O DEUS QUE NÃO DESISTE DE AMAR
João 21
"Tu me amas? Segue-me" (Jo 21.15,19)
Introdução
Em geral identificamos vida com Deus com compromissos externos, religiosidade e rituais, no entanto, o foco de Deus sempre foi o coração: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deu, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" (Dt 6.4-6). Ao olharmos para nossas fraquezas, frequentemente perguntamos: Será que Deus pode amar alguém como eu? Incoerente, desobediente, com fraqueza de caráter?
Este texto nos relata a relação de Jesus com Pedro.
- Seu temperamento inconstante
- Pedro era ambíguo: "Retira-te de mim que sou homem pecador" (Mc 5.8)
- Autoconfiante: "Se és tu, Senhor, manda-me ir ter contigo, por sobre as águas" (Mt 14.28).
- Faz confissões impressionantes: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo"(Mt 16.16)
- Faz declarações de fidelidade: "Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim" (Mt 26.33), e naquela mesma noite o trai (Mt 26.69-75).
Apesar de todas estas experiencias com Jesus, suas fraquezas são muito evidentes.
- A fragilidade de caráter
Além de seu temperamento inconstante, tinha uma personalidade dúbia. Diante da pressão na casa de Caifás ele nega, jura e pragueja...Reputação tem a ver com aquilo que os outros pensam que você é, caráter é aquilo que você é realmente.
- Quando Jesus encontrou Pedro ele afirmou: “E levou-o a Jesus. E, olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro)” (Jo 1.42)
- O nome Simão significa “areia” e Pedro "rocha". Ao mudar o nome de Simão para Pedro, Jesus estava atribuindo a ele um novo significado e uma nova missão. Ele deixaria de ser alguém “fragmentado”, para ser “sólido.”
- A mudança de nome representa uma transformação interior e uma nova identidade para Simão. Jesus viu em Simão um potencial que ia além de suas origens e de suas experiências anteriores.
- Jesus vê potencial e solidez onde só vemos fragmentos.
- Seus conflitos psicológicos - Suas contradições e negação: "Não conheço tal homem" (Mt 26.72). Pedro nega a amizade, vocação e história. Negou o amigo pessoal, o Deus que estava em Cristo.
Suas experiências de negação e afirmação:
Em Caifás: "Não conheço tal homem" (Mt 26.72). A experiência de negar o melhor amigo, é angustiante. Lucas diz: "voltando-se o Senhor, fixou os olhos em Pedro"(Lc 22.61), e ele, "saindo dali, chorou amargamente" (Lc 22.61).
Pedro nega a amizade, sua vocação e sua história. O sentido de sua existência. Negou o amigo pessoal, o Deus que estava em Cristo. Como será que ele dormiu da sexta para o sábado? Pedro era fragmento, pó, poeira, zero. Sua autoimagem era um nada e desiste de si mesmo. Pescador de homens? Não tinha estirpe, só pescava num mar de 21 x 12 km de extensão.
A obra de Cristo
Após a ressurreição, há uma nota interessante em Marcos: "Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro" (Mc 16.7). Por que destacar o nome de Pedro?
O que você pensa sobre isto?
Provavelmente Pedro estava tão envergonhado que não acreditava que alguma coisa poderia ser reparada, nem que pudesse ter qualquer lugar entre os apóstolos. Com esta palavra direta, o anjo envia um recado: Pedro ainda está nos planos de Deus.
Conclusão
Como Jesus age para trazer cura para Pedro?
- Pergunta como vai o seu amor, o seu coração?
Esta é a única questão que realmente importa. Pergunta 3 vezes. Que processo se encontra por detrás destas questões? Jesus quer que Pedro vença a negação, por isto o faz afirmar tantas vezes quantas negou. Três vezes negou, três vezes afirma seu amor.
Jesus deixa claro que a grande questão é: você me ama? Enquanto não tiver amor por Jesus, não mais interessa. Pedro entende isto, e mais claro ensina sobre isto (1 Pe 5.10,11). Afirma que o Deus de toda graça aperfeiçoa e fundamenta nosso caráter.
Tu me amas?
- Cura suas memórias - A ideia de "braseiro" só aparece duas vezes na Bíblia: Em Jo 21.9, e em Caifás (Jo 18.18). A primeira vez no meio do fracasso e da mentira, a segunda no contexto do perdão e da graça. Não é isto um fato interessante?
Precisamos ser não apenas redimidos e perdoados, mas curados na memória. É necessário enfrentaram culpas, traumas e dores para não continuar preso com as amarras da consciência. Memórias negativas são pesos amarrados ao corpo de um nadador.
Uma nova imagem apaga aquela antiga imagem de fracassos, tira espinhos dolorosos da alma. Uma amargura antiga que se arraiga no coração, sentimentos negativos dirigidos aos pais, memórias reprimidas, infeccionadas, são curadas, não pelo tempo, mas pela experiência do perdão. Quanto mais tentamos manter as memórias negativas fora do alcance do consciente, mais poderosas elas se tornam se as reprimimos. Não entram pela porta da frente, pela consciência, mas entram de maneira disfarçada e destrutiva, como uma cortina de fumaça, pelo inconsciente. Esses problemas negados ficam submersos e mais tarde aparecem sob a forma de males físicos, situações conjugais infelizes e ciclos repetidos de frustração espiritual e relacionamentos destrutivos.
