes haviam sido ensinadas.
Vários desvios podem ser assumidos pelos que seguem o evangelho:
A. Evangelho, menos alguma coisa – Isto acontece quando acreditamos que podemos aceitar determinadas verdades e rejeitar outras, não nos submetendo às exigências do Evangelho. “Creio ao meu modo” ou “faço do meu jeito”. Assim, suprime-se determinadas verdades para não serem incomodados, principalmente àquelas que estabelecem exigências morais, a importância da santidade e de compromisso com o reino;
B. Evangelho, mais alguma coisa – Isto é muito comum. Paulo enfrenta este problema com esta igreja da Galácia. Alguns judeus, queriam submeter os cristãos a determinadas regras do judaísmo, como “guardar dias, meses, e tempos e anos” (Gl 4.10), e Paulo afirma que isto seria voltar, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, os tornaria escravos (Gl 4.9).
É muito comum encontrarmos acréscimos ao Evangelho
Eis alguns exemplos:
Evangelho + o sábado (se você recebe Jesus, mas não guarda o sábado...)
Evangelho + rituais (Na Igreja Primitiva os discípulos tiveram que lidar com a questão da circuncisão. Era uma visão judaizante que cria que se não se circuncidavam não poderiam ser aceitos diante de Deus)
Evangelho + ascetismo (privação de alimentação, disciplina rigorosa
Evangelho + legalismo (proibição de determinadas comidas, usos e costumes, tipo de roupa, penteado, barba.)
Evangelho + um profeta. Existem pessoas que aceitam a Bíblia, mas seguem textos sagrados de “outros profetas”, e aceitam “novas revelações). Paulo diz que se alguem trouxesse outro evangelho, além do que haviam recebido, deveriam ser tratados como maldição.
Evangelho + Boas obras (você é salvo pela graça, e pelas obras ao mesmo tempo)
Quando o Evangelho precisa de mais alguma coisa, ou menos alguma coisa, estamos perdendo o evangelho. Os cristãos da Galácia estavam perdendo o evangelho para “outro evangelho”. O “outro”, é o “anti evangelho”, já que não existe “outro evangelho”, mas apenas pessoas que tentam perturbar e perverter o evangelho (Gl 1.7).
Assim surge o evangelho segundo os homens, ou “o evangelho dos santos evangélicos”, como afirmou Juan Carlos Ortiz. Pessoas que tentam “reinventar a mensagem”, dar uma roupagem nova ao conteúdo, sempre alterando sua essência, já que “o novo em teologia é quase sempre a negação do velho”(Robinson Cavalcante). Toda vez que ouvirmos que “A Bíblia precisa ser atualizada”, nós precisamos ficar assustados.
O que precisamos aprender sobre o Evangelho?
Primeiro, Jesus é o centro do Evangelho: “O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai.” Gl 1.4)
Jesus está no centro do Evangelho, ou antes, Jesus é o Evangelho. Se nossa pregação não chegar na vida, na morte, na ressurreição e na glorificação de Cristo, ainda não chegamos no Evangelho, estamos deixando o evangelho.
A mensagem do Evangelho é Cristo.
“Arrependei-vos, e crede no Evangelho” (Mc 1.15), o que são as boas novas? A mensagem de que Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo.
“Quem crer e for batizado, será salvo; quem não crê ja está condenado!”(Mc 16.16). Sua mensagem é simples e direta, sem mudança ou variação.
Você precisa de Jesus, precisa reconhecer o que ele fez. Precisa entender a realidade de seu pecado, e se arrepender de seus pecados, e do pecado mais sutil de todos: a justiça própria, que o leva a acreditar que você pode ser salvo sem o sacrifício de Cristo.
Segundo, o evangelho não tem substituto: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo.” (Gl 1.6,7)
Ele é único. Nada pode ser comparado ao evangelho. Não existe evangelização sem a mensagem central das Escrituras: Cristo. Pode ter doutrinação, cristianização, mas sem Jesus não há evangelho.
O Evangelho pode ser comparado a um vácuo, que alguns dicionários definem como”O que não contém nada; que não se acha ocupado por coisa alguma, algo oco, vazio. É também definido como espaço vazio, ou espaço absolutamente desprovido de conteúdo. Se você coloca alguma coisa no vácuo, ele deixa de ser vácuo.