Alguns precisam ser curados na memória, pessoas que nunca enfrentaram seus traumas e dores continuam presas num certo estágio de seu desenvolvimento emocional. Seus corpos têm tamanho adulto, suas mentes adultas, mas suas emoções jamais passaram de um certo nível de amadurecimento. Essas memórias negativas são como pesos amarrados ao corpo de um nadador. Eles insistem em afundá-lo, consumindo energia emocional e espiritual que impede o progresso.
Luciana Bernardes que possui uma boa formação em neurociência, nos ajuda a entender isto:
“Todas as nossas experiências ao longo da vida vão formando, formatando as memórias e essas são carregadas de significados e sentimentos. Essas memórias de todas as experiências que nós vivemos, são fixadas, sedimentadas, por meio de forte parte emocional ou então por repetição. Até porque se a gente fosse guardar todas as memórias seriam bilhões, trilhões. Então há uma seleção natural. E o que fica então? O que realmente é guardado? O que nós conseguimos lembrar? Tudo aquilo que foi acontecendo ao longo da vida repetindo às vezes ou então aquilo que veio sob forte parte emocional, que seja ele bom ou ruim. E na neurociência nós temos ferramentas para trabalhar, para ressignificar traumas, memórias negativas ou então crenças. Crenças de incapacidade, crenças de escassez. Então como que a neurociência faz? Como que ela trabalha essas ferramentas? Reprogramando através da neuroplasticidade. Essa função neural ela tem a capacidade de reconstituir uma memória. Uma memória falha, uma memória de dor, uma memória ruim.”
“Então há uma reprogramação mental, a gente leva a pessoa que tem o interesse de reprogramar, de ressignificar ao fato e ali naquele momento do fato a gente ressignifica empilhando novas lembranças, novas memórias, então é por empilhamento, por repetição ou isso pode ser feito também sobre forte impacto emocional, então isso é uma reprogramação neural, é colocar novos significados, novos sentimentos, novas emoções ao fato, não é esquecer, não é fingir que não sabe, fingir que não lembra, não é esquecimento, é lembrar do fato mas dando um novo sentido, um novo significado e aí você lembra do fato mas não chora, você lembra do fato e não dói, porque você empilhou novas memórias, você construiu na sua mente novas memórias.”
Ela ainda complementa dizendo:
“E assim foi com Pedro. Que coisa mais linda! Jesus já reprogramava a mente, dando novo sentido, novo significado ao fato. Pedro negou a Cristo três vezes e Jesus ressignificou. Como? Perguntando. E por três vezes ele disse, sim, sim, senhor, tu sabes, sim, eu te amo. Então, do mesmo jeitinho que ele fez e causou aquele trauma, aquela dor, aquele arrependimento, Deus reprogramou, trazendo novas memórias. Quando ele lembra agora, ele não lembra mais da negação, ele vai lembrar quando ele falou por três vezes, eu amo, tu sabes, senhor. Então, trouxe um novo significado e um novo sentimento.”
Jesus aproxima as imagens. Leva-o para perto do braseiro. Lugar de negação e de graça. Revive sua experiência de negação, faze-o sofrer esta dor da traição, leva-o ao encontro nevrálgico. Jesus não encobre seu pecado, mas fá-lo entender o perdão. Faze-o sofrer a dor da traição, leva-o ao encontro nevrálgico. Jesus não o encobre seu pecado, mas fá-lo entender que Deus é perdoador.
- Jesus toca na sua dor
Testa seu amor. Pedro entristeceu-se pela insistência de Jesus em perguntar pelo seu amor (Jo 21.17). Não foi uma experiência fácil, mas foi libertadora. Jesus não se silenciou, mas o levou a entender a gravidade de seu mal e lhe deu a chance de se expressar e curar.
- Jesus reafirma sua vocação
Tira dele o peso que tal lembrança trazia e o coloca na rota da vocação e da fé. “Apascenta minhas ovelhas” (21.15,16,17). Por isto ele lhe dá missão, depois de cada diálogo. Jesus reafirma seu lugar no Reino - “Segue-me” (Jo 21.19). Encoraja-o a não deixar de seguir a carreira cristã apesar de todo o seu fracasso, Insiste para que ele não deixe de segui-lo, fazendo-o entender que, apesar de sua fraqueza, não deveria deixar de segui-lo.
Pedro tem assim, um reencontro com sua identidade. Jesus lhe diz que não está zangado com ele, demonstra assim que já o perdoou, traz novamente os privilégios antigos. Jesus não lhe diz: “Não me siga mais porque você fracassou antes”, mas fá-lo entender que, apesar de sua fraqueza, não deixe deixar de segui-lo.
Pedro se vê tão confrontado e impactado que busca tirar de si a atenção e volta-se para o problema de João: “E quanto a este?” (Jo 21.21). Jesus responde de forma direta e breve, mas volta à questão nevrálgica do seu problema: “Quanto a ti, segue-me” (Jo 21.22). O problema não é o outro, nem meu irmão. Não podemos deslocar nosso olhar. Deus está falando conosco.
Após a ressurreição, há uma nota interessante em Marcos: "Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro" (Mc 16.7). Por que destacar o nome de Pedro?
Aquelas noites estavam sendo longas para Pedro, por isto vai pescar, se distrair. Na manhã, Jesus o encontra. O que será que passou pela mente de Pedro? Esta era a hora do encontro, do acerto: Novamente estão diante de uma fogueira, o que vai acontecer?
Jesus trabalha na questão fundamental que é a fórmula de Deus lidar conosco:
"Tu me amas? segue-me!”
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