A palavra de Deus adverte:
“Ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (Gl 1.8). Qualquer abordagem além do Evangelho, conduz-nos à morte e à maldição. A palavra “anátema”, citada duas vezes, significa maldição (Gl 1.8-9). Abandonar o Evangelho é abandonar a Jesus e trazer condenação sobre si mesmo.
Infelizmente, nosso natural desejo é construir um mundo à parte das “boas novas”, e focarmos nas nossas habilidades espirituais e morais, mas a Palavra de Deus é clara: “Sabendo contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também nós temos cridos em Jesus Cristo, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo, e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado” (Gl 2.16-17)
Qualquer outro caminho nos conduz à morte e nos distancia de Deus.
Terceiro, o Evangelho vem diretamente de Deus
Paulo inicia este texto dizendo: “Paulo, apóstolo, não da parte de homens nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus o Pai, que o ressuscitou dentre os mortos.” (Gl 1.1)
Deus inicia o processo, tudo vem dele. Isto é chamado em teologia de monergismo. “Não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós, pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus.” (2 Co 3.5) Paulo não inventou o Evangelho, esta mensagem não é fruto da elucubração humana, mas vem de Deus.
Num debate entre diversos líderes religiosos em Londres, perguntaram a C.S.Lewis qual era o diferencial do cristianismo em relação às demais religiões, e ele respondeu: A graça! Ele argumentou que muitas religiões pagãs, falam da ressurreição de seus heróis ou líderes, outras asseveram que eles tiveram um nascimento sobrenatural, algumas declaram sua divindade, mas o específico no cristianismo é o fato de que o homem não salva a si mesmo, mas é salvo por Deus. O diferencial é a graça. Tudo vem de Deus!
“Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem,12 porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.” (Gl 1.11,12). Isto é o evangelho.
Conclusão
Será que estamos vivendo no Evangelho e na graça? Paulo afirma o seguinte:
“Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado.” (Gl 2.18).
Perder o Evangelho é perder o centro da mensagem das Escrituras. Quando perdemos o evangelho, começamos a fazer coisas para convencer a Deus de nossa bondade. Quando fazemos isto, o centro da atenção somos nós, nossa competência, nosso currículo moral, nossa espiritualidade, nossa fé. Estamos ainda olhando para nós mesmos. Acreditamos que criamos um portfólio e que Deus está nos devendo. Por isto, ganhamos nossa salvação pela nossa bondade, por boas obras, por caridade. Deixamos de olhar para a obra de Cristo e ficamos olhando para nossa competência, e assim estamos perdendo o evangelho.
O que acontece quando tiramos os olhos de Cristo e colocamos em nós? Em Gl 5.4 lemos: “De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes.”
Veja como facilmente nos distraímos:
q Toda vez que tentamos comprar o favor de Deus estamos perdendo a dimensão da graça. Toda benção espiritual chega até nós somente pela graça, através dos méritos de Jesus Cristo. Sempre ficamos com a impressão de que, se não fizermos todas as nossas obrigações cristãs, deixaremos de receber as bênçãos de Deus. Na verdade, “nada do que eu faça, ou deixe de fazer, fará com que Deus me ame mais ou menos. Ele o ama unicamente pela graça demonstrada através de Jesus”. (Howard Hendricks, professor do Dallas Theological Seminary).
q Toda vez que dependo do meu esforço, estou perdendo o Evangelho . Creio que para compreender como estamos em relação ao Evangelho, precisamos checar nossos princípios perguntando: “Eu entendo que Jesus morreu por mim?”(M. Lloyd Jones).
q Outra questão importante é a seguinte: Você ainda pensa que se não tiver uma boa performance Deus não o amará?
Lutero disse alguma coisa semelhante:
“Durante vinte anos eu tenho ensinado e acolhido a doutrina da suficiência de fé nos méritos de Cristo, pelos quais somos aceitos perante o tribunal de Deus: contudo, aquele velho e tenaz engano me assedia de tal forma que ainda descubro uma tendência de aproximar-me de Deus trazendo alguma coisa em minha mão, pela qual possa merecer a sua graça”.
Veja como isto é desafiador.
Fui ordenado ao Sagrado Ministério em Janeiro de 1981, e de lá para cá estou sempre pregando a Bíblia e anunciando as boas novas, entretanto, muitas vezes percebo que somente agora estou começando a entender o que significa a graça na minha própria vida.
Vivendo o Evangelho da Graça
A. Toda vez que tento viver confiado em mim mesmo, estou perdendo o Evangelho
O inimigo número 1 do Evangelho é a justiça própria, confiar em si mesmo para salvação. Vale a pena ver como o apóstolo Paulo percebe isto em Fp 3.9-10. Portanto, precisamos nos arrepender de nossa justiça própria.
B. Toda vez que tento comprar o favor de Deus, estou me desviando do evangelho, afinal, somos salvos pelos méritos nossos ou pelos méritos de Cristo? Ao vivermos em santidade e louvor, a base deve ser sempre a gratidão e não o mérito. A graça não é meritória: Se é mérito não é graça, se é graça, não é mérito! Você não faz algo ou dá algo para Deus para ganhar algo de Deus, mas porque você já ganhou algo de Deus.
C. Toda vez que dependo de meu esforço, estou esquecendo de Deus – É sempre assim que acontece. Quando você realmente se desespera de você, o evangelho tem uma grande possibilidade de florescer em seu coração, então, corra sempre em direção ao Evangelho. Os puritanos afirmavam: “toda vez que você olhar para você, olha 10 vezes para a cruz.” Tire os olhos dos seus esforços pessoais. O Evangelho não é sobre você, é sobre Jesus. Não sobre o que você faz, mas sobre o que Cristo fez.
D. Como você deseja se apresentar diante do tribunal de Cristo? Com seu currículo espiritual e moral, ou com os méritos de Cristo. Paulo afirma: “Quero ser encontrado diante de Deus, não tendo justiça própria, mas a de Cristo” (Fp 3.10). Você entende o que isto significa?
A cruz totalmente cobre o abismo entre a santidade infinita de Deus, e a imensa profundidade do meu pecado.
Portanto, à medida que cremos no evangelho, a justiça de Cristo fecha o abismo e descansamos na nossa nova identidade. (Fp 3.9). A nova identidade não é algo que alguém gruda nas suas costas, mas algo que define quem você é, você deve constantemente lembrar-se: ”Eu sou justificado pela fé. Eu sou perdoado. Eu sou justificado. Eu tenho uma ficha limpa.” Não só eu tenho uma ficha limpa, como a justiça de Cristo está indelevelmente escrita em minha ficha. Não só ganhei uma passagem para o céu, mas fui adotado. Eu sou filho ou filha do Rei. Deus tem prazer em mim. Êle se regozija em mim. A mensagem da cruz é muito simples: paradoxalmente quanto mais você cresce na vida cristã, mais você percebe a magnitude de seu pecado e mais você compreende a graça e a obra de Cristo a seu favor.
Portanto, fé salvadora significa permitir que a cruz exploda em tamanho.Crer é doloroso porque crer é se expor. Eu reconheço a seriedade do meu pecado, e sou capaz de admitir minha natureza e enfrentar meus pecados, não apenas quando sou descoberto fazendo o mal.
Podemos admitir nossa incompetência, confessar nossa irritabilidade, arrepender-nos de nosso discurso e seguirmos em frente. Quando vemos a cruz se tornar maior podemos dizer “Eu sou um pecador! Jesus é tão grande salvador que Ele pode cobrir esse pecado!” Nós não estamos mais fechados no nosso padrão protetor de irritabilidade e crítica. Todo padrão de auto-glorificação e auto-proteção pode ser desfeito. A cruz se torna nossa alegria e prazer.
O movimento da realidade de nosso pecado para a realidade da cruz é muito libertador, mas também paradoxal. “Não sou quem vive mas Cristo vive em mim”. Somos agora pela fé capazes de parar de nos defender, de estarmos felizes mesmo quando nossa reputação é questionada, e parar de criticar os outros (que é uma maneira de melhorar nosso boletim (recorde), fazendo com que o boletim dos outros seja pior). Nós podemos relaxar porque nós não mais estamos tentando achar nossa justiça própria pela melhora do nosso boletim, mas estamos descansando na justiça de Cristo somente.
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